1. BREVE INTRÓITO.
Trataremos, pois, de discorrer sobre a polêmica norma técnica reeditada pelo Ministério da Saúde no dia 22 de março de 2.005, que orienta sobre a prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes, e que traz como principal novidade a não exigência da apresentação do Boletim de Ocorrência (BO) pelas vítimas de estupro para a realização do aborto legal. A norma técnica faz parte de uma estratégia do governo para a distribuição de manuais técnicos e cartilhas para gestores de políticas públicas, médicos e hospitais. Esta norma técnica já havia sido editada em 1.999, só que agora foi reeeditada com várias alterações, e a principal delas é que foi incluído um dispositivo que trata do aborto legal – no caso de estupro, e a inexigência de apresentar o Boletim de Ocorrência para poder a vítima receber do Estado todo amparo social, psicológico e médico necessários para o abortamento. A questão norteadora é que os médicos estão na verdade inseguros diante desta nova norma, isto porque, em nada garante ao médico que em sendo constatada a não veracidade dos fatos relatados pelas vítimas, ele não responda a um processo criminal. Fato este, que levou diversos setores da nossa sociedade a se manifestar sobre o tema, inclusive o CFM – O Conselho Federal de Medicina que se posicionou no dia 18.04.05, no sentido de que os médicos deverão continuar exigindo o Boletim de Ocorrência para a pratica do aborto legal – conforme iremos discorrer adiante.
2. A NORMA TÉCNICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE.
No dia 22 de março de 2.005, o Ministério da Saúde reeditou a Norma Técnica que orienta sobre Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, e que traz como principal novidade a não exigência da apresentação do Boletim de Ocorrência pela vítima de estupro para a realização de aborto legal.
O Ministério da Saúde esclareceu que a norma não tem como propósito substituir o que diz a legislação em vigor, mas apenas orientar os serviços públicos de saúde para ampliar o acesso e a humanização no atendimento às mulheres. – A norma não tem caráter legislativo, ela tem o objetivo de orientar. Não estamos interferindo nem nas questões do Judiciário nem nas questões do Legislativo. 1
3. PRINCIPAIS PONTOS DA NORMA TÉCNICA NO TOCANTE AO ABORTO E A INEXIGÊNCIA DO BOLETIM DE OCORRÊNCIA2:
ÍTEM 9 DA NORMA TÉCNICA: GRAVIDEZ DECORRENTE DE VIOLÊNCIA SEXUAL
Entre as conseqüências da violência sexual, a gravidez destaca-se pela complexidade das reações psicológicas, sociais e biológicas que determina. A gestação indesejada ou forçada é encarada como uma segunda violência, intolerável para muitas mulheres.
O problema se agrava na medida em que parte importante das mulheres ainda não tem acesso a serviços de saúde que realizem o abortamento, mesmo quando previsto e permitido pela legislação. Por falta de informação sobre seus direitos ou por dificuldade de acesso a serviços seguros, muitas mulheres, convencidas de interromper a gestação, recorrem aos serviços clandestinos de abortamento, freqüentemente em condições inseguras e com graves conseqüências para a saúde, incluindo-se a morte da mulher.
No plano internacional, as Conferências das Nações Unidas, das quais o Brasil é signatário, reconhecem a importância do problema no campo da saúde e da autodeterminação sexual e reprodutiva. Segundo a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, Viena (1993), "os direitos das mulheres e meninas são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais".
No mesmo sentido, a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cairo (1994), e a Conferência Mundial sobre a Mulher, Beijing (1995), afirmam que os direitos reprodutivos são fundamentais para os direitos humanos. Incluem o direito de todo casal e indivíduo a ter controle e decisão sobre as questões relativas à sua sexualidade e reprodução, livres de coerção, discriminação e violência. Na conferência de Cairo+5, acrescenta-se que "em circunstâncias em que o aborto não é contra a lei, o sistema de saúde deve treinar e equipar os provedores de serviços de saúde e deve tomar outras medidas para assegurar-se de que tais abortos sejam seguros e acessíveis".
A importância específica dos serviços de saúde, dentro desse contexto, é destacada pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (ONU, 1979) e pela Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (OEA, 1994). A prevenção da gravidez não desejada, do abortamento e de suas conseqüências são de alta prioridade para profissionais de saúde. Às mulheres deve ser garantido o acesso à informação e orientação humana e solidária; ao abortamento previsto em lei; à atenção de qualidade em complicações derivadas de abortamentos; e ao planejamento reprodutivo pós-abortamento para, inclusive, evitar abortamentos repetidos.
ALTERNATIVAS FRENTE À GRAVIDEZ DECORRENTE DE VIOLÊNCIA SEXUAL
A mulher em situação de gravidez decorrente de violência sexual, bem como a adolescente e seus representantes legais, devem ser esclarecidos sobre as alternativas legais quanto ao destino da gestação e sobre as possibilidades de atenção nos serviços de saúde. É direito dessas mulheres e adolescentes serem informadas da possibilidade de interrupção da gravidez, conforme Decreto-Lei n.º 2848, de 7 de dezembro de 1940, art. 128, inciso II, do Código Penal.
Da mesma forma e com mesma ênfase, devem ser esclarecidas do direito e da possibilidade de manterem a gestação até o seu término, garantindo-se os cuidados pré-natais apropriados para a situação. Nesse caso, também devem receber informações completas e precisas sobre as alternativas após o nascimento, que incluem a escolha entre permanecer com a criança e inseri-la na família, ou proceder com os mecanismos legais de doação. Nessa última hipótese, os serviços de saúde devem providenciar as medidas necessárias junto às autoridades que compõem a rede de atendimento para garantir o processo regular de adoção. (Grifei)
4. A NORMA TÉCNICA E O DIREITO PENAL
ASPECTOS LEGAIS
De acordo com o Decreto-Lei n.º 2848, de 7 de dezembro de 1940, art. 128, inciso II, do Código Penal, o abortamento é permitido quando a gravidez resulta de estupro ou, por analogia, de outra forma de violência sexual. Constitui um direito da mulher, que tem garantido, pela Constituição Federal e pelas Normas e Tratados Internacionais de Direitos Humanos, o direito à integral assistência médica e à plena garantia de sua saúde sexual e reprodutiva.
O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nesse caso, a não ser o consentimento da mulher. Assim, a mulher que sofre violência sexual não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento. O Código Penal afirma que a palavra da mulher que busca os serviços de saúde afirmando ter sofrido violência deve ter credibilidade, ética e legalmente, devendo ser recebida como presunção de veracidade. O objetivo do serviço de saúde é garantir o exercício do direito à saúde. Seus procedimentos não devem ser confundidos com os procedimentos reservados à polícia ou à Justiça. O(a) médico(a) e demais profissionais de saúde não devem temer possíveis conseqüências jurídicas, caso revele-se posteriormente que a gravidez não foi resultado de violência sexual. Segundo o Código Penal, art. 20, § 1º, "é isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima". Se todas as cautelas procedimentais foram cumpridas pelo serviço de saúde, no caso de verificar-se, posteriormente, a inverdade da alegação, somente a gestante, em tal caso, responderá criminalmente.
CONSENTIMENTO
Segundo o Código Penal, é imprescindível o consentimento por escrito da mulher para a realização do abortamento em caso de violência sexual, que deve ser anexado ao prontuário médico. O Código Civil estabelece que, a partir dos 18 anos, a mulher é considerada capaz de consentir sozinha para a realização do abortamento. Entre 16 e 18 anos, a adolescente deve ser assistida pelos pais ou pelo representante legal, que se manifestam com ela. Se a adolescente ou criança tem idade menor que 16 anos, deve ser representada pelos pais ou por seu representante legal, que se manifestam por ela.
O consentimento do(a) representante legal também é necessário se a mulher, por qualquer razão, não tiver condição de discernimento e expressão de sua vontade, a exemplo das deficientes mentais. É desejável que conste no termo de consentimento a informação à mulher ou a seu representante legal da possibilidade de responsabilização criminal, caso as declarações prestadas forem falsas, conforme art. 299 do Código Penal, sem prejuízo para a credibilidade da palavra da mulher. De qualquer forma, sempre que a mulher ou adolescente tiver condições de discernimento e de expressão de sua vontade, deverá também consentir. Também deverá ser respeitada a sua vontade se não consentir com o abortamento, que não deverá ser praticado, ainda que os seus representantes legais assim o queiram.
A realização do abortamento não se condiciona à decisão judicial que ateste e decida se ocorreu estupro ou violência sexual. Portanto, a lei penal brasileira não exige alvará ou autorização judicial para a realização do abortamento em casos de gravidez decorrente violência sexual. O mesmo cabe para o Boletim de Ocorrência Policial e para o laudo do Exame de Corpo de Delito e Conjunção Carnal, do Instituo Médico Legal. Embora esses documentos possam ser desejáveis em algumas circunstâncias, a realização do abortamento não está condicionada à apresentação deste. Não há sustentação legal para que os serviços de saúde neguem o procedimento, caso a mulher não possa apresentá-los. (Grifei)
5. REPERCUSSÕES SOBRE A NORMA TÉCNICA.
Especialistas e autoridades ouvidos pelo Jornal do CREMESP (n. 211 – edição de março de 2.005), comentam aspectos éticos e técnicos do assunto, que ainda será motivo de debates e deliberação do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, aqui ressaltamos algumas delas, in verbis3:
Ademar Rigueira – Conselho Federal da OAB – ‘’A norma deveria ser revista até que seja feita uma discussão maior, de forma a estabelecermos uma blindagem para que os médicos não fiquem tão expostos a ações judiciais diante da não exigência de BO, nem haja estímulo à prática de abortos sem comprovação de estupro. A norma foi baixada com a melhor das intenções – de evitar o constrangimento pelo qual a mulher passa durante o registro da ocorrência –, mas só a partir da apresentação do BO é possível dar origem ao inquérito policial para investigação do crime de estupro’’.
Gabriel Oselka – Centro de Bioética do Cremesp – ‘’O que a legislação exige está de acordo com prática comum entre os médicos que é a obtenção daquilo que poderíamos chamar de consentimento livre e esclarecido. Ou seja, os médicos vão ser informados da história de estupro e obter o consentimento, a manifestação expressa da vontade da mulher para realizar o aborto legal. De posse de um documento desse tipo – que inclui, entre outros pontos, que se a paciente estiver mentindo pode sofrer conseqüências legais – ao médico não caberiam outras medidas que não as da área médica. Ou seja, implementar algo que concorda com a legislação e com nossa própria prática ética, que é garantir o respeito à autonomia da mulher. Ao realizar o atendimento, o médico deve partir da presunção de veracidade da paciente. Porém, se foi enganado, ninguém poderá caracterizar seu ato como infração jurídica ou ética. E é bom lembrar: o médico não é obrigado a realizar o aborto se o ato for contrário aos ditames da sua consciência’’.
Osmar Colás – Programas de Aborto Legal da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo – ‘’Em 1989 montamos, no Hospital do Jabaquara, o 1º programa de aborto Legal da América Latina, voltado à vítima de violência sexual. Naquela época sabíamos que o BO não era obrigatório, mas pensamos que seria o mais adequado para nos dar respaldo legal. Com o passar do tempo percebemos que, na prática, ele não resolve nada. Nenhum médico vai praticar o aborto legal sem contar com respaldo de equipe multidisciplinar e de seus colegas, pois são casos expostos em reuniões clínicas. Ao indicar a não obrigatoriedade do BO, o Ministério da Saúde não pretende dizer que as mulheres não devem fazer o boletim. A mulher deve, sim, denunciar, já que é vítima. E está exercendo seu direito à cidadania. A liberação foi pensada no sentido de atender a determinadas situações especiais em que não houve a coragem ou possibilidade de passar por certos constrangimentos’’.
6. O POSICIONAMENTO DE ALGUNS CONSELHOS DE MEDICINA
O Conselho Regional de Medicina do Maranhão (CRM/MA) orientou os médicos a realizarem aborto em casos de estupro somente após a apresentação do boletim de ocorrência policial (BO). O Conselho é a primeira entidade médica do país a se posicionar contra a norma técnica do Ministério da Saúde, que autoriza os serviços médicos a realizarem abortos sem a necessidade de apresentação do BO. (Silva Diniz – da Agência Brasil – www.radiobras.gov.br, 2005)
Representantes de Conselhos Regionais de Medicina (CRM) afirmam que médicos e hospitais ainda exigem o boletim de ocorrência (BO) para realização de aborto em caso de estupro. A prática contraria norma editada pelo Ministério da Saúde em março.Em alguns estados, como Bahia, Goiás e Rio de Janeiro, os conselhos não impõem regras, mas orientam os profissionais da área de saúde a pedirem o boletim. No Maranhão, o CRM determinou, por meio de uma resolução, que os médicos só façam abortos após a apresentação do documento. De acordo com o presidente do CRM/DF, Eduardo Guerra, a norma não indica motivos evidentes para a dispensa do boletim. "Não há nenhuma razão plausível para a dispensa do BO", comenta. Segundo ele, o Código Penal não exige o documento. No entanto, o presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Nélson Jobim, afirmou que o médico pode ser condenado criminalmente pela prática. "É uma norma técnica que está em aparente contradição com o ordenamento jurídico. É absolutamente inócua e vai cair no desuso por si só", prevê. 4
O CFM – Conselho Federal de Medicina diz que médico deve exigir boletim de ocorrência para execução de aborto legal (18.04.05). A orientação foi dada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) na nota em que se posicionou sobre a norma técnica lançada pelo Ministério da Saúde no dia 22 de março, que autoriza os serviços médicos a realizarem abortos em caso de estupro, sem necessidade de apresentação do boletim de ocorrência policial. Segundo a nota do CFM, a recomendação se deve à "imensa fragilidade a que os médicos envolvidos nesses atendimentos ficaram submetidos, em decorrência das orientações contraditórias apresentadas".
O Conselho Federal de Medicina reconhece que o programa do Ministério da Saúde de assistência à gestante vítima de violência representa um grande avanço na qualidade da atenção à saúde, mas considera importante que haja instrumentos para a identificação e punição dos agressores. A nota ressalta que, se o atendimento policial é por vezes constrangedor às vítimas, esse trabalho poderia ser deslocado para dentro do ambiente hospitalar, onde, "em conjuto com outros profissionais, possa o registro da violência se dar com total proteção física e emocional à mulher". 5
Já para o médico Isac Jorge Filho6, presidente do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo), a não-exigência do boletim de ocorrência para a realização do aborto legal após estupro pode aumentar o número de abortos ilegais. Para ele, a norma representa um sério risco à saúde pública. "Os médicos não têm como investigar se a mulher está ou não falando a verdade. Isso é uma coisa muito séria. Pode levar os hospitais a se transformar em uma indústria de abortos."
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Nelson Jobim, disse que não estão livres de processo criminal os médicos que seguirem a recomendação do Ministério da Saúde de fazer aborto na rede pública em mulheres que alegarem ter engravidado após estupro, mas não apresentarem boletim de ocorrência sobre a violência sexual. "Não tem valor ato do Executivo dizendo que determinado assunto não tem conseqüência jurídica", disse Jobim, sugerindo que a norma, a ser publicada, é inócua, ou seja, sem validade legal. Ele acrescentou que apenas lei ou decisão do Judiciário podem dar esse tipo de garantia aos cidadãos.7
7. A IN(SEGURANÇA) DOS MÉDICOS EM PRATICAR O ABORTO LEGAL.
Diante destes posicionamentos que trouxemos até este ponto e os comentários do Excelentíssino Presidente do STF -, está claro que ainda não há um consenso no tocante a prática do aborto legal sem a apresentação do Boletim de Ocorrência, a insegurança então, deste modo está gerada.
7.1. OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA – UM DIREITO DO MÉDICO7.
É certo que diversos profissionais estão inseguros a praticar o ato. O médico que recusar a fazer o abortamento, estará amparado pela própria norma editada pelo Ministério da Saúde, porque poderá invocar ‘’Objeção de Consciência’’, conforme transcrevemos e esclarecemos a seguir:
Segundo o art. 7 do Código de Ética Médica, "o médico deve exercer a profissão com ampla autonomia, não sendo obrigado a prestar serviços profissionais a quem ele não deseje, salvo na ausência de outro médico, em casos de urgência, ou quando sua negativa possa trazer danos irreversíveis ao paciente".
O art. 21. – acrescenta que é direito do(a) médico(a) "indicar o procedimento adequado ao paciente, observadas as práticas reconhecidamente aceitas e respeitando as normas legais vigentes no país".
Também é direito do(a) médico(a), art. 28, "recusar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência". No entanto, é vedado ao médico(a) "descumprir legislação específica nos casos de transplante de órgãos ou tecidos, esterilização, fecundação artificial e abortamento", conforme o art. 43.
Assim, é garantido ao(à) médico(a) a objeção de consciência e o direito de recusa em realizar o abortamento em casos de gravidez resultante de violência sexual. No entanto, é dever do(a) médico(a) informar à mulher sobre seus direitos e, no caso de objeção de consciência, deve garantir a atenção ao abortamento por outro(a) profissional da instituição ou de outro serviço. Não se pode negar o pronto-atendimento à mulher em qualquer caso de abortamento, afastando-se, assim, situações de negligência, omissão ou postergação de conduta que viole a lei, o código
de ética profissional e os direitos humanos das mulheres.
Cabe ressaltar que não há direito de objeção de consciência em algumas situações excepcionais:
1) risco de morte para a mulher;
2) em qualquer situação de abortamento juridicamente permitido, na ausência de outro(a) profissional que o faça;
3) quando a mulher puder sofrer danos ou agravos à saúde em razão da omissão do(a) profissional;
4) no atendimento de complicações derivadas do abortamento inseguro, por se tratarem de casos de urgência.
É dever do Estado e dos gestores de saúde manter nos hospitais públicos profissionais que não manifestem objeção de consciência e que realizem o abortamento previsto por lei. Caso a mulher venha sofrer prejuízo de ordem moral, física ou psíquica, em decorrência da omissão, poderá recorrer à responsabilização pessoal e/ou institucional.
O ministro da Saúde, Humberto Costa8, descartou a possibilidade de o governo voltar atrás na decisão de dispensar a apresentação de boletim de ocorrência para a realização de aborto em caso de estupro. “A hipótese de voltarmos a exigir boletim de ocorrência não está em cogitação”, afirmou Costa, que esteve com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, nesta terça, para debater a polêmica resolução sobre procedimentos de aborto em caso de estupro. Durante o encontro, Jobim ponderou que os médicos que realizam a interrupção dessas gestações têm de se certificar de que elas são resultantes de estupro. O ministro disse que a argumentação tem lógica e anunciou que vai avaliá-la com seus assessores a fim de estabelecer as recomendações que serão passadas a corpo clínico da rede pública. “O ministro Jobim disse que o profissional pode ser responsabilizado se ele não se cercar das certezas relativas ao fato ter acontecido”, disse Costa. Segundo ele, o presidente do STF citou uma jurisprudência que prevê alternativas à apresentação do boletim de ocorrência, como o inquérito policial, a denúncia ou o exame de corpo de delito.
Hoje, dia 20.0.20059, o ministro da Saúde, Humberto Costa, acredita que "em pouco tempo", governo, Justiça e Conselho Federal de Medicina deverão chegar a um consenso sobre a dispensa do Boletim de Ocorrência para realizar abortos em casos de estupro. Ele afirmou que sua equipe já se reuniu com integrantes do Supremo Tribunal Federal para tentar encontrar um instrumento que poderia ser usado para substituir o B.O. e, com isso, dar garantias para que o médico não fosse alvo de uma ação penal, por realização de aborto ilegal.
8. CONSIDERAÇÓES FINAIS E CONCLUSÕES.
Diante de tudo que expus e de tantos outros questionamentos possíveis podemos chegar as seguintes conclusões:
· Não há um consenso ainda entre os Conselhos de Medicinas, os Médicos e juristas, e, talvez nem tenhamos.
· Diante dos posicionamentos expostos, está claro que no memento há uma insegurança do médico em praticar o aborto, pois poderá responder a processo criminal.
· O problema existe e pensamos que deva ser discutido e debatido com diversos representantes das classes envolvidas.
· Há os que defendam a tese de que não há necessidade da mulher passar pelo constrangimento de ir a uma delegacia relatar os fatos a um delegado e que algumas mulheres deixam de ir por medo e ameaça que sofre do vitimizador após o crime.
· Há os que defendam que esse tipo de norma poderá abrir uma brecha para alguma suposta ‘’vítima’’ burlar a lei, e que essa tipologia de ‘’vítima’’ sabendo que precisará de um Boletim de Ocorrência para o abortamento não irá tentar comunicar as autoridades um crime que não ocorreu – inibindo em grande parte esse tipo de agente, fato este que poderia trazer uma segurança maior ao médico para realizar o aborto.
· O médico que resolver fazer o abortamento deverá seguir a risca os vários procedimentos que foram estabelecidos na norma técnica, além de usar da presunção de veracidade dos fatos relatados pela vítima. Se realmente não puder mais o médico exigir o Boletim de Ocorrência, talvez esses serão os únicos caminhos a serem tomados para a segurança que busca o profissional da medicina.
· Nosso posicionamento neste momento e diante das incertezas que pairam, é que deve ser exigido o Boletim de Ocorrência para a prática do abortamento, mesmo sabendo que isso possa não garantir totalmente que o médico não responderá a um processo criminal em caso de simulação e comunicação falsa de crime pela suposta vítima.
· O tema aborto é polemico não somente no Brasil, mas no mundo todo. Sempre haverá sérias divergências nas opiniões de alguns profissionais que tem a coragem de se posicionar sobre este assunto tão relevante. Por isso, respeitamos a todos que tenham opinião diferente da nossa.
Informações Sobre o Autor
Sandro D´Amato Nogueira
Advogado – Professor e Palestrante. Mestrando em Auditoria e Gestão Ambiental pela Universidade de León/Espanha – Especialista em Direito Ambiental pela PUC/SP – Cursou especialização em Engenharia de Controle da Poluição Ambiental pela USP – Colaborador e articulista de diversos sites e revistas jurídicas. Autor de diversas obras, entre elas ‘’Direito Ambiental – Ed. Saraiva’’, ‘’Meio Ambiente do Trabalho – Ed. LTR’’, ‘’Resumo de Direito Ambiental’’ – EditoraBH’’