No dia 04 de julho de 2011 entra em vigor a nova lei 12.403/11 que altera vários dispositivos do Código de Processo Penal relacionados aos temas das prisões, liberdade provisória e medidas cautelares.
A lei tem recebido várias críticas, algumas delas de caráter depreciativo, uma vez que foi chamada, até mesmo, de “estatuto do criminoso” por conceder, na visão destes menos avisados, benefícios exagerados aos presos, aumentando, na visão deles, o sentimento de impunidade no seio social.
Certamente esta é uma visão distorcida da nova lei que apenas adequou o Código de Processo Penal aos princípios estabelecidos na nossa Constituição Federal, com base na melhor doutrina garantista do Processo Penal atual.
A lei foi publicada no dia 04 de maio de 2011 para entrar em vigor a partir do dia 04 de julho de 2011, após o período de 60 dias de vacatio legis.
Entretanto, várias notícias foram divulgadas na mídia escrita ou falada dando conta da aplicação imediata por Magistrados, mesmo antes da entrada em vigor da lei, ou seja, sendo aplicada a partir de 04 de maio do corrente ano.
Em que pese a opinião em contrário de alguns doutrinadores, entendemos ser possível a aplicação imediata da nova lei, considerando, inclusive, ser a lei mais benéfica aos acusados tendo em vista que, em determinados casos, pode ser a prisão substituída por medidas cautelares de caráter pessoal.
O período de vacatio legis é estabelecido na Lei de Introdução ao Código Civil e sua aplicação tem fundamento no princípio da não-surpresa, ou seja, para que as pessoas não sejam surpreendidas com alterações das regras jurídicas sem período de adaptação.
No caso desta norma, por ser mais benéfica, nenhum prejuízo advirá da sua aplicação imediata aos acusados, sendo válidos todos os atos praticados antes mesmo do dia 04 de julho de 2011.
A norma trouxe algumas alterações importantes. A primeira que merece destaque é a vedação do decreto de prisão preventiva pelo Juiz, na fase investigativa, de ofício. Como se vê, a nova lei não inviabilizou o decreto de prisão preventiva na fase policial, mas impossibilitou o decreto ex oficio.
Assim, para que a prisão preventiva seja decretada na fase policial deve haver requerimento do Ministério Público, do Querelante ou do Assistente, ou representação da Autoridade Policial.
Essa medida se adéqua perfeitamente ao sistema acusatório atual, principalmente porque o Delegado de Polícia é a autoridade responsável pela investigação e é ele quem percebe a necessidade dos requerimentos pré-processuais.
O Juiz deve manter-se eqüidistante das investigações, apenas decidindo as medidas que lhe forem requeridas pela autoridade responsável pela investigação e isso foi percebido pelo legislador atual.
Em consonância com a lei de execução penal, a nova lei determina a separação obrigatória entre presos provisórios e definitivos, bem como, o recolhimento de militares em quartel da instituição a que pertencer.
A medida não é nova em nosso ordenamento, pois já era prevista na lei de execuções penais, entretanto, agora está prevista expressamente no Código de Processo Penal e não se trata de mera faculdade, mas sim, de medida impositiva.
Destaca-se também a possibilidade de ser a captura requisitada, por meio de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta.
O Objetivo desta medida é dar maior celeridade ao cumprimento do mandado de prisão com a utilização de telefone, fax ou até mesmo do meio eletrônico, desde que a Autoridade Policial se certifique da veracidade das informações constantes do mandado de prisão, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio.
Esse entendimento passou a ser utilizado, também na hipótese de carta precatória, nas situações em que o acusado, embora no território nacional, estiver fora da jurisdição do Juiz processante. Em casos que tais, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado.
Havendo urgência, o Juiz poderá requisitar a prisão também por qualquer meio de comunicação, devendo constar no mandado o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se for o caso de arbitramento deste benefício.
A autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação, devendo o Juiz processante providenciar a remoção do preso no prazo de 30 dias.
No que tange à prisão em flagrante algumas alterações devem ser analisadas. A primeira delas diz respeito à intimação do Ministério Público do auto de prisão em flagrante. Anteriormente, o auto de prisão em flagrante era comunicado ao Juiz competente, à Defensoria Pública (caso o preso não indicasse advogado particular) e à vítima, no prazo de 24 horas, embora na prática, muitas vezes, a família da vítima não tomasse conhecimento da prisão (mesmo já previsto pelo legislador reformista). Com essa medida, também o Ministério Público deverá tomar ciência da prisão, isso em virtude de sua condição de custus legis.
Outro ponto importante é que o flagrante passou a ser uma medida cautelar de caráter efêmero. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o Juiz deverá fundamentadamente: I – relaxar a prisão ilegal; II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Com isso, a partir do dia 04 de julho de 2011, a prisão em flagrante não será mais medida indeterminada, devendo o Juiz analisar os casos de presos em flagrante e decidir se mantém a prisão, se defere o pedido de medida cautelar ou de liberdade provisória.
Se assim não agir, a prisão será ilegal, visto que ninguém mais poderá permanecer preso em flagrante como medida restritiva de liberdade indeterminada, sanável via habeas corpus.
Em se tratando de causa excludente de ilicitude o legislador reformista assevera que o Juiz poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.
Tratando-se de caso claro e cristalino de excludente de ilicitude, o Juiz deverá conceder a liberdade do preso imediatamente. Isso porque, se há uma excludente de antijuridicidade evidente, não há crime e, se não há crime, não há que se falar em prisão em flagrante.
Veja que a intenção do legislador é adequar o sistema prisional à ordem constitucional vigente, por isso o Juiz deve analisar o flagrante e aplicar a prisão preventiva por último, como ultima conseqüência para o caso penal apresentado.
Dessa maneira, antes de decretar a prisão preventiva deve o Juiz analisar se o caso penal a ele apresentado não indica a aplicação das medidas cautelares entre elas: I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo Juiz, para informar e justificar atividades; II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoramento eletrônico.
Consolidando as Regras de Tóquio e das Nações Unidas sobre as medidas não privativas de liberdade e festejando o princípio da presunção de inocências, o legislador reformista trouxe várias medidas que devem ser analisadas pelo Juiz antes do decreto de prisão preventiva.
Tais medidas podem ser adotadas pelo Juiz, por exemplo, na hipótese de liberdade provisória vinculada, como medida de contra cautela.
A nova lei prevê também a possibilidade de conjugação de várias medidas desde que necessárias ao caso concreto, cabendo esta análise ao prudente arbítrio do Juiz, sempre fundamento suas decisões.
A prisão preventiva continua com seus requisitos fundamentais, podendo ser decretada, desde que presentes os indícios de autoria e prova da materialidade: por garantia da ordem pública; da ordem econômica; por conveniência da instrução criminal; ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Como inovação, tem-se que a prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento injustificado de qualquer das obrigações impostas por força das medidas cautelares de caráter pessoal.
Nestes casos, deve o Juiz oportunizar o contraditório antes da revogação da medida cautelar imposta, buscando conhecer os motivos do não cumprimento. Assim, essa revogação não deve ser automática, sempre ouvindo as razões do acusado e fundamentando a decisão, pois se trata de verdadeiro decreto prisional, ainda que indireto.
Bem é de ver-se que a prisão preventiva somente poderá ser decretada: I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado e III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Acertada a mudança. Era muito comum, na sistemática anterior, o denunciado permanecer preso durante a instrução e, após sentença, ser solto para cumprimento de penas alternativas ou para cumprimento do regime aberto, em casos de condenação até quatro anos.
Tratava-se de exato fundamento Kafkaniano: o acusado permanecia preso durante o sumário de culpa e depois era solto para cumprir a pena… Hoje isso não é mais possível, pois a prisão preventiva ficou adstrita apenas para crimes acima de 04 anos.
Outro aspecto relevante é que a prisão preventiva poderá ser admitida quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para sua identificação. Nesta hipótese, a prisão deverá ser mantida apenas até o momento da identificação criminal, salvo se outro fato ensejar a mantença da prisão.
Embora seja a lei silente sobre a possibilidade de recurso em casos de concessão indevida das medidas cautelares, deve-se utilizar, analogicamente, o art. 581 do CPP, podendo o MP valer-se do recurso em sentido estrito. Para a Defesa, sem dúvida, a via mais adequada é o habeas corpus, cabendo ao Tribunal a análise da ilegalidade pelo indeferimento do pleito defensivo.
A prisão domiciliar também ganhou novos contornos. Com a nova lei poderá o Juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Trata-se de recolhimento em residência, apenas podendo sair mediante autorização judicial, em casos excepcionais. Em todas estas hipóteses, vê-se claramente a necessidade de um cuidado maior com o encarcerado, seja por motivo de idade, saúde ou doença.
Sobre a fiança também tratou o legislador reformista. Na sistemática anterior, o Delegado de Polícia poderia conceder fiança apenas quando a pena mínima cominada ao crime fosse de até dois anos e a pena aplica abstratamente ao crime fosse de detenção. Agora, a Autoridade Policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos.
Restou vedada a concessão da fiança dos seguintes casos: I – nos crimes de racismo; II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; IV – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 do CPP; V – em caso de prisão civil ou militar; VI – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva.
O valor da fiança também foi modificado, nos seguintes termos: I – de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; II – de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.
Pode ainda, nos casos de réu pobre ser dispensada ou reduzida em 2/3, ou, em caso de acusados com boa situação financeira, aumentada em até 1.000 (mil) vezes. Assim, a menor fiança a ser paga hoje é de R$ 181,66 (cento e oitenta e um reais e sessenta e seis centavos) e a maior fiança R$ 109 milhões de reais. Por isso, ganha em pujança o instituto, principalmente nos casos de crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômica, podendo ser aplicada de acordo com o prejuízo sofrido pela vítima.
A fiança será considerada quebrada, segundo o legislador atual, quando o acusado: I – regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; II – deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo; III – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; IV – resistir injustificadamente a ordem judicial; V – praticar nova infração penal dolosa.
Nestes casos, o quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do valor pago, cabendo ao Juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva.
Levando em conta a tendência atual de amparo às vítimas de crimes, o legislador reformista achou por bem destinar parte do valor da fiança para pagamento dos danos e despesas sofridas pela vítima com tratamento médico ou psicológico.
Como se vê, a nova legislação não teve por objetivo aumentar a impunidade ou ser benevolente com o criminoso de alta periculosidade, para estes continua sendo vedada a fiança e sendo possível a prisão preventiva.
Ao contrário, nos casos mais gravosos a lei permanece sendo rigorosa. Entretanto, nos casos menos graves, adequando-se às regras internacionais e ao sistema constitucional brasileiro, a nova lei permite a utilização do direito penal mínimo e garantista, considerando a prisão como a “extrema ratio da ultima ratio”.
Informações Sobre o Autor
Fabiano Pimentel
Advogado Criminalista. Membro da Comissão de Prerrogativas da OAB/Ba. Especialista em Ciências Criminais pela UFBA. Mestre em Direito Público pela UFBA. Professor de Direito Processual Penal da Universidade do Estado da Bahia.