Resumo: As taxas recebem menor notoriedade dentre os tributos no direito brasileiro, talvez pela ocorrência em menor escala do que a dos impostos, talvez por ser a forma de tributação que, em tese, na relação prestação/contraprestação seja a menos dispendiosa para o contribuinte já que requer uma ação da Fazenda Pública. Por conta disso, a tributação se aproveita da falta de conhecimento do contribuinte e lhe aplica a tributação de forma errônea, conforme veremos como exemplo o caso da cobrança de taxa sem o efetivo exercício do poder de polícia.
Palavras-chaves: Taxa – Poder de Polícia – Fiscalização efetiva – Prova negativa
Sumário: 1 – Competência para a imposição de taxas. 2 – Das taxas. 3 – Efetividade e potencialidade da prestação dos serviços públicos. Divisão das taxas. 4 – Taxas de polícia. 5 – Potencialidade enseja a cobrança da taxa de poder de polícia? 6 – Prova negativa.
1 – Competência para a imposição de taxas
Quando a Constituição Federal de 1988 dividiu o Estado Brasileiro em três níveis de governo (União, Estados e Municípios), estipulou também que as taxas teriam competência concorrente entre os entes federativos, conforme disposto no seu art. 145, II. Isto quer dizer que, cada um pode instituir suas próprias taxas desde que mantenham serviços públicos específicos e divisíveis prestados ao contribuinte ou postos à sua disposição, ou exerçam, legal e efetivamente, poder de polícia em relação às atividades dos administrados. O Distrito Federal por ser uma unidade federativa singular foi credidato da competência tanto das taxas municipais quanto das estaduais (art. 32, §2º).
2 – Das taxas
As taxas são criadas em qualquer sistema tributário do mundo com a finalidade de arrecadar a receita dispendida pelo Estado para o custeio das funções que esse realiza nas áreas da saúde, da educação, da segurança. Ou seja, em todas as formas de manutenção da boa ordem do Estado.
As taxas são tributos vinculados. Sua hipóetese de incidência é sempre derivada de uma atuação do Estado.
3 – Efetividade e potencialidade da prestação dos serviços públicos. Divisão das taxas.
Quanto à efetividade e potencialidade da prestação dos serviços públicos a Constituição Brasileira e o Código Tributátio Nacional procuraram segregar serviços de utilização compulsória e os de utilização não compulsória.
Os serviços de utilização compusória são aqueles taxáveis pelo simples fato de estarem posto à disposição, enquanto que os serviços de utilização não compulsória são aqueles taxáveis taxáveis somente quando efetivamente fruídos. Portanto, os primeiros são as taxas de serviços e os segundos são as taxas de polícia.
4 – Taxas de polícia
O fundamento da cobrança da taxa de polícia versa sobre o serviço prestado pelo Estado através do exercício do poder de polícia e não o poder de polícia em si.
A atividade de polícia é compulsória e cabe somente ao Estado o direito/dever de realizá-la com ou sem a concordância do jurisdicionado que, em regra, não pode suprir a devida necessidade de maneira diversa.
Mas o que vem a ser poder de polícia?
Segundo o ilustre doutrinador Régis Fernandes de Oliveira o poder de polícia é “a admissibilidade jurídica de o Estado impor restrições ou limitações aos administrados. E a competência para tanto não deflui de texto expresso, mas decorre do poder implícito no contexto do sistema normativo”[1]. Mais adiante, continua “como a atividade da Administração Pública destinada a limitar o exercício da atividade dos particulares, adequando-a aos interesses escampados no sistema normativo, impondo-lhes uma abstenção”[2].
Vejamos o conceito apresentado pelo artigo 78, do CTN:
“Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos”.
A polícia tratada no artigo 78 não se confunde com a polícia de segurança, cuja atividade primordial é aquela preventiva e repressiva de atividades criminais. A segurança, de fato, é muito mais abrangente, pois envolve a segurança da vida, da saúde, do direito de ir e vir livremente, viária, das construções, dos estabelecimentos freqüentados pelo público, da segurança do homem, da família, dos bens e de suas atividades.
5 – Potencialidade enseja a cobrança da taxa de poder de polícia?
Embora o artigo 145, II, da CF e o artigo 78, do CTN deixarem claro sobre a impossibilidade de se cobrar taxa de polícia por serviço meramente posto à disposição ainda há casos em que essas taxas são cobradas de maneira irregular prejudicando o contribuinte.
A lei ainda é clara quando especifica a efetivação do poder de polícia impedindo a cobrança feita com base em simples amostragens.
Assim entendeu Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho[3], no artigo As taxas no direito tributário brasileiro, senão vejamos:
“Assim, v.g., a cobrança de uma taxa de localização, instalação e funcionamento cobrada anualmente pelo Fisco é inconstitucional pois a cobrança anual da taxa é feita pela atividade de eventual fiscalização que possa vir a exercer a Administração. Acontece que a cobrança anual da taxa, de forma reiterada pela Fazenda, é ilegítima, porque a referida taxa é fundada no poder de polícia e não há anualmente um ato expressivo do poder de polícia da municipalidade em relação aos contribuintes. A cobrança da referida taxa só poderia ser legitimamente efetivada uma só vez, quando houvesse a localização, instalação e funcionamento e o exame das condições de como o estabelecimento do contribuinte iria funcionar, e não anualmente como é feita”.
Na mesma baila entendeu o Tribunal Regional Federal de Recursos quando publicou a Súmula 220 que trata sobre as Taxas de Melhoramento dos Portos, pois concluiu que nessa atividade não há qualquer atividade fiscalizatória. Vejamos: “As mercadorias oriundas do estrangeiro, com simples trânsito em porto nacional, destinadas a outro País, não estão sujeitas ao pagamento de Taxas de Melhoramento dos Portos (TPM)”.
O STJ também chegou a editar uma súmula acerca das taxas de polícia. A Súmula 157 estipulou que “é ilegítima a cobrança de taxa, pelo Município, na renovação de licença para localização de estabelecimento comercial ou industrial”. A qual posterioemente foi cancelada pelo voto da Relatora Ministra Eliana Calmon, Resp. 261.571, pois a ministra entendeu que a melhor orientação era a do Supremo Tribunal Federal em que cada taxa de renovação e de localização deve ser apreciada especificamente, ao invés de entender sempre ilegítima sua cobrança, quando da renovação.
Apesar de tantos julgados nesse sentido, muitas Fazendas Públicas, em especial as municipais, continuam cobrando os contribuintes por atos de poder de polícia que não foram realizados. Assim, a Fazenda Pública renova automaticamente a licença dos contribuintes visando arrecadar receita de forma ilegal.
Mas o que acontece com o contribuinte quando recebe a conbrança tributária? Como provar que não deu causa a cobrança?
6 – Prova negativa
Um dos grandes problemas dos contribuintes quando recebem a cobrança judicial de um tributo como a taxa de polícia a qual não deram causa é a produção de prova negativa.
Fazer prova de algo que nunca existiu é onerar o sujeito passivo do processo tributário de algo impossível. Por isso, o ilustre doutrinador Rubens Miranda de Carvalho[4] entendeu que se partíssemos do princípio da presunção da veracidade dos atos administrativos, caberia ao administrado a prova em contrário, entretanto, em se tratando de taxa a atividade e sua prática da Administração são requisitos exigidos pela lei como indispensáveis à própria existência do tributo, uma vez que constituem aspectos do fato gerador das taxas. Ademais, a Administração tem a capacidade de comprová-los por meio dos registro de fiscalização caso os tenha efetuado. Alega ainda que a prova negativa é a chamada “prova do Diabo”, porque exige do contribuinte o ônus de provar fato negativo inexistente.
Apesar da jurisprudência ter primeiramente entendido que se tratava de ônus do contribuinte, agora entende que é dever da Administração fazer prova da fiscalização exercida.
Portanto, resta claro que a Administração não pode prosperar em suas intenções deturpadas em arrecadar receita mediante a ilegalidade de suas ações. Cabe a Fazenda Pública aparelhar seu sistema tributário e dentro da função de fiscalização que deve exercer efetuar a renovação das taxas de polícia quando realmente realizadas.
Informações Sobre o Autor
Caroline Alves Salvador
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Santos-Unisantos. Pós-graduada em Direito Tributário pela Escola Paulista de Direito-EPD. Mestranda em Direito Internacional Público pela Faculdade de Direito de Lisboa-FD/UL