A obrigatoriedade do procurador do ente público de propor a ação de improbidade administrativa

Introdução

Seria relevante para o atendimento dos interesses das pessoas jurídicas de direito público e, por conseguinte, para o aperfeiçoamento da defesa do próprio interesse público, se os órgãos que as representam judicial e extrajudicialmente fizessem uso de forma mais efetiva, da chamada ação de improbidade administrativa.

Não resta dúvidas que os aludidos órgãos são portadores dessa legitimidade. A questão que ora se coloca, porém, é de saber se são detentores da mera faculdade ou do dever de propô-las.

A reflexão sobre os princípios vigentes, especialmente os de natureza constitucional, conduz à conclusão de que o ente de direito público tem, sim, o dever de tomar as medidas necessárias para o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, tão logo tenha conhecimento da prática da conduta ímproba.

A escolha do presente tema tem como finalidade, primeiramente, promover a conscientização da sociedade e, em especial, dos órgãos de representação das pessoas jurídicas de direito público, no sentido de que o Estado-Administração é possuidor não apenas de legitimidade, mas que também tem o dever de utilizar o citado instrumento processual, eis que, quase sempre, se mostram omissos frente aos atos de improbidade administrativa, deixando de lado instrumento relevante para a defesa do interesse público.

Em segundo lugar, pelo fato de que, indisputavelmente, uma atuação efetiva, fazendo uso de forma rápida e eficiente da aludida ação, irá aperfeiçoar, e muito, a atuação estatal em defesa da moralidade e do patrimônio público, eis que o procurador da entidade política terá, obviamente, acesso mais agilizado à documentos e importantes informações, além do conhecimento adquirido em razão do desempenho de suas funções, que poderá compartilhar, inclusive, com o Parquet, ligados ao intrincado funcionamento da máquina administrativa e aos ramos do direito a ela afetos.

É de se ressaltar, ainda, que a citada conscientização dos órgãos representativos, acerca do dever de atuar, conduzirá, quiçá, a uma profunda modificação em suas estruturas, como, por exemplo, criação de novas procuradorias ou órgãos, como a Procuradoria do Estado de Defesa do Patrimônio Público.

Ora, é preciso agir, pois, como é sabido, a corrupção é nefasta em todos os sentidos, inclusive para o setor econômico. Como afirma Peter Eigen, ex-diretor do Banco Mundial: A corrupção desequilibra de forma perversa as concorrências econômicas saudáveis. Qualidade, baixo custo e bons serviços deixam de ser vitais quando um negócio pode ser decidido pelo valor das propinas. Isso é um forte inibidor da produtividade. Obviamente muitas empresas imaginam que, se não corromperem, vão ficar fora do jogo econômico. Mas essa visão é ruinosa. A corrupção destrói a riqueza e todos perdem. (Revista Veja – edição 1927 – 19.10.2005).

Além do que, como é evidente, enquanto milhões e milhões são desviados dos cofres públicos, muitos, milhares, sofrem com a sua saúde agravada; crianças morrem por falta ou deficiência na assistência médica; muitos são mortos ou violentados pela falta de policiamento adequado, decorrente de desvio de verbas destinadas à segurança pública, etc.

Assim, os detentores de parcela do poder que, diante desse quadro caótico, permanecem omissos, são também responsáveis, pois integram o nexo causal entre a omissão qualificada do Estado e os efeitos nefastos citados.

1.Ente de Direito Público ou entidade política

Conceito e classificação

Entidade ou ente, nada mais é do que a pessoa jurídica.

Assim, pode-se afirmar que no âmbito de nossa organização política e administrativa, os entes de direito público são os estatais, autárquicos e fundacionais.

Acerca da definição dos aludidos entes, é de se trazer à baila as lições de Hely Lopes Meirelles:

Entidades estatais: São pessoas jurídicas de Direito Público que integram a estrutura constitucional do Estado e têm poderes políticos e administrativos, tais como a União, os Estados-membros, os Municípios e o Distrito Federal. A União é soberana; as demais entidades estatais têm apenas autonomia política, administrativa e financeira, mas não dispõem de Soberania, que é privativa da Nação e própria da Federação.

Entidades autárquicas: São pessoas jurídicas de direito público, de natureza meramente administrativa, criadas por lei específica, para a realização de atividades, obras ou serviços descentralizados da entidade estatal que as criou. Funcionam e operam na forma estabelecida na lei instituidora e nos termos de seu regulamento. As autarquias podem desempenhar atividades educacionais, previdenciárias e quaisquer outras outorgadas pela entidade estatal-matriz, mas sem subordinação hierárquica, sujeitas apenas ao controle finalístico de sua administração e da conduta de seus agentes.

Entidades fundacionais: São pessoas jurídicas de Direito Público ou pessoas jurídicas de Direito Privado, devendo a lei definir as respectivas áreas de atuação, conforme inc. XIX do art. 37 da CF, na nova redação dada pela EC 19/98. No primeiro caso elas são criadas por lei, à semelhança das autarquias, e no segundo a lei apenas autoriza a sua criação, devendo o Poder Executivo tomas as providências necessárias à sua instituição. (01)

Frise-se, que, comumente, os doutrinadores utilizam-se dos termos Fazenda Pública; Estado-Administração ou Pessoa Jurídica de Direito Público como sinônimos de ente de direito público.

Representação em juízo

Os entes públicos são representados em juízo pelo Chefe do Executivo ou por procurador constituído de forma contratual ou institucional.

O ente estatal, mais especificamente, os Estados-membros e o Distrito Federal, são representados por procuradores institucionalmente constituídos, nos termos do artigo 132 da Carta Magna adiante transcrito:

Art. 132: Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fazes, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.

Da mesma forma, a União, nos termos em que estabelece o disposto no artigo 131 da Constituição Federal:

Art. 131: A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial ou extrajudicialmente, cabendo-se, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

Os Municípios, por sua vez, são representados pelo Chefe do Executivo, ou por procurador, conforme estabelecido no inciso II do art. 12 do Código de Processo Civil: “Serão representados em juízo, ativa e passivamente: II – o Município por seu Prefeito ou procurador”.

Como se vê, a Constituição silenciou acerca da aludida representação, talvez pela grande dificuldade prática de se obrigar a instituição de Procuradorias, frente a notória escassez de recursos financeiros que afeta a maioria dos municípios.

No que tange às autarquias e fundações de direito público, pode se afirmar que serão representadas por seus dirigentes máximos ou por procurador autárquico ou fundacional, nos termos em que dispuser a lei, conforme se depreende do disposto no artigo 12 do Código de Processo Civil.

É interessante salientar, neste tópico, que os procuradores dos entes públicos são detentores da importante missão de representá-los judicial e extrajudicialmente, agindo ativa ou passivamente (defesa) em seu favor, e não a pessoa do governante ou do dirigente executivo.

A propósito, ensina Cláudio Grande Júnior, citando Fides Angélica Ommati:

Quanto à atividade de defesa, o grande impasse diz respeito a “não se confundir a defesa do Estado com defesa do governo, se bem que, por vezes, possa ocorrer”. E tal se deve ao fato de que do mesmo modo que no processo penal ao réu deve ser efetivamente garantida a ampla defesa, ao Estado também se deve garanti-la, porque ambas as hipóteses encarnam interesses indisponíveis. Pode-se afirmar categoricamente que “no plano da defesa jurídica, a evolução é marcada pela defesa dita integral, que inclui a judicial e extrajudicial”……Pode perfeitamente ocorrer de se ter que defender o governo, um vez que este dá tônica à atuação estatal, o que, inclusive, determina o comportamento do Estado em ações populares e civil públicas. Mas não se pode chegar ao absurdo de advogados públicos defenderem a pessoa do governante em processos criminais ou de mero interesse particular, porque aí, sim, este estaria patrimonializando mão-de-obra qualificada estatal em benefício pessoal. Aliás, o que o Estado ganharia com isso? Nada, só o governo! Não se justifica, portanto, dito patrocínio judicial por advogados públicos. (02)

Sobre o mesmo tema, as lições de Hely Lopes Meirelles:

O Chefe do Executivo não pode utilizar advogado da Administração Pública, ou contratá-lo às expensas da Fazenda Pública, para sua defesa, por fato anterior ou concomitante ao exercício do cargo, salvo em questão pertinente às suas prerrogativas. (03)

Outra questão que importa ser esclarecida neste momento, diz respeito às características que norteiam a “representação” exercida pelos órgãos das entidades políticas.

Em se considerando que o representante da pessoa jurídica de direito público não é, em última análise, representante e nem substituto processual, é de se afirmar que ele o presenta. Vale dizer: a defesa e o ataque judiciais e extrajudiciais praticados pelos procuradores (pessoas físicas), são, na verdade, os atos praticados pelo próprio ente público.

Com extrema precisão técnica posicionou-se, a respeito, Athos Gusmão Carneiro, citando Pontes de Miranda:

A substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.

O substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende em nome próprio o interesse do substituído.

Já o representante defende “em nome alheio o interesse alheio”.

Nos casos de representação, parte em juízo é o representado, não o representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o tutelado, mas parte na ação é o representado…….

Também inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é substituto processual e nem representante legal: “A pessoa jurídica não é incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da pessoa jurídica

A presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente…(…)…O que a vida nos apresenta é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de seus órgãos: os atos são seus, praticados por pessoas físicas”. (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t., 1, § 97, n. 1). (04)

2.Improbidade Administrativa

2.1.Conceito

Pode-se afirmar que a improbidade administrativa se caracteriza quando da prática de qualquer conduta administrativa que viole qualquer dos princípios constantes no art. 37 da Carta Magna, causando ou não prejuízo ao erário.

É o que se extrai dos artigos 9º (aqueles atos que importam enriquecimento ilícito do agente público, causando ou não danos ao erário); 10º (aqueles lesivos ao erário) e 11º (aqueles atos que atentam contra os princípios da Administração Pública, causando ou não lesão ao erário ou enriquecimento ilícito), da Lei n. 8.429, de 02-06-1992.

2.2.Legitimidade para a propositura da ação de improbidade administrativa

Em síntese, conforme ensinam Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior, nos termos do art. 17, c/c art. 1º da Lei n. 8.429/92, são legitimados para a propositura da ação de improbidade administrativa, visando a aplicação das penalidades previstas no art. 12 da citada lei, o Ministério Público; a União, Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios; as Autarquias; as Empresas Públicas; as Sociedades de Economia Mista; as Fundações instituídas pelo Poder Público; as empresas incorporadas ao patrimônio público; as empresas com participação do erário e as empresas subvencionadas ou incentivadas pelos cofres públicos. (05)

É de se ressaltar, nesse ponto, conforme já colocado acima, que os entes públicos, através de seus procuradores, praticamente mantêm-se omissos frente à uma conduta ímproba, limitando-se, não raras vezes, a simplesmente comunicar o fato ao Ministério Público, quando ele mesmo (ente público), não só  é detentor de legitimidade para a propositura da aludida ação de improbidade, como também é o principal interessado na reparação dos efeitos maléficos oriundos da citada conduta.

Como asseveram Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio:

“Pessoa jurídica de direito público interno são a União, o Estado, o Distrito Federal e o Município. Como os interesses protegidos são o patrimônio público e a moralidade administrativa, devem ser tutelados processualmente pelos entes personalizados, ou seja, com capacidade de estar em juízo.

Fato é que, só esporadicamente, aqueles entes tomam a iniciativa de propor ação civil pública para a defesa do patrimônio público. A previsão constitucional e legal, em regra, não se concretiza, debitando-se ao Ministério Público a quase totalidade dos processos nessa área. Aliás, ainda que não seja autor, o “parquet” funcionará no processo como “custos legis”, sendo compulsória sua participação, pena de nulidade.

A pessoa jurídica interessada é, materialmente, a paciente imediata do ato de improbidade, e portanto interessada na reparação de seus efeitos (tem até legitimação para propor a ação)” (grifei). (06)

3.Forma de atuação do agente público no desempenho de suas atribuições

3.1.O poder-dever de agir

O agente público, naturalmente, independentemente da natureza de suas atribuições, sempre as exerce visando, ao final, o atendimento do interesse público.

Desta feita, por não estar zelando por seus bens particulares, mas sim, por bens ou interesses públicos, é inconcebível a omissão, diante de uma situação em que haja necessidade de agir, tendo ele poderes para tanto.

Tal omissão, aliás, poderá ensejar sanções de ordem administrativa e penal, tais como aquelas previstas nos artigos 316 (concussão) e 319 (prevaricação), ambos do Código Penal.

O Professor Diógenes Gasparini, ao comentar acerca do poder-dever de agir, invocando Hely Lopes Meirelles, ensina que:

As competências do cargo, função ou emprego público devem ser exercidas na sua plenitude e no momento legal. Não se satisfaz o direito com o desempenho incompleto ou a destempo da competência e, puor ainda, com a omissão da autoridade. Não se compreende que o agente público pratique intempestivamente atos de sua competência, desde que ocorra a oportunidade para agir, como não se entende que só se desincumba de parte de sua obrigação ou se abstenha em relação a essa obrigação. A esse respeito ensina Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo, cit., p. 85) que, “se para o particular o poder de agir é uma faculdade, para o administrador público é uma obrigação de atuar, desde que se apresente o ensejo de exercitá-lo em benefício da comunidade.” (07)

3.2.Prícipio da eficiência

Como o próprio nome está a indicar, nada mais é do que princípio pelo qual se exige do agente público, no exercício de sua atividade, não apenas a observância da legalidade dos atos, mas, além disso, um resultado que efetivamente possa atender aos interesses da administração pública ou da coletividade.

A esse respeito, ensina o Professor Hely Lopes Meirelles:

O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros. (08)

3.3.Princípio da indisponibilidade

O princípio da indisponibilidade estabelece, em síntese, que os agentes públicos tem a incumbência de apenas administrar ou zelar pelos bens ou interesse públicos, tendo em vista que não são, obviamente, seus proprietários. Assim, inadmissível qualquer ato tendente à sua disposição, salvo se autorizado pelo próprio Estado, através de lei.

A propósito, assevera o Professor Diógenes Gasparini:

Não se acham, segundo esse princípio, direitos, interesse e serviços públicos à livre disposição dos órgãos públicos, a quem apenas cabe curá-los, ou do agente público, mero gestor da coisa pública. Aqueles e este não são seus senhores ou seus donos, cabendo-lhes por isso tão-só o dever de guardá-los e aprimorá-los para a finalidade a que estão vinculados. O detentor dessa disponibilidade é o Estado. Por essa razão, há necessidade de lei para alienar bens, para outorgar concessão de serviço público, para transigir, para renunciar, para confessar, para relevar a prescrição (RDA, 107:278) e para tantas outras atividades a cargo dos órgãos e agentes da Administração Pública. (09)

4.Obrigatoriedade do ente público de propor a ação de improbidade administrativa

Á luz da forma que deve atuar o procurador da pessoa jurídica de direito público, em face dos princípios supracitados que norteiam a Administração, é de se concluir que tem ele o dever de zelar pelo interesse da Administração Pública, representando-a tanto judicial como extrajudicialmente, bem como lhe prestando consultoria jurídica.

Assim, não tem o livre arbítrio de, frente a um ato de improbidade administrativa, manter-se inerte, diante de uma legislação que lhe autoriza a agir na defesa da moralidade e do patrimônio público, sob pena de, repita-se, ser responsabilizado penal; administrativa e também civilmente, neste caso (responsabilidade civil), com a propositura da própria ação de improbidade em seu desfavor, eis que tal omissão enquadra-se na hipótese prevista no art.11 da Lei 8.429/92.

É que o representante do ente público, na verdade, encarna o próprio Estado-Administração judicial e extrajudicialmente. Assim, não está obrigado a apenas defendê-lo em situações de conflito. Tem também o dever de agir, tomando a iniciativa de promover ataques judiciais para a defesa do patrimônio público, tendo em vista os princípios constitucionais que norteiam este mesmo Estado-Administração que ele representa, dentre os quais, por exemplo, o da indisponibilidade.

Sobre este tema, é de se trazer à lume a manifestação da Dra. Fides Angélica Ommati, que ressalta, dentre outras questões, a aplicação do princípio da indisponibilidade no exercício da advocacia pública:

A advocacia tem um compromisso social, e tem uma função que extrapola a sua condição profissional e de defesa de interesses particulares, porque, além de indispensável à administração da Justiça (art. 133, CF), é o advogado “defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério à elevada função pública que exerce (Código de Ética, art 2º ).

Ainda tenha fundamento e compromisso com a comunidade, daí a consideração de “função pública”, a advocacia pública propriamente é denominação que se contrapõe a advocacia privada, sendo parâmetros para sua distinção os interesses aconselhados ou patrocinados e os requisitos exigidos para seu exercício.

Diz-se advocacia pública aquela que aconselha ou patrocina interesses de pessoas jurídicas de direito público, interesses em que prevalece não a vontade do agente, mas a da coletividade consagrada no ordenamento constitucional ou legal. (conf. SESTA, Mário Bernardo – A Advocacia de Estado. Posição Institucional. Revista de Informação Legislativa, n. 117, p. 191). Por tal circunstância, são esses interesses superiores aos dos particulares e indisponíveis pelos respectivos gestores, configurando regime jurídico que extrapola dos limites administrativos para impregnar o regramento processual…”

…………………………………….

O princípio da indisponibilidade dos interesses públicos consiste na impossibilidade de o administrador agir segundo sua vontade, mas, ao contrário, restringir-se ao regulado no ordenamento jurídico, daí decorrendo os princípios da legalidade, da moralidade, da publicidade, da impessoalidade, e tantos outros em que se evidencie o principio democrático de atendimento segundo critérios e normas uniformes e impessoais, não favorecendo nem perseguindo grupos ou pessoas, mas atendendo ao que o legislador, no exercício de sua competência, interpretou como o abstrato interesse da coletividade.

A defesa do Estado consiste exatamente na defesa dos interesses que a pessoa pública encarna e é vocacionada a realizar. E defesa, igualmente Estado, aí tem conotação de amplitude obrigatória, vez que se não pode restringir a patrocínio judicial ou extrajudicial em situações conflitivas. Ao contrário, significa toda a atividade tendente (direcionada) a propiciar as condições jurídicas necessárias à implementação dos interesses ao encargo dos órgãos e entes públicos. (10)

Essa postura do Procurador do ente público torna-se ainda mais evidente, ao considerarmos que o seu papel é o de presentar a pessoa jurídica e não de representá-la, conforme razões já esposadas no item 1.2.

Neste sentido é o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça:

…Os Procuradores de Estado não são, em rigor, advogados. Assim como o juiz é o órgão da função jurisdicional os são órgãos estatais, encarregados da defesa e do ataque judiciais. No dizer de Pontes de Miranda, eles presentam, não representam a pessoa jurídica estatal…(11)

Vale repetir, neste momento, as lições de Athos Gusmão Carneiro:

A substituição processual mostra-se inconfundível com a representação.

O substituto processual é parte, age em juízo em nome próprio, defende em nome próprio o interesse do substituído.

Já o representante defende “em nome alheio o interesse alheio”.

Nos casos de representação, parte em juízo é o representado, não o representante. Assim, o pai ou o tutor representa em juízo o filho ou o tutelado, mas parte na ação é o representado…….

Também inconfundíveis substituição processual e presentação. O órgão mediante o qual a pessoa jurídica se faz presente e expressa sua vontade não é substituto processual e nem representante legal: “A pessoa jurídica não é incapaz. O poder de presentação, que ela tem, provém da capacidade mesma da pessoa jurídica…….

…………………………….

A presentação é extrajudicial e judicial (art. 17); processualmente, a pessoa jurídica não é incapaz. Nem o é, materialmente…(…)…O que a vida nos apresenta é exatamente a atividade das pessoas jurídicas através de seus órgãos: os atos são seus, praticados por pessoas físicas. (Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, t., 1, § 97, n. 1). (12)

Realce-se que além do princípio da indisponibilidade, o da eficiência, atrelado, aliás, ao poder-dever de agir do agente público, também conduz à obrigatoriedade do representante da pessoa jurídica de direito público propor a citada ação de improbidade.

A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando Hely Lopes Meirelles, comenta que:

A Emenda Constitucional n. 19, de 4-6-98, inseriu o princípio da eficiência entre os princípios constitucionais da Administração Pública, previstos no art. 37, caput.

Hely Lopes Meirelles (1996:90-91) fala na eficiência como um dos deveres da Administração Pública, definindo-o como “o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros”.

…………………….

O princípio da eficiência impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar. (13)

Outro princípio previsto na Carta Federal que determina o dever do Procurador do ente público de intervir nos mencionados processos, é o da legalidade, eis que, como já visto acima, é possuidor da relevante atribuição legal de representar o Estado judicial e extrajudicialmente, bem como de prestar-lhe consultoria jurídica.

É evidente que representar não significa, pois, manter-se numa conduta inibida, apenas defendendo o Estado em situações de conflito, e sim, também, agir quando se fizer necessário para se preservar o patrimônio público.

O Professor Hely Lopes Meirelles, ao comentar o citado princípio, deduz afirmativas que se aplicam ao tema em apreço:

Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.

As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. Por outras palavras, a natureza da função pública e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe. Tais poderes, conferidos à Administração Pública para serem utilizados em benefício da coletividade, não podem ser renunciados ou descumpridos pelo administrador sem ofensa ao bem comum, que é o supremo e único objetivo de toda ação administrativa. (14)

Conclusão

Têm-se, pois, que o representante do Ente Público, com esteio nos Princípios Constitucionais da Eficiência; da Legalidade e da Indisponibilidade, ao tomar conhecimento da prática de ato de improbidade administrativa, tem o dever, e não apenas a mera faculdade, de tomar as medidas cabíveis para a propositura da ação de improbidade administrativa, sob pena de ser responsabilizado penal; administrativa e civilmente.

 

Referência bibliográficas
(01) Meirelles, Hely Lopes, 2002, pág. 64/65, Malheiros, Direito Administrativo Brasileiro, 27ª Edição.
(02) Grande Júnior, Cláudio, www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5580, acesso em 18.03.2005.
(03) Meirelles, Hely Lopes, 2002, p. 691, obra citada.
(04) Athos Gusmão Carneiro – Saraiva – Intervenção de Terceiros – 10ª Edição – Porto Alegre – pág. 36.
(05) Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior – Improbidade Administrativa – Atlas – 4ª Edição – São Paulo – p. 207 – 1999)
(06) Marino Pazzaglini Filho, Márcio Fernando Elias Rosa e Waldo Fazzio Júnior – p. 207/208 – obra citada.
os.asp?pagina=40&id=975 – acesso em 31.10.2004.
(07)Gasparini, Diógenes, 1992, p. 52, Direito Administrativo, Saraiva, 2ª Edição.
(08) Meirelles, Hely Lopes, 2002, p. 94, Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros, 27ª Edição.
(09) Gasparini, Diógenes, 1992, p. 13, Direito Administrativo, Saraiva, 2ª Edição.
(10) Fides Angélica Ommati – Advocacia Pública – Algumas Reflexões – disponível em www1.jus.com.br/doutrina/texto – Aceso em 28.10.2004.
(11) STJ – Resp 401390/PR – Recurso Especial n. 2001/0196958-5  – Min. Humberto Gomes de Barros – 1ª Turma – 17.10.2002 – DJ 25.11.2002 – pág. 200.
(12) Athos Gusmão Carneiro – Saraiva – Intervenção de Terceiros – 10ª Edição – Porto Alegre – pág. 36.
(13) Maria Sylvia Zanella Di Pietro – Atlas – 10ª Edição – São Paulo – Direito Administrativo – p. 73.
(14) Hely Lopes Meirelles – Direito Administrativo Brasileiro – Malheiros – 27ª Edição – São Paulo – 2002 – pág. 86/87.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Antônio José dos Reis Júnior

 

Procurador do Estado de Rondônia, Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Avec – Associação Vilhenense de Educação e Cultura

 


 

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