Resumo: O tema da responsabilização penal da pessoa jurídica, apesar de ser recente, desperta grandes polêmicas e divergências entre os doutrinadores que trazem pontos positivos e negativos acerca dessa matéria que está contida na Constituição Federal de 1988 e mais recentemente na Lei 9.605/98 – na Lei de Crimes Ambientais. Os doutrinadores favoráveis à responsabilização da pessoa jurídica alegam que o ente jurídico é capaz de cometer ilícito penal, uma vez que, a pessoa jurídica foi criada a partir da vontade de seus dirigentes e logo as decisões tomadas por ela atingem não só os dirigentes, mas o ente jurídico como um todo, desse modo, se a pessoa jurídica poderá sofrer sanções civis e ser passível de responder civilmente, porque não poderá a pessoa jurídica ser passível de responder penalmente. Do outro lado os doutrinadores que não admitem que a pessoa jurídica seja responsabilizada penalmente por crimes cometidos contra o meio ambiente, alegam que a pessoa jurídica é desprovida de vontade própria e tem caráter meramente fictício, não podendo dessa forma sofrer sanções penais, pois só a pessoa física pode comete ilícito e sofrer sanção penal. A questão principal desse trabalho acadêmico é mostrar que a Lei está normatizada e que para os operadores do Direito que acreditam na figura da responsabilidade deverão buscar o modo mais adequado para aplicação da pena, levando em consideração a gravidade do delito, sem deixar de lado que quando o legislador pátrio estabeleceu tal preceito normativo o fez para preservar o meio ambiente para as gerações vindouras.
Palavras Chave: Responsabilidade penal. Crimes Ambientais. Pessoa Jurídica. Meio Ambiente.
Abstract: The subject of the criminal liability of the legal entity is new, however, has already raised great controversy and disagreement among the scholars who bring good and bad points about this matter is contained in the Constitution of 1988 and most recently by Law 9605/98 – in Environmental Crimes Law. The scholars favor the accountability of the legal claim that the legal entity is capable of committing a criminal act, since the corporation was created from the will of their leaders and then the decisions taken by it not only affects leaders, but the legal entity as a whole, thus the legal person may suffer civil penalties and be civilly liable to answer, because there may be a legal entity capable of responding criminal. Across the scholars who do not admit that the legal person is criminally responsible for crimes against the environment, they argue that the legal entity is devoid of will and character is pure fiction and can not thus suffer penalties because only the individual may commit illegal and suffer penalty. The main point of this academic work is to show that the law is standardized and that for those operators who believe in the right figure of responsibility should seek the most appropriate way for the punishment, taking into account the seriousness of the crime, while side when the legislator native established legal precept that has done to preserve the environment for future generations.
Keywords: Criminal liability. Environmental Crimes. Corporations. Environment..
Sumário: Introdução. 1. O direito ambiental e sua evolução. 1. Crimes. 1.1.1. Conceito. 2. Evolução histórica da responsabilidade penal coletiva. 2.1. O direito romano. 2.2. Os glosadores. 2.3. Os canonistas. 2.4. Os pós-glosadores. 2.5. Considerações sobre a pessoa jurídica nos dias atuais. 3. Responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente. 3.1. Responsabilidade administrativa ambiental. 3.2. Responsabilidade civil ambiental. 3.3. Responsabilidade penal ambiental. 3.3.1. Normas penais em branco. 3.3.2. Bem jurídico protegido. 3.3.3. A problemática da pessoa jurídica. 3.4 . Requisitos doutrinários para a responsabilização penal da pessoa jurídica. 3.4.1. Requisitos processuais. 3.5. Teoria da ficção. 3.6. Teoria da realidade ou da realidade real. 3.7. Teoria da realidade jurídica. 4. Responsabilidade penal da pessoa jurídica à luz da Constituição Federal de 1988. 4.1. Princípios constitucionais atingidos com a responsabilização da pessoa jurídica. 5. Responsabilidade penal da pessoa jurídica na lei 9.605/98. 5.1. A responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público. 6. As penas aplicáveis a pessoa jurídica que comete crime ambiental. 6.1. Crime. 6.2. Fato típico. 6.3. Antijuricidade. 6.4. Culpabilidade. 6.5. Das penas aplicadas na Lei 9.605/98. 6.5.1. A pena de multa. 6.5.2. Restritivas de direitos. 6.5.3. Prestação de serviços a comunidade. 6.5.4. Liquidação forçada. 6.6. Aplicabilidade da norma. 7. Visão internacional acerca da responsabilidade penal da pessoa jurídica. 7.1 países que adotam a responsabilidade penal da pessoa jurídica. 7.2. Alguns países que não adotam a responsabilidade penal da pessoa jurídica. 8. Jurisprudências. 8.1. Decisões jurisprudenciais. 8.1.1. Supremo Tribunal Federal. 8.1.2. Entendimento do Egrégio Superior de Justiça. 8.1.3. Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Considerações finais. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A questão do meio ambiente é bastante discutida não só no cenário jurídico, mas em todas as áreas, pois é de fundamental importância o ambiente em que vivemos hoje e como estará esse ambiente no futuro.
A nova relação que se estabeleceu entre o homem e a natureza, baseada no mútuo respeito e na mútua dependência, com a predominância do interesse coletivo sobre o individual, induziram a uma nova postura da sociedade para com o meio ambiente, que requer um novo enfoque dos problemas existentes e uma adequação da ordem jurídica para as suas soluções, levando em consideração os novos valores emergentes e a responsabilidade comum de sua defesa.
Em vista disso, a coletividade mundial conscientizou-se da necessidade da preservação do meio ambiente, bem como na utilização de meios que impeçam a propagação dos danos a ele causados, surgindo com isso legislações rígidas e específicas sobre a matéria.
Nesse sentido, a proteção ao meio ambiente no Direito brasileiro tem seguindo a tendência internacional, conta com instrumentos cada vez mais eficazes para proteger o meio ambiente artificial e cultural, ao arrolar os crimes conta o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.
Por essa razão o legislador brasileiro constitucional e o infraconstitucional acharam por bem enquadrar a pessoa jurídica como passível de ser penalmente responsabilizado nos crimes ambientais como disposto no art. 9.605/98, apesar de existir algumas falhas, foi um grande e relevante avanço do legislador nacional, pois ele consolidou os delitos penais e as penas, criou tipos penais para proteger o meio ambiente.
O objetivo do presente trabalho acadêmico é estudar o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica no nosso ordenamento jurídico, desde sua positivação com a previsão Constitucional até a Lei 9.605/98. Foram abordadas as disposições gerais, suas instruções sobre a pessoa jurídica, as sanções e a forma de aplicação das penas conforme a LCA.
O presente trabalho foi realizado mediante a análise através de pesquisa bibliográfica da obra de renomados doutrinadores, bem como a Constituição Federal pátria e a Lei 9.605/98.
Inicialmente foram abordados alguns conceitos que vão ser utilizados no desenvolver deste trabalho, passando-se para evolução histórica do instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica desde as civilizações até a normatização no Brasil da imputabilidade coletiva.
Objetiva-se assim formar uma opinião a respeito da legitimidade ou ilegitimidade da responsabilidade penal da pessoa jurídica, a principio em sentido amplo, discorrendo sobre os pontos favoráveis e desfavoráveis apontados pela doutrina, em seguida apontar falhas da Lei de Crimes Ambientais no tocante a aplicação de seus dispositivos no que tange a responsabilização.
1. O DIREITO AMBIENTAL E SUA EVOLUÇÃO
Podemos dizer que o Direito de forma geral nasceu juntamente com a própria humanidade e ao logo do tempo foi se aperfeiçoando e se desmembrando em diferentes ramos. Tais mudanças sempre acontecerão na medida em que o ser humano se deparar com novas necessidades.
No Direito Ambiental diferentemente de outros ramos do Direito, houve um período muito longo para sua criação efetiva, uma vez que, o meio ambiente sempre existiu, porém o surgimento do Direito Ambiental foi bastante tardio, sendo necessário o meio ambiente atingir uma condição extrema de destruição e que se torna crescente a cada dia, para que fossem criadas legislações acerca dessa temática.
O Direito Ambiental em relação ao plano jurídico internacional começa a desmembrar como um ramo autônomo da ciência jurídica após a realização da 1ª Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, acontecido na Suécia em 1972.
Nesse encontro, foi aprovada a Declaração Universal do Meio Ambiente cujo documento declarava que os recursos naturais (água, solo, ar, flora e fauna) devem ser preservados para beneficio das gerações vindouras, e que cada nação deve regulamentar em sua legislação como irá fazer para manter que esses bens sejam preservados.
Essa Conferência produziu a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, uma declaração de princípios de comportamento e responsabilidade que deveriam governar as decisões concernentes a questões ambientais.
Os princípios, especialmente o do desenvolvimento Sustentável, da Precaução e do Poluidor Pagador ganharam ênfase temática no cenário da proteção ambiental tanto para as presentes como para as futuras gerações.
Baseado nessa declaração o Brasil editou a Lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional de Meio Ambiente, trazendo o conceito de meio ambiente, como objeto especifico de proteção em seus múltiplos aspectos; propiciou o planejamento de uma ação integrada de diversos órgãos governamentais e estabelecendo ainda, a obrigação do poluidor reparar os danos causados, baseado no principio da responsabilidade objetiva, constituindo um primeiro grande marco do Brasil em sede de proteção ao meio ambiente.
Na sequência, podemos considerar como sendo o segundo marco regulatório em relação ao Direito Ambiental a edição da Lei 7.347/85 que disciplinou a ação civil pública prevista na lei anterior, como instrumento processual especifico para defesa do meio ambiente, bem como interesses difusos e coletivos.
O terceiro grande marco foi à promulgação da Constituição Federal de 1988, que se preocupou com a proteção ao meio ambiente dando-lhe a categoria de direito fundamental do cidadão.
O quarto marco veio com a promulgação da Lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. A partir daí, o Direito Ambiental começou aos poucos em nosso país, a se firmar como ramo autônomo do Direito a ponto de atualmente possuir um grande acervo doutrinário e legislativo.
1.1 CRIMES AMBIENTAIS
1.1.1 CONCEITO
O crime ambiental vem a ser toda ação (ou omissão) que cause dano ao meio ambiente, à saúde pública, ao ordenamento urbano e ao patrimônio cultural, pela prática de ação definida como crime pela Lei.
A agressão ambiental é um tipo de crime ambiental, desde que ultrapasse os limites legalmente permitidos. Para que se caracterize um crime ambiental é necessário tipificar a infração, enquadrando a intensidade da agressão aos parâmetros legais.
Dessa forma, as agressões ao meio ambiente ocorrem não só de condutas isoladas, mas na maioria das vezes são resultados de atividades exploratórias de grandes empresas. A lei 9.605/98 traz ordenados todos os crimes ligados ao meio ambiente, consolidando e sistematizando os delitos penais e as penas não só para cidadãos comuns como para as pessoas jurídicas que comentem crimes ambientais.
2. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE PENAL COLETIVA
Durante a história observou-se várias situações onde agrupamentos de pessoas eram penalizados por seus atos ou pelas condutas de seus componentes. Para um melhor entendimento e uma melhor avaliação dos fundamentos que deram origem a responsabilidade individual torna-se necessário conhecer os primórdios dessas elaborações através dos antecedentes históricos expostos a seguir:
2.1 O DIREITO ROMANO
O instituto da pessoa jurídica não chegou a ser de conhecimento do Direito Romano, embora já existisse a época certos conjuntos de pessoas as quais se reconheciam alguns direitos subjetivos.
Apesar do conceito de pessoa jurídica ser desconhecido, nessa época, já se fazia a distinção entre os direitos e deveres daquele conjunto de pessoas e dos membros que as compunha, chamados respectivamente de corporações universitas e singuli.
Os romanos somente conseguem ter uma idéia de corporação a partir do momento em que:
“[…] se admite uma entidade abstrata, com direitos e obrigações ao lado da pessoa física. Já no Direito clássico, os romanos passam a encarar o Estado, em sua existência, como um ente abstrato, denominando os textos de populus romanus” (VENOSA, 2001, p. 201).
Nesse sentido, essa distinção pode ser considerada como um embrião do instituto do qual estamos estudando, pois, segundo Ulpiano, quando o coletor de impostos fazia cobranças indevidas enganando os contribuintes e enriquecendo ilicitamente, a acusação podia ser exercitada contra o município, que era considerado como a corporação mais importante.
Dessa forma podemos ver que o Direito Romano reconhecia certa responsabilidade penal de uma corporação, ainda separava-se nitidamente a responsabilidade coletiva da responsabilidade individual, por óbvio não nos moldes atuais.
2.2 OS GLOSADORES
As corporações começaram a ter uma maior importância no inicio da Idade Média, tal relevância se deu nas esferas econômica e política da época. Foi nesse cenário com os glosadores que se principia verdadeiramente uma discussão sobre aquilo que viria a se constituir na responsabilidade penal das pessoas jurídicas.
Os Glosadores não tinham uma definição consolidada da pessoa jurídica, apenas de corporação, para eles tal corporação consistia na soma e unidade de membros titulares de direitos. Distinguiam-se, dos Romanos e de seus membros, limitando-se sua contribuição ao reconhecimento de certos direitos a corporação e a admissão de sua capacidade delitiva.
2.3 OS CANONISTAS
Os Canonistas representando a concepção da igreja, afirmavam que na verdade os direitos não pertenciam à totalidade de seus fieis, mas única e exclusiva a Deus. Pela dificuldade prática de explicar o fenômeno da organização eclesiástica, a partir da teoria elaborada pelos glosadores, os canonistas elaboram uma nova teoria que evidentemente atendia aos interesses dessa entidade.
Diante dessa nova concepção, passa-se a sustentar que os titulares dos direitos eclesiásticos não são os membros da comunidade religiosa, mas em Deus, na figura de seu representante terrestre, dando-se lugar, então, ao conceito de instituição eclesiástica tornando-a pessoa sujeito de direitos e obrigações, e diferente do conceito de corporação adotado pelos glosadores.
Aparece aqui pela primeira vez, a distinção entre o conceito de pessoa jurídica e o conceito de pessoa como ser humano. Esse rompimento de identificação entre a corporação eclesiástica e a pessoa como ser humano dá origem ao conceito de pessoa jurídica que por ficção jurídica passou a ter capacidade jurídica, sendo qualificada de um ser sem alma.
O Direito canônico também houve por contribuir para a formação da personalidade jurídica, como explica Lopes:
“Todos os institutos da Igreja foram reputados entes ideais, fundados por uma vontade superior. Assim, qualquer ofício eclesiástico, dotado de um patrimônio, é tratado como uma entidade autônoma, e a cada novos ofícios criados correspondem outras tantas entidades independentes. Desse conceito surge o de fundação também autônoma, como o pium corpus, o hospitalis e a sancta domus. A universitas passa a representar um corpus mysticum, um nomem iuris” (SERPA LOPES, 1996, p. 359).
É a partir daí que a pessoa jurídica passa a ser considerada uma pessoa ficta, sem capacidade delitiva, chegando esse entendimento até nossos dias, com a contribuição de Savigny.
2.4 OS PÓS-GLOSADORES
Os pós-glosadores aceitavam a definição dos canonistas de que a corporação era uma pessoa ficta, capaz de praticar delitos, fundamentando esse entendimento, principalmente, na necessidade das corporações serem responsabilizadas penalmente, medida essa inevitável a pratica da vida estatal e eclesiástica da Idade Média.
Contudo, quando o advento do iluminismo e do direito natural, o autoritarismo estatal e a influencia das corporações, que atingiram seu auge no fim da Idade Média, enfraqueceram modificando o modo de pensar de então.
A responsabilidade coletiva tornou-se incompatível com o novo cenário de liberdade e autodeterminação do individuo, conquistas democráticas trazidas pela revolução francesa. Essa mudança filosófica de concepção do individuo, do estado e da sociedade conduzia, necessariamente, a aceitação exclusiva da responsabilidade individual em detrimento da responsabilidade coletiva.
2.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESSOA JURÍDICA NOS DIAS ATUAIS
A necessidade do ser humano de viver em sociedade o fez criar grupos de pessoas com objetivos em comum a fim de facilitar sua convivência, o que tornou necessário atribui-se personalidade a esses agrupamentos para que não se confundissem com as pessoas que as compunham e para atender suas finalidades, sendo a solução encontrada pelo Direito, em dotá-las de personalidade através da criação de uma entidade que ficou conhecida como “pessoa jurídica”, “pessoa moral”, “pessoa coletiva”, entre outras denominações.
O Código Civil Brasileiro adotou a denominação de pessoa jurídica, em harmonia com a denominação dada pelos Códigos Alemão, Italiano e Espanhol, sendo tal denominação utilizada no Título II do Livro I do referido diploma.
A finalidade das pessoas jurídicas deve ser licita, para evitar que seus dirigentes façam uso da entidade para fins ilegais, tendo como consequência, nesses casos, a extensão dos efeitos da má conduta as pessoas naturais que a cometeram, excluindo-se a corporação.
As pessoas jurídicas podem se classificar da seguinte maneira: Pessoa jurídica de Direito Público (que se divide em Direito público interno e externo) e Pessoa jurídica de Direito privado.
São pessoas jurídicas de Direito interno: a União, os Estados, o Distrito Federal, Territórios, Municípios e demais entidades de caráter público criadas por lei.
As pessoas jurídicas de Direito externo são: os Estados estrangeiros e todas as pessoas regidas pelo Direito Internacional.
A pessoa jurídica de Direito público tem seu inicio com a criação Constitucional, de lei especial e de tratados internacionais (quando se tratar de pessoas jurídicas de Direito público internacional).
Já o fato que dá origem a uma pessoa jurídica de Direito privado é a vontade humana, atingindo assim o estado potencial, só alcançando o status jurídico quando preencher os requisitos legais, quais sejam: atos constitutivos escritos e registro público.
3. RESPONSABILIDADE PELOS DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE
A Constituição Federal previu em seu art. 225, § 3º, a tríplice responsabilidade ambiental do poluidor, que pode ser tanto pessoa física como pessoa jurídica. A sanção administrativa que ocorre em decorrência da responsabilidade administrativa, a sanção civil em razão da responsabilidade vinculada à obrigação de reparar danos causados ao meio ambiente, e por fim a sanção penal por conta da chamada responsabilidade penal.
3.1 RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA AMBIENTAL
A infração administrativa ambiental (responsabilidade administrativa) é a que resulta da infringência de norma da administração estabelecida em lei, regulamento ou até mesmo por força contratual, impondo um ônus ao contratado ou para com qualquer órgão público. É independente das demais responsabilidades, é de caráter pessoal, mas a sanção nem sempre é de execução personalíssima, caso em que pode transmitir-se aos sucessores do contratado, quer sejam pessoas físicas ou jurídicas, como ocorre com as multas e encargos tributários.
Ao tratar-se da tutela administrativa do ambiente, em razão do valor do objeto a ser protegido e da relevância dos interesses socioeconômico envolvidos. A administração pública deverá reger-se pelos princípios da legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, publicidade, segurança pública e interesse jurídico, pois o meio ambiente é um bem essencialmente difuso, de interesse comum e possui valores intangíveis e imponderáveis.
Segundo Fiorillo:
“Sanções administrativas são penalidades impostas por órgãos vinculados de forma direta ou indireta aos entes estatais (União, Estados, Municípios e mesmo Distrito Federal), nos limites de competências estabelecidas em lei, com o objetivo de impor regras de conduta àqueles que também estão ligados à Administração no âmbito do Estado Democrático de Direito”. (FIORILLO 2009, p.65).
Essa responsabilidade tem por finalidade obrigar os órgãos citados acima, a preservar os bens ambientais para as gerações vindouras.
3.2. RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL
Em sede de infrações civis ambientais, haverá a responsabilidade civil quando o agente deixar de cumprir o dever fundamental de proteção ambiental, bem como, quando não adotar as precauções necessárias para prevenir os danos ao meio ambiente, causando lesão ou ameaça de lesão a integridade do bem jurídico ambiental.
O Direito Ambiental considerando a importância dos bens tutelados adota a responsabilidade civil objetiva, independentemente de existência de culpa do agente, sob modalidade do risco integral que não se admite qualquer excludente de responsabilidade.
Na concepção de Borges:
“A responsabilidade por dano ambiental é objetiva dada a dificuldade de comprovação dos prejuízos e da dimensão do patrimônio ambiental enquanto interesse transindividual. A responsabilidade do Estado é objetiva dada a necessidade de se repartir de forma equitativa os ônus e encargos públicos”. (BORGES, 2007, P. 90).
Entretanto, as repressões que são aplicadas na esfera cível e administrativa, por danos causados ao meio ambiente não têm provocado os efeitos esperados, daí procura-se na esfera penal uma forma mais rígida de repressão a fim de proteger ao meio ambiente.
3.3 RESPONSABILIDADE PENAL AMBIENTAL
A responsabilidade penal consiste na obrigação de sofrer um castigo ou incorrer em sanções penais impostas ao agente do fato ou omissão criminoso, e o seu fundamento é a imputabilidade ao ato criminoso, ou seja, é a indicação do agente a quem se deve atribuir à responsabilidade.
A nossa Carta Magna entendeu por bem sujeitar qualquer infrator, seja pessoa física ou pessoa jurídica as sanções penais ambientais, desde que observada à existência de crime ambiental.
Resta evidente que em face do principio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, da CF), caberá ao legislador infraconstitucional observado o critério de competência definido no art. 22, I, da CF, fixar as sanções penais mais adequadas em decorrência de diferentes hipóteses de responsabilidade criminal ambiental.
No intuito de preservar o meio ambiente definido com o direito fundamental do cidadão, o legislador infraconstitucional elaborou a Lei 9.605/98, implementando a forma mais severa de punição de nosso ordenamento através da sanção penal.
3.3.1 NORMAS PENAIS EM BRANCO
Em matéria de meio ambiente tem-se utilizado a técnica da norma penal em branco, isto é, preceito lacunoso ou incompleto, necessitando da complementação de outros dispositivos legais, que podem até mesmo serem extras penais, esta prática tem por fundamento o caráter complexo, técnico e multidisciplinar da problemática ambiental.
3.3.2 BEM JURÍDICO PROTEGIDO
O bem jurídico protegido nos crimes ambientais é o meio ambiente, pois, sendo este essencial a vida e a saúde do homem. Integra-se em conjunto de elementos naturais (como água, solo, etc.), elementos culturais (turismo, histórico, etc.) e elementos artificiais (formados pelo espaço constituído e consolidado no conjunto de edificações).
3.3.3 A PROBLEMÁTICA DA PESSOA JURÍDICA
Uma situação peculiar surge quando se é possível uma pessoa jurídica cometer um ato ilícito que enseje a sua responsabilidade penal, pelo fato de que a pena não pode passar da pessoa do delinquente, e a pessoa jurídica é por sua natureza uma entidade coletiva.
Alguns doutrinadores defendem que a pessoa jurídica não comete crimes, pois a imputabilidade é individual e pelo fato de que a culpa tem como fundamento a consciência potencial da ilicitude do ato praticado e como se sabe, a pessoa jurídica não é dotada deste atributo, que é uma característica eminentemente humana, ela seria incapaz de delinquir.
3.4 REQUISITOS DOUTRINÁRIOS PARA A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DA PESSOA JURÍDICA
A penalização da pessoa jurídica foi um grande avanço da Constituição Federal, tal avanço correu devido às grandes devastações ambientais ocorridas principalmente pelas empresas que são as maiores poluidoras e degradadoras do meio ambiente.
3.4.1 REQUISITOS PROCESSUAIS
No tocante a matéria processual, a defesa do meio ambiente, em razão da natureza do bem tutelado (que é difuso) receberá tratamento direto e primário das normas procedimentais previstas na jurisdição coletiva que seria o Código de Defesa do Consumidor e Lei de Ação Civil Pública e somente de forma secundária (subsidiariamente) deverão ser aplicados o Código de Processo Civil e demais diplomas.
3.5 TEORIA DA FICÇÃO
A Teoria da ficção foi desenvolvida na Alemanha, tendo como doutrinadores Savigny e Windescheid. Tal teoria sustenta que pessoas jurídicas não poderiam ser responsabilizadas por atos ilícitos praticados por seus administradores. Desse modo, essa teoria acredita que só o homem (pessoa física) é capaz de ser sujeito de direito e obrigações.
De acordo com Savigny, as decisões tomadas pela pessoa jurídica são dadas pelos seus membros dirigentes que são pessoas físicas passiveis de responsabilização por suas ações e omissões.
Essa teoria se ampara na locução societas delinquere non potest (pessoa jurídica não pode cometer delitos), cujo seus principais argumentos são:
– ausência de consciência, vontade e finalidade;
– ausência de culpabilidade;
– ausência de capacidade de pena;
– ausência de justificativa para a imposição da pena.
O doutrinador Damásio E. de Jesus, explica de forma clara a teoria da ficção em sua obra jurídica.
“A personalidade jurídica, ao contrário, somente existe por determinação da lei e dentro dos limites por esta fixados. Faltam-lhe os requisitos psíquicos da imputabilidade. Não tem consciência e vontade próprias. É uma ficção legal. Assim não tem capacidade penal e, por conseguinte, não pode cometer crimes. Quem por ela atua são seus membros diretores, seus representantes. Estes sim são penalmente responsáveis pelos crimes cometidos em nome dela” (JESUS, 1999. p.168).
Os adeptos a essa teoria alegam que a pessoa jurídica é desprovida de consciência e de vontade própria e a ela não se aplicariam os princípios da responsabilidade pessoal e culpabilidade. A pessoa jurídica é considerada como mera entidade artificial, sem vontade e sem consequentemente capacidade de ação, sendo assim, acredita-se que não poderá cometer um ato ilícito.
3.6 TEORIA DA REALIDADE OU DA REALIDADE REAL
Essa teoria tem origem Germânica e teve como precursor Otto Gierke, que acredita que a pessoa jurídica possui personalidade real e não um ser artificial como trata a teoria anterior. Para a teoria da Realidade, a pessoa jurídica é capaz de praticar ações e atos ilícitos, sendo assim capaz de ser responsabilizado civil e penal, reconhecendo, portanto sua capacidade criminal.
Segundo Gierke, a pessoa jurídica tem vontade própria distinta de dos seus associados. O ente corporativo existe, é uma realidade social, é sujeito de deveres e direitos.
Podemos verificar que de acordo com essa Teoria existe uma real possibilidade de responsabilização penal da pessoa jurídica, pois esta possui capacidade de ação e por obvio, não da mesma forma que a pessoa física, mas do seu modo, através de atos deliberativos do seu conselho que direcionam as ações da empresa, que pode ser através da vontade da maioria dos dirigentes e consequentemente torna-se alguma vontade real da pessoa jurídica.
3.7 TEORIA DA REALIDADE JURÍDICA
Essa teoria é uma das mais defendidas na atualidade, pois no seu entender, a pessoa jurídica é criada pelo Direito que lhe é conferido personalidade, tal qual como a pessoa física.
Dessa forma a personalidade jurídica que é criada é considerada um atributo que o ordenamento jurídico concede a alguns entes, não sendo, portanto mera ficção.
Tal teoria defende que a pessoa jurídica possui uma existência legal e sua realidade não equivale a das pessoas físicas, não sendo possível imaginar a pessoa jurídica sem atribuir direitos próprios.
A pessoa jurídica só existe por que o ordenamento jurídico prevê sua existência, assim o começo e o fim da personalidade jurídica estão condicionados a requisitos legais.
4. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
A Constituição Federal de 1988 trouxe ao ordenamento jurídico importante mudança e inovação com admissão da responsabilização penal da pessoa jurídica, constantes nos artigos 173, §5º, e 225,§ 3º, este último está diretamente relacionado ao meio ambiente.
Vejamos os dispositivos aludidos:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em Lei.
§ 5º a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se as punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados, aplicando-se relativamente os crimes contra o meio ambiente, o disposto no art. 202, parágrafo 5º.”
Desse modo, os constitucionalistas em sua maioria, ao realizarem a interpretação da Constituição Federal de 1988, concluem pela admissão da responsabilidade penal da pessoa jurídica em decorrência de atividades lesivas á ordem econômica, financeira contra a economia popular, bem como, lesivas ao meio ambiente.
José Afonso da Silva, ao tratar do tema assevera que:
“[…] Cabe invocar, aqui a tal propósito, o disposto no artigo 173, § 5º, que prevê a possibilidade de responsabilização das pessoas jurídicas, independente da responsabilidade de seus dirigentes, sujeitando-as às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica, que tem como um de seus princípios a defesa do meio ambiente”. (SILVA, 1994, p. 718).
O art. 173, §5º, afirma que as punições a que estão sujeitas as pessoas jurídicas serão compatíveis com sua natureza, além de aludir à responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica.
Há quem diga que é uma contradição da própria Constituição e entendem tal dispositivo como uma contrariedade a responsabilização penal da pessoa jurídica, pois, a responsabilidade pessoal dos dirigentes não se confunde com a responsabilidade da pessoa jurídica e nem a Constituição dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal, apenas condicionando a sua responsabilidade a aplicação de sanções compatíveis com sua natureza, indeferindo-se, logo, que não há a possibilidade de se sancionar penalmente a pessoa jurídica, apenas civil e administrativamente.
O legislador foi taxativo em instituir uma nova política criminal (preventiva) aos causadores de danos ao meio ambiente, distinguindo a sanção penal da administrativa, e deixando igualmente evidente a obrigação civil de reparação do dano causado.
4.1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ATINGIDOS COM A RESPONSA-BILIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA
Existe uma discordância de vários doutrinadores acerca da extensão da responsabilidade penal a pessoa jurídica, alegando os mesmos, que há ofensa aos princípios da pessoalidade, da individualização e da proporcionalidade. Vejamos os argumentos acerca de cada um deles.
a) Princípio da pessoalidade: segundo o art. 5º, XLV da Constituição Federal: Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido.
Destarte, as penas aplicadas às pessoas jurídicas atingiriam os acionistas e os funcionários, fazendo com que o verdadeiro autor da infração fique intacto. Havendo a condenação do ente coletivo pressupõe a penalização de todos os membros da corporação, autores materiais do delito e membros não participantes do delito pertencente apenas do grupo jurídico, representando, uma flagrante violação aos princípios da personalidade e da individualização da pena.
b) Princípio da individualização: visa apurar a culpabilidade da pessoa jurídica. O at. 5º, XLVI, da CF dispõe que: “A lei regulará a individualização de penas e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos”.
Daí questionar-se como se apurar a culpabilidade da pessoa jurídica, o dolo ou a culpa, para individualiza a pena aplicada.
c) Princípio da proporcionalidade da pena: segundo o art.173, § 5º, da CF preceitua que:
“A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se as punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra ordem econômica e financeira e contra a economia popular.”
O princípio da proporcionalidade é o princípio que se deve usar para a justa medida, isto é, quando houver colisão entre os direitos e interesses legalmente protegidos, é necessário para evita-se desnecessárias ou abusivas restrições contra os direitos fundamentais, cuidando-se de aferir a compatibilidade entre os meios e fins. De acordo com esse principio deverá haver compatibilidade entre a punição e sua natureza.
5. RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NA LEI 9.605/98
A Lei nº. 9.605/98 que trata das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, tornou-se um grande marco no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, regulamenta de forma clara e incisa a responsabilidade penal da pessoa jurídica que comete crime ambiental, tendo como referência o art. 225, § 3º da Constituição Federal.
Mesmo com a Constituição Federal ter inserido a responsabilidade penal da pessoa jurídica, era da alçada da legislação infraconstitucional tornar apta a aplicação de tal norma constitucional, só após a Lei 9.605/98, ou seja, dez anos depois de promulgada a nossa Constituição.
Com o advento da referida lei é importante frisar que apesar do reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade da pessoa física adotando desse modo o sistema de dupla imputação.
O sistema de dupla imputação consiste na responsabilização criminal não apenas da pessoa jurídica, como também da pessoa física, que agiu em nome da empresa. Em suma nada mais é que a possibilidade de responsabilizar simultaneamente a pessoa jurídica e a pessoa física.
Outro tema importante abordado na lei 9.605/98 está presente no at. 4º, que trata da desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, referido artigo traz o seguinte: “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a qualidade do meio ambiente”.
Assim, a distinção e separação entre o ente coletivo e seus membros, estabelecidas pela lei em contento, serão desconsideradas quando a personalidade da pessoa jurídica for utilizada como resguardo da fraude e abuso de direito.
5.1 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚ-BLICO
A Constituição Federal de 1988 traz expressamente o papel do Estado (poder público) o dever de manter o meio ambiente equilibrado e sadio. Tal preceito está previsto tanto no art. 225, já citado acima, como no art. 23 que estabelece o seguinte entendimento:
“Art. 23. É de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: […]
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.”
Destarte, mesmo tendo o Estado à maior responsabilidade em manter o meio ambiente sadio, muitas vezes, esse mesmo Estado apresenta-se como seu maior violador e poluidor, isto porque, este agride o meio ambiente seja de forma omissiva ou comissiva. Um exemplo bem comum de omissão do Estado acontece quando concede licenças com base em dados inseguros, o que acaba deixando o particular poluir e degradar o meio ambiente em grandes proporções.
Na corrente dos doutrinadores que são favoráveis a responsabilização penal da pessoa jurídica argumenta que o ente público que cometer um crime ambiental a sanção a ser aplicada deve ser condizente com a natureza da conduta.
Outra tese levantada pelos doutrinadores favoráveis é que com a penalização destes entes poderia servir de “freio” para que seus administradores (prefeitos, governadores e outros) tivessem mais cautela em preservar o meio ambiente.
Dentro desta visão, para os doutrinadores favoráveis não deve haver diferenciação entre a pessoa jurídica de direito público e privada, independente das supostas naturezas jurídicas, sob pena de se o fizer quebrar o principio da isonomia amparado constitucionalmente.
Já os doutrinadores contrários a responsabilização da pessoa jurídica de direito público, argumentam que na Constituição de 1988, bem como na Lei 9.605/98, inexiste diferenças quanto à responsabilização do ente público e privado, dessa forma, não podendo o interprete realizar uma distinção aonde as normas não estabelece.
Também seria inviável a responsabilização do ente público, pois nos termos do art. 3º da Lei 9.605/98 que para haver punição penal deverá a infração ser cometida por decisão.
Outro ponto a ser questionado é em relação à igualdade de tratamento das pessoas jurídicas de direito público e privado, os doutrinadores argumentam que não há igualdade entre estes dois entes, que ambos são distintos tanto na sua natureza, como nos objetivos e elementos dessa forma, devem-se respeitar as desigualdades e devem ser tratadas de forma desigual.
Existem outras teses defendidas que não admitem a penalização dos entes públicos. Primeiramente, se de fato houvesse a capacidade de aplicação de uma pena a um determinado ente público esta seria solidarizada com a coletividade como um todo, acabando toda a comunidade punida, p. ex. , caso o Estado que é o representante do ente coletivo sofresse uma multa por crime ambiental acabaria a sociedade pagado através de imposto.
Em suma, os doutrinadores não admitem que a pessoa jurídica de direito público seja responsabilizada penalmente, pelas seguintes razões:
1. As penas aplicadas são inadequadas para os entes públicos, e se forem aplicadas prejudicariam a própria sociedade podendo até afetar os serviços públicos prestados por tal ente;
2. Existe diferenças entre a pessoa de direito público e privado, tais como na natureza jurídica e no objeto, necessitando então de tratamento diferenciado;
3. A pessoa jurídica de direito público é detentora do jus puniendi e caso pudesse sofrer sanção penal estaria abrindo mão de sua legitimidade, afetando o próprio princípio federativo;
4. Quando o ente público pratica um ilícito (penal) contra o meio ambiente quem os pratica são as pessoas que ocupam cargos públicos.
6. AS PENAS APLICÁVEIS A PESSOA JURÍDICA QUE COMETE CRIME AMBIENTAL
Responsabilizar alguém penalmente é o mesmo que lhe imputar a autoria de um crime que deverá ser punido com a aplicação de uma sanção, ou seja, fazer alguém responder pelos seus atos que violaram uma lei penal através da aplicação uma sanção, obedecendo-se o principio do devido processo legal.
Inicialmente será estudado o crime, procurando demonstrar a possibilidade de se ter uma pessoa jurídica como seu sujeito ativo. Em seguida, serão examinadas as penas e se elas podem ser aplicadas a entidade coletiva. Após isto, será analisada a lei 9.605/98, que estabeleceu a responsabilidade penal da pessoa jurídica por crimes ambientais.
6.1 CRIME
No código penal brasileiro não possui conceito de crime, restando à doutrina o fazê-lo, existindo três correntes diferentes que buscam defini-lo: a formal, a material e a analítica.
O conceito formal é o que afirma que o crime é uma ação contrária a lei a qual é prevista um pena, sendo esta definição incompleta, pois não penetra na matéria do crime.Em relação ao conceito material é o que busca levar em consideração as razões e critérios que levaram o legislador a punir certos fatos e não outros, conceituando o delito como uma ofensa a um bem jurídico, esbarrando no problema de que a definição de crime estaria propensa as variações no tempo, espaço, política governamental, etc.
Já o conceito analítico, é o mais aceito pela doutrina e caracteriza-se pelo fato de dividir o crime em elementos ou aspectos, conforme afirma E. Magalhães Noronha.
“A ação humana, para ser criminosa, há de corresponder objetivamente a conduta descrita na lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se, então, o delito como a ação típica, antijurídica e culpável. Ele não existe sem uma ação (compreendendo também a omissão), a qual se deve ajustar a figura descrita na lei, opor-se ao Direito e der atribuível ao individuo a título de culpa latu sensu (dolo ou culpa).” (NORONHA, 1998, p.97)
São características do crime: fato típico e antijuricidade, pois a culpabilidade é uma conseqüência do crime, sendo o pressuposto da imposição da pena.
6.2 FATO TÍPICO
A conduta é sinônimo de comportamento, e quando este comportamento se caracteriza um delito descrito em legislação penal ele é denominado de tipo. Concluindo-se então, que uma conduta típica é aquela que se molda a disposição penal que a caracteriza como delituosa essa adequação ao tipo chama-se tipicidade.
De acordo com os ensinamentos de Damásio de Jesus (1993, p. 136 – 137) existem quatro elementos que compõem um fato típico: conduta humana culposa ou dolosa; resultado; nexo de casualidade entre a conduta e o resultado (salvo nos crimes de mera conduta e formais); enquadramento do fato material (conduta, resultado e nexo) a uma norma pela incriminadora.
A conduta humana culposa ocorre quando o autor não quer a produção do resultado, mas, em virtude de sua imprudência, imperícia ou negligência, não impediu que ele ocorresse. A conduta considerada dolosa ocorre quando o agente deseja a produção do resultado.
O resultado é a alteração do mundo exterior causado pela conduta humana. É um elemento típico exceto nos crimes de mera conduta, pois eles não exigem a produção do resultado.
O nexo de casualidade é a ligação existente entre a conduta do agente e o resultado, isto é, o que determina a causa da alteração do mundo exterior foi o comportamento do agente.
O último elemento do fato típico é a adequação do fato matéria: conduta – resultado – nexo de casualidade, a uma norma penal incriminadora, que dispõe a forma de se cometer o delito, o lugar e outros.
O requisito da tipicidade é essencial a configuração do delito pelo fato de que não existe crime sem uma lei anterior que o defina, conforme o art. 1º do Código Penal e o art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal.
6.3 ANTIJURICIDADE
A antijuricidade é um dos requisitos do crime devido ao fato de que existem situações em que o ordenamento jurídico permite a pratica das condutas típicas sem considerá-las antijurídicas, impedindo a caracterização do delito.
Não basta que a conduta seja típica para a configuração do crime, ela também deve ser antijurídica, exprimindo uma relação de oposição entre o fato e a lei.
Se a conduta do autor for típica existe uma “presunção” de antijuricidade que só será afastada na presença de uma das circunstancias previstas no art. 23 do Código Penal, e uma vez que tais excludentes de ilicitude sejam extrapoladas, devera o agente responder pelo abuso.
Prevê o artigo 23 do Código Penal:
“Art. 23 – Não há crime quando o agente pratica o fato:
I – em estado de necessidade;
II – em legitima defesa;
III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito
Parágrafo único – o agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”
Como visto, uma pessoa jurídica pode agir tipicamente, existindo uma presunção de que seu ato é ilícito, só afastado com a presença de uma das causas de excludentes de ilicitude, concluindo-se que, além de típico, o comportamento da pessoa moral pode ser antijurídico, preenchendo os requisitos do delito, podendo então a pessoa jurídica cometer crimes.
6.4 CULPABILIDADE
A culpabilidade é um pressuposto da aplicação da pena, e não do crime, pois é um juízo de valor sobre a conduta criminosa. Das várias correntes que tentam definir a culpabilidade, faremos breves considerações sobre as seguintes: a puramente psicológica, a psicológico normativo e a puramente normativa.
A puramente psicológica afirma que a culpabilidade é a ligação psíquica do autor com seu fato. Para esse corrente o dolo seria a intenção do agente de produzir o resultado, ou assunção do risco de produzi-lo. A culpa seria a inexistência desta vontade ou do reconhecimento da probabilidade de consumação do crime. Sua falha é o fato de admitir culpa e dolo como espécies de culpabilidade, pois, aquela é exclusivamente normativa e este é um conceito psíquico, logo, não se concebe considerá-los como duas partes iguais de um denominador comum.
A teoria psicológica normativa procura estabelecer a culpa e dolo, não como espécies da culpabilidade, mas, como elementos afirmando que a culpabilidade é um juízo de valor sobre o fato doloso ou culposo e alem da imputabilidade e da exigibilidade de conduta diversa, deveria se incluir o elemento psicológico normativo (dolo ou culpa). A crítica que se faz a esta corrente é que ao admitir a culpabilidade como um fenômeno normativo, o dolo não se pode ser considerado seu elemento, pois é um elemento psicológico.
A teoria puramente normativa retira a culpa e o dolo da culpabilidade e os colocam no tipo penal, assim, os elementos da culpabilidade seriam: imputabilidade, possibilidade de conhecimento da ilicitude do ato e exigibilidade de conduta diversa, sendo a característica marcante desta corrente o fato de não se encontrar nenhum fator psicológico entre os elementos da culpabilidade, apenas juízos de valor.
Outro elemento da culpabilidade é o potencial conhecimento da ilicitude do ato, sendo utilizado o termo potencial, pois, não se exige que o agente tenha o real entendimento da ilicitude, bastando que tenha sido possível o conhecimento da ilegalidade ao tempo da realização da conduta típica, pois todos tem o dever de conhecer a lei, apenas sendo permitido a exclusão da culpabilidade pela completa impossibilidade do autor saber que seu ato é ilícito.
A exigibilidade de conduta diversa também é elemento da culpabilidade, nas palavras de Damásio de Jesus (1993, p. 419): a conduta só é reprovável quando, podendo, o sujeito realizar comportamento diverso, de acordo com a ordem jurídica, realiza outro, proibido.
Existe, todavia, casos em que não é possível exigir do autor que não agrida a lei, são o que ocorre quando o sujeito ativo age sob causas de exclusão de culpabilidade coação moral irresistível ou obediência hierárquica.
Alguns doutrinadores defendem a inexigibilidade de conduta diversa como uma causa supralegal de exclusão da culpabilidade, devendo ser aplicada quando o autor não podia deixar de ferir a lei e a circunstancias não se encontra no art. 22 do Código Penal.
Dessa forma, o conhecimento da inexigibilidade de conduta diversa em um caso não incluso no referido dispositivo deve ser feito em casos excepcionais, de acordo com a convicção do juiz.
Não se observa nenhum obstáculo para que a pessoa jurídica preencha os requisitos do potencial conhecimento da ilicitude e da exigibilidade de conduta diversa, sendo um contrasenso admitir que uma entidade criada pelo Direito não o conheça e que não se porte de acordo com ele.
O grande questionamento se dá quando se estuda a pessoa jurídica criminosa é saber se a ela pode ser imputado um delito, uma vez que ela não é dotada de consciência, sendo este atributo inerente ao ser humano, logo, não teria como preencher o requisito do potencial conhecimento da ilicitude do ato.
6.5 DAS PENAS APLICADAS NA LEI 9.605/98
A Lei 9.605/98 instituiu a responsabilidade penal da pessoa jurídica para crimes praticados contra o meio ambiente, e em seu art. 21 elencou as espécies de penas aplicáveis, Isolada, cumulativa ou alternativamente a pessoa jurídica, seja elas: multa, restritivas de direitos, prestação de serviços a comunidade e liquidação forçada. Sobre estas modalidades de penas faremos algumas considerações especificas.
Destarte, que a dosimetria da pena aplicada a pessoa jurídica estará adstrita as conseqüências, bem como a extensão do dano causado ao meio ambiente, uma vez que, não se pode aplicar a ela o principio da culpabilidade.
6.5.1 A PENA DE MULTA
Apesar da figura da multa está presente na lei ambiental, o legislador não estabeleceu critérios específicos para sua aplicação à pessoa jurídica. Foram adotadas as regras contidas no Código Penal que prevê: Art. 49, caput: “a pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa”.
A Lei 9.605/98 no Art. 18 institui que: a multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo em vista o valor da vantagem econômica auferida.
De acordo com o art. 49 do CP, fixa-se o dia-multa no mínimo de dez dias e no máximo de trezentos e sessenta dias-multa, podendo ainda este valor ser multiplicado por 3, caso seja insuficiente, segundo o § 1º do art. 60 do CP. Não pode o valor da multa ser inferior a um trigésimo do salário mínimo vigente, nem superior a cinco vezes esse salário, segundo o § 1º do art. 49 do CP.
Sergio Salomão Shecaria ao tratar da aplicação da multa afirma que:
“[…] a sistemática de dias-multa adotada pelo direito brasileiro, com o procedimento bifásico estatuído com a Reforma de 1984, deve ser implementada também para as pessoas jurídicas. Quando o réu no processo criminal for pessoa jurídica, o dia-multa equivalerá a 1/365 do seu faturamento no exercício anterior, devidamente atualizado, ou a 1/30 do faturamento no mês anterior, para empresas recém-constituídas. Tais limites podem ser dobrados em caso de reincidência ou mesmo triplicados. As penas podem variar de 10 a 360 dias-multa, à semelhança do que ocorre no direito em vigor. Ressalte-se que a pena mínima a ser eventualmente aplicada (10 dias-multa) é valor, por si só, extremamente alto, especialmente se considerarmos que dos 2/3 restantes do faturamento, obtidos naquele mês, sairiam todos os encargos da empresa” (SCHECAIRA, 2003, p. 125).
Dessa forma, melhor seria que o legislador tivesse implantado uma unidade especifica para aplicação da multa a pessoa jurídica que correspondesse a um dia de faturamento da empresa e não o padrão de dias-multa contido na parte geral do Código Penal.
6.5.2 RESTRITIVAS DE DIREITOS
A pena restritiva de direitos cominada a pessoa jurídica, disposta no art. 22 da LCA, inclui:
I – suspensão parcial ou total da atividade;
II – interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III – proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
Vejamos cada uma delas:
a) Suspensão parcial ou total da atividade: o art. 22, §1º da LCA determina que a sanção deverá ser aplicada quando as atividades não estiverem condizentes com as disposições legais (ou regulamentadas) relativas ao meio ambiente.
A suspensão pode ser total ou parcial, devendo ser observado a atividade lesiva em todos os seus aspectos. Caso apenas parte da atividade (ou setor da empresa) não esteja de acordo com as normas de proteção do meio ambiente, a atividade deverá ser suspensa em parte. Para haver a suspensão total da atividade é necessário que a empresa não esteja obedecendo as disposições legais ou regulamentada no meio ambiente.
b) Interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade: a interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação ambiental de dispositivo legal ou regulamentar.
Essa interdição é similar ao embargo ou paralisação da obra do estabelecimento ou atividade, e vista a fazer com que a empresa se adeque a legislação ambiental, iniciando a obra ou atividade quando obtiver autorização para tal.
c) Proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações: a proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
O fundamento desta pena é o de que o dinheiro do contribuinte não se pode ser repassado a quem age criminosamente. Logo, fica proibida a contratação com o Poder Publico com ou sem processo licitatório, não podendo sequer a empresa condenada se apresentar as licitações.
As duas primeiras sanções penais (suspensão parcial ou total de atividades e interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade) atingem diretamente os empregados da empresa, os quais não têm nenhuma responsabilidade em face do crime praticado pela empresa para a qual trabalham, bem como para a economia como um todo. Portanto, a aplicação dessas penas só deverá se concretizar quando os fatos ilícitos lesarem ou puserem em perigo importantes bens jurídicos tutelados na órbita penal, além de serem postas em pratica medidas que impeçam a despedida dos trabalhadores bem como a sanção é unicamente a empresa causadora dos danos.
6.5.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS A COMUNIDADE
A pena de prestação de serviços a comunidade cominada a pessoa jurídica no art. 23 da Lei 9.605/98, consistirá em:
I – custeio de programas e de projetos ambientais;
II – execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III – manutenção de espaços públicos;
IV – contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Tais penas visam mais o lado educacional que punitivo. Dificuldade na aplicação desta pena existe pelo fato de o legislador não haver especificado nem os programas nem os projetos a serem custeados. Importante é aferir-se a proporcionalidade entre o crime e o dano caudado ao meio ambiente, quando da apuração dos custos dos serviços a serem executados pelo infrator.
O Ministério Público e até a própria entidade condenada poderão apresentar ao juiz proposição solicitando a cominação de qualquer dos tipos de pena de prestação de serviços arrolados acima.
6.5.4 LIQUIDAÇÃO FORÇADA
De acordo com o art. 24 da LCA:
“A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.”
A aplicação as sanção de extinção da empresa é tão grave que não só determina a liquidação da empresa, mas faz a transferência do patrimônio desta para o Fundo Penitenciário Nacional, que poderá utilizar o referido patrimônio da forma que desejar.
O principal objetivo dessas sanções penais é prevenir atentados contra o meio ambiente, através da punição da pessoa jurídica que cometeu crimes ambientais.
A pessoa jurídica constituída ou utilizada principalmente com a finalidade de permitir, facilitar ou ocultar prática de crime ambiental terá sua liquidação forçada decretada com a perda de bens e valores, o que de fato corresponde à verdadeira “pena de morte” da pessoa jurídica.
6.6 APLICABILIDADE DA NORMA
Muitas dificuldades existem na aplicação da norma, pois todos os tipos proibitivos são omissos no que tange a aplicação da responsabilidade penal a pessoa jurídica. O legislador estabeleceu a possibilidade de responsabilização do ente coletivo, descreveu quais as sanções passiveis de ser aplicadas a estes entes, mas não previu nenhuma das penas que ele mesmo havia definido para a pessoa moral, uma vez que, se observa que todos os crimes são punidos com as penas privativas de liberdade ou multa.
O legislador comina as penas, mas não as instituiu, não se pode aplicá-las concretamente, haja vista a ausência de instrumentos hábeis e indispensáveis para esta intenção, pois não existe norma sem preceito ou sem sanção. Não existem normas de integração entre a parte geral e a parte especial da lei, impossibilitando a aplicação de sanção à pessoa jurídica, e sendo essa estabelecida pelo juiz, este estaria criando norma, o que está fora de sua competência.
Schecaira assevera que:
“O capitulo V da referida lei, ao dispor sobre os crimes contra o meio ambiente, em suas cinco seções, sempre estabeleceu penas restritivas de liberdade ou multa. Em nenhum momento mencionou que esta ou aquela norma proibitiva deveria ser aplicada a pessoa jurídica. Depreende-se, pois, que a aplicação das penas as empresas far-se-á conforme os critérios especificados nas disposições gerais do referido estatuto. O sistema de integração e aplicação da norma depende, pois, exclusivamente daquilo que foi estatuído nas normas permissivas. No entanto, os critérios ensejadores da integração normativa não estão fixados na parte geral do estatuto ambiental. Vale dizer: o legislador não estatuiu a cominação especifica e esqueceu-se da genérica. Consultando a Parte Geral (arts. 1 a 25) e a Parte Especial (arts. 29 a 69) não se encontra nem preceito secundário (cominação especial) e nem dispositivo genérico de cominação” (SCHECAIRA, 2003, p. 160).
O problema existe pelo fato de que não existem critérios para que se atribua a uma pessoa jurídica a responsabilidade pelo cometimento de um ilícito penal. Poderia ser argumentado que as penas restritivas de liberdade ou a prestação de serviços a comunidade seriam penas alternativas e substitutivas das privativas de liberdade para as pessoas jurídicas.
Não se percebe em nenhum lugar da Lei 9.605/98 os critérios para a substituição das penas privativas de liberdade prevista nos tipos penais daquele diploma pelas restritivas de direito ou prestação de serviço a comunidade pela pessoa jurídica.
Outra dificuldade é o fato da LCA excluir qualquer relação entre a pena privativa de liberdade nos tipos proibitivos da Parte Especial e as restritivas de direitos fixadas na Parte Geral.
7. VISÃO INTERNACIONAL ACERCA DA RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA
7.1 PAÍSES QUE ADOTAM A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA:
Na Holanda a responsabilidade da pessoa jurídica na Holanda foi introduzida em 1950 através da Lei de Delitos Econômicos. No ano de 1970 houve modificação do Código Penal e toda legislação passou adotar a responsabilidade coletiva.
Dentre as penas aplicadas a pessoa jurídica que comete crime ambiental, podemos citar: a multa, o confisco de objetos, a publicidade da decisão judiciária e a retirada da circulação de determinados objetos. Vale ressaltar que a jurisprudência da Holanda tem aceitado a responsabilidade penal da pessoa jurídica de direito público.
Os Estados Unidos adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica através do Código Penal de 1882. Apesar da responsabilidade penal das corporações serem regra, alguns Estados nortes – americanos não o adotam.
Podemos constatar, neste país que as infrações podem ser culposas (são imputadas as empresas que comentem infrações ambientais por um funcionário no exercício de sua função, mesmo que a empresa não tenha obtido proveito do fato delituoso), ou a titulo de dolo (quando fato delituoso for cometido por um executivo de nível médio). As penas aplicadas à pessoa jurídica são: multa e de inabilitações.
Na Inglaterra admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica, tanto de infrações leves (misdemeanours), como infrações graves (felonies). Neste país, poderá haver punição mesmo sem o elemento subjetivo, isto é, o dirigente da empresa poderá ser responsabilizado criminalmente caso tenha atuado com culpa ou dolo. As penas aplicadas são: pecuniárias, dissolução, apreensão e limitação de atividades.
A Dinamarca adotou a responsabilidade penal da pessoa jurídica no Código Penal de 1976, através da Lei 474 e para haver a responsabilização da pessoa jurídica é necessário haver a previsão expressa para o delito praticado.
Nesse contexto, para configurar tal crime, não é necessário que tenha partido de um dirigente da empresa, basta que qualquer funcionário na função de sua tarefa, cometa um ilícito contra o meio ambiente, para configurar o delito e consequentemente a empresa ser responsabilizada penalmente. Vale ressaltar que neste país, a pessoa jurídica de direito público também poderá ser responsabilizada criminalmente.
Na França foi adotada a responsabilidade penal da pessoa jurídica, no Código Penal Francês de 1994. A empresa será responsabilizada pelas infrações previstas na lei, praticadas por sua conta, bem como seus órgãos ou representantes. A responsabilidade penal da pessoa física, não irá excluir a das pessoas jurídicas quando autores ou simplesmente co-autores dos mesmos fatos.
O Japão através da influência norte – americana introduziu na sua legislação de 1932, a punição criminal tanto da pessoa física como a pessoa jurídica.
7.2 ALGUNS PAÍSES QUE NÃO ADOTAM A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA.
Na Alemanha não é reconhecida a figura da responsabilização penal da pessoa jurídica, suas infrações são punidas apenas no campo administrativo, com aplicação de multa, por exemplo.
A Suíça não admite a responsabilização do ente coletivo, apenas o representante da pessoa jurídica pode ser culpado pelo fato delituoso. Neste país, a pessoa jurídica só sofre as penas de multa, ou sanções funcionais de natureza administrativa, a jurisprudência só admite a pena aplicada à pessoa física.
Na Itália existe uma vedação taxativa constitucionalmente sobre a responsabilização penal da pessoa jurídica. O ente coletivo pode concorrer com o representante da empresa caso esta na função de sua tarefa tenha praticado crime para beneficiar aquele, desta forma a pena pecuniária é de natureza civil.
Na Bélgica ocorre igualmente como na Itália, diferenciando, que na Constituição daquele país não traz expressamente à vedação a responsabilidade penal da pessoa jurídica, apenas cita que a pessoa física pode ser responsabilizada criminalmente.
8. JURISPRUDÊNCIAS
O modo como foram tratados as penas aplicadas as pessoas jurídicas na LCA traz muitas dúvidas e lacunas, das quais, somente só serão solucionadas pela jurisprudência, buscando dessa forma a verdadeira justiça.
Podemos concluir então que o legislador deu ao julgador um excessivo poder discricionário ao proceder no julgamento dos crimes ambientais cometidos pelas pessoas jurídicas, caso julgue pelo encerramento da empresa, isto é, sua “morte”, leva consequentemente a milhares de pessoas desempregadas tornando-se um verdadeiro caos à sociedade como um todo.
8.1 DECISÕES JURISPRUDENCIAIS
8.1.1 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
EXPLOSÃO – MODALIDADE CULPOSA
“Crime – comissivo por omissão imputado a sócio de empresa mineradora. Responsabilidade objetiva. Impossibilidade no âmbito do direito penal. Peça acusatória que não descreve características básicas do delito capitulado no parágrafo 3º do art. 251 do Código Penal. Fato atípico. RHC provido para excluir o paciente da denuncia” (STF – 2ªT. , RHC nº 65.995-1 – RJ; Rel. Min. Célio Borja, J.26-4-88, v.u, DJU, 3-6-88, p. 13.606, ementa; vide também BAASP 1549/206 de 24-8-1998).
8.1.2 ENTENDIMENTO DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, PUBLICADO NO DJ DE 13/06/2005
“CRIMINAL. CRIME AMBIENTAL PRATICADO POR PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ENTE COLETIVO. POSSIBILIDADE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DOLEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. RECURSO PROVIDO.
I. Hipótese em que pessoa jurídica de direito privado, juntamente com dois administradores, foi denunciada por crime ambiental, consubstanciado em causar poluição em leito de um rio, através de lançamento de resíduos, tais como, graxas, óleo, lodo, areia e produtos químicos, resultantes da atividade do estabelecimento comercial.
II. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente.
III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.
IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.
V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.
VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito.
VII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.
VIII. ‘De qualquer modo, a pessoa jurídica deve ser beneficiária direta ou indiretamente pela conduta praticada por decisão do seu representante legal ou contratual ou de seu órgão colegiado. ‘
IX. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa. A co-participação prevê que todos os envolvidos no evento delituoso serão responsabilizados na medida se sua culpabilidade.
X. A Lei Ambiental previu para as pessoas jurídicas penas autônomas de multas, de prestação de serviços à comunidade, restritivas de direitos, liquidação forçada e desconsideração da pessoa jurídica, todas adaptadas à sua natureza jurídica.
XI. Não há ofensa ao princípio constitucional de que ‘nenhuma pena passará da pessoa do condenado… ‘, pois é incontroversa a existência de duas pessoas distintas: uma física – que de qualquer forma contribui para a prática do delito – e uma jurídica, cada qual recebendo a punição de forma individualizada, decorrente de sua atividade lesiva.
XII. A denúncia oferecida contra a pessoa jurídica de direito privado deve ser acolhida, diante de sua legitimidade para figurar no pólo passivo da relação processual-penal.
XIII. Recurso provido, nos termos do voto do Relator”. (RESP- 564960, STJ – 5ª Turma, Relator: Min. Gilson Dipp, DJ: 13/06/2005).
8.1.3. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA
“N. Processo: 2001. 011784-6
Revista ou seleção: Volume: () Página: () Relator: JUIZ ARNÓBIO ALVES TEODÓSIO Tribunal: Ano: 2003 Data Julgamento: Data Pub. No DJ: Natureza: APELAÇÃO CRIMINAL Órgão Julgador: CÂMARA CRIMINAL Origem: Campina Grande
Ementa
APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE – Absolvição – Irresignação ministerial – Empresa funcionando sem licença ambiental da SUDEMA – Constatação na vigência da Lei 9.605/98 – Configuração do delito – Aplicação da Lei ambiental – Crime permanente gerido pela teoria da atividade – Reforma da sentença – Condenação do denunciado – Provimento da apelação.
Comete o crime previsto no art. 60 da Lei nº 9.605/98 o responsável pela empresa comercial com potencial de poluentes que apesar de autuada administrativamente, continua sem efetiva atividade sem licença de operação da SUDEMA e apresentação de sistema de tratamento dos resíduos (sólidos e líquidos).
Inaplicável ao caso vertente o principio da reserva legal e da anteriormente porque se trata de delito permanente regido pela teoria da atividade em que se consuma a cada instante, portanto, o fato de funcionar a empresa sem licença ambiental da SUDEMA (órgão escrito no SISNAMA) antes da vigência dessa Lei, e continuando sem regularizar a situação, incide na sua aplicação.
Estando presentes os elementos integrantes do tipo penal descrito no art. 60 da Lei nº 6.905/98, cuja prova projeta a autoria e materialidade da infração penal, a conseqüência é a reforma da decisão guerreada.”
CONCLUSÃO
Podemos verificar com esse trabalho acadêmico, uma evolução ao longo da história no que tange a pessoa jurídica e a aceitação da possibilidade do ente coletivo cometer ilícitos.
Notamos que a figura da responsabilidade penal da pessoa jurídica apesar de estar presente no dia a dia da sociedade ainda existe muita divergência sobre sua aceitação por parte dos doutrinadores.
Diante de tal divergência de doutrinadores acerca dessa temática, o presente trabalho mostrou a legalidade da norma preceituada na Constituição Federal de 1988, bem como, na Lei 6.605/98 que trata dos crimes ambientais, percebendo – se uma evolução em nosso ordenamento jurídico.
Estudou-se também as penas aplicadas as pessoas jurídicas conforme preceitua a LCA, dentre as penas aplicadas é relevante tratar da pena mais severa aplicada ao ente jurídico que é a liquidação forçada que equivale a “pena de morte” da empresa.
Outro capitulo tratou da visão internacional sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica, mostrando alguns os países que adotam e os que não adotam tal figura em seu ordenamento jurídico.
Destarte, no capitulo que trata das jurisprudências traz a baila algumas decisões jurisprudenciais no Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e o Tribunal de Justiça da Paraíba, tais decisões servem como norte para que os julgadores decidam da melhor forma as questões lacunosas do nosso ordenamento jurídico.
Conclui-se dessa forma que é possível que uma pessoa jurídica cometa um ato descrito em um tipo penal, sendo antijurídico, culpável pelo crime e sem que se infrinja o principio da personalidade, uma vez que, a vontade da pessoa jurídica não se confunde com vontade de seus membros.
Nesta seara, torna-se necessária alteração da Lei 9.605/98 para que se estabeleçam critérios detalhados para a aplicação da pena de multa a pessoa jurídica, no intuito de permitir a substituição da pena de liberdade que está prevista nos crimes da parte especial pelas relativas às pessoas jurídicas, quais sejam: restrição de direitos ou prestação de serviço a comunidade ou até liquidação forçada da empresa.
Os entes coletivos devem sofrer sanções severas pelos atos considerados delituosos no exercício de suas atividades, pois, as maiores infratoras dos crimes ambientais são as grandes corporações que permanecem relativamente impunes ante as suas condutas lesivas ao meio ambiente.
Com a sugestão a alterações na LCA, a penalização da pessoa jurídica não infringiria nenhum principio e seria uma forma de coação mais efetiva para impedir que as grandes empresas permaneçam a margem da responsabilidade.
Conclusivamente, os meios de punições devem estar previstos não apenas na esfera penal, pois o Direito penal atua sempre como ultima ratio, isto é, em último caso, logo, deve-se cumular o direito administrativo (sancionador) juntamente com as sanções civis e as penais, de acordo com a gravidade do caso.
Informações Sobre os Autores
Tercio De Sousa Mota
Erivaldo Moreira Barbosa
Doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Professor Adjunto II da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, no Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais. Professor e Orientador do Mestrado e Doutorado em Recursos Naturais da UFCG/PPGRN e de Especialização em Direito do CCJS/UFCG. Autor dos livros: Direito Constitucional: uma abordagem histórico-crítica; Direito Ambiental: em busca da sustentabilidade. Introdução ao Direito Ambiental. Introdução ao Estudo do Direito. História Ambiental e Direito Ambiental: diálogos possíveis. Direito Ambiental e dos Recursos Naturais: biodiversidade, petróleo e águas (no prelo). Capítulo do livro – Trabalhador Rural, intitulado: O Trabalhador Rural na Região Nordeste. Capítulo do livro – Água Doce: Direito Fundamental da Pessoa Humana. Experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito Ambiental, Direito Econômico, Direito de Águas.
Gabriela Brasileiro Campos Mota
Fisoterapêuta, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente pela UFPB, professora da UEPB e da UNESC Faculdades, Doutoranda em Engenharia de Processos pela UFCG