A penhora on line na execução fiscal: aspectos gerais e compatibilização com o direito à intimidade do executado

Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Resumo: A penhora on line ou penhora eletrônica passou a ser prevista expressamente a partir da alteração legislativa promovida no Código de Processo Civil brasileiro pela Lei n.º 11.382/2006, que alterou a redação do inciso I do art. 655 e acrescentou o art. 655-A, dispondo sobre o procedimento a ser observado para a pesquisa, bloqueio e penhora de dinheiro e aplicações financeiras depositadas em instituições bancárias titularizados pelo executado, o que levou parte da doutrina e jurisprudência a ser manifestar pela inconstitucionalidade de tal constrição judicial, sob o argumento de que haveria violação à intimidade do executado. Em que pese tais posicionamentos jurídicos, a previsão da penhora on line no procedimento da execução fiscal está embasada em relevantes princípios constitucionais que legitimam eventual relativização do direito à intimidade do executado, sendo a previsão e utilização desse instrumento executivo compatível com a Constituição Federal.


Palavras-chave: Penhora on line. Execução Fiscal. Direito à Intimidade do executado. Relativização de Direitos Fundamentais.


Sumário: 1. Introdução. 2. Da penhora on line como instrumento executivo idôneo na execução fiscal. 2.1. Generalidades sobre a penhora on line. 2.2. A penhora on line na execução fiscal. 2.3. Observância ao princípio do devido processo Legal. 3. A compatibilização da penhora on line com o direito à intimidade do executado. 3.1. Inexistência de violação ao direito à intimidade do executado. 3.2. relativização do direito à intimidade do executado. 4. Conclusão.


1- INTRODUÇÃO


Com as recentes alterações legislativas implementadas em nosso sistema processual civil na última década, foi inserido em nosso ordenamento jurídico um forte, eficaz e coativo instrumento de execução que recebeu da comunidade jurídica a designação de penhora on line em referência à forma por meio da qual ocorre sua efetivação, qual seja, a partir de solicitação judicial por via eletrônica de informações sobre depósitos e aplicações financeiras do executado junto a instituições bancárias sujeitas à supervisão do Banco Central.


Doutrinadores contrários à penhora on line argumentam que essa medida executiva viola o direito constitucional à intimidade do executado, uma vez que efetiva-se num primeiro momento por meio da busca de todos os depósitos e aplicações financeiras titularizadas pelo devedor em instituições bancárias, o que representaria a inobservância de seu sigilo bancário, direito subjetivo decorrente de seu direito à intimidade.


 Adotando entendimento diverso, o presente trabalho apresentará argumentos embasados na Constituição Federal de 1988, que demonstram que a previsão normativa e aplicação da penhora on line em casos concretos no procedimento de execução fiscal, a priori, apresenta-se compatível com a ordem constitucional estabelecida, representando a concretização, por meio de opção política do legislador, a valores consagrados em nossa Carta Magna na forma normativa de princípios, como o princípio da celeridade e duração razoável do processo, o princípio da efetividade da tutela jurisdicional (subprincípio decorrente do princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, consagrado no art. 5.º, XXXV, da Constituição federal) e o princípio da indisponibilidade do interesse público, representado pela busca da recuperação dos créditos fiscais inadimplidos.


Para tal mister, far-se-á alguns breves apontamentos sobre a penhora on line e sua aplicação em execuções fiscais; a análise do conteúdo normativo de princípios constitucionais; e por fim, o estudo da compatibilidade da penhora on line com a garantia da intimidade do executado.   


2 – DA PENHORA ON LINE COMO INSTRUMENTO EXECUTIVO IDÔNEO NA EXECUÇÃO FISCAL


2.1 – Generalidades sobre a penhora on line


A penhora on line consiste na pesquisa e bloqueio de quantias depositadas em instituições bancárias em contas titularizadas pelo executado, por determinação judicial, após regular citação em processo executivo, para fins de formalizar futura penhora sobre dinheiro.


Inicialmente, deve-se ter em mente que a previsão legal da penhora on line é decorrente do princípio constitucional da celeridade processual, consagrado expressamente no art. 5.º, LXXVIII, da Carta Política, in verbis:


A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.


Embora o citado princípio constitucional somente tenha sido incorporado expressamente no corpo de nossa Constituição com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/04, que implementou a chamada “Reforma do Judiciário”, a exigência da celeridade do Estado-juiz na prestação da tutela jurisdicional já era um princípio a ser observado pelo Poder Judiciário como decorrência da garantia ao cidadão do devido processo legal e do dever de observância por parte da Administração ao princípio da eficiência, como aponta Alexandre de Moraes:


A EC n.º 45/04 (Reforma do Judiciário) assegurou a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.


Essas previsões – razoável duração do processo e celeridade processual -, em nosso entender já estavam contempladas no texto constitucional, seja na consagração do princípio do devido processo legal, seja na previsão do princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (CF, art. 37, caput). Conforme lembrou o Ministro Celso de Mello, ‘cumpre lembrar que já existe em nosso sistema de direito positivo, ainda que de forma difusa, diversos mecanismos legais destinados a acelerar a prestação jurisdicional (CPC, art. 133, II e art. 198; LOMAN, art. 35, incisos II, III e IV, art. 39, ART. 44 e art. 49, II), de modo a neutralizar, por parte de magistrados e Tribunais, retardamentos abusivos ou dilações indevidas na resolução dos litígios’.[1]


Nesse mesmo sentido leciona Pedro Lenza, afirmando que a prestação jurisdicional em prazo razoável e efetivo já estava anteriormente presente em nosso ordenamento jurídico, inclusive de forma expressa por força do contido nos arts. 8.º, 1.º, e 25.1.º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), o qual foi interiorizado no Direito brasileiro pelo Decreto federal n.º 678/1992[2].


Assim, juridicamente, mesmo antes do advento da emenda Constitucional n.º 45/04, existia previsão para a adoção de instrumentos processuais aptos a proporcionar a celeridade e a efetivação da tutela jurisdicional, de que é exemplo a penhora on line.


 Vale mencionar que aludida medida judicial provoca a abreviação do procedimento de execução de quantia certa, uma vez que sendo positivo o bloqueio de valores titularizados pelo executado, desnecessárias serão as fases expropriatórias de avaliação e alienação judicial de bens penhorados, obtendo-se de forma mais célere a satisfação da pretensão executiva do credor.


Além do mais, por ter por objeto dinheiro, a penhora on line apresenta-se mais efetiva para a satisfação da tutela jurisdicional executiva, pois o bem constritado já é aquele buscado nas execuções por quantia certa, não dependendo de incertas transformações de bens de outras naturezas em pecúnia, como se dá na hipótese de a penhora recair sobre bem imóvel, quando somente após haver praça positiva, e pagamento da arrematação, o exequente terá seu crédito satisfeito com o produto da arrematação.


Esse ato de constrição judicial que é a penhora on line passou a ser tecnicamente possível no Brasil a partir de 08 de março de 2001, com a celebração de Convênio Técnico Institucional entre o Banco Central, o Superior Tribunal de Justiça e o Conselho da Justiça Federal, através do qual se conferiu aos Magistrados Federais e Estaduais acesso ao sistema BACEN JUD, mediante prévio cadastramento, possibilitando aos mesmos a solicitação eletrônica junto ao Banco Central para a pesquisa sobre a existência de dinheiro depositado em instituições financeiras e bloqueio dos valores eventualmente encontrados. Porém, a implementação fática dessa forma de constrição foi inicialmente realizada pela Justiça do Trabalho, a partir da celebração de Convênio de Cooperação Técnico Institucional entre o Banco Central do Brasil e o Tribunal Superior do Trabalho assinado em março de 2002.


A penhora on line é efetivada a partir de uma determinação judicial dirigida ao Banco Central, solicitando informações acerca da existência de valores depositados em instituições bancárias em contas titularizadas pelo executado, bem como decretando a indisponibilidade das quantias e aplicações eventualmente encontradas; o Banco Central, por sua vez, requisita tais informações às instituições financeiras que atuam no mercado financeiro, repassando a ordem de bloqueio; sendo positiva a pesquisa, os valores encontrados são indisponibilizados, permanecendo na instituição financeira, e remetendo a resposta ao juízo solicitante.


Enquanto subsistir o bloqueio os valores permanecerão na instituição bancária na qual foram encontrados, sendo, após a lavratura do auto de penhora, transferidos para depósito em conta corrente vinculada aos autos judiciais em que a penhora on line foi determinada.


Embora a doutrina tenha atribuído a tal forma de constrição judicial a nomenclatura de “penhora on line”, na realidade trata-se de um bloqueio administrativo implementado por meio do Banco Central e das instituições financeiras sujeitas à sua supervisão, dos valores depositados nessas últimas de titularidade do executado, a fim de, ulteriormente, serem objeto de penhora.


Não se consubstancia em uma espécie autônoma de penhora, mas tão-somente consiste em uma diferente forma de viabilizar a penhora de dinheiro.


Quanto à sua eficácia, tem-se que o bloqueio somente recai sobre as quantias que forem encontradas depositadas no exato momento em que é realizada a busca por valores, porém não tem o condão de indisponibilizar ou “congelar” a conta bancária diligenciada, de forma, que a efetividade da medida fica condicionada à existência de dinheiro por ocasião da busca.


O procedimento da medida judicial é previsto no art. 655-A e seus § 1.º e § 2.º do Código de Processo Civil, ipsis litteris:


Art. 655-A.  Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

 § 1o  As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.


§ 2o  Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.


Nos termos do art. 655-A do Código de Processo Civil, a penhora on line necessariamente dependerá de requerimento do exequente, não podendo ser realizada ex officio.


Por outro lado, por ser ato preparatório da penhora de dinheiro, a medida pressupõe a citação do executado para que seja válida a constrição, sob pena de violação ao seu direito ao contraditório e à garantia da não surpresa.


Uma vez citado o executado, a efetivação da penhora on line não depende de sua prévia intimação, e nem haveria sentido em tal postura judicial, uma vez que esvaziaria a efetividade dessa medida, pois o executado, ciente da ordem de bloqueio, sacaria imediatamente seu dinheiro depositado em instituição financeira, fraudando a execução.


Encontrada quantias nas contas bancárias vasculhadas, o dinheiro ficará bloqueado na instituição financeira e o executado deve ser intimado para se manifestar sobre eventual impenhorabilidade daqueles valores, demonstrando, por exemplo, que se trata de salário, proventos de aposentadoria, conta poupança ou outra situação elencada no art. 649 do Código de Processo Civil.


Caso o executado se manifeste alegando o caráter impenhorável do dinheiro bloqueado e requerendo sua liberação, o exequente obrigatoriamente deve ser intimado para se manifestar acerca desse pleito em observância, mais uma vez, ao princípio constitucional do contraditório, que seria violado no caso de o magistrado determinar a liberação dos valores inaudita altera pars [3], com nefastas e irreversíveis conseqüências para a satisfação do crédito do exequente se houver demonstração, após o desbloqueio, da penhorabilidade daqueles valores.


Se houve a liberação dos valores bloqueados sem que o juízo da execução confira oportunidade de manifestação do exequente, a decisão interlocutória que determina o desbloqueio será nula por ofensa à garantia processual ao contraditório.


Não obstante, a penhora on line ter por objeto a constrição de dinheiro, bem penhorável por excelência já na redação do Código de Processo Civil anterior às modificações implementadas pala Lei n.º 11.382/2006 (em sua redação pretérita o art. 655 prescrevia que a penhora deveria recair preferencialmente sobre dinheiro), a doutrina e jurisprudência entendiam não ser possível a pesquisa indiscriminada de quantias pertencentes ao executado depositadas em instituições financeiras, sob o fundamento de que em tais casos haveria violação ao direito ao seu sigilo bancário, manifestação de seu direito constitucional à intimidade.


Desta forma, salvo situações excepcionais, a busca por valores do executado depositados em instituições financeiras não era admitida nas execuções regidas pelo Código de Processo Civil anteriormente a entrada em vigor da nova redação do art. 655, I, desse codex, conferida pela Lei n.º 11.382/2006.


2.2 – A penhora on line na execução fiscal   


Para a execução fiscal, que é regida por lei especial, valendo-se das disposições do Código de Processo Civil somente em caráter subsidiário, o art. 11 da Lei n.º 6.830/80 também estabelece que a penhora deve recair preferencialmente sobre dinheiro.


Porém, também nesse campo executivo havia a interpretação restritiva verificada nas execuções ordinárias, não se admitindo a penhora on line.


Com o advento da Lei Complementar n.º 118//2005, acresceu-se ao Código Tributário Nacional o art. 185-A, o qual dispõe que “na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial”.


A partir de tal fundamento jurídico surgiu a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade de realização da penhora on line nas execuções fiscais de tributos (valendo-se lembrar que o procedimento de execução fiscal é aplicável para a cobrança de qualquer dívida titularizada pela Fazenda Pública, seja de natureza tributária ou não, conforme se infere dos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 6.830/80).


De um lado, estavam aqueles que entendiam que o citado dispositivo não se referia à quantias depositadas em instituições financeiras, de forma que a inovação legislativa em nada alterava a situação jurídica existente antes da Lei Complementar n.º 6.830/80, continuando a ser proscrita a busca nas contas bancarias do executado, resguardando-se seu sigilo bancário.


De outro lado, perfilavam-se aqueles que interpretavam o art. 185-A do Código Tributário Nacional como uma ponderação de princípios realizada pelo legislador, cotejando o direito à intimidade e sigilo bancário do contribuinte executado com o princípio da supremacia do interesse público, representado na busca pela satisfação do crédito tributário, para desse modo admitir a penhora on line nas execuções fiscais de créditos tributários, desde que demonstrada pelo exequente a inexistência de outros bens penhoráveis na esfera patrimonial do executado.


Posteriormente, com a edição da Lei n.º 11.382, de 06 de dezembro de 2006, que alterou o Código de Processo Civil, veio a lume no ordenamento jurídico pátrio disposição legal explicitando que ativo financeiro encontrado em depósito ou aplicação em instituição financeira é dinheiro para fins de penhora, devendo ser constritado com preferência a quaisquer outros bens do executado, consoante prevê o art. 655 do Código de Processo Civil, (com a redação dada pela Lei n.º 11.382), in verbis:


Art. 655.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:


I – dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; (…)”


Essa interpretação autêntica, realizada por meio da Lei n.º 11.382/2006 acerca da abrangência do termo ”dinheiro” para fins de penhora de modo a alcançar quantias depositadas ou aplicadas em instituições financeiras, espancou a discussão travada na jurisprudência e doutrina sobre a possibilidade de penhora sobre esses valores (o que já era juridicamente aceitável desde a inserção em nosso ordenamento da norma constante do art. 185-A do Código Tributário Nacional), restando, hodiernamente, indubitável a penhorabilidade desses montantes, consoante os ensinamentos de Marinoni e Arenhart:


“Mas a possibilidade de o exeqüente indicar bens à penhora passa a ter real efetividade quando se constata que a nova redação do inciso I do art. 655 – instituída pela Lei 11.382/2006 – esclareceu que o primeiro bem da ordem legal, ou seja, o dinheiro, também pode ser objeto de penhora quando ‘em depósito ou aplicação em instituição financeira’.“[4]


Referida alteração legislativa ainda explicitou o caráter preeminente da penhora on line, no sentido de que é constrição que pode ser realizada independentemente de prévia comprovação de inexistência de outros bens do executado, eis que o dinheiro ocupa posição primária na ordem preferencial a ser observada na penhora.


No mesmo sentido é a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça[5], que atribuindo aplicação imediata à Lei n.º 11.382/2006 para os atos processuais a serem realizados após sua entrada em vigor, entende que para decisões sobre pedido de penhora on line proferidos após esse marco temporal, a constrição deve ser deferida independentemente da demonstração de exaurimento de diligências do credor na busca de bens do devedor, ad litteram:


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA ELETRÔNICA DE DIREITO (BACEN JUD). DECISÃO POSTERIOR ÀS MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI 11.382/2006. NORMA PROCESSUAL. APLICAÇÃO IMEDIATA.1. Em 20.6.2007, o juízo de 1º grau indeferiu o requerimento da Fazenda Pública para determinar a penhora eletrônica de dinheiro, conforme o art. 655-A do CPC, com a redação da Lei 11.382/2006.2. A decisão de 1º grau foi mantida pelo aresto impugnado. Assim, tanto ela como o acórdão recorrido devem ser reformados para adequação às novas regras processuais.3. Agravo Regimental provido.” (AgRg no REsp 1080493 / MG, Rel. HERMAN BENJAMIN, DJe 06/05/2009).

Destarte, hodiernamente, no procedimento de execução fiscal a penhora on line é admitida.


Além do mais, em virtude do caráter preferencial do dinheiro na ordem de bens penhoráveis, para o deferimento judicial da penhora on line não mais se exige a comprovação de exaurimento infrutífero da busca de outros bens no patrimônio do executado.    


2.3 – Observância ao princípio do devido processo Legal


Como exposto linhas atrás, a penhora on line representa a concretização no plano infraconstitucional dos princípios da celeridade e efetividade da tutela jurisdicional, estando prevista em lei sua utilização, bem como o procedimento a ser utilizado, respeitando-se, destarte, a garantia do executado ao devido processo legal em sua acepção processual (art. 5.º, LIV, da Constituição Federal).


3 – A COMPATIBILIZAÇÃO DA PENHORA ON LINE COM O DIREITO À INTIMIDADE DO EXECUTADO  


3.1 – Inexistência de violação ao direito à intimidade do executado


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Em seu art. 5.º, inciso X, a Constituição Federal prescreve que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, declarando, assim, a intimidade como direito fundamental do cidadão.


José Afonso da Silva cita a definição formulada por René Ariel Dotti, segundo a qual a intimidade corresponde à “esfera secreta da vida do individuo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”. O eminente constitucionalista traz ainda o conceito extraído de Adriano de Cupis, que define a intimidade (riservatezza) como o modo de ser da pessoa consistente em deixar ao seu critério a exclusão do conhecimento de outrem daquelas informações que se refiram à sua pessoa[6], acepção em que abrange a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, o segredo profissional e os sigilos fiscal e bancário. 


Assim, consoante ensina Alexandre de Morais, acompanhando o entendimento de Celso Bastos, as informações bancárias do cidadão constituem a intimidade do mesmo, sendo assegurando ao cidadão evitar que outras pessoas tenham conhecimento acerca de quanto dinheiro recebe por mês, como gasta seus recursos e outras informações do gênero.


Em outras palavras, o cidadão tem o direito fundamental à inviolabilidade do seu sigilo bancário, pois a partir da análise de tais informações por outras pessoas (e aqui inclui-se o Estado) seria possível a devassa em sua intimidade.


Caracterizar-se-á a violação à intimidade do cidadão por meio da quebra de seu sigilo bancário toda vez que das informações pessoais de sua vida financeira, expostas a outrem sem seu consentimento, se puder extrair  indícios que apontem para sua forma intima de viver, ou seja, revelem aspectos de sua vida sobre os quais o cidadão tem o poder constitucional de evitar a intromissão e conhecimento de outras pessoas.


Exemplificativamente, pode ser configurada a quebra do sigilo fiscal do executado se suas as informações financeiras revelarem de onde ele obtém recursos pecuniários: imagine-se o constrangimento que poderia causar ao cidadão se outrem, analisando suas contas bancárias, deduz que o titular vive de doações ou é sustentado por terceira pessoa; ou como destina seu dinheiro, quando poderia ser indicado eventuais vícios e opção sexual do devedor (considere-se por exemplo a situação é que há várias indicações de pagamentos para empresa de sex shop, de produtos homossexuais, ou diversas transferências bancárias destinadas a pessoa condenada por tráfico de entorpecentes).    


A questão que se coloca ao analisar a penhora on line à luz do direito à intimidade do devedor é a de se definir se a medida judicial representa violação constitucionalmente vedada ao aludido direito fundamental.


Nesse ponto, tem-se que a penhora on line não viola o direito à intimidade do executado, uma vez que a mesma se restringe a possibilitar ao credor e ao magistrado a notícia sobre eventual depósito de dinheiro em instituição financeira e seu montante, limitada essa última informação ao valor do crédito, circunstância que não se apresenta ofensiva ao referido direito constitucionalmente consagrado (que por sua vez, apenas seria desrespeitado caso se permitisse a terceiros a ciência das movimentações das contas do executado junto às instituições financeiras, como tais valores foram empregados ou quais foram seus beneficiados).


A forma de implementação da penhora on line não possibilita àqueles que têm acesso às informações bancárias do executado inferir qualquer conclusão sobre a intimidade do devedor, pois a informação se limita a mencionar se o mesmo possui dinheiro ou aplicações financeiras junto a instituições bancárias e apenas isso. De tal informação, logicamente não se pode extrair o modo de viver do executado em sua intimidade, de maneira que não se configura qualquer ofensa ao seu direito à intimidade.


3.2 – relativização do direito à intimidade do executado


A título de argumento, e considerando-se a natureza aberta da cláusula constitucional que declara o direito à intimidade, cujo conteúdo jurídico deve ser formatado pelo intérprete constitucional, convém afirma que mesmo que se considere violado o direito à intimidade do executado, a penhora on line ainda é juridicamente compatível com a Carta Constitucional brasileira, por ser possível a relativização do referido direito fundamental.


Assim, mesmo para aqueles que consideram que a penhora on line representa restrição ao direito à intimidade do cidadão não se pode impingir à penhora eletrônica a pecha de inconstitucionalidade, uma vez que ela representa a relativização de um direito fundamental do devedor em face do direito fundamental do credor à tutela jurisdicional célere e efetiva, lembrando-se que segundo nosso Direito Constitucional todos os direitos fundamentais possuem caráter relativo, encontrando nos demais direitos fundamentais consagrados na Carta Política seus limites de aplicação e de interpretação, conforme o princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas.


Ainda, há que se considerar por outro lado a especial natureza tributária do crédito cobrado por meio do procedimento de execução fiscal, através  do qual a Fazenda Pública busca resgatar tributos inadimplidos, os quais se recolhidos seriam destinados ao custeio dos serviços públicos em sentido amplo, de responsabilidade do Estado. Aliás, por tal finalidade dos tributos, a doutrina moderna refere-se ao dever de pagar tributos como um dever fundamental do individuo[7] o que torna mais grave a conduta do devedor inadimplente dos mesmos, justificando e legitimando a relativização de seu direito à intimidade com a penhora on line com fundamento no princípio da indisponibilidade do interesse público, concretizado nesse caso com a previsão normativa de instrumentos processuais adequados à satisfação da pretensão executiva do credor tributário.  


Por fim, cumpre ressaltar que a execução fiscal serve como meio de corrigir distorções verificadas no mercado concorrencial, no qual aqueles agentes econômicos que se evadiram do recolhimento dos tributos devidos dispõem de privilégios antijurídicos no exercício de suas atividades econômicas, uma vez que têm seu custo operacional reduzido com a sonegação fiscal, gerando a concorrência desleal e violando os princípios da ordem econômica insculpidos no art. 170 do Constituição Federal.  


Destarte, a previsão da penhora on line como instrumento processual na execução fiscal não viola o direito à intimidade do executado, uma vez que somente a ordem judicial determina a pesquisa sobre a existência ou não de valores depositados ou aplicações financeiras em instituições bancárias.


Porém, mesmo que se entender que a penhora eletrônica relativize o direito à intimidade do devedor fiscal, sua previsão normativa e aplicação concreta é constitucional, eis que embasada em outros valores igualmente consagrados em nossa Constituição, como o princípio da tutela jurisdicional célere e efetiva, o princípio da indisponibilidade do interesse público e o princípio da livre concorrência.


4 – CONCLUSÃO


A penhora on line apresenta-se como mais um instrumento jurídico a disposição do exequente em execuções por quantia certa, consagrado no sistema processual pátrio a partir das reformas processuais recentes, as quais foram norteadas pelo princípio da satisfatividade do direito do credor.


Sua utilização na seara das execuções fiscais deve ser, com mais razão, aceita e difundida, haja vista os valores relevantes que estão em jogo, tais como a celeridade e efetividade na prestação da tutela jurisdicional, a indisponibilidade do interesse, e por corolário, dos créditos públicos e o restabelecimento da isonomia concorrencial entre os diversos agentes econômicos, eis que por meio do procedimento de execução fiscal o Estado busca receber, na maioria das vezes, quantias devidas a título de tributos que foram inadimplidos, propiciando aos sonegadores uma situação de privilégio antijurídico frente aos seus concorrentes que pontualmente cumpriram com suas obrigações fiscais.


Destarte, deve se dar ao instituto da penhora on line a interpretação que promova a maior aplicação possível dessa medida expropriatória, não condicionando sua realização à demonstração de insuficiência patrimonial do executado, tampouco deixando-o de utilizar por receio de pontuais problemas que possam vir a surgir em casos concretos específicos, como por exemplo na hipótese de bloqueio de quantia impenhorável ou de bloqueio simultâneo de duas ou mais contas bancárias, quando cada uma por si já é suficiente para satisfazer o crédito exequendo, ou eventual violação concreta à intimidade do executado que vai sofrer a pesquisa sobre os valores que possui depositados em instituições bancárias.


Tais situações podem e devem ser corrigidas pelo Poder Judiciário, da forma a se garantir a aplicação da penhora on line consoante o princípio constitucional da razoabilidade, não se consubstanciando em justificativa plausível para a restrição na aplicação desse instrumento de efetividade do processo executivo. Nesse sentido é a previsão normativa do § 2.º do art. 655-A do Código de Processo Civil, que prevê a possibilidade de o executado demonstrar a impenhorabilidade dos valores bloqueados em sua conta bancária.


Ademais, como alertam Marinoni e Arenhart:


“(…) o direito à penhora on line é corolário do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Lembre-se (…) que o direito de ação ou o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva tem como corolário o direito ao meio executivo adequado à tutela do direito material. Não há dúvida de que a penhora on line é a principal modalidade executiva destinada à execução pecuniária, razão pela qual não se pode negá-la ao exeqüente, argumentando-se, por exemplo, não ter o órgão judiciário como proceder a tal forma de penhora ou não possuir o juiz da causa senha imprescindível para tanto. Como é óbvio, qualquer uma destas desculpas constituirá violação do direito fundamental do exeqüente e falta de compromisso do Estado ao seu dever de prestar justiça de modo adequado e efetivo[8].


Assim, reafirmando o exposto alhures, a penhora on line é cabível na execução fiscal, e como concretização de outros princípios constitucionais não deve ser obstada em face de alegações genéricas de violação ao direito à intimidade dos executados.       


 


Referências Bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22.ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 2008.

LENZA. Direito Constitucional Esquematizado. 12.ª ed. São Paulo: Editora Saraiva. 2008.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de processo civil, volume 3: execução. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21.ª ed. São Paulo: Editora Atlas. 2007.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 2007.

SILVA, José Afonso de. Direito Constitucional Positivo. 15.ª ed. São Paulo: Editora Malheiros. 1998.

THEODORO JR., Humberto. As novas reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

WAMBIER, Teresa; WAMBIER, Luiz Rodrigues. Breves comentários à 2.ª fase da reforma do Código de Processo Civil. 2.º ed. São Paulo: RT, 2002.

VADE MECUM. São Paulo: Saraiva. 2008.

 

Notas:

[1] Direito Constitucional. Alexandre de Moraes. Editora. Atlas; 2007. Pág. 96.

[2] Direito Constitucional Ezquematizado. Pedro Lenza. Editora Saraiva. 2008. Pág. 636.

[3] Expressão latina que se refere à concessão de requerimento judicial sem oportunizar a manifestação da parte contrária.

[4] Curso de processo civil, volume 3: execução/Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart. – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007, pág. 271.

[5] Confira-se exemplificativamente AgRg no Ag 1180635, AgRg no Ag 1050772 e AgRg nos EDcl no Ag 1000824 entre outros.

[6] Curso de Direito Constitucional Positivo. José Afonso da Silva. Ed. Malheiros. 15.ª ed. 1998. Pág. 210.

[7] Conforme expõe Leandro Paulsen, em seu Curso de Direito Tributário, explicando a teoria formulada por José Casalta Nabais.

[8]Curso de processo civil, volume 3: execução/Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart. – São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2007. Págs. 273/274.


Informações Sobre o Autor

Anderson Ricardo Gomes

Procurador da Fazenda Nacional lotado em Marília/SP Pós-graduando em Direito Público pela UnB – Universidade de Brasília


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico