Resumo: Objetiva-se com o presente trabalho analisar se o prazo prescricional previsto no art. 23 da Lei n. 8.429/92 também alcança a ação de ressarcimento pelos danos causados ao patrimônio das entidades de que trata o art.1º da referida Lei.
Palavras-chave: Improbidade administrativa. Prescrição
Sumário. 1. Introdução. 2. Recuperação do patrimônio público. 3. Improbidade Administrativa. 4. Finalidade da ação de improbidade. 5. Prescrição. 5.1. Prescrição prevista no art. 23 da Lei n. 8.429/92 na visão do STF. 6. Conclusão. 7. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
A garantia de ressarcimento ao erário foi uma preocupação do legislador constituinte que ressalvou expressamente no § 5º do art. 37 da CR a imprescritibilidade do direito da Administração Pública ver reparado o dano causado ao seu patrimônio. Porém, diante da norma constante no art. 23 da Lei n. 8.429/92 que define como cinco anos o prazo prescricional para a apuração das faltas funcionais cometidas pelos servidores públicos, surge a dúvida se o referido prazo atingiria também o direito ao ressarcimento pelos danos causados ao patrimônio das entidades previstas no art.1º da Lei de Improbidade Administrativa.
O presente trabalho irá analisar se o prazo prescricional previsto no art. 23 da Lei n. 8.429/92 também alcança a ação de ressarcimento pelos danos causados ao patrimônio das entidades de que trata o art.1º da referida Lei.
2. RECUPERAÇÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO
O sistema de controle externo e interno da Administração Pública objetiva a tutela da probidade administrativa. Wallace Paiva Martins Júnior, ao citar Alfonso Sabán Godoy, destaca que o “sistema da via contencioso administrativa tem progressiva eficácia no controle da atividade administrativa, notadamente no combate ao desvio de poder”[1] (…). O Brasil, diferentemente de muitos países da Europa adota o sistema de jurisdição única. Desse modo, ao Poder Judiciário cumpre decidir definitivamente o caso concreto.
Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, certas medidas judiciais são específicas para corrigir a conduta administrativa, tais como habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, ação popular, ação civil pública e ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão.[2] Algumas dessas ações, porém, tem como finalidade precípua a recuperação do patrimônio público.
A Lei 4.717, de 29.6.65, que trata da ação popular, em seu artigo 1º, parágrafo 1º, conceitua patrimônio público como todos os bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, pertencentes aos entes da administração pública direta e indireta. Portanto, o que define patrimônio público é o fato do mesmo ser propriedade do Poder Público.
Para Carina Bellini Cancella, ““a recuperação do patrimônio público” é expressão mais abrangente que “ressarcimento ao erário””, pois engloba não só os bens e direitos públicos de cunho econômico, mas também aqueles de valor artístico, histórico e cultural, além daqueles de valor moral e imaterial.[3]
De fato, o ressarcimento ao erário é espécie do gênero patrimônio público e restringe-se aos bens e direitos de cunho financeiro do ente estatal. As medidas judiciais em sentido estrito mais utilizadas para a recuperação do patrimônio público são: ação regressiva, execução forçada e ação de improbidade.
A Administração pública, em se tratando de créditos inscritos em dívida ativa, poderá valer-se da execução forçada, através do rito previsto na Lei 6.830/80 e exigir do devedor o cumprimento de uma obrigação.
Já a ação regressiva é utilizada nos casos em que o Poder Público precisa buscar a tutela jurisdicional, através de ação de conhecimento, para reconhecer o seu direito de ser ressarcido. Trata-se de créditos oriundos de relação jurídica de direito privado que não podem ser formalizados pela própria Administração Pública, tal como ocorre nos créditos inscritos em dívida ativa em que a cobrança é feita mediante execução fiscal.
Como ressalta o professor Célio Rodrigues da Cruz, “um exemplo típico de adequação e utilidade da ação regressiva” é verificada no art. 120 da Lei 8.213[4] que contempla o dever de ressarcimento ao erário, nos casos de “concessão de benefício previdenciário de natureza acidentária”, em virtude de culpa comprovada dos empregadores que descumpriram normas de “proteção à saúde e à segurança do trabalho.[5]
3. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ao comparar o art. 37, § 4º da Constituição da República com os direitos e garantias fundamentais consagrados na CF/88, concebe a improbidade administrativa como um ilícito de natureza cível e política, tendo em vista que acarretará a indisponibilidade dos bens públicos, o ressarcimento ao erário e a suspensão dos direitos políticos “embora possa ter conseqüências na esfera criminal, com a concomitante instauração de processo criminal (se for o caso) e na esfera administrativa (com a perda da função pública e a instauração de processo administrativo concomitante)”[6].
A Lei 8.424/92 estabelece as sanções aplicáveis aos agentes públicos que praticaram atos de improbidade por ela descritos. Diante dos dispositivos da referida lei, pode-se dizer que pratica ato de improbidade aquele que no trato da “coisa pública” age de forma antiética.
José Afonso da Silva compreende a probidade administrativa como a obrigação do “funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilitadores delas decorrentes”, seja em proveito próprio ou de outrem.[7] Portanto, os agentes públicos são os sujeitos da probidade administrativa.
Destaca Inocêncio Mártires Coelho que “ o princípio da moralidade densifica o conteúdo dos atos jurídicos, e em grau tão elevado que a sua inobservância pode configurar improbidade administrativa”.[8]
Como ressalta Carina Bellini Cancella, a “Probidade é espécie do gênero moralidade, ambas mencionadas no artigo 37 caput e parágrafo 4° da Constituição da República no eu tange à Administração Pública.”[9]
São sujeitos passivos da Lei de Improbidade Administrativa, as pessoas especificadas no seu art 1º, ou seja, as pessoas jurídicas titulares do patrimônio público afetado ou lesado pelo ato de improbidade administrativa, a seguir discriminadas: entidades pertencentes à Administração Pública direta ou indireta federal, estadual, distrital ou municipal, e ainda qualquer empresa incorporada ao patrimônio público ou entidade para cuja criação ou custeio o erário concorra ou tenha concorrido com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual.
A Lei 8.429/92 tipifica os atos de improbidade como: atos que importam em enriquecimento ilícito (art. 9ª); atos que causam prejuízo ao erário (art. 10) e atos que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). Além de tais atos, tem prevalecido o entendimento de que é preciso que o agente concorra com dolo.[10]
4. FINALIDADE DA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Ressalta Eurico Bitencout Neto, que a Lei 8429/92, surgiu em um momento de “conturbadas investigações acerca de indícios de prática de atos de improbidade”, de forma que traduziu em muitos dispositivos que contem “ambigüidades e excessos”, tornando-se imprescindível a interpretação sistemática ao aplicá-los.[11]
A compreensão da finalidade da Lei de Improbidade Administrativa privilegia os princípios da razoabilidade, eficiência e da legalidade administrativa
A jurisprudência, ao aplicar a Lei nº 8.429/92, tem apresentado ponderação, tendo em vista que a ação de improbidade é radical e “não se abatem pardais disparando canhões”. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que“ a lei alcança o administrador desonesto, não o inábil”[12]
A ação de improbidade administrativa busca a obtenção de título executivo judicial a fim de ressarcir o erário. Vale lembrar que a Administração também possui outra forma, menos drástica, de obter título executivo passível de cobrança judicial, que consiste nos casos em que as contas dos agentes responsáveis pelo patrimônio público são julgadas irregulares pelo TCU, tornando-se título executivo quando a decisão transitada em julgado é publicada, conforme art.. 71, XI, § 3º, da CF/88 c/c art. 23, III, “b”, da Lei nº 8.433/92.
A ação de improbidade administrativa em última instância visa combater a chamada “corrupção administrativa” que por todos os meios promove o desvirtuamento da finalidade pública desrespeitando os princípios fundamentais do ordenamento jurídico em busca do favorecimento pessoal ou de terceiro em detrimento da sociedade. Desta feita, a finalidade máxima da Lei 8.424/92 é proteger o direito do administrado, e não apenas o patrimônio material e imaterial da administração pública.
5. PRESCRIÇÃO
Marino Pazzaglini Filho conceitua a prescrição como “a perda da ação atribuída a um direito, em razão da negligência de seu titular, que deixou de exercitá-lo durante certo tempo, sem ocorrência de causa impeditiva, suspensiva ou interruptiva do seu curso”. Para o referido autor, as normas gerais relativas a essas ocorrências, a exemplo do art. 202 do CC, aplicam-se na ação de improbidade, de forma que a concebe como prescritível. [13]
A Lei 8429/92 traz a seguinte redação acerca da prescrição
“Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I – até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II – dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.”
Ressalta, Benedicto de Tolosa Filho, que a norma acima citada estabelece diferença entre prazos prescricionais em razão “da forma de provimento do cargo, função ou emprego público, verbis:
‘Os que exercem cargos eletivos, os nomeados para exercer cargo em comissão e os que exercem função pública somente podem ser demandados em até cinco anos, contados do término do mandato, da exoneração ou da dispensa, enquanto os que exercem cargo de provimento efetivo e emprego público ficam subornados ao prazo prescricional fixado em lei (federal, estadual ou municipal, conforme o caso) para as faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público.”[14]
A corrente doutrinária que defende a imprescritibilidade do ressarcimento ao erário, com fundamento no art. 37,§ 5º da CF/88, não vê validade nas normas que estabelecem prazos prescricionais que limitem a recuperação do patrimônio público quando oriundos de atos ilícitos. Yussef Said Cahali vai ainda mais longe ao prever a imprescritibilidade também das ações regressivas previstas no art. 37,§ 6º da Constituição da República.[15]
5.1.Prescrição prevista no art. 23 da lei n. 8.429/92 na visão do STF
O legislado constitucional atribuiu ao legislador ordinário competência para estabelecer os prazos prescricionais para os atos ilícitos que causem prejuízos ao erário, porém excetuou as respectivas ações de ressarcimento no § 5º do artigo 37 da Carta Maior.
A Lei n. 8.429/92 dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional. O art. 23 da referida Lei define o prazo prescricional de cinco anos para a apuração das faltas funcionais cometidas pelos servidores públicos.
Acerca do questionamento sobre o prazo prescricional do direito ao ressarcimento pelos danos causados ao patrimônio das entidades previstas no art.1º, embora a jurisprudência seja divergente, vale lembrar que há uma “decisão de peso” sobre o assunto, pois a Suprema Corte já manifestou o entendimento de que é imprescritível a ação de ressarcimento ao erário, in verbis:
“MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.BOLSISTA DO CNPQ. DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RETORNAR AO PAÍS APÓS TÉRMINO DA CONCESSÃO DE BOLSA PARA ESTUDO NO EXTERIOR. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. INOCORRÊNCIA DE PRESCRIÇÃO. DENEGAÇÃO DA SEGURANÇA. I -O beneficiário de bolsa de estudos no exterior patrocinada pelo Poder Público, não pode alegar desconhecimento de obrigação constante no contrato por ele subscrito e nas normas do órgão provedor. II – Precedente. MS 24.519, Rel. Min. Eros Grau. III – Incidência, na espécie, do disposto no art. 37, § 5º, da Constituição Federal, no tocante à alegada prescrição. lV – Segurança denegada.[16]
No mesmo sentido, o Superior Tribunal Justiça, externou seu entendimento em recente jurisprudência, in verbis:
“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ART. 142 DA LEI N. 8.112/91. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. ART. 23 DA LEI N. 8.429/92 (LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LIA). PRAZO PRESCRICIONAL. EX-PREFEITO. REELEIÇÃO. TERMO A QUO. TÉRMINO DO SEGUNDO MANDATO. MORALIDADE ADMINISTRATIVA: PARÂMETRO DE CONDUTA DO ADMINISTRADOR E REQUISITO DE VALIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. HERMENÊUTICA. MÉTODO TELEOLÓGICO. PROTEÇÃO DESSA MORALIDADE ADMINISTRATIVA. MÉTODO HISTÓRICO. APROVAÇÃO DA LIA ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL N. 16/97, QUE POSSIBILITOU O SEGUNDO MANDATO. ART. 23, I, DA LIA. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL ASSOCIADO AO TÉRMINO DE VÍNCULO TEMPORÁRIO. A REELEIÇÃO, EMBORA NÃO PRORROGUE SIMPLESMENTE O MANDATO, IMPORTA EM FATOR DE CONTINUIDADE DA GESTÃO ADMINISTRATIVA, ESTABILIZAÇÃO DA ESTRUTURA ESTATAL E PREVISÃO DE PROGRAMAS DE EXECUÇÃO DURADOURA. RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR PERANTE O TITULAR DA RES PUBLICA POR TODOS OS ATOS PRATICADOS DURANTE OS OITO ANOS DE ADMINISTRAÇÃO, INDEPENDENTE DA DATA DE SUA REALIZAÇÃO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA PARTE, PROVIDO (ART. 557, § 1º-A, CPC). (…) 3. Interpretação da Lei n. 8.429/92. Método teleológico. Verifica-se claramente que a mens legis é proteger a moralidade administrativa e todos seus consectários por meio de ações contra o enriquecimento ilícito de agentes públicos em detrimento do erário e em atentado aos princípios da administração pública. Nesse sentido deve ser lido o art. 23, que trata dos prazos prescricionais. (…) 8. No que concerne à ação civil pública em que se busca a condenação por dano ao erário e o respectivo ressarcimento, esta Corte considera que tal pretensão é imprescritível, com base no que dispõe o artigo 37, § 5º, da Constituição da República. Precedentes de ambas as Turmas da Primeira Seção 9. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”[17]
Na doutrina, há também uma tendência de prevalecer a imprescritibilidade, a exemplo do entendimento de Emerson Garcia, para quem somente as sanções previstas no rol do art. 12 da Lei de improbidade serão atingidas pela prescrição, sendo que o ressarcimento do dano moral ou material causado ao erário serão imprescritíveis, nos termos do art. art.37, § 5º da CF/88.[18]
Para a corrente contrária, a exemplo de Elody Nassar, a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário não poderia subsistir, tendo em vista os princípios gerais da prescrição.[19]
Posicionamos no sentido de que o prazo prescricional previsto no art. 23 da Lei n. 8.429/92 não afeta o direito ao ressarcimento pelos danos causados ao patrimônio das entidades previstas no art.1º da referida Lei, tendo em vista que a proteção do crédito público diz respeito à coletividade e, portanto, em muitas situações foge às regras do direito privado. Ademais, a imprescritibilidade do direito da Administração ver seu crédito ressarcido, quando oriundo do ato de improbidade, além de encontrar amparo constitucional, tem como “pano de fundo” privilegiar o princípio da moralidade, essencial no trato da “coisa pública”.
6. CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 deu especial atenção a probidade administrativa, contemplando princípios e estabelecendo sanções para os agentes públicos que pratiquem atos administrativos em prol de interesse privado ou mesmo diverso da finalidade pública.
A Carta Maior permitiu, em seu art. 37 § 5º, que lei dispusesse sobre os prazos prescricionais para os atos ilícitos que causem prejuízos ao erário. Todavia, ressalvou as respectivas ações de ressarcimento.
Embora exista divergência doutrinária e jurisprudencial, sobre a possibilidade de ser considerados imprescritíveis os atos de improbidade praticados em face das entidades previstas no art. 1º da Lei 8.429/92, percebe-se uma tendência de ser entendida como imprescrita as ações de ressarcimento ao erário, a exemplo da interpretação dada ao citado dispositivo Constitucional pela Suprema Corte.
Informações Sobre o Autor
Leidiane Mara Meira Jardim
Advogada da União em Minas Gerais- Pós-graduanda em Direito Público pelo CEAD/UNB