Auto-aclamado líder dentre os países em desenvolvimento, ditos emergentes, o Brasil vê a candidatura ao posto permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas pleiteada pelos seus governantes e endossada pelo corpo diplomático como aspecto estratégico nas mais variadas áreas de atuação internacional.
Apesar dos gastos oriundos dos ajustes necessários para uma real integração às dinâmicas de protagonismo globais, não existem dúvidas quanto ao melhoramento e ganho estratégico que tal status garantiria à nação. A discussão pende exatamente sobre o grau de retorno desta relação de custo-benefício, criando um certo impasse nos rumos de nossa política externa.
Tal controvérsia não é infundada. A representação local nos corredores da ONU, muito embora efetiva e participante ativa nas decisões daquele plenário desde sua fundação, não apresenta a mesma atitude no que tange às contribuições no setor militar, financeiro e interventor.
Os números não são precisos, mas estima-se que o país figure apenas entre a 50ª e 60ª posição no ranking dos maiores contribuintes militares, dados de 2004. Além disso, sua participação no fundo de sustento da ONU não atinge mais do que 1%, enquanto os Estados Unidos da América atingiram seu limite oficial (25%), participando também extra-oficialmente com empréstimos a outras nações integrantes da entidade[1].
Inclusive, os próprios Estados Unidos, a mais representativa das nações dentro do contexto geral e, portanto, mais influente, não encaram com tranqüilidade uma possível inclusão do Brasil no Conselho de maneira permanente, assim como uma eventual e possível presença alemã (o Japão não enfrenta tal obstáculo, uma vez que não tem tradição de se opor às propostas norte-americanas).
A postura firme que o governo brasileiro tem tomado em questões de segurança global nos últimos anos auxiliou no agravamento desta contrariedade americana às nossas ambições. Nossa nação vê crescer a cada dia um sentimento anti-americano, seguindo uma tendência nociva verificada em países latino-americanos e/ou pobres. Este comportamento vai de encontro às expectativas norte-americanas de incrementar sua popularidade no globo, abalada desde as repercussões do 11 de setembro.
Ainda, o corpo diplomático mostrou-se contra a dominação estadunidense em territórios estrangeiros, condenou o conjunto de afirmações infundadas que justificaram tal atitude e uniu-se em coro com Alemanha e, principalmente, França, sendo esta última a maior opositora que a superpotência encontra contemporaneamente[2].
Outro aspecto que perturba aos colegas continentais refere-se às constantes e, não raramente, vitoriosas reclamações formais que nosso país faz junto à Organização Mundial do Comércio (OMC) no que tange às barreiras impostas aos produtos nacionais e às salvaguardas abusivas que os EUA têm por costume aplicar para fins de proteção da indústria nacional.
Em sua grande maioria, estas ações, vencidas pela representação nacional, produzem um sentimento de revanchismo e mágoa que são característicos da cultura popular americana. Só reforçaram tais sentimentos as resistências brasileiras aos abusos cometidos pelos negociadores americanos nos fóruns de determinação de bases da hoje finada ALCA (Área de Livre Comércio das Américas), bem como a aproximação brasileira com Estados aos quais os Estados Unidos se mostram opostos, como Cuba, Bolívia e Venezuela.
Estes dois últimos, inclusive, demonstraram ser erros estratégicos aparentes da política externa nacional, vide as recentes crises diplomáticas e perdas consideráveis que foram por eles causadas à nossa nação e ao perigoso comportamento ditatorial que é similar em seus governantes.
Por fim, a oposição daquela nação em relação ao Brasil reforça-se à medida que agimos em busca de despontar como liderança dos povos mais necessitados. Uma vez que a economia e atitudes daquela potência acabam por prejudicar estas nações pouco representativas e nosso país abre-lhes os braços e os olhos com relação a tais abusos, as chances de prejuízo para o capitalismo americano crescem, bem como sua paranóia com relação ao alinhamento de países contrários às suas práticas neo-imperialistas.
Esta nova atitude de protagonismo por parte do governo brasileiro é relativamente bem sucedida, salvo as estrondosas trapalhadas com relação aos seus vizinhos continentais. A meta de obtenção de protagonismo tem levado o corpo diplomático e mesmo o presidente da república a estabelecer relacionamento com nações antes esquecidas.
Tais processos de obtenção de aliados, tanto políticos quanto comerciais, podem ser perfeitamente encaixados nas teorias e técnicas da administração moderna, que menciona a criação da rede de contatos como um dos fatores mais determinantes para formação do sucesso pessoal (no caso, sucesso da nação) e obtenção de objetivos de médio e longo prazos (compromissos de governo e metas de crescimento).
A crescente rede de aliados vem encontrando novos membros principalmente nos países da África e Ásia. O Itamaraty fez ressurgir recentemente o termo “Eixo Sul-Sul”, designação utilizada nos tempos da Guerra Fria para fazer referência à integração do Hemisfério Sul do globo, notoriamente conhecido como “Terceiro Mundo” pela sua condição de pobreza generalizada, salvo raras exceções[3].
Nos recentes encontros da ONU, bem como nas discussões comerciais em bloco, conseguiu nosso país alinhar seus interesses com Índia e África do Sul, também mercados emergentes, para liderar as nações do Hemisfério na cobrança de melhores condições em transações comerciais, auxílio aos seus necessitados, regras menos predatórias por parte dos países desenvolvidos, entre outros.
Tal conjunção, denominada inicialmente G3[4] (nome feito em contraposição ao G8, grupo das oito maiores economias do globo), atualmente representa um número incontável de economias subdesenvolvidas ou em processo de crescimento, constituindo uma verdadeira força de oposição ao controle setentrional.
O grande fracasso nacional nesta tentativa de projeção global vem, conforme já mencionado, de sua própria região. As derrotadas ações para projetar o Mercosul como ícone de união de pequenas e emergentes economias, bem como uma série de mal-logradas coligações com países de intenções duvidosas e comportamentos não-convencionais (Bolívia, Cuba, Venezuela) repercutiram negativamente mesmo dentre os aliados já conquistados, como a França. Não obstante, a Alemanha, após a troca de governante com a posse de Ângela Merkel, não demonstra a mesma boa-vontade com as ambições brasileiras como antes deixava transparecer. Tais situações precisam ser urgentemente reparadas se o desejo de consolidar uma forte candidatura é presente.
Em outra frente de obtenção de protagonismo, vem caracterizando-se nosso país pelo assistencialismo prestado no panorama global, ainda que este conceito seja comumente utilizado em caráter pejorativo. Na própria África, nosso governo vem tendo incursões de auxílio muito efetivas e freqüentes, tendo recentemente reafirmado apoio logístico à Moçambique, fornecimento de vacinas e medicação à diversos países, perdão da dívida externa do Gabão, fortalecimento dos laços comerciais com as mais diversas nações daquele continente, entre outras atitudes.
O assistencialismo, ainda, é demonstrado e incentivado no próprio âmbito da ONU, tendo o presidente brasileiro proposto a pouco mais de dois anos um programa mundial de combate à fome nos moldes daquele executado, com problemas, dentro do território nacional, proposta esta bem acolhida pelos líderes globais.
Ressalte-se, porém, que esta presença brasileira no continente negro não encontra subsídios apenas no caráter de auxilio e captação de influência, mas também em um esforço nacional para facilitar a projeção de grandes empresas nacionais, como Petrobrás, Vale do Rio Doce, dentre outras, sobre as riquezas do relativamente inexplorado continente. Esta compreensão é fundamental para que a análise não reste demasiado tendenciosa ou inocente.
Em termos militares, ponto fraco da participação tupiniquim na entidade internacional, o aprimoramento é bastante visível. Buscando desenvolver a técnica e treinamento de seus pacificadores, o Brasil desenvolve treinamento específico para militares seus que servirão às forças de paz da ONU quando solicitados, sendo uma das unidades provedoras de treinamento localizada no estado do Rio Grande do Sul, local de origem de um grande número de militares que servem ou serviram na “Missão Haiti”.
A partir disso, vem buscando liderar algumas campanhas militares de intervenção necessárias, não fugindo, porém, de seu sempre presente senso pacifista e conciliador. Caso presente desta nova postura participativa nacional é a própria intervenção militar autorizada pela ONU no Haiti, país insular do Caribe que enfrenta conflito desde meados da década passada.
As forças de pacificação da ONU estão sendo lideradas por representantes nacionais, tendo resultados relativamente positivos e repercutindo nos corredores da organização internacional, apesar de encontrar oposição por parte de alguns setores internos e externos. Lembre-se que, há algum tempo, o país viu negada sua ambição de participar em um conflito de maior porte, no Líbano, o que demonstra com clareza a não uniformidade da aceitação dos resultados.
Fugindo um pouco do contexto militar, não deixando, porém, o assistencialismo, tem o Brasil buscado outras formas de chamar a atenção internacional para casos como o do Haiti. Exemplo disso foi o ainda lembrado jogo promovido pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol) e pelo governo brasileiro entre a seleção daquele país e o selecionado verde-amarelo.
Tal partida, além de servir como alento ao sofrimento dos nacionais daquele local, intentou abrir os olhos do mundo à situação de penúria e, implicitamente, mostrar a todos que o Brasil está interagindo com aqueles que existem à sua volta e pretende demonstrar opinião formada, mesmo perante o silêncio da maioria. Não cegue-se a vista para o caráter mercadológico e a projeção das marcas esportivas envolvidas quando da ocorrência de uma atividade desse porte, mas ainda assim o benefício gerado para ser superior ao ponto de vista lucrativo e oportunista da ação.
Por fim, a busca de apoio comercial e político tem alçado perspectivas bastante animadoras. O país ainda detém uma fatia pequena do mercado mundial total, mas o crescimento de sua porcentagem do todo é animador. Ainda, a recente união de idéias com França e Alemanha lhe rendeu proximidade a estas nações desenvolvidas e, portanto, ao coração da Europa
Resta, portanto, a presença nacional em seu próprio continente, a América Latina. Ironicamente, conforme defendido aqui, é este o aspecto em que peca a nação brasileira em maior grau. Mesmo considerada uma das duas maiores economias da região, ao lado do México, nossa nação vêm encontrando forte oposição entre os países locais, principalmente do próprio México e da Argentina, sua eterna rival e opositora em quaisquer disputas[5].
Tal contrariedade se mostra extremamente tola e descabida, uma vez que dos países latinos o Brasil é talvez aquele que tenha maiores condições de representar efetivamente o continente naquele plenário, dada sua tradição de atuação naquele âmbito.
O México, outro forte candidato, tem a seu favor o apoio maciço do vizinho EUA, mas não tem forte presença no cenário internacional, tampouco no continente europeu. A Argentina, por sua vez, não saiu totalmente da crise na qual emergiu há alguns anos, além de não representar, tradicionalmente, os interesses do continente e tratar de suas questões como principais em relação às de interesse da região.
Ainda, suas atitudes são um dos maiores obstáculos ao sucesso incondicional do Mercosul, com a imposição de barreiras alfandegárias e acordos unilaterais lesivos com os países fora do bloco. Esta postura, infelizmente, acaba sendo compartilhada pelo Brasil, não sendo um desvio de conduta exclusivo do governo argentino. A rivalidade entre as nações é, verdadeiramente, uma das grandes causas de fracasso do todo.
Pendendo para o lado brasileiro, existem importantes apoios da maioria das nações do continente latino (apesar da inconstância e imprevisibilidade de Chávez e seus aliados), além de França e grande parte da África, lhe conferindo um panorama de considerável chance dentre os candidatos ao cargo permanente em uma possível reformulação do conselho. Vale lembrar que Alemanha e Japão já têm praticamente garantido o lugar perpétuo no plenário, segundo a visão da maioria dos analistas internacionais, posto serem duas grandes potências econômicas e estarem cada vez mais com atuações marcantes no segmento de segurança e diplomacia globais.
Tudo isso, somado ao empenho nacional em desenvolver relações comerciais e diplomáticas com países outrora fechados, como é o caso da China atualmente, lhe garante, senão a tão almejada cadeira definitiva no plenário mundial, pelo menos lugar destacado nas resoluções extra-oficiais e a continuidade no cerco ao protagonismo que tanto ambiciona a atual visão verde-amarela da aldeia global.
Considerações Finais
No decorrer do presente estudo, intentou-se demonstrar os panoramas internacionais nos quais nossa nação inseriu-se com êxito, bem como aqueles em que não logrou maior sucesso.
É notável, como se pode perceber, a mudança de postura do Brasil nas últimas duas décadas. Saindo de um regime fechado e antidemocrático, saltou ao futuro com uma democracia de relativo sucesso, com grande participação dos meios privados, mídia e povo, apesar das potenciais manipulações sociais e distorções daí decorrentes.
Ao abrir as portas de seu território à globalização, ainda que a duras penas, saltou em qualidade para um nível em que consegue atingir competitividade no meio comercial, influência nos modos e culturas de outras nações, respeito e honestidade nos debates políticos internacionais (mesmo que tenha um indecente e indecoroso cenário político interno), e, mais recentemente, exercer pressão, força e atitude em momento nos quais o uso desta se mostra inevitável.
O protagonismo almejado e, em algum grau, já atingido, é base fundamental para o desenvolvimento da nação e a obtenção definitiva do status de país desenvolvido, influente e, em última análise, mesmo da própria candidatura como membro-permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Alvo constante de desconfianças internacionais, oriundas principalmente de países que temem perdas frente ao crescimento local, o Estado brasileiro lançou-se numa cruzada por influência, confiança, assistencialismo estratégico e integração com nações antes esquecidas (como se percebe no caso da África) ou mesmo abandonadas (Haiti, Angola, Moçambique).
Mesmo de pequeno peso político no panorama global, esses apoios devem se mostrar determinantes em momentos nos quais a postura nacional se revelar controversa e contrária aos interesses principalmente de EUA e Inglaterra, opositores ferrenhos do pacifismo nacional e superpotências que de certa forma controlam grande parte dos fluxos internacionais.
Sendo assim, é valorosa a mudança de rumos da diplomacia do Itamaraty ao perceber que os ensinamentos maquiavélicos de aliança podem sim ser aplicados neste caso, e unir-se aos mais fortes pode ser temporariamente benéfico, mas ao longo prazo passa a trazer vantagem apenas aos mais fortes. Infelizmente, ainda carece nossa diplomacia de maior postura frente à alguns de seus aliados tidos como “confiáveis” e que, recentemente, tem traído o interesse brasileiro e trazido tão somente prejuízo financeiro e ao bom nome e confiabilidade que com tanto sacrifício e disciplina atingiu o Brasil nos meios internacionais.
A análise feita nesta obra, portanto, vai ao encontro daquelas feitas pelas mentes mais ativas no raciocínio do tema, de que a interação, entrosamento e, principalmente, o protagonismo são as portas de entrada do Brasil no seleto grupo dos países desenvolvidos, seja econômica, social ou politicamente, desde que tal posição tenha potencial de trazer à população uma melhor condição de vida e que, sob pretexto de integrar-se à dinâmica, não acabe o país caindo na tentação de se submeter aos caprichos e excentricidades de pretensos líderes globais ou pseudo-ditadores de republiquetas de bananas.
Informações Sobre os Autores
Rafael Vargas Hetsper
Acadêmico de Direito na FURG/RS
Marcelo Zepka Baumgarten
Bacharel em Direito e pós-graduando em Comércio Exterior e Gestão portuária