A proteção dos direitos do teletrabalhador na sociedade marcada pelas novas tecnologias

Resumo: Na esfera jurídica, o teletrabalho surge como uma das espécies de trabalho à distância, visto sob um enfoque firmado na complexidade de informações, no desenvolvimento de novas tecnologias e nos diferentes meios de comunicação digital. O teletrabalho é uma forma alternativa para a prestação do trabalho, sendo, inclusive, adotado pelo departamento de recursos humanos das empresas como forma de seleção, recrutamento e realocação dos trabalhadores portadores de deficiência no plano de cargos e salários dessas organizações. O presente estudo tem por objeto tecer uma diferenciação entre o instituto do teletrabalho nos âmbitos normativo e doutrinário, verificando-se, para tanto, as suas peculiaridades, bem assim as questões relevantes acerca do tema.

Palavras-Chave: Trabalho à distância. Teletrabalho. Tecnologia da Informação. Normatização.

Abstract: In the legal sphere, teleworking emerges as a species of working distance, seen from a perspective grounded in complexity of information, the development of new technologies and different digital media. Telework is an alternative way to deliver the work, and even adopted by the human resources department of companies as a form of selection, recruitment and relocation of handicapped workers in terms of positions and salaries of those organizations. This study's purpose is to weave a differentiation between the telework institute in normative and doctrinal areas, verifying, for both, their peculiarities, as well as the relevant questions on the theme.

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Keywords: Telecommuting. Telecommuting. Information Technology. Law.

Sumário: Introdução. 1 – Conceito de teletrabalho. 2 – Classificação do teletrabalho. 3 – Diferenciação entre trabalho em domicílio e teletrabalho. 4 – Vantagens e desvantagens do teletrabalho. 4.1 – Vantagens do teletrabalho. 4.2 – Desvantagens do teletrabalho. 5 – Normatização do teletrabalho. 5.1 – Lei n.o 12.551/2011. 5.2 – Projeto de lei da Câmara n.o 4494/2008. 5.3 – Projeto de lei da Câmara n.o 4505/2008.Conclusão. Referências.

Introdução.

Há um novo cenário no contexto global transformando as relações laborais. As ferramentas de apoio operacional passaram a ser desenvolvidas com o intuito de encurtar distâncias e proporcionar a flexibilização do trabalho.

Os sistemas de computadores e os meios de telecomunicação propiciam o acesso e a divulgação de informações por meio da comunicação de dados em redes interligadas. O ambiente de trabalho desconcentrou-se da sede física da empresa, partindo não só para pontos estratégicos distantes, como também para o âmbito familiar do trabalhador.

Na contemporaneidade, o ser humano busca a transcendência, rompendo as barreiras do tempo e do espaço, encurtando as distâncias e fazendo acreditar que o conhecimento é universal. Nesse contexto, a ávida competição por novos mercados não encontra limite no território de um país. Criam-se estratagemas para que a fabricação de produtos e a prestação de serviços sejam realizadas em diversos espaços geográficos.

Percebe-se que “esse processo de mundialização produtiva desenvolve uma classe trabalhadora que mescla sua dimensão local, regional, nacional com a esfera internacional. Assim como o capital se transnacionalizou, há um complexo processo de ampliação das fronteiras no interior do mundo do trabalho.” (ANTUNES, 2004, p.341).

Nota-se que durante a vigência da administração científica, a fábrica era verticalizada e, por isso, havia o domínio de todas as etapas do ciclo produtivo. À época, buscava-se a uniformidade dos produtos, assim, quanto mais se produzia, mais se vendia. Os trabalhadores eram aglomerados nas indústrias e, por conseguinte, os sindicatos eram mais fortes.

O sistema capitalista fez com que os parques industriais se tornassem cada vez maiores, já que se acreditava, de forma equivocada, que este modo de produção sucederia por um longo tempo. Todavia, nos finais dos anos 20 e início dos anos 30, o aparelho econômico passou a apresentar seus primeiros sinais de crise com a baixa na lucratividade das empresas e a estagnação do consumo. Na década de 60, os trabalhadores, por conta dos baixos salários, começaram a reivindicar melhores condições sociais, e passaram a reivindicar participação no sistema organizacional das empresas. Na década de 80, a crise do petróleo e o fracasso na consecução das políticas públicas mundiais conduziram ao ápice do saturamento da produção fabril, com o consequente declínio no consumo de mercadorias. Na década de 90, surgiu o fenômeno da sociedade informacional com a utilização da tecnologia do pós-guerra, que revolucionou os modos de produção, as relações de trabalho e modificou não apenas a economia como também os mercados de consumo.

No século XIX, a industrialização fez com que o valor-trabalho continuasse a ter conotação social, embora houvesse estimulado o aumento da produção, a divisão do trabalho e a expropriação do conhecimento de todo o modo de produção pelo trabalhador.

Historicamente, portanto, na fase do sistema capitalista, o trabalho ficou compreendido sociologicamente como um dos fatores de humanização.

Na sociedade contemporânea, por sua vez, o valor-trabalho é pressuposto de inclusão social, de qualidade de vida, bem como, de pretensão em adquirir tempo para repouso e lazer. Além dos indivíduos idealizarem a inserção econômica, almejam conjuntamente o reconhecimento profissional.

Nessa conjectura, torna-se evidente que as organizações privem pelo seu maior capital, qual seja: a informação. Sobrevém, logo, a criação de variadas técnicas e estratégias para aplicar a informação em prol do crescimento mercadológico dessas organizações. Em decorrência da intensificação do processo de produção flexível, passa a ocorrer um aumento na carga de exploração do trabalhador com a efetiva ampliação do ritmo da produção. A exigência do mercado de trabalho faz com que o indivíduo intensifique cada vez mais a sua qualificação profissional para se tornar extremamente apto a desenvolver diversas funções dentro das empresas.

No mundo globalizado, marcado pela terceira revolução industrial, em que os sistemas de computadores e os meios de telecomunicação possibilitam o acesso rápido às informações e a agilidade na propagação de dados por meio das redes interligadas, surgem novas formas de reestruturação organizacional e, com isso, busca-se aprimorar o modo de prestação laborativa.

“Tais avanços da tecnologia agravavam a redução dos postos de trabalho em diversos segmentos econômicos, em especial na indústria, chegando a causar a ilusão de uma próxima sociedade sem trabalho. Além disso, criavam ou acentuavam formas de prestação laborativa (como o teletrabalho e o escritório em casa, home office), que pareciam estranhas ao tradicional sistema de contratação e controle empregatícios.” (DELGADO, 2006, p.36).

Nota-se, assim, que em cada etapa diversa as empresas procuraram priorizar fatores específicos: tarefas, estrutura, pessoas, ambiente ou tecnologia. Também passaram a organizar e estabelecer novas estratégias, levando-se em conta as mudanças tecnológicas ocorridas no ambiente empresarial, que contribuíram para a reestruturação do processo produtivo.

De modo geral, a discussão sobre os impactos que as mudanças tecnológicas causam nos modos de produção abrange: a superação do modelo de produção fordista, a nova divisão do trabalho, a reafirmação do Estado, a transnacionalização dos mercados, o fenômeno da exclusão social e, principalmente, a crise dos paradigmas que surgiram com nova ordem global.

Na era da modernidade, as fábricas se tornaram mais enxutas, reduzindo o número de empregados. Aliás, ocorreu um redimensionamento do espaço físico; aumento do trabalho terceirizado; majoração do trabalho feminino (embora, ainda, haja discriminação); crescimento do setor de serviço; exclusão de jovens, deficientes e idosos do processo de trabalho; elevação do trabalho em domicílio; surgimento de um trabalho transfronteiriço e, por fim, a subsunção do empregado à lógica do capital. 

As empresas se tornam horizontalizadas, misturadas e automatizadas; os trabalhadores multifacetados; os contratos por prazo indeterminado deixam de ser valorizados; o empregado é transformado em trabalhador sem direitos; a informação passa a constituir o principal recurso estratégico; as desigualdades se tornam mais aparentes e os excluídos são cada vez mais explorados.

As fábricas, que antes procuravam preservar os empregados em um mesmo ambiente físico, passam a separá-los, promovendo o isolamento do trabalhador com fins de reduzir custos. É notório que os sistemas de computadores tendem a tornar os locais de trabalho mais interativos e os horários mais flexíveis. Contudo, não é somente a tecnologia e a mobilidade dos trabalhadores que favorece o desenvolvimento do trabalho à distância.

Certo é que o fenômeno da globalização se caracteriza por ser seletivo e discriminatório. A integração dos mercados faz com que as políticas governamentais visem apenas aos interesses econômicos. O Estado deixa de promover aos cidadãos a ampliação de direitos já institucionalizados, por estarem dependentes e controlados por mecanismos financeiros. O governo, portanto, não detém a autonomia decisória e a sua legislação pátria acaba sendo violada pelos efeitos trazidos com o rompimento das fronteiras geográficas.

O Estado também não domina a capacidade de tutelar todos os acontecimentos sociais. Ademais, nem seria possível proceder de tal modo, dada a complexidade e a multiplicidade das questões a serem apreciadas pelo legislativo, atualmente, com vistas a minimizar a crise social. Diante disso, a maneira como hoje é promulgado o conjunto de normas positivadas e coativas, às vezes, “permite a conversão do pensamento jurídico num aparato conceitual depurado de contaminações valorativas.” (FARIA, 2004, p.45).

Verifica-se, afinal, que, nessa era digital, a complexidade de informações, a diversidade de tecnologias, juntamente com os meios de comunicação coletivas e a mídia eletrônica, propiciaram o surgimento e o aprimoramento do trabalho à distância, ponto de relevância na presente obra.

Nesse passo, a análise do mercado, a busca pela solução de problemas, a reestruturação do processo produtivo, o diagnóstico das situações controversas e a procura por novas situações que harmonizem a tecnologia da informação com o mercado de trabalho, tornam-se mecanismos aptos a compreensão do surgimento do teletrabalho, tema ora versado.

Não é por outro motivo que nos últimos anos tem-se falado muito sobre teletrabalho, suas diversas interpretações e o modo como essa nova modalidade de gerenciamento surge no contexto mundial.

Procurar-se-á, debater, aqui, a sua caracterização, os seus aspectos legais e doutrinários, as suas consequências, bem como as vantagens e as desvantagens dessa espécie de trabalho à distância. O que se busca na presente produção é apontar as opiniões existentes entre os estudiosos e pesquisadores das teorias jurídicas envolvendo o tema, para, então, tecer breve relato sobre as formas como se vem explorando essa nova modalidade de contrato de trabalho.

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1 – Conceito de Teletrabalho.

No contexto histórico, verifica-se que o teletrabalho não é fruto da era da informação. O doutrinador Joel Kugelmass, valendo-se das palavras de Willian Garrison, acrescenta que não se trata tal modalidade de trabalho de uma descoberta da sociedade contemporânea.

“O uso de telecomunicações para uma administração à distância não é um fenômeno novo, em si, apesar da propalada Supervia de Informação. O trabalho remoto, ou “a administração à distância”, foi inventado em 1857 quando J.Edgar Thompson, proprietário da estrada de ferro Penn, descobriu que poderia usar o sistema privado de telégrafo de sua empresa para gerenciar divisões remotas, desde que delegasse a elas um controle substancial no uso de equipamento e mão-de-obra. A organização seguia o fio do telégrafo e a empresa externamente móvel transformou-se num complexo de operações descentralizadas.” (KUGELMASS, 1996, p. 17).

No ordenamento jurídico pátrio, têm-se algumas definições a respeito do teletrabalho que resultam da junção dos termos distância, informática e redes de comunicação. O advento da videoconferência e da utilização repartida e compartilhada de documentos contribuíram para que os doutrinadores tecerem seus conceitos sobre o teletrabalho, embora não exista um consideração unânime e uniforme sobre o tema.

Nesta ótica, dizem que o teletrabalho é “a atividade do trabalhador desenvolvida total ou parcialmente em locais distantes da sede principal da empresa, de forma telemática. Total ou parcialmente, porque há teletrabalho exercido em parte na sede da empresa e em parte em locais dela distantes.” (SILVA, 2000, p.584).

Cumpre observar que “não é qualquer meio informático que caracteriza o teletrabalho, mas sim aquele que forma uma conexão entre o empregado e o empregador, permitindo o exercício das faculdades empresariais diretivas.”(ANDRADE, 2007, p.286).

Assente que, Amauri Mascaro, em sua obra, alerta sobre a dificuldade em tecer uma noção do que seria o teletrabalho.

“Não há conceito legal de trabalho a distância, mas a expressão é usada para designar o trabalho que não é realizado no estabelecimento do empregador, e sim fora dele, portanto, com a utilização dos meios de comunicação que o avanço das técnicas modernas põe à disposição do processo produtivo, em especial de serviços. Não há rigor conceitual porque ainda está por ser feito o estudo desses meios e a forma como na sociedade contemporânea vem sendo utilizado.” (NASCIMENTO, 2011, p. 1010).

Pela mesma razão, Alice Monteiro situa o teletrabalho entre os novos tipos de trabalho à distância, pontuando que seria “realizado no domicílio do trabalhador (art. 6º, da CLT), em centros satélites fora do estabelecimento patronal, mas em contato com ele ou em outro local, de uso público”. (BARROS, 2011, p. 258)

Vê-se que etimologicamente o prefixo tele significa distância. Resulta daí, algumas expressões estrangeiras utilizadas em diferentes países, deduzindo-se que existem variados estudos sobre o labor à distância: networking, telecommuting, remote working; télétravail, teletrabajo e telelavoro.

No âmbito do direito comparado, Amauri Mascaro Nascimento traz a noção sobre o teletrabalho informal em outros países, veja-se:

“Em outros países, notadamente nos Estados Unidos, difundiu-se essa prática que não configura relação de emprego por se entender desnecessário o fato de o trabalhador comparecer na empresa para a qual exerce a sua atividade, visto que há possibilidade de organizar os seus horários segundo as suas necessidades e conveniências, e a perspectiva de empreender uma atividade para diversos beneficiários, fatores suficientes para descaracterizar o vínculo de emprego, critérios que também no Brasil poderão prevalecer. (NASCIMENTO, 2011, p.1012).

Como já foi observado, o teletrabalho significa, literalmente, trabalho à distância. Contudo, existem componentes fundamentais que o caracteriza, tais como: distância, tecnologia de informação, flexibilidade de horário, mobilidade.

“Conjugam-se os termos trabalho (atividade geradora de riquezas, propulsora da economia) com a distância (em seu entendimento geográfico, com trabalhadores remotos, prestando serviços fora da estrutura física tradicional do empregador) mediada pelas telecomunicações (os sistemas de tecnologia da informação e da comunicação permitem que a distância seja relativizada, mantendo-se trabalhadores e empregadores em contato constante, apesar da distância geográfica). Esse trabalho à distância, mediado pelas telecomunicações deve ser prestado de maneira subordinada, ou seja, para alguém (por conta alheia), descartando-se de nosso estudo o trabalho autônomo.” (FINCATO, 2003, p.460).

Em outras palavras, é uma forma de organização do trabalho, que consiste na realização de atividades remuneradas ou serviços a terceiros utilizando tecnologias de apoio de informação e comunicação (TIC) para o contato entre o trabalhador e a empresa, sem a necessidade de presença física do trabalhador em um local de trabalho específico.[1] (CIPRÉS, 2013, p.24).

Na ótica latu sensu, teletrabalho corresponde a “uma atividade de produção ou de serviço que permite o contato a distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal”. (PINTO, 2000, p.11).

“O teletrabalho é aquele realizado com ou sem subordinação através do uso de antigas e novas formas de telecomunicação em virtude de uma relação de trabalho, permitindo a sua execução à distância, prescindindo da presença física do trabalhador em lugar específico de trabalho, ou seja, podendo ser executada também tanto na internet bidirecional, tridimensional conforme o seu uso como na internet superficial, profunda ou escura segundo a sua realidade. (ESTRADA, 2014, p.17-18).

Compreende-se, assim, que através da combinação das tecnologias associadas à eletrônica, informática e telecomunicações, o telebrabalho como a prestação laboral por parte do trabalhador, distante da sede física da empresa, com o uso de antigos meios de comunicações aliados aos avanços tecnológicos.

2 – Classificação do teletrabalho.

A doutrina, utilizando-se de critérios relacionados ao espaço e à prestação laboral, conduziu ao surgimento de novas subclasses de teletrabalho.

Dentre estas, encontra-se o teletrabalho disseminado nas seguintes terminologias: teletrabalho em domicíliorealizado totalmente em casa; teletrabalho em telecentrosefetivado em lugares de trabalho compartilhados; teletrabalho móvel ou itineranteo labor não tem local fixo e o trabalhador está em constante mobilidade; teletrabalho transfronteiriçoo trabalhador presta serviços num determinado país e a empresa localiza-se em outra região.

Inegavelmente, quando um empregado combina local flexível, horário flexível e comunicações eletrônicas, o resultado é a telecomutação. Joel Kugelmass afirma que o centro de trabalho remoto tem várias formas: centro satélite, centros locais e centros comunitários.

“O centro satélite descreve um centro de trabalho remoto que abriga pessoas trabalhando para um só empregador. (…) Os centros locais, ao contrário, abrigam pessoas que trabalham para diferentes empregadores que formam uma parceria para estruturar e manter as instalações de trabalho remoto. Os centros comunitários são microcentros de trabalho remoto que oferecem espaço e recursos para os empregados (de um só ou de diferentes empregadores) que vivem dentro de uma área contígua, restrita.” (KUGELMASS, 1996, p.34).

A partir dessa conjectura, nota-se que o teletrabalho é uma das espécies do trabalho à distância, sendo prestado por meios telemáticos e afastado da sede física da empresa. Poderá ser realizado em home offices, telecentros, em domicílio, ou ainda, sem um local fixo (nômade ou móvel). Há de se considerar na classificação do teletrabalho, no entanto, se o trabalho se desenvolve de forma autônoma ou mediante vínculo empregatício.

3 – Diferenciação entre trabalho em domicílio e teletrabalho.

O Código Civil dispõe que o domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo (artigo 70).

Não obstante as interpretações lógica, sistemática e teológica, sedimenta-se na doutrina e na jurisprudência distinta interpretação do que venha a ser domicílio, estendendo o seu conceito, conforme se percebe literalmente nos dizeres de Alexandre de Moraes ao tecer considerações sobre o assunto diz que:

“O termo domicílio tem amplitude maior do que no direito privado ou no senso comum, não sendo somente a residência, ou, ainda, a habitação com intenção definitiva de estabelecimento. Considera-se, pois, domicílio todo local, inclusive profissionalmente, pois nessa relação entre pessoa e espaço preserva-se, mediatamente, a vida privado do sujeito. Como já pacificado pelo Supremo Tribunal Federal, domicílio, numa extensão conceitual mais larga, abrange até mesmo o local onde se exerce a profissão ou a atividade, desde que constitua um ambiente fechado ou de acesso restrito ao público, como é o caso típico dos escritórios profissionais.” (MORAES, 2006, p.49).

Na caracterização do trabalho em domicílio deve-se ter em mente o que está disposto no artigo 6º da Consolidação das Leis Trabalhistas, que informa a não distinção entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que caracterizada a relação de emprego.

Segundo Orlando Gomes, existem alguns requisitos para identificação do empregado em domicílio.

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“Dentre os requisitos para a identificação do empregado a domicílio, segundo a jurisprudência e a doutrina podem-se indicar os seguintes:

a) a continuidade da prestação do serviço em local fora da empresa ou estabelecimento;

b) a fixação da qualidade e quantidade das tarefas a serem executadas;

c) a entrega do produto acabado em períodos de tempo variáveis, mas sempre com uma obrigação predeterminada a este respeito;

d) a fixação de um preço de tarifa unitária, por peça, medida, número, metro ou capacidade;

e) a absorção do tempo do empregado por uma ou poucas empresas, ou intermediários.

O local da prestação pode variar, segundo os casos, entre o domicílio do empregado, outro local escolhido por este ou aviado pelo intermediário ou contratista. Certa estabilidade ou permanência nas relações das partes é requisito essencial, pois, do contrário, o trabalhador seria classificado como empregado eventual.” (GOMES, 1998, p. 453).

Deflagram-se da análise sobre o elemento fático-jurídico da subordinação em relação ao trabalho em domicílio duas correntes. A primeira vertente interpretativa diz que o trabalho a domicílio pode ser autônomo, e a segunda afirma que este pode ser subordinado, como acrescenta Alice Monteiro de Barros:

“O trabalho a domicílio pode ser executado de forma autônoma ou em caráter subordinado. Na primeira hipótese, o objeto da prestação de serviços é o resultado que o trabalhador irá fornecer com os meios que considera oportunos, com uma organização própria e assumindo os riscos do empreendimento econômico. Já no trabalho a domicílio subordinado, que irá nos interessar neste estudo, o objeto da prestação é a energia que o trabalhador coloca à disposição do credor do trabalho, como elemento inserido na organização empresarial, sob o comando do empregador, o qual assume os riscos do processo produtivo.” (BARROS, 2011, p. 254).

Conforme Sérgio Pinto, para a caracterização do vínculo de emprego com o empregador é preciso que o “empregado em domicílio tenha subordinação, que poderá ser medida pelo controle do empregador sobre o trabalho do obreiro, como estabelecendo cota de produção, determinando dia e hora para a entrega do produto, qualidade da peça, etc”. (MARTINS, 2012, p.145).

A jurisprudência vem se manifestando no sentido de que o trabalhador em domicílio pode ser considerado subordinado, quando inserido na atividade fim da empresa. É importante a compreensão de que o trabalho em domicílio pode ser exercido na moradia do empregado ou em outro local, longe do poder de direção direto do empregador.

Vê-se, ao final das contas, que na caracterização da relação de emprego é irrelevante o lugar da prestação de serviços, desde que estejam presentes os elementos fático-jurídicos consagrados doutrinariamente, quais sejam: pessoa física, pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade.

Sem dúvida, o domicílio é o lugar indicado pelo empregado para a prestação dos serviços ao empregador, ainda que seja na casa do intermediário. “Poderia ser até o realizado no interior de um presídio, desde que o trabalho seja desenvolvido fora da fiscalização imediata e direta do empregador, estará caracterizado o trabalho em domicílio”. (MARTINS, 2012, p.146).

Registra-se, aliás, que o teletrabalho já vem sendo desenvolvido por um grupo que faz reservas para os hotéis Best Werstern por meio de detentas de uma prisão feminina no Arizona. (KUGELMASS, 1996, p.17).

Parte da doutrina compreende que “a subordinação acaba ficando mitigada. Em alguns casos poderá verificar-se muito mais autonomia do que subordinação. São diluídas as ordens de serviço, pois não há escritório, trabalho interno etc. Acaba criando, a tecnologia, uma nova forma de subordinação, à distância"[2].(MARTINS, 2000, p.09).

Percebe-se, contudo, que a questão da subordinação se torna um pouco difícil de ser percebida pelos operadores do direito, quando diz respeito ao poder de direção, mas não abrandada como sugere alguns doutrinadores.

“Há forte presunção de que teletrabalhador não é fiscalizado e, por isso, está incluído na exceção prevista no art. 62, I, da CLT. Se, todavia, o empregado de fato for monitorado porwebcâmera, intranet, intercomunicador, telefone, número mínimo de tarefas diárias etc., terá direito ao Capítulo “Da Duração do Trabalho”, pois seu trabalho é controlado. Aliás, o parágrafo único do art. 6° da CLT é claro no sentido de que “Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.”” (CASSAR, 2012, p.712).

Ademais, no tocante à prestação dos serviços em domicílio, vale registrar que, embora o empregado não esteja sob o comando direto da empresa, isso não significa ausência de controle. O empregador pode controlar seu empregado estabelecendo metas de produção, definindo material a ser utilizado e prazos para a apresentação do produto, caracterizando-se, assim, a subordinação como um dos pressupostos básicos da relação de emprego.

Há que se ressaltar, também, que por meio da “telemática e das tecnologias de informação (além do avanço das formas de flexibilização e precarização do trabalho que estamos indicando), com o avanço da horizontalização do capital produtivo, o trabalho produtivo doméstico vem presenciando formas de expansão em várias partes do mundo.” (ANTUNES, 2009, p. 237).

Apresentada tais considerações sobre o trabalho em domicílio, far-se-á, em seguida, uma análise dos aspectos que o diferenciam do teletrabalho, segundo a melhor doutrina, levando-se em conta as suas peculiaridades, bem como tecendo algumas inflexões acerca do tema.

A propósito do assunto, Alice Monteiro sobrepõe que:

“O “teletrabalho” distingue-se do trabalho a domicílio tradicional não só por implicar, em geral, a realização de tarefas mais complexas do que as manuais, mas também porque abrange setores diversos como: tratamento, transmissão e acumulação de informação, atividade de investigação; secretariado, consultoria, assistência técnica e auditoria; gestão de recursos, vendas e operações mercantis em geral; desenho, jornalismo, digitação, redação, edição, contabilidade, tradução, além da utilização de novas tecnologias, com informática e telecomunicações, afetas ao setor terciário.” (BARROS, 2011, p. 258).

Acrescenta Amauri Mascaro que:

“Assim, o trabalho a domicílio é compatível com a subordinação. Nesse sentido, também, é a doutrina italiana. Porém, algumas reservas são feitas no sentido de uma caracterização perfeita da subordinação, daí admitir-se que há uma dependência econômica para que o vínculo de emprego subsista. Com efeito, Sinagra ensina que os trabalhadores a domicílio são economicamente dependentes do empregador para qual trabalham. De Litala acha que o trabalhador a domicílio é uma figura intermediária entre o trabalhador autônomo e o subordinado.

De outro lado, uma corrente sustenta a autonomia dessa relação jurídica. Greco afirma que o trabalhador a domicílio mal se adapta ao esquema do trabalhador subordinado. Di Marcantonio, considerando que o trabalhador a domicílio não tem horário, não se sujeita a controle, dirige com critérios próprios, técnicos, o seu trabalho e assume certo risco, deve ser um trabalhador autônomo muito mais do que subordinado. Riva Sanseverino pensa que o trabalhador a domicílio enquadra-se na figura do trabalhador autônomo, seja quando se põe numa relação direta com o consumidor, seja quando desenvolve a sua atividade à disposição de um ou mais empregadores.” (NASCIMENTO, 2011, p. 1011).

Nota-se que o teletrabalho é uma forma de trabalho à distância, onde o controle é feito com base nos resultados e não de forma direta pelo empregador. O serviço é exercitado através do uso de computadores ou outros equipamentos de informática e telecomunicações, podendo ocorrer mediante vínculo empregatício ou de forma autônoma.

4 – Vantagens e desvantagens do teletrabalho.

Não obstante as características do teletrabalho doravante apresentadas, impõe-se registrar, aqui, as suas principais vantagens e desvantagens, destacando-se, mormente, os aspectos psicossociais que trazem consequências positivas ou negativas para a sociedade.

4.1 – Vantagens do teletrabalho.

No mercado atual, os trabalhadores estão buscando oportunidades de amenizar o tempo de deslocamento até a sede da empresa, bem como viagens em face do contrato de trabalho. Os principais apontamentos, segundo pesquisas, é que o deslocamento diário até o local de trabalho contribui para o aumento do estresse e fadiga física, bem como diminui a produtividade dos empregados.

Desta forma, quando o empregado procura trabalhar em sua residência, passa a conviver mais com a família e a gerenciar seu próprio trabalho. Os conflitos nascidos da relação trabalho e família fazem com que muitos empregados busquem um equilíbrio entre o lar e o labor.

Dentre as principais vantagens do teletrabalho apontadas em favor do trabalhador está a flexibilidade de horário, que possibilita a compatibilização das obrigações contratuais e profissionais com os deveres familiares. A doutrinadora Alice Monteiro acrescenta que:

“A utilização do teletrabalho, segundo a doutrina, apresenta, portanto, várias vantagens para o empregador, entre as quais a redução do espaço imobiliário, com diminuição de custos inerentes à aquisição de locais, aluguéis, manutenção, transporte, etc. A par dessas vantagens, propicia uma atenção melhor aos clientes mediante a conexão informática/telemática; gera maior produtividade pelo empregado, em face do desaparecimento do absenteísmo, da eliminação de tempo perdido, sobretudo no trânsito, da maior motivação e da satisfação no exercício da atividade. Além desses aspectos, a empresa se vê livre das greves de transporte, dos acidentes no trajeto do trabalho, dos fenômenos meteorológicos, entre outros.” (BARROS, 2011, p. 259).

De modo geral, as vantagens do teletrabalho seriam, portanto, o aprimoramento da criatividade, a satisfação interna, o trabalho sem interrupção, a inclusão dos deficientes, a amplitude de seleção e recrutamento, a melhoria da qualidade de vida, a flexibilidade de horário, o descongestionamento do tráfego, a redução da poluição, do absenteísmo (licenças e doenças), do estresse e do assédio moral e sexual.

4.2 – Desvantagens do teletrabalho.

Nota-se que alguns argumentos sobre o teletrabalho são artificiais e negativos sob a ótica do empregado. As maiores desvantagens são o isolamento profissional e a falta de contado com outros trabalhadores, que levam ao surgimento de doenças como a depressão e outros aspectos relevantes como a perda do trabalho em equipe, a falta de colaboração com o empreendimento, dificuldade de promoção no quadro de carreira, a invasão de privacidade, as discriminações e os conflitos familiares devido ao trabalhador não dosar sua vida profissional com a vida pessoal, prejudicando o seu direito ao lazer.

“Os teletrabalhadores estão sendo explorados telematicamente, infelizmente estes por questões de se manter no emprego acabam se submetendo a isso, atrapalhando o pouco horário de lazer que possuem, se descuidando da família, dos filhos e da própria saúde. A Justiça do Trabalho está decidindo a favor dos teletrabalhadores nas questões de horas extras e sobre o ambiente de trabalho, decidindo para o pagamento das verbas rescisórias e até em indenizações decorrentes de doenças do trabalho que surgem quando são exigidos além do permitido pela Carta Magna vigente.” (ESTRADA, 2012, p.92-105).

Para agravar a situação, algumas empresas têm recorrido a determinadas práticas, tais como a criação de escritórios turísticos localizados em lugares estratégicos de férias, que contribuem para que os seus empregados não se desconectem do trabalho. Sendo assim, preferem descansar e planejar suas férias em locais onde possam terminar as tarefas profissionais durante a sua estadia.

Uma maior flexibilização gerencial, portanto, é necessária, para a escolha dos trabalhadores, tomando-se por base as características básicas da tarefa a ser desempenhada, no intuito de conciliar o interesse da empresa aos de seus funcionários. Dessa forma, percebe-se que a liberdade do trabalhador advém da sua capacidade para encontrar a melhor forma de desempenhar suas atividades. A gerência deve compreender que a flexibilização na implementação do teletrabalho leva em consideração o fato de que o teletrabalhador deve se auto disciplinar, não sendo qualquer empregado, portanto que tem condições para se submeter a esta forma de trabalho.

Outra desvantagem é a discriminação por parte dos gerentes, acarretada pela distância e pela falta de um contato diário com seu subordinado, passando a desprezar os teletrabalhadores no momento da escolha daqueles que serão promovidos. Percebe-se que a carreira destes profissionais fica comprometida e, consequentemente, a tutela sindical também, se torna enfraquecida.

O enfraquecimento sindical ocorre, uma vez que “para a dinâmica do teletrabalho não seria mais necessária a existência de um estabelecimento fixo, central, apto a reunir trabalhadores e estimular sentimentos de coesão, possibilitando-lhes fixar maior solidez na compreensão de sua identidade coletiva.” (Delgado, 2006, p.166)

“Afora isso, o teletrabalho, como qualquer modalidade de serviço em domicílio, é um fenômeno de isolamento do obreiro. Por não encontrar outros trabalhadores submetidos às mesmas condições laborais, ele tende a evitar o associacionismo. Por consequência, há um natural enfraquecimento da luta de classes e da atuação sindical.” (MARTINEZ, 2011, p.177)

Ademais, os custos decorrentes do trabalho desempenhado (água, energia, aluguel, móveis, equipamentos, telefone, internet, hardware, softwere, vale transporte, etc.), por sua vez, podem ser atribuídos aos teletrabalhadores, ferindo o princípio da alteridade em que os riscos do empreendimento não devem ser repassados ao empregado.

Notório é que as empresas zelam por sua de segurança. Mas, em relação aos centros trabalho remoto, predomina o receio por parte do empregador de que seus segredos profissionais sejam comprometidos.

Nesta linha de raciocínio, as empresas acabam por violar os direitos de personalidade do trabalhador. Assim como é primordial que o empregador informe aos seus trabalhadores quais são as restrições quanto ao uso dos equipamentos, de mesma maneira igual, deve-se proceder em relação ao teletrabalhador para que não seja invadida a sua intimidade e sua privacidade.

5 – Normatização do teletrabalho.

As tentativas de reforma trabalhista podem ser responsáveis pelo incremento ou desregulamentação do mercado de trabalho, pela integração ou marginalização social.

Alexandre de Moraes nos preceitua que

“Os direitos sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. (MORAES, 2006, p. 177).

Verifica-se, assim, que são direitos que têm por força buscar melhorias socioeconômicas. Por outro lado, há que se considerar o trabalhador como a mola mestra propulsora do crescimento industrial, haja vista que as tecnologias desenvolvidas pelos indivíduos não se concretizam ou funcionam sem a presença do ser humano. Desse modo, o trabalhador torna-se um grande investimento para as sociedades.

As convenções internacionais do trabalho almejam promover melhorias nas condições laborais do mundo globalizado. Contudo, não existe recomendação ou convenção específica sobre o teletrabalho. Por outro lado, no que diz respeito ao trabalho a domicílio, existem normas de aplicação geral, a serem ratificadas pelo Brasil, que procuram examinar os fatos, as tendências e os conflitos desta modalidade de relação de trabalho.

A Convenção n.o 177 da Organização Internacional do Trabalho disciplina o trabalho em domicílio e visa melhorar e equiparar as condições de labor, evitando discriminações, primando pela segurança e saúde ocupacional. Trata-se de uma política que busca a igualdade de condições entre os trabalhadores, sendo, também, uma importante estratégia de desenvolvimento e fortalecimento sindical e crescimento econômico, pois que almeja reduzir as taxas de desemprego.

A Recomendação n.o 184 da Organização Internacional do Trabalho estabelece alguns direitos dos trabalhadores em domicílio e deveres dos empregadores, além de abordar outras peculiaridades, tais como: âmbito de aplicação, idade, remuneração, fiscalização, negociação coletiva, direito de sindicalização, segurança e saúde, proteção a maternidade, dentre outros.

A ratificação das referidas normas internacionais representará um maior desenvolvimento para o país, beneficiando não apenas o trabalhador, mas também contribuindo para a valorização do trabalho à distância e dos direitos humanos.

No direito comparado, diversos países procuram a regulamentar o trabalho à distância, assim com o trabalho em domicílio, incluindo o conceito de teletrabalho, dentre estes: Argentina (Projeto de Lei 2.337/07 e 3.498/10); Bolívia (Lei Geral do Trabalho de 1942); Chile (Lei 19.759/02); Colômbia (Lei 1.221/08); Costa Rica (Código do Trabalho de 1943); México (Lei Federal do Trabalho); Paraguai (Código do Trabalho do Paraguai de 1993); Peru (Lei 30.036/13); Uruguai (Projeto de Lei 16/10); Espanha (Estatuto dos Trabalhadores de 1995); França (Lei 387/12); Portugal (Código de Trabalho Português); Itália (Lei n. 191/1998 e Decreto-Lei 3/2012), dentre outros.

A perspectiva da regulação do direito do trabalho brasileiro obriga ser analisada a priori perante as normas trabalhistas já existentes. A título exemplificativo, a Norma Regulamentadora n.o 17 do Ministério do Trabalho e Emprego, que trata da ergonomia, em anexo II, fixa parâmetros para o trabalho em atividades de teleatendimento, objetivando a segurança, o conforto do trabalhador e a organização do trabalho.

Deve-se atentar que a referida norma pode ser utilizada para integrar e suprir as lacunas existentes no ordenamento jurídico, por meio da analogia e da equidade, para que alguns de seus dispositivos sejam aplicados em relação ao teletrabalhador.

É preciso dizer que, predomina hoje, no Brasil, a idéia de desconstrução dos direitos trabalhistas, por conta das questões políticas concretizadas, sobretudo, pelo Poder Legislativo. Assim, a novas regras propostas pelos projetos de lei devem conceder uma proteção de direitos ao teletrabalhador igual aos demais trabalhadores e empregados.

Veja que questões como o dumping social (principalmente na hipótese de teletrabalho transfronteiriço), a terceirização dos serviços, a privacidade individual e familiar do teletrabalhador, a sua saúde e segurança e a possibilidade do teletrabalhador que não se adaptar a prestar ter o direito de voltar a desenvolver seu labor nas dependências físicas da empresa, sem o prejuízo da ruptura do contrato de trabalho, não foram enfrentadas no que diz respeito regulamentação do trabalho à distância.

Do ponto de vista do teletrabalho, a tentativa de sua normatização, por muitas vezes, tem envolvido questões mais complexas de política pública, com efeitos prejudiciais tanto para o teletrabalhador quanto para economia brasileira, a exemplo de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.

5.1 – Lei n.o 12.551/2011.

A título meramente informativo, vale registrar que foi o Projeto de Lei da Câmara dos Deputados n.o 102, de 2007, apresentado pelo deputado federal Eduardo Valverde, frente à inexistência de uma legislação específica sobre o teletrabalho no ordenamento jurídico brasileiro, que deu origem à Lei n.o 12.551/2011.

A referida lei publicada em 15/12/2011, modificou o artigo 6º da Consolidação das Leis Trabalhistas, com o fim de equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercidos por meios teletemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos.

Antes da promulgação da lei, a doutrina discutia se os pressupostos fático-jurídicos inerentes à caracterização da relação empregatícia eram aplicados ao teletrabalho. Todavia, frente à adversidade de interpretações surgidas na tentativa de compreender este novo tipo de trabalhador, muitos acreditaram que não seria possível a equiparação, valendo-se, pois, do conceito de parassubordinação, para desta maneira, construir a tese de que o teletrabalhador não teria seus direitos resguardados no ordenamento jurídico brasileiro.

Luiz Otávio Linhares Renault nos ensina que o parassubordinado é um trabalhador que era subordinado e passou a ser autônomo por imposição. A única função do termo é engordar os cofres da previdência social, há um falso amparo social uma vez que em contra partida não há direitos sociais, a intenção é meramente de arrecadação por parte do Estado. (RENAULT, 2011, p.44)

Notório é que as mudanças nos meios de comunicação trouxeram impactos decisivos nas relações de trabalho, sendo necessária uma reestruturação dos meios de produção. Coube à Lei n. 12.551/2011 assegurar que o teletrabalho não seria um exemplo típico de parassubordinação. O trabalhador que labora fora das dependências da empresa não adere a uma modalidade intermediária entre o trabalho autônomo e o subordinado, ou seja, parassubordinado, podendo, inclusive, ser caracterizado para a categoria o vínculo empregatício, conforme alguns entendimentos doutrinários.

Segundo Alice Monteiro de Barros:

“No campo da ciência jurídica, ao lado de casos típicos, cujo enquadramento, no art. 3º da CLT, não acarreta dúvidas, existem situações intermediárias, cuja classificação enseja certas dificuldades, em face do conteúdo diversificado do trabalho, em que a subordinação é insuscetível de especificação antecipada passível de ser utilizada para qualquer relação de trabalho. A qualificação, em concreto, de uma determinada relação como de trabalho subordinado ou autônomo poderá ser difícil e controvertida, principalmente nas hipóteses que situam na chamada “zona grise”, isto é, zona cinzenta ou fronteiriça habitada por trabalhadores que tanto poderão ser enquadrados como empregados quanto como autônomos, fora da órbita do Direito do Trabalho. A jurisprudência tem sustentado que a questão deverá ser resolvida em face de circunstâncias específicas de cada caso concreto.” (BARROS, 2011, p.250-251).

Continuando a sua obra a mesma autora acrescenta:

“Os elementos caracterizadores da subordinação jurídica capazes de revelar o vínculo empregatício deverão ser examinados em conjunto, para que resultem significativos. São apontados pela doutrina indicadores valiosos de subordinação jurídica, entre os quais: a submissão do teletrabalhador a um programa informático confeccionado pela empresa, que lhe permite dirigir e controlar a atividade do empregado; o fato de o credor do trabalho ter a faculdade de escolher e substituir o programa operativo específico, com assunção de riscos; disponibilidade de tempo em favor do empregador, com a obrigação de assistir a reuniões ou cursos de treinamento, sob pena de sanção disciplinar. Outro indício consiste em ser a empresa proprietária dos equipamentos de produção (computador, linha telefônica, fax, impressora, etc.); percebimento de importância fixa pelos serviços prestados; assunção de gastos pelo credor do trabalho com água, luz, aluguel, estacionamento, manutenção de equipamentos e outros. A esses indícios acrescente-se a integração do “teletrabalhador” na organização empresarial, a qual se manifesta pelo grau elevado de confiança, e participação na vida de empresa, dispondo de crachá, de autorização para chamadas telefônicas externas, código para acesso informativo à empresa, figuração nas listas de distribuição interna de documentos aos diretórios eletrônicos da empresa ou aparecimento de sua representação virtual na respectiva página, fatos que não ocorrem com os profissionais que trabalham como sujeitos de um contrato civil ou mercantil.” (BARROS, 2011, p. 262).

É indiscutível que a distinção entre o contrato de emprego e o contrato de trabalho reside na subordinação inerente à primeira espécie e à liberdade em relação à segunda. Atenta-se que a subordinação é variável, dependendo da natureza da atividade, da função desempenhada pelo empregado e do treinamento oferecido pela empresa.

Relevante, entretanto, observar que, mesmo o empregado, estando sujeito ao controle ou fiscalização da empresa, participando de reuniões esporádicas e encontrando-se na sede da organização durante certo período de tempo, não está descaracterizada a subordinação, devido ao curto lapso temporal que permanece nas dependências da empresa.

O poder diretivo de comando poderá ser realizado à distância com a possibilidade de ensejar as punições previstas em lei, não considerando o teletrabalhador como um prestador autônomo de serviços, embora atue à distância ou labore em curto espaço de tempo.

Alice Monteiro atenta sobre as tendências administrativas modernas de controle na execução de tarefas:

“Se o trabalhador se encontra, por exemplo, em conexão direta e permanente, por meio do computador, com o centro de dados da empresa, o empregador poderá fornecer instruções, controlar a execução de trabalho e comprovar a qualidade e quantidade de tarefas de forma instantânea, como se o empregado estivesse no estabelecimento do empregador. (BARROS, 2011, p.261).

A doutrinadora complementa a análise, acrescentando a mais que o teletrabalhador se “compromete a atender as pautas, prazos e condições prefixadas, recebendo ordens por e-mails ou fax, “derrubando até mesmo as barreiras que separam a vida privada da vida laboral” e demonstrando a presença de um a nova forma de subordinação” (BARROS, 2011, p.262).

No que diz respeito ao reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes, bem assim a alguns questionamentos doutrinários, vale dizer que o Poder Legislativo considerou pertinente introduzir na Consolidação das Leis Trabalhista para a possibilidade de caracterização desse vínculo de emprego, quando o trabalhador realiza serviços por meios telemáticos.

Dessa forma, a relação de trabalho poderá ser autônoma ou mediante vínculo empregatício. A depender da maneira como a relação foi estabelecida, ou seja, se for o trabalhador pessoa física que presta serviços de natureza não eventual, com pessoalidade, onerosidade e subordinação, fica nítido que está presente aí uma relação de emprego, nos moldes dos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis Trabalhistas.

Percebe-se que o texto de lei apresentado considera apenas que não há distinção entre o trabalho em domicílio e o trabalho realizado à distância. Não há menção quanto ao controle, fiscalização, supervisão, subordinação, relação jurídica, empregador, empregado, bem como quais seriam os meios e programas permitidos e que serviriam, a nível gerencial e jurídico, para comprovar esta relação, ficando, assim, a caracterização a cargo da Justiça Trabalhista.

5.2 – Projeto de lei da Câmara n.o 4494/2008.

O Projeto de lei da Câmara n.o 4494, de 2008 em pauta no Congresso Nacional, de relatoria do deputado Otávio Leito, posto em votação, busca incentivar a contratação de deficientes físicos por meio do teletrabalho, veja-se:

“Art. 1º A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a viger acrescida do seguinte art. 6º-A e respectivo parágrafo único:

Art. 6º-A Fica assegurada a reserva de, pelo menos, vinte por cento de todos os postos de trabalho nacionalmente ofertados na modalidade em domicílio ou teletrabalho aos trabalhadores portadores de deficiência.

Parágrafo único. O Ministério do Trabalho e Emprego deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por deficientes, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas de empregados.

Art. 2º Os contratos de trabalho celebrados nos termos desta Lei terão a alíquota a que se refere o caput do art. 15, da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, reduzida para dois por cento.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data da sua publicação.”

A proposta encontra-se em conformidade com a Convenção n. 159 da OIT, Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (Convenção da Guatemala), a Constituição da República de 1998 (art. 7º, inciso, XXXI; art. 203, inciso IV; art. 208, inciso III e art. 227§ 1º, inciso II), a Lei 7853/989 e o Decreto 3298/99 que buscam o tratamento igualitário e antidiscriminatório do portador de deficiência física.

A deficiência seja física, auditiva, visual, mental ou múltipla pode ser permanente ou incapacitadora. Assim, é “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano” (artigo 3º do Decreto 3298/99).

Certo é que existem obstáculos para a contratação de trabalhadores portadores de deficiência física que merecem ser amenizadas, a fim de obter a sua inserção no mercado de trabalho. As ações afirmativas tal como o projeto de lei tem o intuito de “corrigir efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais como a educação e o emprego.”(GOMES, 2001, p.40).

“Evidencia-se, então, a percepção de que a deficiência está na sociedade, não nos atributos dos cidadãos que apresentem impedimentos físicos, mentais, intelectuais ou sensoriais. Na medida em que as sociedades removam essas barreiras culturais, tecnológicas, físicas e atitudinais, as pessoas com impedimentos têm assegurada ou não a sua cidadania. Assim, por exemplo, a eliminação de barreiras arquitetônicas assegura o direito de ir e vir para as pessoas com deficiências físicas; a criação de meios alternativos de comunicação garante o direito de livre expressão para os surdos e cegos; os métodos de educação especial viabilizam o acesso ao conhecimento para qualquer pessoa com deficiência, mental ou sensorial. Quando essas medidas não são adotadas, excluem-se as pessoas com tais impedimentos, pondo-se a nu a incapacidade social de criar caminhos de acesso à realização plena dos direitos humanos. Quer-se, assim, transpor a idéia de que a responsabilidade pela exclusão da pessoa com deficiência se deve a ela ou sua família, para que se compreenda que a sociedade também deve responsabilizar-se por oferecer instrumentos institucionais e tecnológicos para se abrirem às perspectivas de acolhimento e emancipação de todos.” (FONSECA, 2008, p.265)

Neste panorama, principalmente, em relação ao deficiente físico que sofre para se locomover devido a sua mobilidade reduzida, o teletrabalho conforme a proposta legislativa pode incentivar a geração de empregos e favorecer a observação da lei 8.213/91, que estabelece cotas a serem preenchidas por reabilitados ou portadores de deficiência física pelas empresas.

5.3 – Projeto de lei da Câmara n.o 4505/2008.

Dada a relevância do tema em estudo, impõe-se registrar que, existe em pauta no Congresso Nacional um novo Projeto de lei da Câmara n.o 4505, de 2008, de relatoria do deputado Luiz Paulo Vellozo Lucas, posto em votação, que procura regulamentar alguns aspectos sobre o teletrabalho.

Compõe-se, em síntese, o projeto compõe de dez artigos que visam regulamentar e conceituar o trabalho à distância e o teletrabalho. Tomando-se por base essa nova perspectiva legislativa, serão analisados, a seguir, alguns pontos controvertidos e lacunas existentes no referido projeto.

De início, convém dizer que o projeto, equivocadamente, atenta contra os direitos sociais. Observe-se que o parágrafo único do artigo 6º dispõe que: “em razão do caráter de controle de jornada aberta e, via de regra, de forma virtual, aos empregados teletrabalhadores não será contemplado o direito às horas extras, devendo a remuneração ajustar-se às horas normais de trabalho.”

Verifica-se que a fundamentação sobre a regulamentação da jornada de trabalho é nitidamente inconstitucional, já que não leva em consideração a possibilidade da aplicação das horas de sobrejornada, como previsto constitucionalmente e não define quais são os equipamentos capazes de controlar a jornada de trabalho dos teletrabalhadores.

Parece que o legislador, ao levar em consideração os avanços tecnológicos, de forma meramente política, privilegiou o empregador, se esquecendo dos princípios que norteiam o direito do trabalho, dentre os quais está o princípio da primazia da realidade.  “Por este pressuposto, se as atividades do trabalhador ocorrem predominantemente através do celular, automóvel, fac-símile, computador portátil (notebook, handheld, palm, laptop), quando estes instrumentos de trabalho estiverem em função da empresa estará o trabalhador em jornada de trabalho.”(COUTINHO, 2004, p.1).

De se notar, assim, que o projeto de lei se posicionou de forma contrária ao entendimento ora mencionado, veja-se:

“Destarte a existência de modernos programas e softwares onde existe um controle de log on, tal controle não se mostra como suficiente e efetivo para que possa se garantir que a produção é proporcional a quantidade de horas utilizando-se a forma telemática, ou seja, não é possível auferir com segurança integral que o tempo despendido no equipamento será sinônimo de horas trabalhadas. Por isso optamos pela não adoção das horas extras, considerando-se o que denominamos de ‘controle de jornada de trabalho aberta’: nesse regime de controle, enquadra-se aqueles empregados que possuem subordinação branda, uma vez que devem possuir metas de produção ou tarefas bem especificadas, mas que não se encontram submetidos às horas habituais de serviço, uma vez que distantes do local esperado de produção.” (LUCAS, 2008, p.13).

Logo, é de concluir que questões como o controle de jornada, o pagamento de horas extras, o adicional noturno, a possibilidade de inspeção do ambiente de trabalho e o monitoramento dos equipamentos de trabalho, devem ser apuradas cautelosamente e diante de cada caso concreto. Alice Monteiro de Barros analisa o teletrabalho, afirmando que:

“É possível, entretanto, aplicar ao teletrabalhador as normas sobrejornada de trabalho, quando estiver em conexão permanente com a empresa que lhe controla a atividade e o tempo de trabalho mediante a utilização de um programa informático, capaz de armazenar na memória a duração real da atividade, dos intervalos, ou o horário definido pela exigência dos clientes do empregador, sem que o teletrabalhador tenha liberdade para escolher as horas que pretende trabalhar ao dia. Não há incompatibilidade entre o teletrabalho e a jornada extraordinária e, consequentemente, é possível também fixar o salário por unidade de tempo.” (BARROS, 2011, p.263).

Averiguar o controle da jornada de trabalho constitui tarefa difícil, visto que, o horário previamente definido não é condição essencial para avaliar se o empregado está ou não cumprindo as ordens e tarefas que lhe foram atribuídas pelo seu superior hierárquico. Ademais, o empregador, frente ao seu poder diretivo, possui condições suficientes para organizar e controlar tecnicamente e escolher os equipamentos e programas específicos para o seu estabelecimento.

É certo que, se o serviço é executado de forma instruída e sob controle de outrem, significa que o trabalhador estará inserido como parte da organização. A polêmica seria em relação à determinação do horário, se há fornecimento de equipamentos e tecnologia necessária para o desempenho das tarefas, se há continuidade, bem como, pessoalidade na prestação de serviços.

“Tendo em vista a maior liberdade de horário de trabalho, podem surgir dificuldades quanto a comprovação do direito a horas extras. No entanto, estando o empregado em conexão permanente com a empresa, com controle do tempo de labor e da atividade a ser desempenhada, as regras referentes a jornada de trabalho passam a incidir normalmente.

Presente o vinculo de emprego, a forma diferenciada de exercício do labor, verificada no teletrabalho, não afasta a incidência dos demais direitos trabalhistas assegurados ao empregado.” (GARCIA, 2012, p.232)

Cabe averiguar, conforme nos ensina Alice Monteiro, que existem métodos de controle da prestação laboral:

“A novidade que a subordinação jurídica apresenta no teletrabalho advém de três fatores, entre os quais: o controle é facilitado pelos aparelhos de vídeo-fiscalização, capazes de fazer registros diversos, até superiores aos que seriam realizados pela inteligência humana, que seleciona, mas esquece; essa memória é associada a uma capacidade de síntese inviável ao espírito humano, e, por fim, os métodos de controle se tornam cada vez mais discretos, senão invisíveis, como ocorre quando se utilizam câmeras escondidas, as quais, em nossa opinião, não poderão ser instaladas sem o consentimento do empregado.” (BARROS, 2011, p.261).

Assim, a legislação referente ao horário de trabalho e demais regras como hora extra, intervalos para repouso e alimentação, bem como adicional noturno, devem ser respeitadas. Para tanto, é necessário que os métodos de controle e fiscalização sejam especificados no contrato de trabalho ou por instrumento coletivo.

A constituição assegura como direito aos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.” (artigo 7º, XXII). No que tange ao teletrabalho, tais normas se estenderiam à residência do teletrabalhador, conforme dispõe o artigo 6º, alínea “c”, do Projeto de Lei da Câmara n.o 4505, de 2008.

É cediço que, de modo geral, os problemas visuais têm uma nítida relação com a iluminação e o ambiente de trabalho. Por óbvio, o teletrabalhador está sujeito “a sofrer problemas relacionados à saúde, em razão da inadequação ergonômica dos móveis e instrumentos usados na execução do trabalho e excesso de tempo na utilização do computador, favorecendo o aparecimento de doenças ocupacionais.” (MAÑAS, 2003, p.137).

Surge outra inflexão no diz respeito ao seguro acidente, seria possível equiparar ao acidente do trabalho, ainda que fora do local e horário de trabalho, na residência ou o percurso da residência para o local de trabalho ao trabalhador à distância. Embora tal mecanismo de proteção seja alvo de dúvidas, acredita-se, aqui, que o benefício, também, deve ser concedido aos teletrabalhadores.

Ainda, sobre a utilização dos equipamentos, a jurisprudência assevera que “o fornecimento pelo empregador, plenamente ou de modo parcial, de equipamentos para a consecução do home office obreiro (telefones, microcomputadores e seus implementos, etc.) não caracteriza, regra geral, em princípio, salário in natura, em face de seus preponderantes objetivos e sentido instrumentais.”[3]

Em contrapartida, o artigo 7º, alínea “d”, do projeto estabelece como dever do teletrabalhador a “prestação de contas quanto aos gastos ordinários e extraordinários decorrentes das funções inerentes à devida execução do trabalho.” E, como decorrência, o “ressarcimento dos gastos extraordinários decorrentes das funções inerentes ao teletrabalho e não previstos na remuneração”, conforme descrito no artigo 6º, alínea d, da proposta ora analisada.

Outra questão relevante se refere ao sigilo é inviolável da correspondência, preceito considerado inviável, nos termos do artigo 5º, incisos XI e XII, da Constituição Federal, segundo Alexandre de Moraes:

“(…) o preceito que garante o sigilo de dados engloba o uso de em virtude da existência de uma nova forma de armazenamento informações decorrentes da informática. Essa nova garantia, necessária e transmissão de informações, deve coadunar-se com as garantias de intimidade, honra e dignidade humanas, de forma que se impeçam interceptações ou divulgações por meios ilícitos.” (MORAES, 2006, p. 53).

Da mesma forma, dúvidas pairam quanto à inviolabilidade domiciliar, bem como, até que ponto pode ser considerado direito do empregador obter acesso aos dados da empresas ou dos meios de produção que se encontram no domicílio do empregado. Seria possível instalar câmeras de vigilância na residência do empregado? O empregador poderia adentrar a esta residência ferindo um preceito constitucional que protege a sua privacidade individual?

Assentadas as noções supra, resta apenas mencionar que embora estejam previstos no projeto os direitos e os deveres do empregado teletrabalhador, assim como, o foro para dirimir os conflitos em relação aos trabalhadores fronteiriços, outros, dentre os quais referentes à invasão de privacidade, conforme já restou demonstrado não foram abordados nesta proposta.

Conclusão.

Como se vê, o presente artigo tem como objetivo tecer algumas discussões a cerca do teletrabalho, ora marcado pelas transformações tecnológicas que provocaram o encurtamento das distâncias e a flexibilização da jornada de trabalho.

O acesso generalizado aos meios telemáticos contribui para a criação de novos espaços sociais produtivos, ou seja, ocorre um redimensionamento dos limites territoriais em prol do espacejamento dos interesses econômicos e mercantis das organizações.

O desafio dos operadores do direito não se pauta apenas em estabelecer normas que disciplinem as relações de trabalho provocadas pelas inovações tecnológicas. As distorções entre o tempo real e o espaço virtual, que são próprias do trabalho à distância, devem ser contempladas com os direitos sociais mínimos previstos na Constituição da República.

No viés doutrinário, a parassubordinação deve ser difundida através da ampliação do conceito de subordinação. A inclusão deve se dar por meio da relação empregatícia e não sob o enfoque da autonomia.

É importante compreender que o teletrabalhador está contemplado pelos direitos previstos no artigo 7º da Constituição da República, e quando é caracterizado o vínculo de emprego, passa também a ser abrangido pelas regras previstas na Consolidação das Leis Trabalhistas.

Cumpre mencionar que, em decorrência da falta de uma previsão legislativa específica sobre o tema no ordenamento jurídico brasileiro, diversas opiniões doutrinárias e questionamentos sobre o teletrabalho passaram a contribuir para que os direitos sociais destes empregados se tornassem flexibilizados e desregulamentados.

Os projetos de lei são resultados de atividades políticas. Contudo, o Poder Legislativo não pode tender à desproteção dos trabalhadores. Sabe-se que a tentativa de precarização do trabalho proporciona ganhos econômicos com a redução e o enfraquecimento dos direitos trabalhistas. Todavia, o teletrabalho não necessita de uma regulamentação própria com propostas não condizentes aos princípios do Direito do Trabalho, com vistas a perder o seu caráter protetivo.

Certo é que a justiça do trabalho é capaz de solucionar os impasses decorrentes das relações trabalhistas surgidas com o teletrabalho, incorporando as modificações nas relações de emprego advindas do aprimoramento dos meios tecnológicos e das evoluções sociais. Entretanto, não há razões para se regulamentar o teletrabalho, tal como restou previsto no Projeto de lei da Câmara n.o 4505, de 2008 e na Lei n.o 12.551/2011.

Percebe-se que o artigo 8º da Consolidação das Leis Trabalhistas autoriza o julgador, diante de um caso concreto, a utilizar-se da analogia e da equidade. Desta forma, não é necessário um projeto de lei para resguardar este tipo de relação de emprego. É imprescindível, sim, que haja uma constante revisão dos conceitos jurídicos que defendam os direitos dos trabalhadores no decorrer do desenvolvimento das sociedades.

Anteriormente, à promulgação da Lei 12.551/2011, a doutrina, ao tratar do teletrabalho, já interpretava que a subordinação estava presente nesta modalidade laborativa e que restava aí caracterizado o vínculo de emprego.

O que interessa em relação à Lei 12.551/2011 é afirmar que o trabalho à distância sempre foi protegido pelo ordenamento jurídico pátrio. Conforme foi verificado, a referida lei procura especificar o teletrabalho como uma das espécies do trabalho à distância. No entanto, aos trabalhadores devem ser garantidos todos os direitos sociais mínimos previstos na Constituição Federal e nas leis infraconstitucionais.

As alterações que tendem a piorar as condições de trabalho não podem ser admitidas, a exemplo da fixação da jornada do teletrabalho e do não direito as horas extras em longo prazo, que se tornam prejudiciais para a economia e para o bem estar dos trabalhadores.

A especificação do teletrabalho por meio do Projeto de lei da Câmara n.o 4505/2008 não irá ampliar os direitos deste trabalhador. Dessa forma, caberá aos julgadores garantir tais direitos, utilizando-se, em suas decisões da analogia e da equidade, associando-as às novas técnicas de controle advindas da tecnologia contemporânea.

O trabalho à distância, embora tenha existido desde o século XIX, adquiriu grande importância a partir da década de 90 com o advento da internet e dos meios telemáticos de comunicação. Por isso, a dificuldade encontrada por alguns operadores do direito em verificar a subordinação, frente  aos meios teletemáticos que supriram as ordens de comando e controle.

Nítido é que a tecnologia, o tempo, o espaço, o comando, o controle são mutáveis. Entretanto, os elementos caracterizadores do vínculo empregatício sempre serão os alicerces para averiguar a existência de presentes injustiças, no ordenamento jurídico, em se tratando de direitos trabalhistas.

Por fim, resta dizer que o futuro do teletrabalhador depende da garantia e da ampliação desses direitos sociais mínimos previstos constitucionalmente. Em relação ao tele-empregado, o direito à desconexão é primordial para que o mesmo não seja explorado, ao ponto de ser induzido a produzir cada vez mais, sacrificando o seu direito ao lazer e descanso, tornando-se um escravo da era da informação.

 

Referências:
ANDRADE, Pollyanna Vasconcelos Correia Lima de. Teletrabalho no ordenamento o jurídico brasileiro. In Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região: João Pessoa, ano; 2007. mês: 01, n. 1, p. 286
ANTUNES, Ricardo; BRAGA, Ruy. Infoproletários: degradação real do trabalho virtual. São Paulo: Boitempo, 2009.
ANTUNES, Ricardo; ALVES, Giovanni. As mutações no mundo do trabalho na era da mundialização do capital. Educ. Soc., Campinas, vol. 25, n. 87, p. 335-351, maio/ago. 2004
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Notas:

[1] Trata-se de uma reprodução em cujo texto original consta o seguinte: és una forma de organización laboral, que consiste en el desempeño de actividades remuneradas o prestación de servicios a terceros utilizando como soporte las tecnologias de la información y la comunicación (TIC) para el contacto entre el trabajador y la empresa, sin que se requiera la presencia física del trabajador en un lugar específico de trabajo.
[2] MARTINS. Sérgio Pinto. Trabalho à distância. Revista Trabalho & Doutrina p.9. mar, 2000.
[3] BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Autos do processo n. AIRR – 6241-19.2003.5.10.0011, Relator Maurício Godinho Delgado, Data de Publicação: 16.04.2010.

Informações Sobre o Autor

Célio Barros Brant

Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes. Graduado em Direito pela Universidade FUMEC e Graduado em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogado e Professor


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