a responsabilidade civil da escola perante as violências que ocorrem entre os alunos

Resumo: Este artigo versa sobre o tema violências nas escolas e a responsabilidade civil destas, frente à tais casos, especialmente o bullying realizado entre alunos. Para demonstrar tais casos, foi feita uma pesquisa com estudantes que sofrem esses atos violentos. Percebeu-se que, muitas vezes, a escola é omissa perante esses acontecimentos, considerando o bullying como “mera brincadeira de criança”. Entretanto, quando assim agem, cometem ato ilícito, conforme artigo 186 do Código Civil, por não ajudar os alunos vítimas dessas violências. Sendo assim, as escolas devem ser responsabilizadas civilmente, de acordo com o artigo 927, parágrafo único do Diploma Civil, por sua omissão diante de tais casos. Menciona-se isso, posto que, quem dá causa a esses danos, como as escolas fazem, ficam obrigadas a repará-los.


Palavras-chave: Bullying; violências nas escolas; responsabilidade civil; danos morais.


Resúmen: Este artículo se ocupa sobre  el tema violencias en las escuelas y la responsabilidad cível de estos frente a los casos, en especial el bullying realizado en medio a los alumnos. Se observo que a menudo la escuela está em silencio ante estos hechos, teniendo em cuenta la intimidación como “um juego de niños”. Sin embargo, cuando dicho acto, comete um acto ilícito, de acurdo com el artículo 186 del Código Civil, por no ayudar a las victimas los estudiantes de esta violencia. Por lo tanto, las escuelas deben ser civilmente responsable, em conformidad com el artículo 927, parráfo único de la ley cível, por su omisión frente a estos casos. Se menciona que, ya que da causar esos daños, al igual que las escuelas, están obligados a repararlos.


Palavras-llave: Bullying; violencias en las escuelas; responsabilidad civil; daños morales.


Sumário: 1 Considerações Iniciais; 2 – Definições de Violências Escolares; 3 – Casos Fáticos de Violências Escolares; 4 – A Responsabilidade Civil das Escolas; 5 – Considerações Finais; 6 – Referências.


1 – Considerações Inicias


O presente artigo tem por objetivo tratar acerca das violências que ocorrem nas escolas, em especial o bullying entre alunos, bem como da responsabilidade civil dessas instituições de ensino frente a esses acontecimentos. Para isso, este artigo traz fatos, relatados pelos próprios estudantes que sofrem tais violências. Esses relatos foram colhidos em pesquisas realizadas em escolas pelo grupo Afetos Morais. Ainda assim, apresenta-se entrevistas realizadas pelo grupo com diretores de tais escolas.


Após a exposição fática, no presente artigo, passa-se a discutir a responsabilidade civil objetiva dessas instituições de ensino, frente à omissão que as escolas fazem diante dos alunos vítimas de bullying. Sendo assim, será demonstrado que, essas instituições de ensino, podem ser responsabilizadas pelos atos de violências que ocorrem em seu interior.


Dessa forma, este artigo possui três itens. No primeiro, é exposto o que seriam as violências escolares, mais especificamente, o bullying. No segundo, traz-se fatos de como essas violências ocorrem e, por fim, discute-se a responsabilidade civil das escolas perante tais atos.


2 – Definições de Violências Escolares


O ambiente escolar é um espaço social permeado pelas múltiplas possibilidades de convivência com o outro. Entretanto, nessa convivência, muitas vezes, surgem problemas. Dentre os problemas mais significativos vivenciados, destacam-se  atos de violências nas escolas que, nos últimos anos, adquiriu elevado crescimento em todas as sociedades, bem como em todos os níveis de escolaridade.


Percebe-se, portanto, que tais atos de violências, geralmente ocorrem entre alunos. Morais (1995, p. 44) explica que: “a violência é um vocábulo polissêmico, dotado da complexidade de sentidos.” Essa afirmação perpassa, portanto, pelos múltiplos significados, sentidos e entonações, que cada indivíduo, cada cultura, pesquisador ou pensador entende por violência. Entretanto, é certo que esses atos de violências geram em sua maioria das vezes, danos físicos e morais. Verifica-se isso, pois, etimologicamente, a palavra violência tem sua origem no latim violentia, do verbo violare que significa uso da força; tratar com violência, profanar, exercer violência sobre; forçar; coagir; constranger; torcer o sentido de; transgredir. Refere-se também ao constrangimento físico ou moral. Dessa forma, há violência quando um limite é ultrapassado, bem como quando se “perturba acordos tácitos adquirindo carga negativa ou maléfica. É portanto a percepção do limite e da perturbação (ou do sofrimento que provoca) que caracteriza um ato como violento, percepção essa que varia cultural e historicamente.” (ZALUAR, 1999, p. 03).


Ao pesquisar as interfaces das violências, Michaud (1989, p.19) escreve que


“Há violência quando, numa situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas.”


Sendo assim, de alguma maneira, as violências na escola, de acordo com a visão jurídica e psicológica, causam danos físicos e morais nas vítimas. Como exemplo disso, tem-se as agressões verbais, como os deboches, piadinhas, além de agressões físicas, como tapas, chutes, entre outras ações violentas. E, esses atos, tanto podem ocorrer pessoalmente ou por via de aparelhos eletrônicos, como o celular, ou então, em redes sociais, como Orkut e facebook.


Analisando esse contexto, tais atos violentos podem ser caracterizados como bullying, termo utilizado para designar as práticas de agressão tanto físicas quanto moral ou psicológica entre estudantes. Ampliando um pouco mais esse conceito, Fante (2005, p. 28-29) esclarece que,


“Por definição universal, bullying é um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivação evidente, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angustia e sofrimento. Insultos, intimidações, apelidos cruéis, gozações que magoam profundamente, acusações injustas, atuação de grupos que hostilizam, ridicularizam e infernizam a vida de outros alunos levando-os à exclusão, além de danos físicos, morais e materiais, são algumas manifestações do comportamento bullying.”


Segundo os pesquisadores deste fenômeno, as vítimas geralmente constituem-se no tipo “bode expiatório”, ou seja, são indivíduos pouco sociáveis, com pouco status ou habilidades para reagir ou fazer cessar os ataques. Apresentam, geralmente aspecto físico mais frágil que o de seus companheiros e, por isso, medo em reagir contra seus agressores; extrema sensibilidade, timidez, passividade e submissão, insegurança, baixa autoestima, alguma dificuldade de aprendizado, ansiedade e aspecto depressivo. (FANTE, 2005). Desse modo, segundo Tognetta (2004), aos poucos, a vítima vai se isolando do grupo, pois não obtém ajuda de nenhum de seus companheiros, tampouco consegue defender-se sozinha. Os demais colegas, temendo que sua reputação seja ameaçada ou que se transformem nas próximas vítimas, evitam estar em companhia do alvo das gozações. Assim, a vítima tomada pela sua insegurança, acaba por internalizar a ideia de que é assim mesmo e não denuncia seu sofrimento.


Acerca dessas violências, na grande maioria das vezes, a escola nada faz para inibir ou cessá-las. Isto é, parece que a escola, muitas vezes trata o bullying como “mera brincadeira de criança”. Quando faz isso, não cumpre seu papel enquanto uma instituição que deveria promover a educação e afastar seus alunos das violências. Como exemplo dessas violências, tem-se os resultados obtidos no projeto de pesquisa intitulado “Os conflitos e os sentimentos presentes na relação pedagógica e seus entrelaçamentos na construção da personalidade moral”[i] Esses resultados especialmente nos anos de 2006 a 2011, destacaram o crescente aumento das violências nas relações interpessoais em escolas de Santa Maria – RS, como também, em outras escolas no Estado do Rio Grande do Sul. Os alunos pesquisados ressaltaram a existência de várias formas de violências na escola. Para eles, elas estão presentes em todos os segmentos, destacando-se a presença do bullying nas relações de alunos sobre outros alunos e de professores sobre os alunos. Dessa forma, no próximo item, serão mostrados como essas violências ocorrem.


3 – Casos Fáticos de Violências Escolares


Nesse sentido, apresentam-se dois fatos da ocorrência do bullying em duas escolas da cidade de Santa Maria. O primeiro fato provém da observação realizada pela coordenadora do projeto em uma turma de alunos da 4ª série do Ensino Fundamental de uma instituição privada de ensino, ao longo de um ano letivo, entre os meses de abril a dezembro. Durante esse período, foram observadas as relações interpessoais entre os alunos e sua professora e, ficou evidenciado que uma aluna de 10 anos enfrentava, na sala de aula gozações e chacotas relativas à sua aparência física, pois estava bastante acima do peso para sua idade e altura. Para ilustrar esse fato, apresenta-se duas cenas ocorridas na escola. Na primeira, a professora propõe um trabalho de grupo entre os seus alunos. Ela divide os alunos em grupos e, um menino faz comentários sobre “alguém” não vir para o seu grupo. A professora ouve e interfere no assunto dizendo: “Todos aqui são iguais e já se conversou sobre isso”.


Quando a menina que sofria bullying é colocada pela professora em um grupo diferente do aluno citado acima, percebeu-se que o mesmo ficou muito feliz. Ele levantou os braços, socou o ar, vibrando pelo fato da colega não ter sido escolhida para integrar o grupo onde ele se encontrava. Outros dois alunos sorriram e repetiram os gestos feitos por esse menino.


A segunda cena tem por objeto fazer um relato do que aconteceu na sala de aula, quando a professora saiu. Nesse momento, alguns alunos fizeram comentários sobre o filme que passara na TV, na noite anterior: “Free Willy 3”. O mesmo menino que na cena anterior socou o ar, olhou para a menina que sofreu anteriormente o processo de exclusão no trabalho em grupo, falando que no basquete iria chamá-la de “Willy”, “Vai Willy”, “A (nome da menina) deve voltar para o mar”. Nesse momento, outra menina da turma ao ouvir as palavras desse menino, fez a seguinte observação: “Se ela é baleia, nós somos os peixinhos”.


Nesse sentido, observou-se que a menina excluída não gostou dos comentários e, por isso fez menção de bater com o lápis no menino que a rejeitava. Ele virou-se para trás e também levantou seu braço dizendo: “Willy, Willy, Willy […]”. Outro menino riu muito ao assistir essa cena. A professora retornou para a sala de aula e o menino que fazia esses comentários calou-se por um tempo. Logo em seguida tornou a fazer comentários sobre a baleia.


Expostas as duas cenas relativas ao primeiro fato, passa-se ao segundo fato que demonstra o bullying em observações realizadas por um membro do grupo Afetos Morais, em uma escola municipal. Durante as observações, percebeu-se que havia uma menina vítima de apelidos e gozações por parte de seus colegas, mais especificamente das meninas. Elas chamavam-na de “cabelo de fogo”, o que estava imbuído de um sentido pejorativo. Ainda algumas meninas se referiam a ela com a expressão “cocô de rato”. Quando foi perguntado a uma das colegas dessa menina, o porquê de tal apelido, obteve-se como resposta: “Ah, porque ela é cabelo de fogo!”. Observou-se que dentre as meninas ela era a única que possuía cabelo ruivo, motivo pelo qual – uma característica diferente das demais colegas – teria lhe rendido tal apelido. Houve um dia em que a menina chamada de “cabelo de fogo” não quis ir ao pátio com seus colegas. Ao se investigar o motivo dessa atitude da aluna, percebeu-se que ela optou por não ir ao pátio em virtude de uma de suas colegas lhe chamar pelo apelido. A aluna expressou-se dessa maneira: “A (nome da menina) começou a me chamar de cabelo de fogo, daí eu falei para a professora e ela disse: ‘ah! Deixa, não dá bola’, e não fui para o pátio”. Sendo assim, foi perguntado à aluna, o que ela faz quando chamam por esse apelido. A resposta dada a essa questão, foi a seguinte: “Aí eu não posso… eu não sei o que falar para ela, daí eu não falo nada, fico quieta”. Ainda assim, esta aluna disse que “fica triste e chateada” com os apelidos.


Essa fala, além de revelar mais uma característica das vítimas de bullying – a incapacidade de defesa – revela, também, que a escola, através da professora, se mostra omissa, posto que, quando a aluna procurou ajuda, obteve a resposta de que “não era para dar bola”.


Esses dois fatos apresentados, demonstram o quanto o bullying se encontra presente nas relações interpessoais na escola. Ainda pode-se notar a omissão da professora, bem como da escola, em procurar resolver situações que geram danos psicológicos em seus alunos. Desse modo, muitas vítimas de bullying estão procurando o Poder Judiciário para pedir um ressarcimento pelos danos sofridos. Esses ressarcimentos podem ser entendidos como indenizações, sejam elas por danos materiais ou morais pelo fato de que as escolas não estão proporcionando a devida atenção para com as vítimas de bulliyng. Percebe-se isso, posto que,


“Os valores morais […] [transmitidos pela escola não atendem] aos reais interesses de uma vida coletiva que se pretendesse justa, democrática e solidária. […] O que se constata é a injustiça e a desigualdade.” (ARAÚJO e AQUINO, 2001, p. 9-10).


Quando isso ocorre, pode-se falar em responsabilidade civil das escolas por essas violências, posto que, essas instituições de ensino “naturalizam a exclusão de ideias e pessoas.” (ARAÚJO e AQUINO, 2001, p. 10). Sendo assim, no próximo item, isso será discutido.


4 – A Responsabilidade Civil das Escolas


Nesse item, será discutida a responsabilidade civil das escolas, pois as pessoas que vivem em sociedade e aceitam determinadas regras sociais, como também,


“As obrigações anímicas impostas pela moral e pela ética, enquanto compromissos supralegais, e pelo regramento institucional imposto pelo tegumento social, expresso no Direito Positivo, assumem o dever de não ofender, nem de lesar, causar dano ou prejuízo sem que tenham justificativa ou eximente, expressamente prevista na legislação de regência”. (STOCO, 2004, p. 120).


Isso leva a crer que, a escola como está inserida em uma sociedade que possui determinadas regras e obrigações para com seus membros, ela não pode se omitir dessas normas, quando um aluno, ou um determinado grupo de alunos que está sob os seus cuidados e responsabilidade sofrer bullying. Verifica-se isso, posto que, Tognetta e Vinha (2008, p. 204-205), mesmo afirmando que o bullying, embora seja um acontecimento particular entre os alunos, as escolas não podem se omitir frente à isso. Enfatiza-se essa omissão, pois


“Talvez essa seja a explicação maior para que a escola tenda a “fechar os olhos” para essa problemática, já que costuma tratar do que é público. Entretanto, tal afirmação parece revelar certa docotomia entre o que a escola “deseja” e o que realmente “faz”. Há dois lados em jogo nessa mesma questão: o primeiro diz respeito ao fato de que a escola objetiva e necessita ser o espaço de inserção de intimidade de que a família é caracterizada. No entanto, tal instituição educativa não contribui para que os alunos possam pensar no que é público e, ainda, traduz em ações a ideia de que o que é público não é bom. Infelizmente, a escola ainda não reconheceu o valor de uma assembléia ou de uma avaliação ao final do dia em que os alunos são convidados a elencar os problemas de convivência que tem e buscar soluções conjuntas. Se não o faz, a escola parece destituir a importância do que é público.”


Essas ideias representam o fato de que a escola não promove a devida atenção aos casos de bullying, porquanto ela é uma instituição pública. Sendo assim, quando a escola não consegue administrar os atos de violências que ocorrem em seu interior, não pode ficar imune se recair sobre ela uma demanda onde a(s) vitima(s) requer(em) indenização pelo dano sofrido. Sendo assim, Stoco (2004, p. 120) entende que


“A responsabilidade, embora ancorada no mundo fático tem sustentação jurídica. Depende da prática de um ato ilícito e, portanto, antijurídico, cometido conscientemente, dirigido a um fim, ou orientado por comportamento irrefletido, mas informado pela desídia, pelo açodamento ou pela inabilidade técnica, desde que conduza a um resultado danoso no plano material ou imaterial ou moral.”


Analisando tais palavras, com o intuito de transpor para os casos fáticos que ocorrem na escola, como as violências, tem-se que elas, pelo teor de sua ação, torna-se um ato ilícito, que gera um dano a outrem. Por tais motivos é que as violências cometidas de um aluno contra outro, dentro da escola, como o bullying, por exemplo, podem ser entendidas como um ato ilícito conforme o art. 186 do Código Civil, que assim se expressa: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”


Sendo assim, como a escola é responsável por seus alunos, de alguma maneira, também é responsável pelos atos de violências que um aluno venha a cometer contra o outro. Isso ocorre, pois devido às interações sociais entre os colegas, quando se alcança “direito de terceiro, ou fere-se valores básicos da coletividade, o agente [causador do dano] deve arcar com as conseqüências, sem o que impossível seria a própria vida em sociedade.” (STOCO, 2004, p. 128). Portanto, para se configurar esse ato ilícito, é necessária a existência de uma ação (o ato de violência, o bullying), bem como a violação da ordem jurídica, sem olvidar na imputabilidade e na penetração na esfera de outro indivíduo. Assim, “deve haver um comportamento do agente, positivo (ação) ou negação (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste.” (STOCO, 2004, p. 129).


Diante disso, quando um aluno ou grupo de alunos debocha de outrem, faz piadinhas, entre outros atos dentro da escola, um dano moral no colega, até porque, essa espécie de dano “corresponde à ofensa causada à pessoa a parte subjecti, ou seja, atingindo bens e valores de ordem interna ou anímica, como a honra, a imagem, o bom nome, a intimidade, a privacidade, enfim, todos os atributos da personalidade.” (STOCO, 2004, p. 130). Por tais motivos, também, que a escola se torna responsável, mesmo que objetivamente, por esses atos. Fala-se isso, posto que,


“Na responsabilidade objetiva a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, desde que exista relação de causalidade entre o dano experienciado pela vítima e o ato do agente, surge o dever de indenizar, quer tenha este ultimo agido ou não culposamente. A teoria do risco é a da responsabilidade objetiva. Segundo essa teoria aquele que, através de sua atividade, cria um risco de dano para terceiros deve ser obrigado a repará-lo, ainda que sua atividade e o seu comportamento sejam isentos de culpa. Examina-se a situação, e, se for verificada, objetivamente, a relação de causa e efeito entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima, esta tem direito de ser indenizada por aquele.” (RODRIGUES, 2002, p. 11).


Sendo assim, a escola, quando não consegue resolver e inibir as violências, como o bullying em seu ambiente, precisa ser responsabilizada, mesmo que objetivamente, por tais condutas. Verifica-se isso, pois, durante a pesquisa realizada pelo grupo Afetos Morais, percebeu-se, através de entrevistas com diretores de escolas, que eles, realmente se esquivam em dar assistência pedagógica para as vítimas de bullying. Prova disso, encontra-se nas seguintes respostas dos diretores quando lhes foi indagado acerca da importância que eles dariam aos alunos vítimas de bullying:


Diretor 1 – “Deveria ser mais trabalhado. Porque embora não cause problemas maiores, acaba perturbando o trabalho em geral e em especial, a pessoa que leva o apelido. Se a criança é tímida, às vezes, até começa a faltar a aula e dependendo até desiste”.


Diretor 2 – “É um comportamento negativo, não é saudável. Aqui na escola tem muito cabeça. Além de rotular a pessoa é muito constrangedor e gera briga polêmica. Tivemos um aluno que desistiu das aulas pelo constrangimento, era chamado de macaco, pretinho, acabou desistindo”.


Nota-se através das respostas dos diretores que, realmente, a escola não faz questão em resolver casos de violências escolares, em especial o bullying. Prova disso, caracteriza-se pela desistência dos estudantes em continuar indo à escola. Com essa atitude, muitas escolas além de estarem sendo omissas nesses casos colaboram com a exclusão das diferenças, seja na sociedade, quanto em seu próprio ambiente. Expõe-se isso, posto que, todos os indivíduos, ao mesmo tempo em que são iguais, são diferentes. Ou seja, mesmo diversas, todas as pessoas são iguais em dignidade. Desse modo, Araújo e Aquino (2001, p.34) deduzem que


“Ser igual não é sinônimo, em absoluto, de ser identico. Em outras palavras, somos todos, em algum momento, parte de uma moniria. Por essa razão, toda forma de preconceito, seja sob a forma de racismo, sexismo, moralismo ou intolerância, deve ser fortemente combatida. Assim, o respeito às diferenças e a convivência pacífica tomam o lugar da estranheza e da discriminação.”


Se esses atos de discriminação acontecem nas escolas e, ainda, quando os professores e diretores os normalizam, dizendo que o bullying é “brincadeira de criança”, assumem o risco de dano entre seus alunos. Assim, fica obrigada a repará-lo. Isso é o que o art. 927, parágrafo único do Código Civil expressa: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”


Nesse sentido, já que a escola, muitas vezes, não consegue melhorar a convivência entre os seus alunos, é a ciência jurídica tem um imenso papel: que é o de restaurar um pouco da dignidade da vítima, concedendo-lhe uma indenização para tentar amenizar o sofrimento, pelo qual ela passou. Como exemplo disso, tem-se o fato de um menor que foi agredido no interior da escola. Para isso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ/SP) assim se pronunciou:


“Indenização e responsabilidade civil por dano moral. Menor que foi agredido e humilhado em estabelecimento escolar. Alegação da ré de que o fato foi simples brincadeira no pátio da escola. Ausência de vigilância de quem tem obrigação de zelar pela integridade física e moral dos alunos. Procedência decretada. Recurso desprovido”. (TJ/SP – 7ª Câmara de Direito Privado. Apelação Cível. Rel. Benini Cabral. Julgado em 01.04.1998).


Mesmo entendimento possui o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, quando se pronunciou:


RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATEIRIAS E MORAIS. AGRESSÃO FÍSICA SOFRIDA POR MENOR NO INTERIOR DO ESTABELECIMENTO DE ENSINO. DANOS MORAIS, NO CASO, RECONHECIDOS COMO IN RE IPSA. DANOS MATERIAIS QUE GUARDAM RELAÇÃO COM O EPISÓDIO SUFICIENTEMENTE COMPROVADOS. Comprovado nos autos que as agressões sofridas pelo menor se deram no interior do estabelecimento de ensino demandado, a responsabilidade deste se estende durante todo o tempo em que os alunos nele permaneçam. Responsabilidade dos estabelecimentos de ensino com relação aos danos causados em seus alunos, por se tratar, no caso, de prestação de serviços (incidência do disposto no art. 14 do CDC). Presentes, como no caso, os requisitos configuradores da responsabilidade civil, surge, para a demandada, o dever de indenizar, porque deu causa ao dano sofrido pelo autor. Demonstrada, no caso, a omissão de cuidados da instituição de ensino demandada com o aluno, que se encontra sob sua responsabilidade, responde o mesmo de forma objetiva, até porque ausente qualquer causa excludente de responsabilidade. Dano material evidenciado em relação às despesas e que guardam relação com a agressão sofrida pelo menor demandante. Indenização não deve ser em valor ínfimo, nem tão elevada que torne desinteressante a própria inexistência do fato. Atenção às particularidades das circunstâncias fáticas na manutenção de equivalência de valores entre lides de semelhança natureza de fato e de direito. Indenização reduzida. Apelação provida em parte. Decisão unânime”. (Apelação Cível nº 70043934215, Décima Câmara Cível. Tribunal de Justiça do RS. Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana. Julgado em 29/09/2011).


Pelas jurisprudências, percebe-se que, se um aluno é vítima de bullying no ambiente onde estuda, o Poder Judiciário não pode se omitir e precisa responsabilizar a escola por tais atos de violências. Nota-se isso, posto que, o estabelecimento de ensino, quando não procede com a devida atenção o que se passa em seu interior, assume o risco pelos atos de seus alunos e, portanto, necessita ser responsabilizada por eles.


5 – Considerações Finais


Conforme visto, este artigo procurou trabalhar com o tema violências na escola, mais especialmente o fenômeno bullying, bem como acerca da responsabilidade civil objetiva que envolve a escola frente a esses casos. Percebe-se que, nos casos observados pelo grupo Afetos Morais, relatados nesse artigo que, muitos alunos são vítimas de violências escolares por parte de colegas de aula.


Verificou-se, ainda, que, ambos os exemplos, a equipe diretiva ou mesmo os professores responsáveis por coibir essas violências, nada fizeram. Isto é, permaneceram omissos diante dessas situações. O mesmo transpareceu nas entrevistas que foram feitas com os diretores. Para eles, mesmo admitindo que o bullying não é um comportamento saudável, parece ser normal um aluno sofrer essa violência e até desistir de ir à escola, estudar devido a isso.


Dessa forma, tanto nos casos relatados, quanto nas entrevistas com os diretores, resta clara a omissão deles perante os alunos que sofrem violências nas escolas, em especial, o bullying. Cabe mencionar que essas violências, por atingirem a integridade psicológica das vítimas, causam-lhes danos morais, o que, nesses casos, é possível falar em indenizações.


Sendo assim, como as escolas, enquanto os alunos estão em suas dependências, são responsáveis por zelarem tanto pela integridade física quanto moral deles, elas não poderiam se omitir em casos de violências entre eles. É por tais motivos que, nesses casos, as escolas podem e devem ser responsabilizadas civilmente por essas condutas. Expõe-se isso, posto que, a atitude das escolas, nesse momento, torna-se um ato ilícito (omissão) e que gera dano a outrem (aluno lesado por outro, em função do bullying), fazendo com que as escolas assumam a responsabilidade por seus atos.


 


Referências

ARAÚJO, Ulisses F., AQUINO, Júlio Groppa. Os direitos humanos na sala de aula: aética como tema transversal. São Paulo: Moderna, 2001.

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. São Paulo: Saraiva, 2011.

FANTE, Cléo. Fenômeno Bullying: como prevenir a violência e educcar para a paz. 2ªed. Campinas: Verus Editora, 2005.

MICHAUD, Y. A violência. São Paulo: Ática, 1989.

MORAIS, Régis de. Violência e educação. Campinas: Papirus, 1995.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil: Responsabilidade civil. v. 4. São Paulo: Saraiva, 2002.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 6ªed. rev. atual. amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

TOGNETTA, Luciene Regina Paulino. A construção da solidariedade e a educação do sentimento na escola. Campinas: São Paulo: Mercado das Letras, 2004.

_____. e VINHA, Telma Pileggi. Estamos em conflito: Eu, comigo e com você! Uma reflexão sobre o bullying e suas causas afetivas. In: CUNHA, Jorge Luiz da; DANI, Lúcia Salete Celich. (orgs.). Escola, Conflitos e Violências. Santa Maria: Editora UFSM, 2008.

ZALUAR, A. M. Um debate disperso: violência e crime no Brasil da redemocratização. Revista São Paulo em Perspectivas. São Paulo, v. 13, nº 3, p. 03-17, 1999.

 

Nota:

[i]O projeto teve seu inicio no ano de 2004 e encontra-se em andamento até o presente momento. É o projeto “guarda-chuva” do Grupo de Estudos em Afetividade e Moralidade – Afetos Morais. Está registrado no Gabinete de Projetos do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria – RS. É coordenado pela Profª. Drª. Lúcia Salete Celich Dani.


Informações Sobre os Autores

Lúcia Salete Celich Dani

Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Educação, da Universidade Federal de Santa Maria – RS. (UFSM). Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Coordenadora do Grupo de Estudos em Afetividade e Moralidade – AFETOS MORAIS na Universidade Federal de Santa Maria.

Grasiela Cristine Celich Dani

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria – RS (FADISMA); Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria – RS; Especializanda em Direito de Família e Sucessões pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA- Santa Maria). Integrante do Grupo de Estudos em Afetividade e Moralidade – AFETOS MORAIS na Universidade Federal de Santa Maria – RS


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