A responsabilidade pressuposta à luz do princípio da dignidade da pessoa humana e da aplicação do mise en danger

Resumo: Trata-se de uma breve análise da tese de livre docência desenvolvida por Giselda Hironaka sobre a Responsabilidade Civil Pressuposta. Em suma, descreve-se sobre a ascenção e a decadência da responsabilidade civil ao longo dos anos. A análise de seu conceito e de seus elementos tronam-se essenciais para a compreensão do assunto. baseia-se na tese do mise en danger, desenvolvida no europa por grandes doutirinadores, em que a responsabilidade civil baseada na culpa torna-se insuficiente diante da nova realidade social e jurídica
Sumário:1. Evolução histórica da Responsabilidade Civil. 2 Conceito, Elementos e Pressupostos da Responsabilidade Civil. 3. Responsabilidade Objetiva X Responsabilidade Subjetiva. 4.Responsabilidade Civil Pressuposta: Responsabilidade sem Culpa à Luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana.


1. Evolução histórica da Responsabilidade Civil


Muitas das vezes a história do Direito é tratada com desdém por aqueles que enveredam na leitura do próprio instituo. No entanto, essa erudição historiográfica, mesmo que mais incomode que informe, se faz necessária, já que em um desenrolar científico que se pretenda servirá de instrumento para o pensamento seguinte, não se revelando num valor em si mesmo.


Portanto, adentraremos na história da responsabilidade civil com o fito de nos tornarmos menos “pobres” e ao mesmo tempo, menos dogmáticos, revelando o nexo entre o Direito de antescom o Direito de agora.


A criação do instituto da responsabilidade civil foi fruto da evolução do Direito Romano. Daí decorre a importância desse para o ordenamento jurídico pátrio, devido o fato de ter contribuído de forma significativa, para o desenvolvimento do referido instituo jurídico (BRITTO, 2009).


Entretanto, o homem natural, assim denominado antes do aparecimento do Estado como instituição reguladora da vida em sociedade, movido pelos seu desejos, principalmente os pertencentes à propriedade, agia por seus instintos para repelir ameaças ao seu patrimônio, reagindo de maneira imediata e brutal ao possível dano. Essa fase ficou conhecida como fase da vingança privada (MIGUEL, 2009).


Porém, a doutrina reconhece um período que antecedeu a fase da vingança privada, denominado designado vingança coletiva, ou seja, “[…] reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes.” (DINIZ, 2002, p.9).


O Código de Hamurabi – 2.500 a.C – permitia que o lesado reagisse “legalmente” à ação sofrida, mesmo que de maneira proporcional entre o dano e aquela ação, cujo respaldo se encontrava na lei de Talião: “olho por olho, dente por dente” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2005).


O instituo da retaliação foi fruto de uma significativa evolução da responsabilidade civil, pois que na vingança privada os excessos eram comuns, enquanto naquela a intervenção do Estado impunha limites e determinava o legitimado a reagir bem como os limites de sua reação.


Segundo Diniz (2002), a partir do aparecimento da retaliação por intermédio do Estado, é possível notar os primeiros resquícios da responsabilidade civil objetiva, na medida em que o lesado somente reagia ao dano sofrido sem nem mesmo haver comprovação da culpa do agente.


Em seu magistério, Dias (2006), nos ensina que a composição foi instituto sucessor da retaliação no cerne da evolução da responsabilidade civil Porém. A composição, segundo o mesmo autor, teve sustentáculo na Lei das XII Tábuas, que ainda inspirou o surgimento de outras legislações.


A principal característica da composição é a forma de resolução dos litígios, na medida em que, vítima e ofensor acordam o modo de solucionar a questão, o que geralmente se dava pelo pagamento de quantia certa em dinheiro, a chamada “poena” (DINIZ, 2002).


Observe-se que com a composição é que nasce a reparação, ou seja, a obrigação de reparar o lesado, culminando, assim, no que chamamos hodiernamente de responsabilidade civil propriamente dita.


A partir daí a conduta do agente e a forma como o lesado busca resolver o dano sofrido permeia o campo da legalidade e do bom senso, isto é, a intervenção do Estado ditando normas e a própria evolução natural do homem fizeram com que se vislumbrasse um instituo jurídico capaz de resolver as controvérsias pertinentesà área da responsabilidade civil.


Outro problema se deu quanto a possibilidade reparação de dano sofrido em coisa alheia. Mas, a doutrina entende que só com a Lex Aquilia de damno(sec. III a.C) essa possibilidade passou a ser desenvolvida, recebendo o proprietário da coisa, a priori, o valor do dano efetivamente causado (Moura, 2009).


Com a Lex Aquilia de damno, nasce o que se entende por responsabilidade civil delitual ou extracontratual, importante marco da evolução da responsabilidade civil, também denominada, em virtude do próprio nome “Lex Aquilia de damno”, de responsabilidade civil aquiliana, que derivou do instituo da culpa aquiliana.


Segundo Britto (2009), concomitantemente ao surgimento da própria “Lex Aquilia de damno”, surge, também, a responsabilidade subjetiva, ou seja, uma espécia dentro do gênero da responsabilidade civil que pautava-se na culpa do autor da conduta ilícita.


A chamada responsabilidade civil subjetiva elevou o surgimento do elemento da culpa ao campo de estudos da própria responsabilidade civil, desembocando, assim, na posterior diferenciação, por óbvio, de responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva.


Posteriormente, segundo Britto (2009), em contínua evolução histórica, surge o Código Napoleônico de 1804, que influenciou decisivamente nos estudos da responsabilidade civil dentro do próprio texto normativo do Código Civil de 1916, que tratou do referido instituto em seu art. 159, que estabelecia: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.” (BRASIL, 2009a).


Segundo o autor supracitado, em decorrência da evolução da responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva e a posterior inserção dessas no Código Civil de Napoleão, o ordenamento jurídico brasileiro, mais precisamente o Código Civil de 2002 reconhece, expressamente em seu art. 927, as duas espécies de responsabilidade, isto é, a responsabilidade subjetiva, com a devida comprovação da culpa e a responsabilidade objetiva, que existe independentemente de culpa. Senão vejamos


Art.927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.


Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem” (BRASIL, 2009b, p176).


Observa-se no caput do referido do artigo o tratamento da responsabilidade civil estribada na culpa, ou seja, a responsabilidade civil subjetiva, posto que a remissão ao artigo 186 como prática de ato ilícito revela que o mesmo é aquele causado por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, que são espécies do gênero culpa. Por outro lado, o parágrafo único do artigo supracitado revela a responsabilidade objetiva, na medida em que nos revela a expressão “independentemente de culpa”.


2 Conceito, Elementos e Pressupostos da Responsabilidade Civil


Antes de tecermos comentários acerca do conceito e dos pressupostos da responsabilidade civil, faz-se necessária uma diferenciação entre os instituto da responsabilidade e da obrigação.


Assim, por não fazer parte do escopo da presente tese, passaremos diretamente a essa diferenciação. Assim, no que concerne à distinção entre obrigação e responsabilidade, Lima (2009) entende-se ser a obrigação um dever moral e jurídico, enquanto que a responsabilidade um dever jurídico consequente do dever-ser, consoante ao bem comum, qual seja a pacificação social.


Na lição de Silva (2007), mesmo sendo sabido que a responsabilidade civil é originária do Direito romano, o termo “responsabilidade” advém do latim respondere, cujo significado traduz-se na obrigação de responbilizar-se (seja legalmente ou contratualmente imposta), embora haja discussão sobre a etimologia do termo (que não nos cabe relatar).


 Ainda segundo o autor retrocitado, a responsabilidade está intimamente ligada a obrigação, como já visto, pois quem responsabiliza se obriga a alguma coisa, imposta de forma legal, em que há imposição de não se causar dano a outrem (obrigação de não fazer), ou imposta de forma contratual quando do seu inadimplemento.


Para Gagliano e Pamplona Filho (2005), entende-se por responsabilidade civil “[…] a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar)”.


Ainda segundo o autor supracitado três são as funções da responsabilidade civil que se resume em três, “[…] compensatória do dano à vítima; punitiva do ofensor; e desmotivação social da conduta lesiva”, embora a doutrina ratifique apenas as duas primeiras.


Tendo sido apresentadas as funções da responsabilidade civil, ainda segundo Gagliano e Pamplona Filho (2005) o sentido jurídico da responsabilidade civil combina três elementos essenciais: a conduta humana; o dano, oriundo da ação ou abstenção; nexo de causalidade, que é o liame entre a conduta e o dano. Assim, a não existência de qualquer desses elementos causará a extinção da responsabilidade civil.


Destaque-se que, inobstante defendermos que são três os elementos de toda e qualquer responsabilidade civil (conduta, nexo causal e dano), há autores que sustentam posicionamento contrário como é o caso de Cavalieri Filho (2007), Stoco (2007) e Dias (2006), que defendem que a conduta humana deve ser culposa. No entanto, nos parece claro que o elemento culpa não é essencial, porquanto haja a possibilidade de haver obrigação de indenizar sem necessidade da prova do elemento culpa.


De acordo com o magistério de Gagliano e Pamplona Filho (2005), no que concerne à conduta humana, esta abarca apenas a ação ou omissão humana, já que apenas este pode ser capaz de adquirir direitos e deveres. O ato volitivo é elemento essencial, sem o qual não restará presente a obrigação de ressarcir o prejuízo, mas dispensa o dolo, haja vista termos dito poderá haver obrigação de indenizar mesmo que não verificado o elemento culpa.


Tendo sido feitas as considerações necessárias (porém pouco aprofundadas) acerca do elemento “conduta” para configuração da responsabilidade civil, passaremos alhures, ao estudo do elemento do dano. Nesse sentido, assevera Cavalieri Filho (2007, p.71)


“[…] o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc.”


Na lição supracitada destacamos que o autor não deixa escapar de sua narrativa acerca do elemento ora estudado, uma espécie de dano protegido pelo Constituição Federal de 1988, quando escreve a expressão “personalidade da vítima”, o dano moral, contemplado no art. 5º, X, CF/88 “[…] são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação […]” (BRASIL, 2009c, p.24).


Como dito, a ausência de qualquer dos elementos caracterizadores da responsabilidade civil (conduta, nexo causal e dano), impossibilita a caracterização da própria responsabilidade, portanto, imprescindível para que se possa indenizar a vítima, a presença do dano, no sentido de haver prova da efetiva diminuição do patrimônio.


Nesse sentido como bem preceitua nosso Código Civil que prerroga no caput do art. 927, “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2009b, p. 176), embora seja possível que o dano tenha sido causado por caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima, que são excludentes da responsabilidade civil.


Tendo sido explana as considerações necessárias para o entendimento do elemento dano, no que concerne ao elemento nexo de causalidade, há na doutrina algumas teorias acerca do referido elemento: a teoria da equivalência das condições, teoria da causalidade adequada e teoria da causalidade direta ou imediata.


Entretanto, por não fazer parte do objetivo essencial desta tese, passamos, de plano, a revelar qual das teorias é adotada no ordenamento jurídico brasileiro, embora haja grandes divergências na doutrina, embora a doutrina brasileira adote a teoria da causalidade adequada.


No que se refere ao nexo de causalidade, temo o magistério de Cavalieri Filho (2007, p.46), preleciona que na responsabilidade civil


“Não basta, portanto, que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco que a vítima tenha sofrido um dano. É preciso que esse dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma necessária relação de causa e efeito. Em síntese, é necessário que o ato ilícito seja a causa do dano, que o prejuízo sofrido pela vítima seja resultado desse ato, sem o que a responsabilidade não correrá a cargo do autor material do fato. Daí a relevância do chamado nexo causal.”


A posição colocada acima é de simples entendimento, pois revela, mais uma vez que é estritamente necessário a presença dos três elementos para caracterizar a responsabilidade civil, já que se, por exemplo, não houvesse o nexo causal entre a conduta e o dano, a aplicação da responsabilidade civil não acharia campo de incidência, sendo, portanto, temerária. Assim, o nexo causal se revela no elo de ligação entre a conduta o dano e o dever de indenizar a vítima da ação de agente determinado, e determinado pelo nexo casual.


Nessa perspectiva o elemento nexo causal se apresenta como o mais importante dos elementos constitutivos da responsabilidade civil, por ser este a linha tênue existente entre a ação e o dever de reparar o dano, visto que de nada adianta a conduta humana e o dano se este não decorreu daquela conduta que é determinado pelo próprio nexo causal.


Por fim, observa-se que na verdade são os três elementos, conduta humana, dano e nexo causal, indispensáveis por serem todos essenciais para caracterização da responsabilidade civil.


Por não fazer parte do intuito desta pesquisa temas como ato ilícito e responsabilidade civil contratual ou extracontratual, não serão aqui abacados, cabendo, apenas, por imperiosa necessidade de se esclarecer acerca dos principais desdobramentos da responsabilidade civil, discorrermos sobre responsabilidade civil objetiva e subjetiva.


3. Responsabilidade Objetiva X Responsabilidade Subjetiva


Tendo em vista o discorrido acerca da responsabilidade civil, andentraremos nas suas ramificações baseadas nas teorias da culpa e do risco que determina quando a responsabilidade pelo dano a outrem causado será objetiva ou subjetiva.


A responsabilidade objetiva não precede do elemento culpa para se configurar, ou mesmo sua presunção, na medida em que é calcada na teoria do risco, elencada pelo parágrafo único do art.927 do Código Civil brasileiro (BRASIL, 2009b), que tem como fundamento o risco apresentado na atividade exercida pelo autor do dano e não num ato ou comportamento isolado.


De acordo com o Diniz (2002)


“[…] todo aquele que desenvolve atividade lícita que possa gerar perigo para outrem deverá responder pelo risco, exonerando-se o lesado da prova da culpa do lesante. A vítima deverá apenas provar o nexo causal, não se admitindo qualquer escusa subjetiva do imputado.”


A responsabilidade objetiva dispensa o ônus da prova da culpa por quem gerou de que gerou o dano pelo lesado, pois a atividade desenvolvida pelo autor do dano por si só, gera risco à vida em sociedade, caso em que a incumbência de se provar algo recai sobre o autor do dano e não sobre aquele que experimentou do evento danoso.


No que tange à responsabilidade subjetiva (fixado pelo caput do art.927 do Código Civil brasileiro), Diniz (2002) defende que esta é resultante de ato ilícito, a qual não reclama tão somente a conduta humana, ação ou omissão, mas, também, a perquirição da culpa do autor da lesão, culpa no significado mais amplo, ou seja, abrangendo o elemento dolo (intenção de causar dano) ou na culpa stricto sensu (com fulcro na negligência, imperícia ou imprudência), dirigida a um resultado danoso. Desse modo, cabe destacar a importância de se provar o dano como meio de obter êxito em possível ação civil.


Ressalte-se, porém, que mesmo tendo as duas vertentes de responsabilidade civil adotadas pelo Código, é necessário notar que no próprio Código Civil, a responsabilidade objetiva foi adotada como exceção, vez que seu regramento encontra-se no parágrafo único do art.927 do referido diploma, enquanto que a responsabilidade subjetiva foi adotada como regra.


Como ilação do raciocínio acima firmado acerca das responsabilidades, temos que as principais diferenças entre a responsabilidade subjetiva e a objetiva é que aquela exige o elemento culpa como condição procedibilidade e êxito da demanda, enquanto que nessa o ônus da prova se inverte, ou seja, orientado pela teoria do risco a vítima do evento danoso não terá que provar a culpa, incumbência que recai sobre o autor do fato.


1.3. Responsabilidade Civil Pressuposta: Responsabilidade sem Culpa à Luz do princípio da Dignidade da Pessoa Humana.


A busca por um critério geral que tornasse a responsabilidade civil um instrumento de pacificação social e não um mero instrumento indenizatório, fez com que a autora, Giselda Maria F. Novaes Hironaka tecesse sua vitoriosa tese de livre docência intitulada de Responsabilidade Pressuposta, destrinchando os elementos da responsabilidade e seus caminhos de derrotas e êxitos doutrinários e jurisprudenciais, revelando a crise em que se encontra e que vem passando ao longo dos séculos a responsabilidade civil.


 Antes de discorrer sobre a responsabilidade sem culpa e de chegarmos [ao impossível, como se verá] denominador comum, me parece necessário elucidar, a priori, o intuito da tese, reproduzindo o pensamento da supracitada autora em sua obra “Responsabilidade Pressuposta (2005, p.346)”:


Se for o caso for o de observar um horizonte histórico de responsabilidade civil, este instituto contemporâneo é um instituto que hoje, exige uma reformulação de concepção e clama por uma concepção ético-política, vale dizer uma concepção que vá além da sua singela compreensão dogmática ou burocrática. A compensação e a reparação, porque, porque são formas concebidas contemporaneamente para o reequilíbrio da vida social, não podem simplesmente procurar restabelecer um mesmo estado anterior de pouca cidadania. Clama também por obrigação e responsabilidade civil, mas pode – ou melhor, deve – fazer da responsabilidade civil um instrumento para garantia de direitos sociais e de exercício de direitos civis por todos os cidadãos, inclusive o direito à propriedade.


Se, todavia, se pretender apenas considerara responsabilidade civil como um simples instituto jurídico – que pode simplesmente ser reduzido à condição de ser uma garantia da propriedade – certamente a sociedade brasileira poderá deixar de contar com mais uma excepcional vertente endereçada a uma substancial alteração de uma cultura de violência e de exclusão social.”


O que se pretende na busca por um critério geral da responsabilidade sem culpa é a dinamização da ciência não exata do Direito se mostrando num viés interdisciplinar, consultando auxílio nas demais ciências para tanto disponibilizadas.


Ou seja, a vida em sociedade exige que as normas legais não se limitem à taxatividade dos casos aos quais incidirão e não esqueçam de privilegiar os princípios constitucionais da solidariedade social bem como o postulado da dignidade da pessoa humana.


No que tange à responsabilidade civil, pretende-se, portanto, a busca por um critério que se expresse, diante das evoluções tecnológicas, sociais e econômicas, na presunção de responsabilidade e não da presunção de culpa, pois culpa, ainda que presumida é culpa.


Como veremos, alhures, o instituto da culpa não mais se mostra plausível para a melhor solução de casos em que há o evento danoso, de certo que, entende-se que a preocupação da responsabilidade civil deve deixar de recair sobre o autor do dano, para recair sobre a vítima, de modo que a responsabilização daquele se mostre como bastante para inibição da eventual prática de outro dano.


O que se pretende é estabelecer um critério geral de responsabilização que se estabelece sobre os fatos e as circunstâncias que circundam as atividades humanas de cunho econômico ou não. Portanto, analisaremos como a doutrina e os legisladores tentaram estabelecer esse critério fundamentado numa visão enriquecida pelas ciências humanas.


Vimos no item “1.1” como o instituo da responsabilidade civil se tornou um instrumento de reparação de danos como meio de devolver à vítima do evento danoso o estando anterior ao dano sofrido, o que, por vezes, em sua “primitividade” gerava, inclusive reações físicas ao dano sofrido, pois o que se buscava nos primeiros delineamentos do instituto era a satisfação do ego da vítima.


No entanto, essa materialização da responsabilidade civil como forma de satisfação e de reparação das perdas e danos não se mostrou suficiente, embora em priscas eras a essência do ser humano enquanto sujeito de direito ainda estivesse atrelada aos costumes pré-históricos.


O que se quer dizer é que, segundo o raciocínio de Hironaka (2005, p.346), essa forma de imposição da responsabilidade civil, que perdurou por séculos se mostrou falha, senão vejamos em sua elucidação.


“Observa-se que o instituto da responsabilidade civil, concebido nuclearmente como instituto para garantia da reparação de danos, investe na ideia de que a obrigação entre cidadãos é especialmente um dever (moral, talvez) de compensação de perdas e danos, em vez de se apresentar como um dever de reequilíbrio civil entre os cidadãos, do qual deveria tomar parte, também o Estado.”


Ao longo do século XX, teorias foram desenvolvidas para explicar ou para criar parâmetros fundantes de um sistema de responsabilidade civil distinto daquele que até o anterior pareceu ser bastante. Os pensadores do Direito, jusfilósofos e jus sociólogos, buscaram critérios de identificação para as novas ocorrências e exigências da vida dos homens “[…] um denominador comum que fosse capaz de se expressar como fonte ou matriz do velho dever de indenizar o dano que alguém injustamente sofra” (HIRONAKA, 2005, p.3457).


Durante muito tempo na história da responsabilidade civil, a noção de culpa (em sentido amplo, ou seja, incluindo o dolo), foi suficiente para nortear a aplicação de sanções no sentido de reparação de danos.


No entanto, a evolução da humanidade, e, principalmente no decorrer do século XVIII, com a revolução industrial, a revolução francesa e o movimento iluminista, a noção de culpa teve que ceder espaço para a noção de risco, pois como a culpa era ideia emprestada dos antigos, não mais sendo plausível sua aplicação no então momento contemporâneo do referido século.


Como dito, a culpa, durante séculos, se preocupou em circundar as ações do autor do dano, todavia, neste evoluir, “[…] seguramente se encontra a concepção contemporânea da responsabilidade civil e seu viés cada vez menos subjetivado, cuja proximidade com a ética e a política, já se disse, é extraordinariamente significativa” (HIRONAKA, 2005, p. 25).


Falamos do elemento culpa como elemento de enfraquecimento da responsabilidade civil, mas, sem, contudo, delinearemos os fatores que levam a crer de que modo os ordenamentos jurídicos a concebeu no decorrer dos anos.


A lição de Hironaka (2005, p.33) é elucidativa, pois


“[…] o que diferencia a culpa da lex Aquilia e a culpa no direito contemporâneo é a ideia de que, embora seja ela o fundamento jurídico mais evidente que se possa considerar, no direito romano ela não é causa suficiente para a intervenção do poder, porque falta a percepção estatal de uma necessidade civil de reparação, além da necessidade moral vislumbrada pela parte lesada. Por outro lado, no Estado contemporâneo – ao menos do início do século XIX – a culpa já se delineia como causa suficiente do dever de indenizar, uma vez que seu reconhecimento oficial se reflete, diga-se assim, como a marca pública de uma moralidade privada que se encontra representada na lei.”


Nesse liame, não obstante não termos feito uma arqueologia histórica do conceito de responsabilidade civil nos ordenamentos jurídicos do mundo, desde o mais primitivo ao mais contemporâneo, traçaremos um linha de raciocínio lógico no que concerne ao que chamamos de crise da responsabilidade civil no que tange ao elemento culpa ou mesmo no que tange à sua feição objetiva.


Desde os tempos em que a responsabilidade por danos era atribuída aos deuses até a formação de um critério lógico de formação legal, como ocorreu com a Lei de Talião, a responsabilidade civil foi se desenvolvendo até o ponto em que se exige do causador do dano uma conduta compatível com a racionalidade humana de reparar o dano causado a outrem, desde que provado que houve culpa de sua parte.


Esse critério perdurou por muito tempo, até que chegamos no fim do século XVIII e as mudanças e avanços tecnológicos da responsabilidade civil exigem do Estado uma posição firme quanto aos danos causados por aqueles que desenvolvem atividade que, por sua própria natureza, oferecem risco à sociedade.


Esse fase incutiu numa maratona de soluções jurídicas, no que tange à responsabilidade civil compatível com o novo cenário social e econômico, desembocando no que chamamos no desenvolvimento da responsabilidade civil objetiva, de modo que tal período ficou conhecido, como bem ensina Hironaka (2005, p.106), estado da arte.


Na lição da autora supracitada


“As mudanças sociais decorrentes da revolução industrial e do avanço tecnológico têm exigido do Estado uma intervenção crescente em favor do bem-estar e da justiça social, acentuando-se a importância do Direito como instrumento de planejamento econômico, multiplicando-se as normas jurídicas de programação social e estabelecendo-se novos critérios de distribuição de bens e serviços. O Direito evolui de suas funções tradicionais repressivas para outras de natureza organizatória e promocional, estabelecendo novos padrões de conduta e promovendo a cooperação entre os indivíduos na realização dos objetivos da sociedade contemporânea.”


Como vimos a responsabilidade civil objetiva é exceção no atual Código Civil, encontrando-se no parágrafo único do art. 927 (BRASIL, 2009b), tendo como norma o dever de indenizar daqueles que exercem atividades que por sua natureza, oferece risco a outrem.


No entanto, o que diferencia a responsabilidade civil objetiva da subjetiva é liame que existe quanto ao ônus da prova, que, neste caso (da responsabilidade civil objetiva), inverte-se, devendo a parte causadora do dano provar que o dano ocorrido foi fruto de uma das excludentes da responsabilidade civil e que fora tomado os devidos cuidados no manejo da atividade.


O que se pretende aqui, porém, é desviar o foco de incidência da responsabilidade civil do autor do dano para a vítima, pois não mais se concebe hodiernamente, num ordem social e Democrática, e onde, segundo Hironaka (2005, p. 348), “há algo de intrínseco, de anterior, de pressuposto, na concepção do dever de reparar o dano causado; algo que está antes na essência do homem, ou mais que isso, está na essência da humanidade, da qual ele faz parte. A este algo – dentro de nós há uma coisa que não tem nome, e essa coisa é o que somos – se dá o nome de dignidade da pessoa humana”.


Nesse diapasão chegamos ao ponto crucial de nossa temática, qual seja, o dever de indenizar está, antes de tudo atrelado àquilo que somos, está atrelado àquilo que possuímos dentro de nos como fundamento de nós mesmos, isto é, o dever de reparar o dano deve ocorrer independentemente da prova de culpa, pois pressupõe-se responsabilidade e não culpa, além do fato de que, pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, aquele que sofre dano não pode suportá-lo sem que seja indenizado, pois seria contra nossa essência ver o sofrimento alheio e nos imbuirmos de inércia.


A culpa se tornou modelo insuficiente para os novos vieses sociais, capaz de deixar lacunas a respeito de reparação ou indenização de danos causados, não podendo continuar atuando solitária, no que tange às características da responsabilidade civil.


A noção de risco desenvolveu-se, principalmente no final do século XVIII e início do século XIX, como veremos, pelo simples fato de que a sociedade dessa época reclamava reformulações de ordem filosófica e ideológica, em que deveria haver um crivo social baseado na valoração da pessoa humana antes de qualquer outra consideração.


Nesse novo horizonte, nessa nova ideia de insuficiência de culpa, “A partir de 1870, alguns autores, preparando a evolução seguinte, recomendaram deixar a culpa à margem e substituí-la pela ideia de risco” (HIRONAKA, 2005, p. 133). Assim, as pessoas não mais seriam responsáveis apenas por suas culpas, mas, também, pelo risco que criaram.


Continua a autora supracitada nos revelando que


“A primeira decisão fundamental da Corte de Cassação foi dada em 16 de junho de 1896, e ficou conhecida pelo nome de “I’ arrêt Teffaine”. Dizia respeito à morte acidental de um operário, em decorrência de uma explosão num rebocador a vapor. A Corte Suprema desencadeou, à época, um novo princípio, segundo o qual a pessoa era responsável pela coisa que lhe pertencia. O proprietário do rebocador não pôde, portanto, exonerar-se da responsabilidade, provando a culpa do condutor do rebocador, e indenizou a viúva e as crianças do operário morto.”


Assim, concordamos com o dizer de Savatier (apud HIRONAKA, 2005, p.131)


“Culpa e risco, anuncia o renomado jurista, devem deixar de ser considerados fundamentos da responsabilidade civil para ocuparem o lugar que efetivamente ocupam, isto é, a posição de fontes da responsabilidade, sem importar se uma delas tem primazia sobre a outra, sem a preocupação de que uma aniquila a outra, mas importando saber que, embora tão mais frequentes os casos de responsabilidade subjetiva, embasada na culpa, persistem existindo os casos em que se registrará a insuficiência desta fonte, quando, então, abrir-se-á a oportunidade da reparação do dano pelo viés da nova fonte, a do risco”.


Note-se que se pretende demonstrar com o raciocínio acima explicitado é que, as noções de culpa ou de risco não mais se concebem como fundamentos da responsabilidade civil, devendo, portanto, ocuparem outro patamar, o patamar de fontes da responsabilidade civil.


Essas noções devem nortear a o que chamamos de responsabilidade pressuposta (note-se que o adjetivo “civil” não contempla essa denominação), pois diante das radicais transformações pelas quais passou a sociedade no século XX e as atuais evoluções técnicas que geram os novos riscos tecnológicos, que acarretam danos nascidos de uma atividade humana, bem como diante da atual concepção de dignidade humana que se tem, o dever de indenizar e reparar o dano é antes de tudo, um dever moral, pois se sabe que os danos das atividades humanas, são, invariavelmente, consequência das mesmas.


Embora não tenhamos colocado o momento em que a culpa presumida e a inversão do ônus da prova deixa seu lugar para a objetivação da responsabilidade caso a caso (cabendo apenas o uso de excludentes), traremos, à guisa de ilustração do desenvolvimento de um pensamento contemporâneo no que diz respeito à desestruturação da responsabilidade civil, a evolução do pensamento da coletivização da responsabilidade civil por meio da criação de seguros de responsabilidade.


Segundo Hironaka (2005, p. 145), o que levou a doutrina e os estudiosos da responsabilidade civil a desembocarem num raciocínio como este, foi o fato de que, mesmo com a objetivação da responsabilidade civil que fez diminuir muito o número de irressarcimento deixados pela subjetiva, verificou-se posteriormente que, muitas vezes, o patrimônio dos responsabilizados nem sempre era suficiente para cobrir toda mensuração ou quantificação indenizatória.


No entanto, continua a autora supracitada


“Apesar de parecer a grande solução parao ancestral problema dos danos que os homens têm causado aos seus semelhantes, na verdade um sistema assim tem inúmeros inconvenientes e, certamente, tem baixa chance de se firmar, com o tempo, como sistema preferido por todos os povos, em todos os tempos. Primeiramente porque não são iguais as culturas, nem mesmo o poder econômico das diferentes sociedades. Segundo porque sempre haverá a brecha do episódio lesivo causado por quem não está afiliado, por qualquer razão, ao sistema geral de seguro, restando, mais uma vez, irressarcida a vítima; terceiro porque o papel de prevenção que o sistema de responsabilidade civil exerce é profundamente importante para a própria diminuição de ocorrência de circunstâncias danosas, dado essencial para a qualidade de convivência humana; quarto porqueo custo de reparação coletiva constitui, sem dúvida, entravepara a sua expansão definitiva; […].”


Nesse liame, o desenvolvimento da ideia de criação de seguros de responsabilidade civil não se mostra suficientemente razoável, vez que a dinamização das sociedades desaguam em vários mecanismo de fraudar o fim desejado pelos seguros de responsabilidade civil.


Continuando nossa trajetória em busca de uma justificativa de colocar a ideia de responsabilidade pressuposta no atual direito privado, tomamos como outro norte, mais uma vez (visto que apenas a autora teve a audácia de desenvolver o tema), o magistério de Hironaka (2005, p.157)


“Um caminho há de ser obrigatoriamente percorrido por quem quer que pressinta o reclamo de crise e de transformação doo direito privado, neste alvorecer de um milênio, qual seja, aquele percurso que perpassa o indivíduo, que ultrapassa o sujeito de direito e se faz presente ao lado do verdadeiro centro epistemológico do direito pós-moderno: o ser humano e a sua dignidade, em prol da realização de sua condição de cidadão solidário.”


O que se pretende com esse novo olhar acerca da responsabilidade civil (o desejo de tornar a responsabilidade pressuposta), é que, conforme dispõe o inciso I do art. 3º da Constituição Federal – construir uma sociedade livre, justa e solidária – (Brasil, 2010e), o dever de indenizar deve ser fruto de uma construção jurídica, doutrinária e jurisprudencial (principalmente) baseada na própria condição do ser humano que, como tal, é essencialmente solidário e possui uma dignidade que lhe é inerente de tal modo que justifica a noção absoluta de não indenização, e porque não, uma indenização que de tal modo impeça novos abusos por quem ocasiona ou ocasionou o dano.


Segundo o Magistério de Moraes (2000, p. 60)


“A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta, singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre, sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. […] Esse dever configura-se pela exigência do indivíduo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição Federal exige que lhe respeitem a própria. A concepção dessa noção de dever fundamental resume-se e três princípios o direto romano: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudique ninguém) e sun cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido).”


Ainda no que diz respeito a essa mesma dignidade da pessoa humana exposta no fragmento de texto acima, Kant (apud Hironaka, 3005, p.174) é explícito em seus termos quando diz que


“[…] o valor intrínseco que faz do homem um ser superior às coisas – estas podem se submeter a um preço – é a dignidade. E considerar assim o homem, como um ser que não pode ser tratado ou avaliado como coisa, implica conceber uma denominação mais específica ao próprio homem: pessoa. […] A necessidade prática de agir conforme segundo este princípio, isto é, o dever, não assenta em sentimentos, impulsos e inclinações, mas sim somente na relação dos seres racionais entre si, relação essa que a vontade de um ser racional tem de ser considerada sempre e simultaneamente como legisladora, porque de outra forma não podia pensar-se como fim em si mesmo.”


Ressalte-se que o que Kant nos revela, e que serve de embasamento para o desenvolvimento de nossa teoria, é que a dignidade da pessoa humana é o que nos diferencia de qualquer outra coisa ou ser (mesmo por que apenas o atributo da dignidade, na doutrina mais moderna, é atribuída a animais), de modo que ao ser humano não se pode conceber que obedeça outra lei senão àquela que ele mesmo simultaneamente dá. Isto é, a dignidade da pessoa humana deve ser o que conhecemos por imperativo categórico, ou seja, a dignidade da pessoa humana deve ser fonte da atividade legislativa ou mesmo jurisprudencial no evoluir social.


Corroborando com a temática, temos os principais objetivos de vermos desenvolver a teoria da responsabilidade pressuposta explanada no magistério seguinte de Hironoka (2005, p. 228)


Que este novo sistema possa, desta maneira, perfeitamente determinar-se em prol de sua intenção e exigência primordiais, qual sejam, que o número de vítimas de danos que permanecem irressarcidas seja um número a cada vez – e sempre – significativamente menor.


E que o confronto fundamental da principiologia de amparo e o matiz de sustentação do viés axiológico de resguardo de uma tal reestruturação sistemática esteja indelevelmente vinculado ao respeito à dignidade da pessoa humana, esta que é, enfim, o sentido e a razão de toda e qualquer construção jurído-doutrinária ou jurídico-normativa.”


Isto é, o desenvolvimento deste raciocínio de busca por um critério ou ao menos uma teoria a ser desenvolvida pela doutrina e jurisprudência brasileira no que diz respeito à responsabilidade objetiva traduz a ideia de imputação da responsabilidade civil, em certas circunstâncias que não ingressam no império da culpa, mas também não se enquadram no reino da responsabilidade objetivamente prefixada em lei.


Assim, adotamos o desenvolver do critério do Mise En Danger[1], teoria desenvolvida por Geneviève Schamps, importante jurista Belga, em sua obra “La Mise Em Danger: um concep fonateur d’ un príncipe general de responsabilité” citada por Hironaka (2005, p. 231) que busca a verificação da existência, ou não, de um padrão de caracterização de determinadas situações que expõem as pessoas a determinado risco, desnudando e fragilizando as vertentes de exclusão de responsabilidades e buscando apresentar, isso sim, os responsáveis pela ocorrência de danos absolutamente ressarcíveis.


O Desenvolver da problemática se ratifica nesse ponto, na medida em que a dignidade humana, a solidariedade social e os avanços das tecnologias que fazem surgir a crise da responsabilidade civil, se coadunam com o pensamento final a que chegamos, posto que a Mise en Danger corresponde ao exercício de uma atividade perigosa para terceiros, em razão de sua natureza ou da natureza dos meios adotados. A realização desta Mise En Danger traduz-se pelos danos sofridos por pessoas estranhas ao exercício desta atividade. “Só esta realização dos danos – e não a Mise En danger, em si, e enquanto tal – é que se demonstra sucetível de indenização, incumbida ao agente empreendedor (HIRONAKA, 2005, p.291).


O que se pretende é mostrar que diante da nova perspectiva sociológica e jurídica, a periculosidade da atividade (abarcada pela teoria do risco, até então), não deve ser mais apreciada de modo isolado, sendo, portanto, intrínseca ao exercício da atividade e deve ser determinada caso a caso, sendo esta atividade tolerada, apenas, por sua utilidade social.


A vítima exposta ao risco da atividade perigosa tem o direito de obter a reparação dos prejuízos que ela suportou, tendo em vista exatamente o critério do Mise en Danger, que por sua vez é norteado por aquilo que entendemos superior à ordem positiva e inerente à essência do ser humano: a dignidade humana que se torna com núcleo mínimo e inalterável dos direitos fundamentais, tal como é o direito de ser indenizado.


Todavia, o que se pretende com o critério da Mise en Danger não é fazer do sistema da responsabilidade civil um sistema hermeticamente fechado, ou seja, um sistema no qual as hipóteses de responsabilidade sem culpa estejam todas previstas.


O Direito não mais consegue acompanhar a evolução social alavancada pelo grande desenvolvimento tecnológico e pela grande difusão de conhecimento. Assim, embora não tenhamos chegado a um critério geral de responsabilidade sem culpa, é necessário salientar que essa teoria deverá ganhar bastante espaço nos futuros estudos da responsabilidade civil, pois não mais se concebe o irressarcimento das vítimas de danos oriundos de atividades que apresentem risco ou periculosidade considerável, de modo que, mesmo as excludentes percam seu espaço.


A jurisprudência deve desempenhar papel importantíssimo nesse novo alvorecer de século, pois não só na responsabilidade civil, mas, bem como outros ramos terão suas bases e disciplinas reformuladas pelas Cortes jurisprudenciais, na medida em que o Direito não Conseguirá acompanhar o desenvolvimento social, econômico, político, jurídico e tecnológico.


 


Referência

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Nota:

[1] Mise en danger pode ser traduzido como uma ação de pôr em perigo ou expor a risco.


Informações Sobre o Autor

Arykoerne Lima Barbosa

Advogado em Maceió/AL. Pós-grauado em Direito Constitucional. Juiz Conciliador do JEF


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