A responsabilização contratual da promitente vendedora nos contratos de construção civil, sob o aspecto do direito comparado

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Resumo: O tema desenvolvido no presente estudo dedica-se à elucidação acerca da responsabilidade contratual nas relações de promessa de contra e venda de imóveis sob o enfoque do cumprimento dos deveres pela Promitente Vendedora, Construtoras, enfatizando a natureza de consumo do pacto entre os celebrantes. O artigo analisa os aspectos do descumprimento das condições negociais por parte da Promitente Vendedora, e as conseqüências jurídicas da mora do Credor. Todo este percurso está apoiado em pesquisa doutrinária e jurisprudencial do Direito Civil, do Consumidor e no Direito Comparado do Direito Civil, Argentino, Chileno e Português.[1]


Palavras-chave: Promessa de Compra e Venda. Responsabilidade Contratual. Descumprimento contratual. Mora. Dever de Indenizar. Perdas e Danos. Danos Patrimoniais e Não Patrimoniais.


Resumen: El tema desarrollado en este estudio se centra en la elucidación de las relaciones contractuales y en contra de la promesa de venta de bienes raíces bajo el enfoque de ejercicio de las funciones por el vendedor potencial de construcción, haciendo hincapié en la naturaleza del consumo del pacto entre los celebrantes. El artículo examina los aspectos de las condiciones de negocio de la falla por el vendedor potencial, y las consecuencias jurídicas de la demora del acreedor. Todo este viaje con el apoyo de la doctrina y la jurisprudencia del estudio del Derecho Civil, del consumidor y Derecho Comparado de Derecho Civil, argentinos, chilenos y portugueses.


Palabras clave: Promesa de Venta. Contrato de responsabilidad. Incumplimiento de contrato. Mora. La obligación de indemnizar. Daños y perjuicios. Daños a la propiedad y lesiones personales.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS


A questão do descumprimento parcial da obrigação, em regra, é disciplinada pelas disposições concernente à mora, isso porque, a obrigação ainda pode ser cumprida com utilidade para a outra parte.


Nos termos do art. 389 do Código Civil: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários advocatícios”.


Do mesmo modo o Código Civil Argentino e Chileno, respectivamente:


“Título XXIII De la imposibilidad del pago


Artículo 888. La obligación se extingue cuando la prestación que forma la materia de ella, viene a ser física o legalmente imposible sin culpa del deudor.”[2]


“Art. 1556. La indemnización de perjuicios comprende el daño emergente y lucro cesante, ya provengan de no haberse cumplido la obligación, o de haberse cumplido imperfectamente, o de haberse retardado el cumplimiento.


Exceptúanse los casos en que la ley la limita expresamente al daño emergente.”[3] 


Nesta senda, para que o agente inadimplemento seja responsabilizado é necessária a demonstração da culpa. Ocorrendo o fato invencível não responderá pelos prejuízos resultantes do caso fortuito ou força maior, na regra geral do art. 393, do CC.


Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.


Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.”


O instituto da responsabilidade civil constitui, depois dos contratos, fonte de criação dos vínculos obrigacionais, bem assim foco de debates doutrinários e nos Tribunais, seja pela extraordinária frequência com que às Cortes de Justiça são postas ações de responsabilidade, seja pela dificuldade especial de muitos dos problemas que o instituto tem suscitado na doutrina e na jurisprudência.


No campo da responsabilidade civil, cabe tanto a responsabilidade proveniente da falta de cumprimento das obrigações emergentes dos contratos, de negócios unilaterais ou da lei (responsabilidade contratual), como a resultante da violação de direitos absolutos ou da prática de certos atos que, embora lícitos, causam prejuízo a outrem (responsabilidade extra-contratual).


Sob várias visões, responsabilidade contratual e responsabilidade extra-contratual se relacionam, pois elas podem nascer do mesmo fato e transitar-se facilmente do domínio de uma delas para a esfera normativa própria da outra, bem assim é bem possível que o mesmo ato envolva para o agente (ou o omitente), simultaneamente, responsabilidade contratual, e responsabilidade extra-contratual, tal como é possível que a mesma ocorrência acarrete para o autor, quer responsabilidade civil, quer responsabilidade criminal, consoante o prisma sob o qual a sua conduta seja observada. Vejamos dispositivos que demonstram esta duplicidade:


Código Civil Brasileiro


Art. 419. A parte inocente pode pedir indenização suplementar, se provar maior prejuízo, valendo as arras como taxa mínima. Pode, também, a parte inocente exigir a execução do contrato, com as perdas e danos, valendo as arras como o mínimo da indenização.(…)


Art. 679. Ainda que o mandatário contrarie as instruções do mandante, se não exceder os limites do mandato, ficará o mandante obrigado para com aqueles com quem o seu procurador contratou; mas terá contra este ação pelas perdas e danos resultantes da inobservância das instruções.(…)


Art. 683. Quando o mandato contiver a cláusula de irrevogabilidade e o mandante o revogar, pagará perdas e danos.(…)


Art. 705. Se o comissário for despedido sem justa causa, terá direito a ser remunerado pelos trabalhos prestados, bem como a ser ressarcido pelas perdas e danos resultantes de sua dispensa.(…)


Art. 717. Ainda que dispensado por justa causa, terá o agente direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao proponente, sem embargo de haver este perdas e danos pelos prejuízos sofridos. (…)”


REGIME JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL


Registre-se que a expressão responsabilidade civil é dúbia porque dentro dela há que distinguir dois grandes sectores:


a) A responsabilidade obrigacional ou contratual: é aquela que resulta do inadimplemento de direitos subjetivos de crédito, do descumprimento de obrigações em sentido técnico-jurídico. São exemplos desta responsabilidade os seguintes dispositivos:


Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. (…)


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Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.


Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos.(…)


Das Perdas e Danos


Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.


Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.


Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.


Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.


Art. 405. Contam-se os juros de mora desde a citação inicial.”


Norma correlata no Código Civil Português[4] prevê a responsabilidade pelo descumprimento contratual, veja:


ARTIGO 486º (Omissões)


As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou do negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido.


ARTIGO 798º (Responsabilidade do devedor)


O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. (grifei) (…)


ARTIGO 804º (Princípios gerais)


1. A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.


2. O devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a


prestação, ainda possível, não foi efectuada no tempo devido.(…)


ARTIGO 816º (Indemnização)


O credor em mora indemnizará o devedor das maiores despesas que este seja obrigado a fazer com o oferecimento infrutífero da prestação e a guarda e conservação do respectivo objecto. (grifei)


A título de ilustração colaciono julgado do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal sobre o tema:


Contrato de empreitada – Incumprimento parcial – Incumprimento definitivo – Abandono da obra – Comportamento concludente – Defeito da obra – Resolução do negócio – Retroactividade –  Responsabilidade contratual – Danos não patrimoniais – Obrigação de indemnizar 


I – Celebrado entre Autores e Ré um contrato de empreitada por via do qual esta se obrigou a realizar obras de recuperação do prédio daqueles, ficando acordado que os trabalhos deveriam estar concluídos no final de Julho de 2000, prazo que era essencial para os Autores pois permaneciam a habitar o


prédio durante as obras, e tendo a Ré, durante o mês de Agosto pouco adiantado e desde a 1.ª semana de Setembro deixado de fazer qualquer trabalho, não pode deixar de se concluir que a Ré se constituiu em mora. 


II – Ao não reiniciar os trabalhos interrompidos, apesar de intimada a tanto pelos Autores por carta que lhe enviaram em 26-09-2000 sob pena de considerarem que abandonara a obra, a omissão da Ré revela que não pretendia conclui-los, sendo irrelevante o facto de ainda não ter desmontado os andaimes. 


III – Tal abandono da empreitada constitui incumprimento definitivo, assistindo aos Autores o direito a resolver o contrato, não podendo qualificar-se a sua actuação, ao comunicarem à Ré por carta que consideravam o contrato resolvido, como desistência (art. 1229.º do CC).


IV – A resolução tem como consequência a  restituição do que tiver sido prestado, mas a retroactividade da resolução só faz sentido em relação ao que foi prestado sem contrapartida, pois deverá ser pago o valor da utilidade que adveio  do aproveitamento dos trabalhos prestados e dos materiais aplicados. 


V – No âmbito da responsabilidade contratual, tem lugar a indemnização por danos não patrimoniais, desde que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito (art. 496.º do CC). 


VI – Considerando que os Autores, em consequência do incumprimento culposo da Ré, suportaram todos os inconvenientes da obra por um período bastante mais longo do que o previsto contratualmente, mantendo todo o mobiliário da  sua habitação protegido com plásticos com o desconforto inerente, sido obrigados a dormir e a permanecer durante o dia no 2.º andar, e a utilizar a cozinha da cave para fazer as refeições, para isso necessitando a Autora de subir e descer, várias vezes ao dia, 51 degraus da escada em caracol que servia o edifício, o qual foi invadido pelas chuvas porque a Ré retirou os algerozes e não os substituiu, sentindo-se os Autores angustiados com o arrastar dos trabalhos e receosos pela sua saúde, conclui-se que a indemnização de 2.000 € fixada (1.000€ para cada um dos Autores) se peca será por defeito.”  (Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, 12-03-2009 – Revista n.º 4071/08 – 1.ª Secção – Moreira Alves (Relator), Alves Velho e Moreira Camilo)


b) Responsabilidade extra-obrigacional: extra-contratual, delitual ou aquiliana, está prevista e regulada nos arts. 186 segs. CC.


Nesta definição do quadro da responsabilidade civil em sentido amplo, é preciso ainda ter em conta que, quer no campo da responsabilidade extra-obrigacional, quer no campo da responsabilidade obrigacional, ainda há dois sub-setores:


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Responsabilidade subjetiva, quando ela depende da existência de culpa do agente, de culpa do autor da lesão, consagrado no art. 186, do Código Civil Brasileiro, art. 1.074, do Código Civil Argentino, in verbis:


“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”


“Artículo 1074.


Toda persona que por cualquier omisión hubiese ocasionado un perjuicio a otro, será responsable solamente cuando una disposición de la ley le impusiere la obligación de cumplir el hecho omitido.”


Responsabilidade objetiva, quando o agente se constitui na obrigação de indenizar independentemente de culpa.


Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.


Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (…)


Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.


Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:


I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;


II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;


III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;


IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;


V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.


Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.” (grifei)


DO DIÁLOGO DE FONTES ENTRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O CÓDIGO CIVIL


Com a entrega em vigor da 10.406/2002, o Código Civil, há de ser examinadas se as relações de consumo permanecem reguladas inteiramente pelo CDC, ou se algumas dessas relações podem ser afetadas pelo Código Civil. Para encontrar uma solução. Para encontrar uma solução, faço algumas considerações.


Todos sabem que a ordem jurídica é um sistema, com condições de determinar as regras para a criação e reprodução de normas e assim se auto-alimentar. É um sistema, porque estabelece a validade dessas normas que são criadas ou reproduzidas; e também porque diz como será feita a aplicação dessas normas válidas.


É um sistema aberto, que pode sofrer a influência de valores externos, metajurídicos ou extrajurídicos, que atuam diretamente sobre ele. Não é um sistema fechado, como se estivesse distante do que acontece fora desse mundo de normas, que ele mesmo cria e sobre as quais dispõe, mas é algo que sofre, necessariamente, a influência de valores sociais, econômicos, morais, que estão fora dele e sobre ele atuam.


A ordem jurídica se entende como um sistema fechado, como se fosse uma bolha, a sofrer alteração no seu contorno, por efeito de fatores externos que atuam sobre a sua conformação externa. Essa influência externa altera, internamente, o conteúdo e a disposição das normas.


Vale ressaltar que temos um sistema aberto como a ordem jurídica nacional, na qual se inclui o sistema de Direito Privado e microssistemas, entre eles o Código de Defesa do Consumidor.


Em 1990 com o surgimento do Código de Defesa do Consumidor, surgiu também uma nova visão do mundo negocial.


Os princípios que esse Código adotou terminaram influenciando a interpretação e a aplicação do sistema civil.


Observando a jurisprudência depois de 1990, e a própria doutrina, veremos o quanto a interpretação e a aplicação do Direito Civil mudaram no Brasil à luz dos princípios do Código de Defesa do Consumidor. Embora este esteja inserido num microssistema, terminou atuando, decisivamente, para influir sobre o próprio sistema.


Neste contexto se insere o diálogo de fontes, o qual compreende a possibilidade de convivência harmônica das várias normas que compõe o universo legislativo de defesa do consumidor, utilizando sempre a que for mais favorável ao consumidor ainda que não consagrada pela Lei n. 8.078/90, de forma que a tutela do consumidor seja alcançado e efetivada.


Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), a disciplina jurídica dos chamados contratos de construção enveredou-se para outro rumo.


O artigo 3º daquele diploma legal define fornecedor como pessoa física ou jurídica que desempenha determinadas atividades, dentre as quais a construção.


DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL


Como visto os contratos de construção, em que o fornecedor realiza sua atividade em benefício de outra pessoa (física ou jurídica), a qual utiliza seus produtos ou serviços como destinatárias finais enquadram-se perfeitamente nas chamadas relações de consumo.


Nesse raciocínio, não há mais que se questionar sobre o fundamento da responsabilidade civil na hipótese ora em comentário, eis que o artigo 12 do CDC é taxativo, ao estatuir que o fabricante, o produtor, o construtor, respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção.


Novamente o CDC enfatiza a responsabilidade objetiva, tal como no dispositivo acima citado, para o caso do fornecedor de serviços. É esta a dicção do artigo 14 daquele Codex.


O novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), por sua vez, andou bem ao inserir dispositivo especial, no tocante à obrigação de reparar o dano, ainda que não haja culpa do ofensor, apenas levando em consideração a atividade por ele desenvolvida, notadamente quando a mesma implique em riscos para o direito de terceiros. Com efeito, o artigo 927, parágrafo único, do referido Codex, assim veio dispor:


Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.


Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (grifei)


Relativamente à necessidade de existir previsão legal para a objetivação da responsabilidade, nenhuma novidade, eis que, realmente, para se abstrair o elemento culpa na aferição dos pressupostos para a reparação do dano, mister que o ordenamento jurídico contenha disposição legal expressa neste sentido.


Porém, o Código Civil houve por bem positivar a responsabilidade civil decorrente do risco da atividade, nos termos da segunda parte do parágrafo único, de seu artigo 927.


Portanto, se com a vigência do Código do Consumidor já se podia falar claramente na objetivação da responsabilidade civil do construtor, mesmo porque expressamente prevista em seu bojo (artigos 12 e 14), agora, com o advento do novo Código Civil, menos razão ainda para se suscitar qualquer dúvida neste sentido, inclusive porque a atividade construtiva, sem sombra de dúvidas, inclui-se no rol daquelas que expõem a risco o direito de terceiros.


DA RESPONSABILIDADE POR DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL


Nos ensinamentos da grande civilista Maria Helena Diniz: “[…] A responsabilidade do infrator, havendo liame obrigacional oriundo de um contrato ou de declaração unilateral de vontade, designar-se-á responsabilidade contratual […]”[5]


Do mesmo modo o Código de Defesa do Consumidor (Lei. 8.078/90) estabelece a responsabilidade do fornecedor em face da impropriedade do produto ou serviço e do descumprimento da oferta, conferindo ao consumidor da tutela nas relações negociais, vejamos:


Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.


§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:


I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;


II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;


III – o abatimento proporcional do preço.


Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:


I – o abatimento proporcional do preço;


II – complementação do peso ou medida;


III – a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;


IV – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos.


§ 1° Aplica-se a este artigo o disposto no § 4° do artigo anterior.


§ 2° O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais.


Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:


I – a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;


II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;


III – o abatimento proporcional do preço.


§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.


§ 2° São impróprios os serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade.(…)


Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:


I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;


II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;


III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.” (grifei) 


DO RECONHECIMENTO DA INFRAÇÃO CONTRATUAL DECORRENTE DO ATRASO NA ENTREGA DE OBRA


Dispõe o art. 35 do Código de Defesa do Consumidor:


Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, ALTERNATIVAMENTE E À SUA LIVRE ESCOLHA:


I- exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;


II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;


III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.”


Usualmente o Poder Judiciário Brasileiro se depara com ações propostas por promitentes compradores pleiteando o reconhecimento da infração contratual de contratos de aquisição de imóveis, bem assim a reparação de danos morais e lucros cessantes, em virtude do esgotamento do prazo contratual para a entrega do empreendimento, com fundamento no art. 35, inciso III da Lei. 8.078/90 (CDC).


De outro lado as Construtoras se defendem sustentando tentando se eximir da responsabilidade pelo descumprimento contratual, sob os seguintes fundamentos:


1) Caso fortuito;


2) Força maior;


3) Exceção do contrato não cumprido, em face da inadimplência do próprio proponente da demanda ou de terceiros;


Segundo o dicionário o de Humberto Piragibe Magalhães e Christovão Piragibe Tostes Malta, caso fortuito é acontecimento imprevisto e inevitável. Força maior é o acontecimento inevitável, aquilo a que não se pode resistir… Uma inundação, um incêndio, uma guerra, um naufrágio são circunstâncias de força maior. Nessa inevitabilidade reside a característica da força maior e nisso ela se distingue do fato casual, o acaso ou caso fortuito, que é o sucesso imprevisível.(Hélio Tornaghi. Comentários ao Código de Processo Civil, vol.2, p.320-321, RT, 1975).


É de se esclarecer que o Código Civil Anotado de autoria de Maria Helena Diniz comentando sobre a inexecução da obrigação inimputável ao devedor. Está consagrado em nosso direito o princípio da exoneração do devedor pela impossibilidade de cumprir a obrigação sem culpa sua. O credor não terá direito a indenização pelos prejuízos decorrentes de força maior ou de caso fortuito (RT 726:301, 679:179, 642:184, 696:129, 444:122, 493:210, 448:111, 451:97 e 453:92).


Contudo, em sendo aplicável as disposições do Código Consumerista não se aplicam as regras do art. 393, do CC, pois as hipóteses de exclusão do dever de indenizar estão dispostas no art. 14, §3º, do CDC, in verbis:


Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (…)


§ 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:


I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;


II – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”


Donde concluísse estando em mora o Promitente/Vendedor em face do cumprimento estabelecido no contrato, assim como as alegações de caso fortuito, força maior e inadimplemento do consumidor ou de terceiro não afastar o dever de cumprimento da obrigação principal, deverá incidir os efeitos da mora contratual, por conseguinte ser responsabilizado a indenizar o consumidor das perdas e danos proveniente do descumprimento do pacto, além dos danos não patrimoniais, como é o caso dos danos morais. Vejamos:


“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DA OBRA. CLÁUSULA CONTRATUAL FIXANDO VALOR DE LOCATIVOS. MULTA PARA CASO DE DESCUMPRIMENTO. MANTIDA. É DE SER MANTIDA A PROCEDÊNCIA DO PEDIDO, QUE TEM POR OBJETO CLÁUSULA CONTRATUAL NO SENTIDO DE OBRIGAR A RÉ AO PAGAMENTO DE VALORES MENSAIS, A TÍTULO DE ALUGUEL, APÓS SEIS MESES DO PRAZO DE ENTREGA PREVISTO EM CONTRATO. Multa na hipótese de descumprimento da ordem judicial. Ausência de inconformidade da ré quando da ciência da determinação judicial. APELO NÃO PROVIDO. UNÂNIME.” (Apelação Cível Nº 70036074896, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bernadete Coutinho Friedrich, Julgado em 19/08/2010) (grifei)


“Ementa: COMPRA E VENDA. RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL. INADIMPLEMENTO DA RÉ, QUE NÃO CONCLUIU A OBRA CONFORME PROMETIDO AO PROMITENTE COMPRADOR. O INADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO POR PARTE DA PROMITENTE VENDEDORA AUTORIZA A RESCISÃO DO CONTRATO. Prova dos autos demonstrando sua responsabilidade pelo atraso na entrega da obra. Hipótese em que a restituição das parcelas recebidas deve ser integral, sem lugar para a dedução de quaisquer valores. INCIDÊNCIA DA CLÁUSULA PENAL EM FACE O INADIMPLEMENTO. Danos morais inexistentes em razão do risco do negócio. O descumprimento de cláusula contratual não enseja indenização por danos morais. Mantida a sucumbência. Apelo e recurso adesivo desprovidos. Unânime”. (Apelação Cível Nº 70032070120, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rubem Duarte, Julgado em 18/11/2009) (grifei)


“EMENTA: RESCISÃO CONTRATUAL. COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES PAGOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMO INICIAL. DANO MORAL CONFIGURADO. QUANTUM. RECURSO ADESIVO. NÃO VINCULAÇÃO COM O PRINCIPAL. NÃO CONHECIMENTO. Verificada a culpa exclusiva da construtora pela rescisão contratual, deve ser devolvido ao comprador a integralidade dos valores pagos, corrigidos desde a época do desembolso. CARACTERIZA DANO MORAL INDENIZÁVEL A CONDUTA DA CONSTRUTORA DE PROCRASTINAR, SEM MOTIVO JUSTIFICADO, O INÍCIO DA OBRA, FRUSTRANDO O SONHO DO COMPRADOR DE TER A CASA PRÓPRIA. A quantificação do dano moral obedece ao critério do arbitramento judicial, que, norteado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixará o valor, levando-se em conta o caráter compensatório para a vítima e o punitivo para o ofensor. A apelação adesiva não pode ser conhecida se a matéria nela versada não foi objeto da principal.” (Apelação Cível Nº 1.0024.10.044661-6/001, Comarca Belo Horizonte, 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais) (grifei)


Do mesmo modo o Direito Português assegura indenização de ordem não patrimonial em virtude da responsabilidade contratual.


RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – DANOS NÃO PATRIMONIAIS – NA RESPONSABILIDADE CONTRATUAL SÃO INDEMNIZÁVEIS OS DANOS NÃO PATRIMONIAIS QUE MEREÇAM A TUTELA DO DIREITO. (Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, 22-06-2005 – Revista n.º 1526/05 – 2.ª Secção – Ferreira Girão (Relator) *, Loureiro da Fonseca e Lucas Coelho) (grifei)


CULPA IN CONTRAHENDO – DANOS NÃO PATRIMONIAIS – INDEMNIZAÇÃO – SÃO MERECEDORES DA TUTELA DO DIREITO OS DANOS NÃO  PATRIMONIAIS DOTADOS DE GRAVIDADE BASTANTE QUE DECORRAM DA RUPTURA DAS NEGOCIAÇÕES ENCETADAS ENTRE AS PARTES.” (Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, 14-03-2006 – Revista n.º 3307/05 – 2.ª Secção – Rodrigues dos Santos (Relator), Moitinho de Almeida e Noronha Nascimento) (grifei)


CONCLUSÃO


Com a entrega em vigor da 10.406/2002, o Código Civil, há de ser examinadas se as relações de consumo permanecem reguladas inteiramente pelo CDC, ou se algumas dessas relações podem ser afetadas pelo Código Civil. Para encontrar uma solução.


No Brasil se adotou sistema aberto como a ordem jurídica nacional, na qual pode sofrer a influência de valores sociais, econômicos, morais, que estão fora dele e sobre ele atuam.


Portanto, em face dos princípios que regem as relações de consumo as normas civis são influenciadas pelo micro sistema Consumerista.


Neste contexto o diálogo de fontes possibilita a convivência harmônica das várias normas que compõe o universo legislativo de defesa do consumidor, utilizando sempre a que for mais favorável ao consumidor ainda que não consagrada pela Lei n. 8.078/90, de forma que a tutela do consumidor seja alcançado e efetivada.


Portanto, a atividade de construção civil passou a ser reguladas diretamente pelo CDC, inclusive, a responsabilidade contratual e extracontratual.


Assim as eventuais discussões sobre o descumprimento do pacto e as relações decorrentes da atividade de construção civil aplicando-se a regra da responsabilidade civil, e as excludentes dispostas no §3º, do art. 14, do Código de Defesa do Consumidor.


Logo extrapolando o prazo contratual estabelecido na avença, a qual a Promitente/Vendedor (Construtora) se compromete a entregar o imóvel na data aprazada e não apartado o dever de cumprimento da obrigação principal, incide os efeitos da mora contratual, por conseguinte, gera o dever de indenizar o Promitente/Comprador (Consumidor) pelas perdas e danos provenientes do descumprimento da convenção.


 


Bibliografia

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Notas:

[1] Artigo apresentado ao Curso Intensivo de Doutorado em Direito Civil da Universidade de Buenos Aires – UBA, 2º Módulo, Turma C-21, como requisito avaliação na disciplina de Direito Obrigacional, ministrado pela Professora Doutora Sandra Mabel Wierzba.

[2] A obrigação extingue-se quando o benefício que é o objeto do mesmo, torna-se física ou legalmente impossível sem culpa do devedor. (Código Civil Argentino)

[3] A remuneração inclui danos e prejuízos lucros cessantes, quer devido à falta de cumprimento da obrigação ter sido cumprida ou imperfeitamente, ou atrasaram o cumprimento.

Excetuados os casos em que a lei expressamente limites danos. (Código Civil de La Republica de Chile)

[4] DECRETO-LEI Nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966.

[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro volume 7. 16. ed. São Paulo: editora Saraiva, 2002, p. 201.


Informações Sobre o Autor

Charlei Gomes de Souza Miranda

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Pará (2003/2008). Especialista em Direito Processual pela UNISUL (2009). Estudante Regular do Curso de Doutorado em Direito Civil pela Universidade de Buenos Aires – UBA. Especializando em Direito Agroambiental e Minerário (ESM-PA/UFPA).


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