Resumo: Considerando que o princípio fundamental da segurança jurídica é um dos pilares do ordenamento jurídico pátrio, este deve ser aplicado a todos os ramos do direito, justificando-se, assim, sua aplicação também na esfera tributária, devendo o legislador/aplicador da norma se ater ao princípio constitucional da irretroatividade tributária, quando da instituição ou majoração de tributos, sob pena de causar prejuízos aos contribuintes. Nesse sentido, o poder exercido pelo fisco deve respeitar as fronteiras do campo material de incidência definido pela Constituição e, ainda, deve ser submisso às demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que integram a demarcação desse campo e limitam o exercício daquele poder. O presente artigo tem por objetivo demonstrar a necessária observância do princípio fundamental da segurança jurídica no que tange à aplicação da irretroatividade tributária, como forma de garantir ao contribuinte direito subjetivo protegido constitucionalmente, ou seja, o Estado tem o dever de informar ao cidadão, antecipadamente, qual norma se encontra vigente, o que sinaliza a lógica precedência da norma perante o fato por ela regulamentado, bem como ainda fazer com o mesmo compreenda, em um segundo momento, o conteúdo da norma, no que tange à sua clareza, calculabilidade e controlabilidade.[i]
Palavras-chave: Irretroatividade tributária. Segurança jurídica. Direito subjetivo.
Abstract: Considering that the fundamental principle of legal certainty is one of the pillars of the legal parental rights, this should be applied to all branches of law, justifying thus its application in the sphere of taxation, should the legislature/applicability of the standard stick to the constitutional principle of retroactive tax, when the institution or increase of taxes, under penalty of causing losses to the taxpayers. In this sense, the power exercised by the tax authorities must respect the boundaries of a material incidence defined by the Constitution, and also should be submissive to the other constitutional or infra comprising the demarcation of the field and limit the exercise of that power. This article aims to demonstrate the necessary compliance with the fundamental principle of legal certainty regarding the retroactive application of tax as a way to ensure the taxpayer constitutionally protected subjective right, ie, the state has a duty to inform the citizen in advance, which is standard in force, which signals the logical precedence of the rule before the fact regulated by it, and still make it understand, in a second stage, the content of the standard, in terms of their clarity, calculability and controllability.
Keywords: Retroactive tax. Legal certainty. Subjective rights.
Sumário: Introdução. 1. As limitações do Estado no poder de tributar. 2. A segurança jurídica na irretroatividade tributária. 3. Os casos em que não se aplica o princípio da irretroatividade tributária. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
Deve-se ressaltar a importância do tema a ser discutido no presente artigo, pois, como se verá adiante, o princípio fundamental da segurança jurídica é uma garantia constitucional dada ao contribuinte, sendo, assim, direito fundamental subjetivo, que o protege contra os abusos cometidos por vezes pelo fisco, no caso deste não observar as limitações ao poder de tributar previstos expressamente na Constituição Federal.
Destarte, cabe destacar aqui o princípio constitucional da irretroatividade tributária, previsto expressamente no art. 150, III, “a” da Carta Magna, o qual se entrelaça à própria essência do Direito. Tal princípio busca resguardar ao contribuinte a segurança jurídica e a estabilidade dos direitos subjetivos no que toca à relação deste com o fisco, ao impor que é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado.
Atualmente a doutrina tributarista se posiciona no sentido de que a segurança jurídica é inerente à aplicação dos Princípios Constitucionais Tributários e, na esfera da irretroatividade tributária, esta é representada a partir de duas perspectivas: a) que o cidadão deve saber antecipadamente qual norma é vigente, possibilitando que possa valer-se de um prévio cálculo, antes mesmo do conhecimento do conteúdo da lei; b) que, posteriormente, o cidadão deve compreender o conteúdo da norma, no que tange à sua clareza, calculabilidade e controlabilidade.
Outrossim, o princípio da segurança jurídica sob o crivo da irretroatividade tributária transmite aos contribuintes um sentimento de tranquilidade, garantindo aos mesmos a oportunidade de se precaverem de ações futuras do fisco. Com isso, a segurança nas relações jurídicas entre contribuinte/fisco é indispensável para se obter o verdadeiro valor de justiça, o qual advém da própria essência do Direito.
Assim, deve-se observar que o tema em debate é de suma relevância no âmbito do direito tributário, no que diz respeito à proteção do contribuinte, servindo como limitação ao Estado no poder de instituir e cobrar tributos a fatos pretéritos, devendo o intérprete da lei dar maior importância aos fundamentos do princípio da segurança jurídica quando da aplicação das normas tributárias, a fim de buscar a realização da justiça material.
O presente artigo objetiva demonstrar a relevância do princípio fundamental da segurança jurídica na aplicação do princípio constitucional da irretroatividade tributária, bem como evidenciar que a não observância daquele princípio prejudicará direito subjetivo do contribuinte protegido constitucionalmente.
1. AS LIMITAÇÕES DO ESTADO NO PODER DE TRIBUTAR
A relação entre contribuinte e fisco é jurídica e não simplesmente de poder, sendo que se tem como incontestável a existência de princípios pelos quais se rege. Tais princípios existem para proteger o contribuinte contra os abusos por vezes cometidos pelo fisco. Nesse sentido, em face do elemento teleológico, o aplicador da norma, que tem consciência dessa finalidade, utiliza tais princípios para a efetiva proteção do contribuinte.
O Direito é um instrumento de defesa contra o arbítrio, e a supremacia constitucional, que hospeda os mais relevantes princípios jurídicos, é um mecanismo de defesa do cidadão contra o Estado, não podendo ser utilizada por este contra aquele.
No que tange aos princípios constitucionais tributários, os quais se encontram elencados nos artigos 150, 151 e 152 da Constituição Federal, estes servem como verdadeiras garantias constitucionais do contribuinte contra a força do fisco, assumindo a postura de concretas limitações constitucionais ao poder de tributar.
Com efeito, tais balizamentos, no campo dos princípios tributários, não são somente aqueles princípios encontrados na seção constitucional denominada “Das Limitações do Poder de Tributar”. Dessarte, há na Constituição Federal, outras normas que são aptas a inibir o poder do fisco, como, por exemplo, as normas de imunidade tributária e as de proibição de privilégios e de discriminações fiscais.
Nesse sentido, consequentemente, é recomendável que o intérprete da norma deve conceber as limitações ao poder de tributar, conceitualmente, de modo amplo e sistêmico, não se resumindo aos limites dos princípios constitucionais tributários.
Além de partilhar entre os entes políticos a respectiva competência tributária, a Constituição fixa vários balizamentos, que abrigam valores por ela julgados relevantes, com enfoque especial para os direitos e garantias fundamentais. O conjunto dos princípios e normas responsáveis por esses balizamentos da competência tributária corresponde às limitações do poder de tributar.
O ponto mais visível das limitações do poder de tributar desdobra-se nos princípios constitucionais tributários e nas imunidades tributárias; todavia, tais limites não se resumem aos citados. Ademais, a Carta Política permite a atuação de outras espécies normativas (lei complementar, resoluções do Senado, convênios), as quais, em determinados casos, também balizam o poder do legislador no que tange à criação ou modificação dos tributos.
Nessa esteira, o poder exercido pelo fisco deve respeitar as fronteiras do campo material de incidência definido pela Carta Magna e, ainda, deve ser submisso às demais normas constitucionais ou infraconstitucionais que integram a demarcação deste campo e limitam o exercício daquele poder.
2. A SEGURANÇA JURÍDICA NA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA
O princípio da segurança jurídica busca promover os valores supremos da sociedade, inspirando a edição e a correta aplicação das leis; assim, o Direito visa à obtenção do que é justo, procurando tornar segura a vida dos cidadãos, principalmente quando o intérprete da lei aplica as normas jurídicas que dão efetividade às garantias constitucionais.
Igualmente, o Direito, com sua positividade, confere segurança às pessoas e deve promover aos cidadãos sentimentos de certeza e igualdade, a fim de se obter a tão almejada segurança jurídica.
Nesse diapasão, o princípio fundamental da segurança jurídica é visto como uma das vigas mestras do ordenamento jurídico, sendo um dos subprincípios básicos do próprio conceito de Direito.
Seguindo esse raciocínio, o princípio da segurança jurídica faz parte da própria essência do Direito, notadamente de um Estado Democrático de Direito, enquadrando-se entre seus princípios gerais, com isso fundindo-se ao sistema constitucional por completo.
Sob este prisma, no direito tributário tais objetivos são alcançados quando a norma, longe de abandonar o contribuinte aos critérios subjetivos e cambiantes do fisco, traça uma ação-tipo que descreve o fato que, acontecido no mundo fenomênico, fará nascer o tributo, devendo tal norma descrever, detalhadamente, as hipóteses de incidência do tributo.
A doutrina tributarista traduz a ideia de que a irretroatividade tributária se conecta à própria ideia do Direito, trazendo o timbre de segurança jurídica e a estabilidade dos direitos subjetivos ao espectro da relação impositivo-tributária, ao prever que é vedada a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da lei que os houver instituído ou aumentado.
Ademais, a segurança jurídica pode ser vista a partir de duas perspectivas: que o cidadão deve saber antecipadamente qual norma é vigente, o que sinaliza a lógica precedência da norma perante o fato por ela regulamentado; bem como ainda deve, em um segundo momento, compreender o conteúdo da norma, no que tange à sua clareza, calculabilidade e controlabilidade.
Vale ressaltar ainda que, se o Estado de Direito é interligado de modo íntimo à legalidade em prol da segurança jurídica, não se pode deixar de levar em conta o fato de que tal norma deve ser sempre aplicada para o futuro.
Todavia, cabe mencionar que só o princípio da irretroatividade tributária não basta para tornar o princípio da segurança jurídica plenamente eficaz. Este, enquanto base de todo o ordenamento jurídico, exige a expressa previsão de garantias constitucionais que sirvam à sua preservação e observância por parte dos aplicadores do Direito. Tais garantias constitucionais, além da irretroatividade, são os princípios da legalidade e da anterioridade tributária.
Nesse vértice, o princípio constitucional tributário da legalidade é aquele que garante ao contribuinte que nenhum tributo será instituído, nem aumentado, a não ser por meio de lei, conforme determina o art. 150, I, da CF/88. Sendo a lei manifestação legítima da vontade do povo, por meio de seus representantes, a expressão ser instituída por lei significa dizer que o tributo foi criado com o consentimento daquele. Assim, o povo consente que o Estado invada seu patrimônio, para dele retirar os recursos inerentes à satisfação do interesse coletivo.
No que concerne ao princípio constitucional da anterioridade tributária (art. 150, III, “b”, da CF/88), fica vedada a cobrança de tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Outrossim, com o advento da EC n. 42/2003, que acrescentou a alínea “c” ao inciso II do art. 150, agora, a criação ou aumento do tributo devem ocorrer antes do início do exercício no qual é cobrado, e a norma respectiva deverá ter um período de vacância de no mínimo 90 dias.
A norma constitucional que protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, conhecido como princípio da irretroatividade das normas, não vinha sendo, é bom que se reconheça, obstáculo suficientemente forte para impedir certas iniciativas de entidades tributantes, em especial a União, no que tange a atingir fatos pretéritos, já consumados no tempo.
Desta feita, os contribuintes, confiantes de que seus atos se encontravam sob o pálio do magno princípio supracitado, foram surpreendidos por abusivas cobranças tributárias, que assumiram o nome de empréstimo compulsório. Porém, na primeira oportunidade, que ocorreu com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, foi criada outra prescrição explícita, agora dirigida rigorosamente para o campo das pretensões tributárias, nascendo, com isto, o princípio da irretroatividade tributária.
É importante destacar que, sob o enfoque da segurança jurídica na irretroatividade das normas, se a lei revogada produziu efeitos em prol de uma pessoa, diz-se que ela criou situação jurídica subjetiva e, consequentemente, aquela pessoa adquiriu direito subjetivo.
Ora, se vem lei nova, revogando aquela em que durante sua vigência se formou direito subjetivo, tal direito subjetivo não ficará prejudicado; muito pelo contrário, com a mudança da norma, será transformado em direito adquirido. Para elucidar o tema, a Constituição prescreve em seu art. 5º, inciso XXXVI, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, tal enunciado visa à proteção dos direitos subjetivos.
Com relação ao princípio da irretroatividade tributária, a Constituição busca vedar expressamente a aplicação da lei posterior, que criou ou aumentou tributo, a fato anterior, que, por lógica, continua sendo não gerador de tributo, ou permanece como gerador de um tributo reduzido, com base na lei da época de sua ocorrência.
Assim, o aplicador da norma tributária não pode deixar de aplicar tributo (nem reduzi-lo), em relação a fatos anteriores, baseando-se no fato de que a lei nova extinguiu ou reduziu o gravame fiscal previsto na lei antiga. Igualmente, lei tributária que eleja fatos pretéritos como suporte fático da incidência de gravame fiscal antes não exigível, ou exigível em valor inferior, será manifestamente inconstitucional.
Urge dizer que, se a lei que instituiu ou aumentou determinado tributo faz surtir seus efeitos sobre fatos geradores já ocorridos, a norma será inconstitucional somente em relação a esses fatos geradores, permanecendo válida em relação àqueles que venham a ocorrer a partir do momento em que a norma começa a surtir seus efeitos jurídicos.
Com isto, a título de exemplo, no caso do imposto de renda, com fulcro no princípio fundamental da segurança jurídica, a lei nova que agrava os encargos do contribuinte somente deve ser aplicada aos fatos ainda não iniciados, ou seja, a lei mais rigorosa deve ser aplicada no ano seguinte ao de sua publicação.
Por outro lado, não é o que entende o Supremo Tribunal Federal, o qual ainda aplica a antiga Súmula n. 584, para fins de incidência de lei nova no imposto de renda, agindo em desconformidade com o que dispõem os postulados da anterioridade e da irretroatividade tributária. Dessarte, a referida Súmula chancela a legitimidade de um imposto de renda retroativo, o que é manifestamente inconstitucional.
Segue abaixo um julgado do Pretório Excelso, que demonstra claramente a aplicação da rançosa Súmula n. 584, senão vejamos:
“EMENTA: – DIREITO CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. IMPOSTO DE RENDA SOBRE EXPORTAÇÕES INCENTIVADAS, CORRESPONDENTE AO ANO-BASE DE 1989. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA PARA 18%, ESTABELECIDA PELO INC. I DO ART. 1º DA LEI Nº 7.968/89. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AO ART. 150, I, "A", DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 1. O Recurso Extraordinário, enquanto interposto com base na alínea "b" do inciso III do art. 102 da Constituição Federal, não pode ser conhecido, pois o acórdão recorrido não declarou a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. 2. Pela letra "a", porém, é de ser conhecido e provido. 3. Com efeito, a pretensão da ora recorrida, mediante Mandado de Segurança, é a de se abster de pagar o Imposto de Renda correspondente ao ano-base de 1989, pela alíquota de 18%, estabelecida no inc. I do art. 1º da Lei nº 7.968, de 28.12.1989, com a alegação de que a majoração, por ela representada, não poderia ser exigida com relação ao próprio exercício em que instituída, sob pena de violação ao art. 150, I, "a", da Constituição Federal de 1988. 4. O acórdão recorrido manteve o deferimento do Mandado de Segurança. Mas está em desacordo com o entendimento desta Corte, firmado em vários julgados e consolidado na Súmula 584, que diz: "Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração." Reiterou-se essa orientação no julgamento do R.E. nº 104.259-RJ (RTJ 115/1336). 5. Tratava-se, nesse precedente, como nos da Súmula, de Lei editada no final do ano-base, que atingiu a renda apurada durante todo o ano, já que o fato gerador somente se completa e se caracteriza, ao final do respectivo período, ou seja, a 31 de dezembro. Estava, por conseguinte, em vigor, antes do exercício financeiro, que se inicia a 1º de janeiro do ano subseqüente, o da declaração. 6. Em questão assemelhada, assim também decidiu o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do R.E. nº 197.790-6-MG, em data de 19 de fevereiro de 1997. 7. R.E. conhecido e provido, para o indeferimento do Mandado de Segurança. 8. Custas ex lege”.
Ocorre que, é possível encontrar no Superior Tribunal de Justiça uma certa aversão à Súmula em tela, preferindo esta Corte se apegar aos princípios constitucionais tributários a seguir o entendimento do STF.
Para ficar clara a posição do STJ quanto ao tema, vejamos o que entendeu esta Egrégia Corte no julgado abaixo:
“EMENTA: PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE – IMPOSTO DE RENDA.
1. A lei que altera o imposto de renda deve estar em vigor em um ano, para poder incidir no ano seguinte. A incidência se faz pela eficácia da norma.
2. Publicada a Lei 9.430/96, em 1º de janeiro do ano seguinte já estava com eficácia completa e passível de aplicação, para reflexo no pagamento do exercício de 1998.
3. Embargos de declaração acolhidos, mas sem efeitos modificativos”.
Superado o debate acima, é importante destacar que há um limite constitucional intransponível à discrição do legislador, no que diz respeito à fixação do lapso temporal para fins de incidência do imposto criado ou aumentado, pois não pode ser anterior à consumação (completo acontecimento) do fato, sob pena de inconstitucionalidade da norma, devido à violação do princípio da irretroatividade da lei tributária.
Igualmente, o principio constitucional da irretroatividade tributária protege também os contribuintes dos atos do poder judiciário, ou seja, do aplicador da norma, uma vez que uma decisão judicial é sempre fundamentada segundo certa leitura ou interpretação da lei em vigor. Interpretação nova, ainda que mais razoável, não pode atingir uma sentença transitada em julgado, sob pena de ferir a coisa julgada, a qual tem o condão de garantir a segurança e a estabilidade nas relações jurídicas.
3. OS CASOS EM QUE NÃO SE APLICA O PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE TRIBUTÁRIA
Indubitavelmente, cabe salientar que o sistema jurídico-constitucional pátrio não assentou como regra absoluta, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade tributária. As hipóteses do art. 106, I e II, do CTN, não são exceções ao princípio, o que ocorre é que o Código Tributário Nacional não adota como regra a irretroatividade da lei tributária, sendo que tal dispositivo prevê tão-somente a aplicação de leis produtoras de efeitos jurídicos sobre atos pretéritos.
É mais prudente e adequado dizer, na esfera tributária, que não há incompatibilidade entre o princípio da irretroatividade e a existência de leis produtoras de efeitos jurídicos sobre atos pretéritos, pois tais hipóteses de retroatividade são a própria corroboração da regra constitucional da irretroatividade.
No que tange ao inciso I do art. 106 do CTN, o legislador faz menção às chamadas leis interpretativas, prescrevendo que, em qualquer caso, assumindo as normas essa característica, podem ser aplicadas a atos ou fatos pretéritos; porém, deve ser excluída a aplicação de penalidades à infração dos dispositivos interpretados.
Tais normas interpretativas objetivam o esclarecimento de dúvidas levantadas pelos termos da linguagem da lei interpretada, sanando obscuridades, não devendo criar novas regras de conduta para os contribuintes e, caso sejam aplicadas, possuirão eficácia ex tunc, ou seja, retroagirão ao início da vigência da lei interpretada.
Porém, a lei interpretativa somente irá retroagir para beneficiar o contribuinte, jamais o fisco, se limitando a traduzir e a esclarecer a lei interpretada.
É importante expor aqui um julgado do Superior Tribunal de Justiça, o qual sedimenta o entendimento exposto acima a respeito das leis interpretativas, senão vejamos:
“TRIBUTÁRIO. SISTEMA INTEGRADO DE PAGAMENTO DE IMPOSTOS E CONTRIBUIÇÕES (SIMPLES). APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO.
1. A lei tributária mais benéfica e aquelas meramente interpretativas retroagem, a teor do disposto nos incisos I e II, do art. 106, do CTN.
2. O § 4º introduzido pela Lei n.º 9.528/97 no art. 9º, da Lei n.º 9.317/96, ao explicitar em que consiste "a atividade de construção de imóveis", veicula norma restritiva do direito do contribuinte, cuja retroatividade é vedada.
2. "Consoante o disposto no artigo 8º, parágrafo 2º da Lei n.º 9.317/96, a opção da pessoa jurídica pelo SIMPLES, submeterá a optante à esta sistemática, a partir do primeiro dia do ano-calendário subseqüente." (REsp n.º 329892/RS, Rel.Min. Garcia Vieira, DJ de 05.11.2001).
3. Recurso especial improvido”.
Quanto ao inciso II do art. 106 do CTN, nas alíneas “a” e “c”, observa-se a incontestável aplicação da retroatividade benigna, pois se prevê expressamente, em benefício do contribuinte, a retroação da norma que não mais pune certo ato ou que possui previsão de penalidade menos severa, assim, eximindo o contribuinte de pena ou sujeitando-o à penalidade mais branda.
Já a alínea “b” do dispositivo citado trata da hipótese em que certo ato, que era contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, passa a não ser mais tratado como tal com o advento de lei nova, desde que o ato não tenha sido fraudulento e não tenha resultado em falta de pagamento de tributo. Resumindo, o ato que antes configurava uma infração à lei da época passa a não ser mais punível pela lei nova.
Diante da inegável contradição que há entre as alíneas “a” e “b”, é imperiosa a aplicação do princípio in dubio pro reo[ii], determinado pelo art. 112 do CTN, devendo ser aplicada, assim, a alínea “a”.
Houve redundância na definição das alíneas “a” e “b”, devido ao fato de que seus conteúdos são quase idênticos e, havendo dúvida quanto à aplicação, deve prevalecer a alínea “a”, a qual é mais abrangente quanto à proteção desonerativa.
Isto posto, analisando por completo o art. 106 do CTN, as possibilidades de retroação nele expressas acabam por beneficiar os contribuintes, preservando a segurança das relações entre estes e o fisco, bem como o legítimo direito que os administrados possuem de não terem agravada a situação jurídica anteriormente estabelecida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se demonstrar neste artigo que é dever do legislador/aplicador da norma tributária, se ater a todos os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais que balizam o campo de incidência do poder do fisco, e não somente ao princípio constitucional da irretroatividade tributária, quando da instituição, majoração ou aplicação dos tributos, com o fim de assegurar aos contribuintes a intangibilidade dos atos e fatos lícitos já praticados, conferindo estabilidade nas relações jurídicas entre estes e o Estado.
Informações Sobre o Autor
Ricardo Raizer
Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade Assis Gurgacz – FAG