Resumo: O empreendedorismo é um fenômeno que ocorre no Brasil, e tem aumentado significativamente tanto em razão da redução do número de postos de empregos nas grandes empresas quanto em razão da estabilização da economia. Neste cenário, o empresário individual tem campo de atuação reduzido, em razão do risco em que coloca seu patrimônio pessoal quando se lança na atividade empresarial. Seu patrimônio e o da empresa são considerados como um só, o que pode comprometer seu bem estar pessoal, e serve de incentivo negativo à criação de novos empreendimentos. Para se chegar a limitação da responsabilidade, utiliza-se artifícios como a constituição de sociedade limitada onde um sócio detém o controle e a administração da empresa, haja vista que detém a maioria esmagadora do capital social. Forja-se assim em sociedade fictícia. A adoção da Sociedade Unipessoal seria o instrumento adequado para o empreendedor que pretende limitar a sua responsabilidade ao negócio comercial. Já adotado em outros ordenamentos jurídicos, no Brasil existe apenas na figura da empresa pública e na subsidiária integral. O projeto de lei que previa a sua instauração foi arquivado. É, porém, perfeitamente possível no nosso ordenamento, atendendo tanto a interesses empresarias quanto sociais.
Palavras-Chave: Empresarial – Comercial – Sociedade – Unipessoal – Empresário Individual – Responsabilidade Limitada.
Sumário: 1. Introdução. 2. Empreendedorismo no Brasil. 3. Caracterização do empresário individual. 3.1 A Capacidade Jurídica. 3.2 Os Impedidos de Exercer a Empresa. 4. Personalidade jurídica. 4.1 Extinção da Pessoa Jurídica. 5. As sociedades fictícias. 6. A sociedade unipessoal. 6.1 O Nomen Iuri. 6.2 O Projeto de Lei 2730/03. 7. A unipessoalidade no Brasil – empresa pública e subsidiária integral. 8. A sociedade unipessoal em outros ordenamentos jurídicos. 9. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilização do sócio unipessoal. 10. Conclusão. Referências
1. INTRODUÇÃO
O incentivo à criação de micro e pequenas empresas mostra-se em nosso país como uma forma de criação de empregos, além de desenvolvimento econômico. As micro e pequenas empresa já encontram incentivos na nossa legislação, incluindo medidas protetivas.
A empresa individual e o empresário são um ente uno. Não se distingue entre a pessoa física e a jurídica. Em razão disso, encontramos um grande problema de ordem patrimonial. A responsabilidade do empresário individual é sempre ilimitada, de forma que seu patrimônio pessoal fica sempre desprotegido em razão da sua atividade.
Outros benefícios advêm da personalidade jurídica, porém, indubitavelmente, a separação patrimonial é o maior deles. A diminuição do risco empresarial ao montante dedicado ao negócio é fator determinante para o fomento a atividade comercial.
2. EMPREENDEDORISMO NO BRASIL
Durante toda a história do Brasil, desde o descobrimento até os dias atuais, o nosso povo enfrentou todo tipo de dificuldade e obstáculos. Sempre houve “uma pedra no caminho” dos brasileiros. No entanto, sempre fomos pessoas de grande imaginação, força de vontade e capacidade de realizar nossos sonhos, superar os obstáculos.
Um obstáculo que se acentuou nas últimas décadas é o desemprego. Com as instabilidades da economia, associadas à modernização e mecanização das indústrias, o número de postos de emprego vem diminuindo constantemente. Vez ou outra se comemora pequenos retrocessos nos índices de desemprego, mas nunca tão expressivos quanto os de desemprego.
No entanto, não se deve confundir emprego com trabalho. O emprego é apenas uma relação entre pessoas, uma que organiza o trabalho (força empreendedora) e outra que realiza o trabalho, vendendo seu esforço físico ou mental para a outra que detém a capacidade organizacional. Já o trabalho é o esforço humano dotado de um propósito para se alcançar um fim determinado.
Queremos dizer que o fim do emprego não significa o fim do trabalho. Uma forma de circular e produzir bens e gerar riquezas é o empreendedorismo. Empreendedor, para a economia, é aquele fundador de uma empresa ou entidade, aquele que constrói tudo a duras custas, criando o que ainda não existia, que faz de si mesmo o centro do seu trabalho, não dependente de outros para se situar no mercado.
Para o professor Robert Menezes, empreendedorismo é “aprendizagem pessoal, que, impulsionado pela motivação, criatividade e iniciativa, busca a descoberta vocacional, a percepção de oportunidades e a construção de um projeto de vida ideal (MTC – Metodologia para Gestão do Processo de Formação Empreendedora em Universidades – Lócus Científico, 2007, vol. I, p. 72)”.
Podemos ainda afirmar que o empreendedor é aquele que enxerga uma oportunidade e dela gera um negócio, capaz produzir e circular riquezas, assumindo os riscos da atividade empresarial.
O incentivo ao empreendedorismo é então compreendido como uma importante forma de fomento ao crescimento econômico de um país, inclusive capaz de gerar não só riquezas, mas também empregos e a circulação de bens e serviços.
No Brasil, a partir da década de 90, o empreendedorismo ganhou força, principalmente em razão da estabilidade da economia, e do competitivismo com a entrada dos produtos importados. O governo deu início a uma série de reformas visando o controle da inflação, o equilíbrio do mercado e o ajuste da economia, gerando, inclusive, boas repercussões no campo das relações internacionais.
Uma das medidas para fomentar o empreendedorismo foi o tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas. Estas gozam de incentivos fiscais, simplificação contábil e ausência de exigência de formalismo dos seus atos gerenciais. Gozam ainda de facilitação no aceso ao crédito e preferências nas licitações. A Lei Complementar 123/2006 é a positivação do entendimento que o incentivo ao empreendedorismo é um ponto forte para o desenvolvimento do país.
Uma outra forma de fomento à atividade econômica seria a adoção das chamadas “Sociedades Unipessoais”. São aquelas pessoas jurídicas formadas por apenas um sócio, com grande capacidade de empreender e disposição para aportar recursos a um fim empresarial.
A principal característica desse tipo societário seria dar a oportunidade ao empresário individual de destacar parte do seu patrimônio para dedicar a empresa, preservando o seu particular. A instituição de leis que garantam ao empreendedor individual a separação patrimonial é de grande valia e mecanismo para alavancar o crescimento econômico.
A necessidade do incentivo ao empreendedorismo através da limitação da responsabilidade pode ser traduzido nas palavras da advogada Érica Camossi:
“Destarte, o direito deve sim estabelecer mecanismos de limitação de perdas para fomentar a exploração da atividade econômica, já que os bens e serviços necessários ou úteis à pessoa humana produzem-se em empresas” (Revista Consultor Jurídico, 11/07/2006).
Dados estatísticos revelam que no ano de 2008, até setembro, tinham sido inscritas na Bahia 13.722 empresas individuais, contra 11.897 sociedades limitadas[1]. No Brasil, entre 1985 e 2005, esse número chega a 4.569.288 empresas individuais constituídas, e 4.300.257 sociedades limitadas[2]. Ainda sendo largamente utilizado o artifício das “sociedades fictícias”[3], esses números revelam que o brasileiro prefere evitar as demandas entre sócios, e colocar em prática sua veia empreendedora.
Esses números não revelam apenas isso, mas também a posição de destaque mundial em relação ao empreendedorismo, sendo um dos países de melhor colocação no ranking de países empreendedores.
Assim sendo, reforçamos a afirmação que a criação das Sociedades Unipessoais é um incentivo ao empreendedorismo, já que o risco da atividade empresarial não deve atingir o patrimônio particular do empreendedor, fator este que faz com que ele se retraia e desista de se lançar no mercado.
Em arremate de conclusão, para se verificar a necessidade da implantação da Sociedade Unipessoal num país onde o empreendedorismo é fator determinante do bem estar da população, faço minhas as palavras de George Bernard Shaw:
“Alguns homens vêem as coisas como são, e perguntam: ‘por quê?’. Eu sonho com as coisas que nunca existiram e pergunto: ‘por que não?’.”
3. CARACTERIZAÇÃO DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
O simples fato de praticar algum ato de mercancia não caracteriza a pessoa como empresário ou comerciante. Faz-se mister a presença de determinados requisitos para a consolidação desta condição.
Waldemar Ferrera, (apud Waldo Fazzio Junior, pg. 48. 2003) elencava quatro fatores para determinar a condição de “comerciante de direito”, a saber: (a) a livre administração de sua pessoa e bens; (b) a profissionalidade habitual da mercancia; (c) a matrícula; (d) a ausência de proibição expressa.
Tais requisitos são encontrados discriminados na própria legislação, de forma expressa, a exceção do item (a), que nos serve para determinar a pessoa do empresário. Em outras palavras, equivaleria a separar o comerciário (mero trabalhador do comércio) do comerciante. O primeiro exerce uma profissão habitual ligada à mercancia, entretanto, sem dispor de patrimônio próprio ou investimento em atividade econômica. Trata-se de um mero agente do empresário em suas negociações, quando este não o faz pessoalmente.
Os demais requisitos serão tratados individualmente, pois consubstanciam-se em formalidades necessárias à condição de empresário.
Para Waldo Fazzio Junior, o empresário individual se caracteriza pela reunião de cinco elementos:
– capacidade jurídica;
– ausência de impedimento legal para o exercício da empresa;
– efetivo exercício profissional da empresa;
– regime jurídico peculiar regulador da insolvência; e
– registro.
Como se pode notar, existem pontos comuns para o entendimento da delimitação do conceito de empresário individual. Outro ponto chave, decorrente da própria definição apresentada pelo artigo 966 do Código Civil, e muito bem agregado por Fran Martins (2008, p. 84), é o intuito de obter lucro. Atividade econômica organizada pressupões a finalidade lucrativa ou outro resultado econômico, já que a destinação é a criação de riqueza e circulação de capital. A circulação de capital se dá na forma de moeda, bens ou serviços.
A qualidade de comerciante ou empresário é definida e caracterizada de diversas maneiras, nos diversos sistemas legislativos existentes no mundo. Para o aprofundamento da caracterização do empresário, é interessante citar alguns países de maior influência para o direito brasileiro.
No direito francês, em razão de disposição do próprio código, os comerciantes são definidos, segundo o artigo primeiro, como “as pessoas que exercem atos de comércio e deles fazem profissão habitual”. Da simples leitura, chega-se aos dois requisitos para a caracterização como comerciante: o exercício de atos de comércio e a profissionalidade habitual. Da profissionalidade habitual extrai-se a necessidade do intuito especulativo, ou seja, a obtenção de lucro como decorrente da atividade, de forma regular.
No Brasil, até a adoção pelo Código Civil de 2002 da teoria da empresa, a teoria dos atos do comércio, presente no Código Comercial ora revogado em sua primeira parte (Do Comércio em Geral), a definição de comerciante era similar à do código francês, embora apenas na orientação da necessidade dos atos do comércio, já que divergente na delimitação da classe comercial. Outras legislações caracterizaram o comerciante de forma derivada ao sistema francês, tais como os sistemas belga, holandês, o húngaro, o austríaco e o português de 1888.
O código espanhol de 1829, eivado de sentido corporativo, conotava os privilégios conferidos a esta classe, reputada pela própria definição como uma classe especial, senão vejamos no artigo 1º daquele código:
“Reputam-se comerciantes as pessoas que, tendo capacidade legal para exercer o comércio, se hajam inscrito na matrícula dos comerciantes e tenham por ocupação habitual e ordinária o tráfico mercantil, fundado nele o seu estado político”.
A ocupação habitual e ordinária determinava a necessidade da profissionalidade e habitualidade, para a sua caracterização. A necessidade da matrícula dos comerciantes permitia a estes a finalidade de poder gozar dos privilégios conferidos à esta categoria.
Embora substituído por um novo código, em 1885, afastando o corporativismo, o código espanhol primitivo influenciou outros sistemas como o de Costa Rica, Uruguai e Equador, onde continuava-se tratando os comerciantes como uma classe especial, diferida das demais. Mesmo o código comercial brasileiro de 1850, com supedâneo no código português de 1833, seguiu a mesma linha, para definir a necessidade do registro como limitador do mundo privilegiado dos comerciantes. Seu artigo 4º instituía que “ ninguém é reputado comerciante, para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais de Comércio e faça da mercancia profissão habitual”.
O trecho “[…] gozar da proteção que este código liberaliza […]” torna claro o caráter corporativista do sistema brasileiro, em consonância com o espanhol primitivo, e que neste ponto diferia do francês, de cunho liberal, principalmente em razão da Revolução Francesa e dos princípios de Liberte, Égalité et Fraternité disseminados naquela conjuntura política.
O sistema alemão, através do código de 1897, ainda em vigor, utiliza um sistema abrangente para a caracterização do comerciante. Da leitura dos artigos 1º e 2º, tem-se que o comerciante tanto é aquela pessoa que pratica profissionalmente a mercancia (diante das características enunciadas no próprio artigo, quais sejam os atos de comércio) quanto os que estão inscritos no Registro de Comércio, ainda que não pratiquem os atos de mercancia.
É um sistema diverso dos demais pois, ao mesmo tempo que dispensa o registro para caracterizar o comerciante, caracteriza-o com o simples registro.
O código italiano de 1887 seguiu os passos do código francês, donde os comerciantes eram “os que exercitavam atos de comércio, por profissão habitual e as sociedades comerciais” (art. 8º).
Influenciando o sistema brasileiro, em 1942 o Código Civil italiano unificou formalmente os diplomas civis e comerciais. Essa unificação já ocorria materialmente, em razão de ambos serem vertentes do direito privado.
Este código saiu do embasamento dos atos do comércio como guia para a definição do comerciante e adotou a teoria da empresa, dando objetividade ao conceito e às características do empresário.
Segundo o código civil italiano, empresário é “aquele que exercita profissionalmente uma atividade econômica organizada com o fim da produção ou da troca de bens ou de serviços” (art. 2.082). Verifica-se que o conceito é mais abrangente do que o de comerciante, pois foca na empresa, e não na pessoa que pratica ato de comércio, a sua definição.
Assim sendo, o prestador de serviço se enquadra na categoria de empresário, bem como o produtor rural, o pecuarista, etc. O conceito é mais abrangente do que o de comerciante, já que centrado na empresa, e não mais nos atos do comércio.
Não podemos esquecer que, ainda que conte com estabelecimento próprio, empregados e colaboradores, o empresário individual não detém diferença entre o seu patrimônio e o da empresa.
O registro obrigatório, assim como no caso do código espanhol de 1829, é delimitador da condição de empresário, como se verifica nos artigos 2.195 e 2.196. São necessários os pré-requisitos da prática habitual das atividades de empresário e a inscrição, conferindo o privilégio de uma classe especial, delimitada. Assim o é, o sistema adotado no Direito brasileiro.
3.1 A Capacidade Jurídica
O artigo 5º do Código Civil defini que a pessoa se torna capaz aos 18 (dezoito)anos, estando apta para todos os atos da vida civil. O artigo elenca ainda as hipóteses de cessação para os menores de dezoito anos. Nesse diapasão, o entendimento da capacidade para ser empresário.
De acordo com artigo 972 do mesmo diploma legal, a capacidade para ser empresário é determinada por duas condições. A primeira, como já dissemos, é a mesma capacidade civil que já dissemos. Além disso, para exercer a mercancia, também se faz necessário a inexistência de impedimento. Os impedimentos legais serão tratados mais a frente.
A empresa também poderá ser exercida por emancipado. Por emancipação como uma espécie de instituição da maioridade antes dos dezoito anos, ou seja, a cessação da incapacidade para o menor.
O inciso V do artigo 5º do Código Civil confere a emancipação “pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com 16 (dezesseis) anos completos tenha economia própria”. Economia própria é um conceito abundante de sentidos, que pode ir desde a economia separada dos pais, ainda que oriundo da economia destes, até aqueles obtidos pelo menor como fruto do seu próprio trabalho, passando ainda pelas hipóteses de doações e heranças. A emancipação é um ato irrevogável.Vale salientar que o emancipado, em razão da idade, não pode ser responsabilizado penalmente por atos praticados no exercício da mercancia.
Também o incapaz poderá exercer a mercancia. O exercício da empresa se dará por meio de representante ou assistente. Ocorre nos casos em que continuará a empresa anteriormente exercida por ele enquanto capaz, se anteriormente o for; dará continuidade a empresa exercida por seus pais ou no caso de herança, quando exercida pelo autor da mesma. Ainda assim, é necessária a concessão de autorização judicial através de alvará para o exercício através do representante ou assistente.
3.2 Os Impedidos de Exercer a Empresa
Algumas condições exigem condição especial para o seu exercício. V. g., não pode atuar como advogado aquele que não tem diploma em Direito. Assim o é com os comerciantes, onde se exige o habitualismo e o profissionalismo.
Assim também, no sentido contrário, existem aqueles que são impedidos de exercer a empresa, embora plenamente capazes no âmbito civil. Aparentemente uma contradição, a capacidade não é suficiente, pois para ser empresário este não deve estar impedido por força da lei. Essas restrições se dão em razão da função que exercem, decorrente de motivos de ordem pública.
Nas palavras de Carvalho de Mendonça, “desde que se sabe que, sendo a proibição uma restrição ao exercício de um direito, deve ser expressa (1946, v. 1, p. 119)”. Portanto, essa proibição decorre da lei, e não pode ser exemplificativa e nem usada por analogia. Toda a proibição tem uma fundamentação por interesse social ou econômico, ou mesmo por razões de ordem ou equilíbrio.
Assim, são impedidos de exercer a atividade comercial:
Magistrados e membros do Ministério Público, pois o múnus da função jurisdicional é incompatível com o intuito de lucro e de angariar clientela, fatores que decorrem da atividade empresarial. A constituição veda a participação em sociedade empresária pois inadimite a conciliação destes atos com as funções inerentes ao exercício da empresa e da sociedade “[…] susceptíveis de granjear-lhes responsabilidade penal e responsabilidade civil ilimitada […] (Fazzio Junior, W., 2003, p. 53)”;
Agentes públicos, pois em razão da Lei 8.112;90, só lhes é permitido participar como cotistas ou comanditários, sem, contudo, permitir-lhes atividades gerenciais, nem a empresa individual;
Deputados e Senadores, como proprietários, controladores ou diretores, naquelas empresas que contratam com a administração pública ou que mantenha relações com pessoa jurídica de direito público, sob pena de perda do mandato (artigos 54 e 55 da Constituição Federal).
Militares e Policiais, em razão da proibição expressa do artigo 29 da Lei 6.880/90. Para os militares, exercer a empresa ou participar da administração da sociedade empresária, ou simplesmente ser sócio (salvo como cotista ou acionista) constitui crime disposto no artigo 204 do Código Penal Militar;
Leiloeiros, vedado o exercício direto ou indireto da empresa ou a constituição de sociedade empresária (artigo 36 do Decreto 21.891/32);
Despachantes aduaneiros, em relação a manutenção de empresas de importação ou exportação, assim como não lhes é permitido comercializar mercadorias estrangeiras no país, nos termos do inciso I do artigo 10 do Decreto 646/92;
Corretores, proibidos de qualquer espécie de negociação, como disposto no artigo 59 do Código Comercial (revogado em sua primeira parte pelo Código Civil), e repetido no artigo 20 da Lei 6.530/78;
Prepostos, atuando na qualidade de empresário ou de administrador ou gerente para terceiros, nem participando, direta ou indiretamente, em operação do mesmo gênero da que lhe foi cometida, sob pena de perdas e danos, de acordo com o artigo 1.170 do Código Civil;
Médicos, no exercício simultâneo de empresa farmacêutica, conforme a Lei 5.991/73;
Estrangeiros com visto provisório, pela própria condição de temporariedade da sua permanência no país, não podendo estabelecer empresa individual ou atuar como administrador ou gerente de sociedade (art. 98 da Lei 6.815/89), salvo se admitido temporariamente em regime contratual.
Estrangeiros em certas atividades proibidas por lei, como já foi dito anteriormente, em razão da proteção e da supremacia do interesse nacional;
Falidos não reabilitados, artigo 138 do Decreto-lei 7.661/46;
Vale ressaltar que leiloeiros e corretores são, de certa forma, empresários, sendo vedada outra atividade senão as de sua própria qualidade.
Outras proibições existem, sempre decorrentes da lei, como os ébrios habituais, os chefes dos Poderes Executivos da União, Estados e Municípios, o empregado, sem permissão do empregador, quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço (art. 482, “c” da CLT), etc.
O condenado criminalmente também era proibido de comerciar sob o regime do antigo código. Entretanto, a nova legislação só impede o exercício da atividade empresarial por condenado em crime falimentar, ou no crime cuja pena vede o acesso à atividade empresarial (v. g. a pena de interdição temporária para o exercício da empresa – artigo 47 do Código Penal).
Por fim, se faz mister ressaltar que os impedidos de exercerem a empresa, caso a exerçam, não praticam atos nulos, respondendo pelas obrigações contraídas (art. 973 do Código Civil) e tem tratamento de empresário informal e irregular. São cabíveis, inclusive, sanções na esfera administrativa, com repercussão na esfera penal, vez que a proibição não é relativa a empresa, objetiva, e sim relativa aos sujeitos.
4. PERSONALIDADE JURÍDICA
A personalidade jurídica nada mais é do que uma ficção, uma criação do Direito Positivo. Conforme defendido por Ihering, Savigny e outros, é uma mera criação da lei, para conferir direitos e obrigações à um ente autônomo criado através da vontade dos indivíduos.
Embora Zittelmann conceba que “a realidade da pessoa social não está nos indivíduos e sim na idéia transcendental de que eles são manifestação efêmera”, enxergando as pessoas jurídicas como pré-existentes à lei, inclusive como distintas das pessoas naturais, tendo até mesmo vontade própria, não se afasta a idéia central da existência e realidade destes entes. A divergência no surgimento não afasta a sua efetividade.
Fran Martins (2008, p. 184), com maestria, delimita o conceito de pessoa jurídica, que nos permite enxergar a distinção entre a sociedade e o sócio:
“É a pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas, as quais deram lugar ao seu nascimento; ao contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio. Em razão disso, as pessoas jurídicas têm nome particular, como aquelas físicas, domicílio, nacionalidade; podendo estar em juízo, como autoras, ou na qualidade de rés, sem que isso reflita na pessoa daqueles que as constituíram. Por último, têm vida autônoma, muitas vezes superior às das pessoas que as formaram; em alguns casos, a mudança de estado dessas pessoas não irradia efeitos na estrutura das pessoas jurídicas, de molde a variar as pessoas físicas que lhes deram origem sem que tal fato incida no seu organismo. É o que ocorre via de regra com as sociedades ditas institucionais ou de capitais, cujos sócios podem mudar de Estado ou ser substituídos sem que se altere a estrutura social.”
Podemos notar que existe de fato uma individualização entre pessoas naturais e pessoas jurídicas, esta muito mais do que um simples aglomerado de pessoas. Entretanto, por se tratarem de “pessoas”, muitos pontos possuem em comum, do ponto de vista das características da personalidade:
“A pessoa jurídica apresenta muitas das peculiaridades da pessoa natural: nascimento, registro, personalidade, capacidade, domicílio, previsão de seu final, sua morte, e até mesmo um direito sucessório” (Venosa, S.S., 2004, p.167).
Assim, arrematamos que a pessoa jurídica é um agrupamento de pessoas, de capitais ou de ambos, com “vida” própria e independente, criada para a persecução de um fim.
No direito empresarial, é uma figura de extrema importância, pois é nela que se realizam a maioria das sociedades comerciais, a exemplo da sociedade limitada e a sociedade anônima.
No antigo código comercial, não se mencionava o conceito de pessoa jurídica. Entretanto, era inegável a sua necessidade para a criação dos tipos societários, como os descritos anteriormente. Neste diapasão seguiu o código civil em sua parte dedicada ao Direito Empresarial, não se referindo de forma direta a personalidade jurídica. No entanto, ao enumerar as pessoas jurídicas de Direito Privado (art. 44) fez referência às sociedades comerciais, incluídas no Livro II da Parte Especial daquele diploma.
Não se pode imaginar o Direito Comercial no nível que se encontra hoje sem a existência das pessoas jurídicas. Os avanços econômicos e tecnológicos trouxeram às corporações uma magnitude que não poderia ser limitada pela adstrição a uma pessoa física. Como dito por Fran Martins, tais entes têm vida distinta e por vezes longínqua em relação a de seus criadores, patrimônios surpreendentes, e se sujeitam a obrigações financeiras as quais dificilmente poderiam ser arcadas por seus criadores pessoalmente.
Nem toda sociedade comercial é precedida de pessoa jurídica. A sociedade em conta de participação, v. g., não exige (e nem poderia) ser dotada de personalidade, devido a sua própria natureza e caráter, onde se faz sociedade apenas internamente, existindo como uma única pessoa física para o mundo exterior, ainda que estes tenham conhecimento da sociedade.
As pessoas jurídicas, em especial as das sociedades empresárias, têm características, ou como prefere denominar Fran Martins, conseqüências próprias desta personalidade. Ressalte-se que a constituição de Sociedade Unipessoal obedeceria a estes requisitos, e, mais do que isso, efeitos de extremo interesse daquele que está a constituindo, no intuito de separar sua personalidade daquela.
a)Patrimônio próprio
A constituição da sociedade se dá através da contribuição de cada sócio (no caso do nosso trabalho, do sócio único) para formar o capital social. Frize-se que este capital compreende não só a pecúnia (capital stricto sensu), mas também quaisquer bens dedicados para a formação do patrimônio da pessoa jurídica. Chama-se de cota a contribuição dos sócios, via de regra.[4] A contribuição pode se dar na constituição da sociedade ou posteriormente, através de promessa futura de contribuição. A estes institutos chamamos comumente de capital integralizado e capital a integralizar. Vale ressaltar que o sócio que não integralizou suas cotas responde pessoalmente pelo valor que deixou de integralizar.
A responsabilidade patrimonial é limitada aos valores de suas cotas, e, somente pessoalmente, quando não integralizadas e, excepcionalmente, em caso de fraude. A responsabilidade da sociedade perante terceiros é ilimitada em relação ao seu patrimônio próprio. Ou seja, a limitação é relativa apenas a pessoa dos sócios, não à sociedade.
Deste entendimento decorre também que o patrimônio da pessoa jurídica não integra, em nenhuma hipótese, o patrimônio dos sócios. Desta forma, em caso de dissolução da sociedade, o patrimônio desta não retorna aos sócios, e sim, fica adstrito às obrigações contraídas perante terceiros.
O valor percebido pelos sócios é a participação nos lucros (ou perdas) da sociedade, não influenciando no quantum do seu patrimônio.
Não seria diferente no caso da Sociedade Unipessoal, uma vez que o sócio unipessoal afetaria bens e capital à sociedade, distinguindo entre o patrimônio desta e o particular seu. Também ficaria obrigado pessoalmente apenas à integralização do capital, nos mesmos termos do artigo 1.052 do Código Civil. Em relação ao artigo 1.007 do mesmo diploma, a diferença se faria no fato de o sócio unipessoal ter direito á totalidade dos lucros, não se aplicando o art. 1.008, pela ausência da pluralidade de sócios, quer dizer, não se haveria como excluir o único sócio da participação dos lucros.
b) Nome empresarial
No sábio ensinamento de Waldo Fazzio Junior, “Se o nome civil significa a pessoa natural , como símbolo singularizador, o nome empresarial significa o empresário (2003, p. 51)”.
O nome empresarial é a individualização da empresa ou sociedade empresária das demais, na mesma forma como ocorre com as pessoas físicas. Se sujeita a registro, da mesma forma que aquelas.[5] É também um diferenciador entre a empresa e a pessoa do sócio, ainda que o nome deste possa estar contido no nome daquela.
O nome empresarial também identifica o tipo societário. Como conseqüência, gera obrigações para a pessoa da empresa, tornando-a titular de direitos e deveres.
O sistema adotado no Brasil é o suíço. Confere ao nome uma proteção especial, em razão do registro na Junta Comercial, e decorre, automaticamente, do arquivamento dos atos constitutivos ou das posteriores alterações da empresa individual ou sociedade. Em relação ao artigo 34 da Lei 8.934/94, tem-se que se deve obedecer aos princípios da veracidade e da novidade. Em outras palavras, o nome empresarial deve ater-se à realidade da empresa, inclusive indicando, quando for o caso, quem exerce a atividade mercantil, delimitando o responsável pelos encargos sociais. Deve ser respeitado também a existência de nomes anteriormente registrados, não se admitindo duplicidade de nomes; fica claro, assim, o princípio da novidade em relação ao nome empresarial.
Existem duas espécies de nome individual. A firma e a denominação.
b.1) A firma é o nome empresarial formado pelo nome patronímico, por extenso ou abreviado do empresário ou dos sócios. No caso de sócios, não figurando todos no nome empresarial, deve-se adotar ao final a expressão “e companhia” ou “e cia.” Para determinar a pluralidade de sócios. A firma é a própria assinatura da sociedade. O empresário individual somente poderá adotar a firma, e a sociedade por cotas de responsabilidade limitada poderá adotar, opcionalmente, a firma, contendo o nome de um, uns ou todos os sócios, por extenso, de forma abreviada ou com supressão de parte dos nomes (v. g. Dantas & Morais ltda.), lembrando sempre e, no caso de não figurarem todos os sócios na firma, deverá constar ao final a expressão “e companhia” por extenso ou de forma abreviada, de forma a permitir a perfeita constituição da sociedade[6]. A firma é também conhecida como razão social.
b.2) A denominação é um nome empresarial de fantasia ou criado a partir do objeto da empresa. É característica das sociedades onde a responsabilidade dos sócios é limitada[7]. Ressalta-se que na denominação pode constar o nome do sócio fundador ou do presidente da sociedade que assina nos contratos o seu próprio nome, representando a companhia, embora a regra seja a do nome fantasia. Ressalte-se também que a denominação é privativa das sociedades comerciais. É o modo de formação do nome comercial mais atual, pois resguarda os interesses dos sócios. Nas palavras de José Edwaldo Tavares Borba:
“A tendência atual é no sentido de preferir-se a denominação, uma vez que a firma se encontra sujeita a contingências ligadas a eventuais mudanças no quadro social. No caso de firma, se o sócio que lhe dá nome falece ou se retira da sociedade, a firma terá que mudar, para adequar-se aos nomes dos sócios efetivamente existentes na sociedade, de modo a atender-se o princípio da veracidade das firmas” (1986, p. 47 : 48).
A sociedade por cotas de responsabilidade limitada poderá optar pela denominação, e à sociedade anônima só lhe é permitida esta opção.
Como já foi dito, o nome comercial também distingue o sócio da pessoa jurídica. O sócio tem responsabilidade ilimitada perante seus credores pessoais, mas não perante os da empresa[8], assim como não é possível o inverso, a empresa responder pelas obrigações pessoais do sócio. Somente no caso do comerciante individual é que a obrigação contraída com a firma obriga a pessoa natural, bem como nas sociedades que não se revestirem da obrigação limitada, a exemplo as sociedade em comum.
O nome empresarial também agrega valor a empresa, uma vez que sugere a confiança que os consumidores possam depositar nela, assim como outras características, tais quais a tradição, a robustez, o relacionamento com os clientes, etc.
O nome empresarial a ser adotado pelas sociedades unipessoais será tratado mais adequadamente nos tópicos a ela referidos. No entanto, em razão da instrumentalidade similar à das sociedades por cotas de responsabilidade limitada, o mais adequado seria a adoção dos mesmos critérios daquela, permitindo o uso de firma ou denominação, conforme fosse mais adequado ao constituinte.
c) Domicílio
O domicílio é a sede da pessoa jurídica, em geral divergente do domicílio dos sócios. É o centro da administração da sociedade. Podemos entender como domicílio um atributo da pessoa, natural ou jurídica. Não só o disposto nos artigos 70 e ss. do Código Civil, mas também o centro dos interesses da pessoa, no caso da pessoa jurídica de fins comerciais, em geral, de ordem econômica. Está também ligado ao conceito de estabelecimento.
O domicílio serve para determinar a que regime jurídico está submetida a sociedade ou empresário.
d) Nacionalidade
A nacionalidade é um conceito mais abrangente do que o domicílio, e serve para saber o âmbito de aplicação legislativa e constitucional. As empresas (individuais ou sociedades) podem ser brasileiras ou estrangeiras.
São brasileiras aquelas constituídas no Brasil, de acordo com a legislação pátria. A independência da pessoa jurídica daqueles que a constituíram é mais uma vez evidenciada pelo fato de a nacionalidade dos sócios poder ser diversa da nacionalidade da empresa. Assim sendo, sócio estrangeiro poderá constituir empresa no Brasil[9] de acordo com o nosso ordenamento jurídico e a nacionalidade da empresa será brasileira.
Por outro lado, são consideradas estrangeiras as empresas constituídas sob a legislação de outros países, que vêm se instalar no Brasil. Essas empresas devem preencher requisitos para funcionar, tal como a tradução do ato constitutivo para o nosso idioma ou a adição do termo “do Brasil” ou “para o Brasil” no nome empresarial, para designar a nacionalidade estrangeira. Mas uma vez este mandamento recai no princípio da veracidade do nome empresarial.
4.1 Extinção da Pessoa Jurídica
O termo extinção da pessoa jurídica pode ser entendido como extinção ou dissolução, já que cada autor utiliza-se de determinada nomenclatura para o mesmo instituto. Waldo Fazzio Junior, que adota a denominação de dissolução é quem elenca as hipóteses em que pode ocorrer a extinção.
– Por deliberação unânime dos sócios (art. 1.033, inciso II do CC);
– expirado o prazo determinado de duração, sem prorrogação expressa ou tácita (art. 1.033, inciso I do CC)
– pelo encerramento da falência (art. 1.044 do CC)
– pela extinção da autorização para funcionar (art. 1.033, inciso V);
– por condição contratual (art. 1.035 do CC)
– pela redução à singularidade, sem restauração, no prazo de 180 dias, da pluralidade social.
A primeira hipótese se refere a dissolução por prazo indeterminado, e a segunda, por prazo determinado. Vale ressaltar que a prorrogação tácita da sociedade por prazo determinado torna-a irregular, ou seja, uma sociedade de fato sem a blindagem da responsabilidade limitada.
A última hipótese elencada seria a que daria aso a criação da sociedade unipessoal subsidiária, uma vez que, originariamente pluripessoal, tornar-se-ia unipessoal em razão da concentração das cotas, sem, contudo, perder o seu objeto ou afetar diretamente a pessoa jurídica. É uma das hipóteses de sociedade unipessoal defendida por nós.
Fran Martins concebe a extinção em duas fases: a dissolução e a liquidação. O momento da dissolução é aquele em que as atividades empresariais deixam de existir. Pode ocorrer em razão de uma das hipóteses relatadas anteriormente ou por sentença judicial, onde o rol de hipóteses, catalogadas no artigo 1.034 do Código Civil não é taxativo, e pode ser requerida por qualquer um dos sócios.
O outro momento é o da liquidação. Nela, se realiza todo o ativo e passivo da empresa, liquidando o tanto quanto possível para quitar as dívidas assumidas. Em seguida, os haveres são repartidos entre os sócios.
Esmiuçando essa segunda fase, inicia-se com o procedimento realizando o ativo e solucionando o passivo. Este processo pode ser judicial ou extra-judicial. Na judicial, o juiz nomeia liquidante, e na extra-judicial, este pode ser um sócio ou um terceiro nomeado por eles. São vedadas as contratações de novos negócio após o início dessa fase, podendo, o administrador, ser responsabilizado solidária e ilimitadamente pelos atos praticados em desacordo com esta ordem.
Em seguida ocorre o pagamento do passivo, de acordo com o disposto no artigo 1.066 do Código Civil. Deve-se obedecer como regra para a organização dos pagamentos, como nos ensina Waldo Fazzio Junior, a mesma ordem de preferência do processo falimentar, a saber:
1. credores por acidente do trabalho;
2. créditos dos empregados e dos representantes comerciais;
3. dívida ativa;
4. créditos fiscais;
5. créditos com garantia real;
6. créditos com privilégio especial;
7. créditos com privilégio geral;
8. créditos quirografários.
Por último, após o pagamento de todo o passivo, restando haveres, os sócios podem deliberar a partilha do residual. A partilha poderá ser impugnada se sócio verificar o favorecimento irregular de algum outro. Após esta última fase, o liquidante fará sua prestação final de contas perante a sociedade, e assim sendo aprovadas, dá-se por encerrada a liquidação e a sociedade
Chegando a termo a liquidação, o credor insatisfeito poderá exigir dos sócios, individualmente, até o limite do percebido na liquidação, e poderá propor ação contra o liquidante relativa a perdas e danos.
Ao final, se arquiva o ato de dissolução no Registro Público de Empresas Mercantis e Afins, sem o qual, subsistirá a responsabilidade dos sócios, em relação a obrigação contraída por um deles, mormente em nome da sociedade.
Em se tratando de sociedade unipessoal, a fase final da liquidação é mais simplificada, pois não há necessidade da partilha dos haveres e nem ação de regresso, no caso de credor insatisfeito que execute um determinado sócio em relação à sua participação na partilha.
Outro aspecto simplificador diz respeito a ausência de divergência quanto ao momento da liquidação, pois a unipessoalidade enseja decisão única, e não colegiada, não acomodando dissiparidade de idéias. Ou seja, decidido pela dissolução, ela se operará de plano, sem necessidade de assembléia, nem requerimento judicial, devendo o sócio unipessoal preencher todos os procedimentos relativos aos credores.
5. AS SOCIEDADES FICTÍCIAS
As sociedades de responsabilidade limitada, em especial a sociedade por cotas de responsabilidade limitada, tem sido utilizadas para driblar a lei e prestar a “blindagem” patrimonial pleiteada pelo empresário individual.
“Considerada a impossibilidade de limitar a responsabilidade do empresário individual, este solicita a outra ou outras pessoas que colaborem com os seus nomes para atendimento da lei quanto ao número mínimo de sócios. Figuram, assim, no ato constitutivo da sociedade pessoas que não tem interesse na formação societária. São chamadas de sociedades fictícias ou de favor” (Sylvio Marcondes apud Iolanda Lopes de Abreu, 1988, p.117).
O uso deste artifício se presta apenas a satisfação do preceito legal do número mínimo de sócios. Não há, na verdade, reunião de esforços nem de recursos. O sócio majoritário subscreve a quase totalidade do capital, e é o que realmente concentra seus esforços na empresa.
Podemos então conceituar como sociedades fictícias aquela sociedades criadas para preencher a lacuna deixada pela inexistência de tipo societário adequado, qual seja a sociedade unipessoal, onde uma pessoa detém a maioria esmagadora das cotas, e a outra figura apenas como coadjuvante, ou seja, não tem interesse real na sociedade, utilizada apenas para preencher requisitos formais.
O direito brasileiro facilita este tipo de ação, onde um ou mais sócios apenas “fazem número”; são chamados comumente de laranjas ou testas-de-ferro. Segundo Antônio de Arruda Ferrer Correa, na doutrina alemã são chamados de “homens de palha”.
Estimativas dão conta que mais de 90% das sociedades limitadas são, em verdade, sociedades fictícias. Em geral o sócio majoritário detém mais de 90% do capital social, sendo que, por muitas vezes, esse percentual chega ao patamar de 99,9% do capital.
Alguns juristas entendem esse tipo de sociedade como uma afronta ao ordenamento jurídico. Érika Camossi ao criticar a exigência de duas pessoas para formar sociedade argumenta a respeito da inexistência de sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, qualificando essa exigibilidade como “ineficaz, pois estimula uma conduta que é exatamente aquela que se procura evitar, qual seja, a conduta ilícita” (grifo nosso).
Na esteira de intelecção de Iolanda Lopes de Abreu, consideramos essa uma manobra lícita para se atingir a limitação da responsabilidade do empresário individual. Esse tipo de associação decorre da inexistência do tipo societário adequado no nosso ordenamento jurídico. É o aproveitamento de um tipo de negócio jurídico para uma finalidade que não foi contemplada pela inércia legislativa.
Não é ilícito pois não contraria nenhum preceito legal. Ao contrário, utiliza-se dos caminhos ditados pela lei para se atingir a limitação patrimonial.
Entretanto, essa forma de associação pode gerar efeitos negativos. Uma delas é a maior burocratização dos atos constitutivos, alterações contratuais e negócios jurídicos perpetrados pela sociedade dita fictícia.
Pode também trazer maiôs gravame em razão de desnecessárias demandas judiciais, em razão de disputas e desentendimentos com o sócio “laranja”, que embora de insignificante participação na empresa, pode dificultar inúmeras operações.
Por outro lado, o termo sociedade fictícia é equivocado, pois a sociedade é uma realidade, ainda que seja, factualmente, uma sociedade unipessoal. Não é uma negócio jurídico simulado pois este é forjado pelas partes, e em verdade não existe. É negócio indireto.
Fica assim, o sócio majoritário nessas sociedades correspondente ao empresário individual atuando com responsabilidade limitada, ou melhor, a sociedade unipessoal de responsabilidade limitada, uma vez que constituído eminentemente por um só sócio, em razão da situação realmente pretendida não existir em nosso ordenamento jurídico.
6. A SOCIEDADE UNIPESSOAL
Para partir do princípio, vamos conceituar sociedade na visão tradicional e contratualista. A sociedade comercial é uma entidade dotada de personalidade jurídica, patrimônio próprio, atividade mercantil e fim lucrativo, composta por duas ou mais pessoas. O Visconde de Cairu (apud Tavares Borba, 1983, p. 28) em 1815, conceitua com sociedade mercantil “a parceria que se faz entre comerciantes para alguma especulação de comércio”.
Celso Marcelo de Oliveira reforça esse conceito ao dispor sobre as sociedades limitadas:
“[…]Sociedade por quotas de responsabilidade é aquela que é formada por duas ou mais pessoas, assumindo todas, de forma subsidiária, responsabilidade solidária pelo total do capital social[…]” (2003, p. 40 – grifo nosso).
Essa exigência da pluralidade de sócios é um resquício de épocas passadas. A força dos contratos era o ditame das relações comerciais, e a sociedade comercial se realizava através deles. O acordo de vontades determinava que a parcela de contribuição de cada um para formar o empreendimento era o limite máximo de exigibilidade de terceiros contra os atos dessa sociedade, preservando assim o patrimônio individual de cada um. O patrimônio destacado era independente e respondia por seus atos, ainda que praticados por intermédio dos sócios.
Esse conceito contratualista encontra-se superado em boa parte dos ordenamentos jurídicos estrangeiros. Na verdade o que prevalece é o conceito de pessoa jurídica. O conceito objetivo que vê a empresa como ente independente dos seus sócios, apesar destes serem determinantes na criação da sociedade.
Portanto, plenamente plausível sob o paradigma da personalidade jurídica a existência de uma sociedade comercial, enquanto pessoa jurídica, formada por uma só pessoa.
A autonomia patrimonial é tão relevante, que o impacto causado por ela faz com que a empresa e os sócios sejam pessoas distintas. Havendo apenas um sócio, não desaparece a figura da empresa, que, de fato, tem existência, registro, patrimônio e negócios próprios, “caminhando” independente do seu sócio.
Nesse sentido, Tullio Ascarelli, em sua obra Problemas das sociedades anônimas e direito comparado leciona:
“Desaparecida a pluralidade [de sócios], é natural que não tenha mais sentido falar em contrato social, mas, econômica e juridicamente, tem sentido falar-se de pessoa jurídica e de patrimônio autônomo” (apud Abreu, I. L., 1988, p. 115).
Podemos então chegar a um conceito de sociedade unipessoal. É aquela pessoa jurídica, que desenvolve uma atividade empresarial, visa o lucro e é formada por um único sócio, de responsabilidade limitada ao capital social.
Como já foi dito, é uma forma de limitação da responsabilidade do empresário individual. Mas o conceito é mais abrangente, pois se dá origem a uma pessoa jurídica, não se estagnando apenas na afetação de parte do patrimônio do empresário individual à atividade comercial.
A primeira vista, parece uma situação paradoxal, pois exprime a idéia da associação de uma pessoa só. Não podemos conceber essa idéia, senão abstraindo o conceito de modo artificial.
A terminologia não deve ser um fator acorrentador dos conceitos do direito, portanto, o simples contra-senso semântico não pode ser obstáculo a este instituto, que se mostra não só plausível como necessário à realização da vontade do empresário individual. A doutrina já superou essa limitação terminológica.
A sociedade unipessoal já é aceita inclusive no Direito brasileiro, através das figuras da empresa pública (onde o único sócio ou acionista é um ente da administração pública) e da subsidiária integral (onde o único acionista é uma sociedade brasileira).
Dispiciendo falar da necessidade da limitação da responsabilidade do empresário individual, porquanto já tratado no tópico relacionado ao empreendedorismo, sendo que essa limitação se consubstancia em incentivo à atividade empresarial e a instituição da sociedade unipessoal se perfaz em fomento ao crescimento econômico.
Apesar da maior complexidade dos atos em relação ao empresário individual, a sociedade unipessoal mostra características mais vantajosas.
Se por um lado perde-se algumas vantagens fiscais e se aumentam as exigências escriturais e formais, por outro permite-se a limitação do insucesso, fator este socializante do risco empresarial.
Outro ponto chave é o controle sobre a atividade da empresa, que se concentra nas mãos de uma única pessoa, fazendo desnecessárias as assembléias e fulminando as divergências. Assim, bastaria que o sócio baixasse atos para tornar efetivas suas decisões dentro da empresa.
Isto evitaria os problemas advindos da constituição de “sociedades fictícias”, como as demandas e os entraves que podem ser causados pelo sócio minoritário.
As sociedades unipessoais podem existir de duas formas: as originariamente unipessoais e as sociedades reduzidas a um só sócio.
a)As sociedades originariamente unipessoais são aquelas que possuem um só sócio desde o momento da sua criação. Já são adotadas em diversos países, e revestem-se, em geral, nos mesmos moldes da sociedade por cotas de participação limitada.
b) As sociedades reduzidas a um só sócio são aquelas derivadas, onde, formadas com pluralidade de sócios, esta acaba a reduzir-se a um só membro (em decorrência de cessão de cotas, morte ou retirada). São mais aceitas, pois a pessoa jurídica já está efetivada, não podendo se falar em extinção da mesma pois, afora a pluralidade de sócios, preenche todos os demais requisitos de existência.
Alguns países admitem essa redução apenas de forma temporária. É o caso do Brasil, que permite esta situação durante seis meses no caso de sociedade limitada, e até a próxima assembléia geral, no caso de companhia.
Por fim, existiram tentativas de incluir a sociedade unipessoal no Direito brasileiro. Estas, porém frustraram. A doutrina contratualista prevaleceu, e o posicionamento daqueles que a concebiam como forma do empresário individual ludibriar seus credores mostrou-se superior, embora a sociedade clame por este instituto.
6.1 O Nomen Iuris
Quanto à questão da limitação da responsabilidade do empresário individual, a doutrina é coesa em aceitar essa possibilidade e pugnar pela sua inserção no nosso ordenamento jurídico.
Entretanto, alguns autores divergem na denominação apontada para esta figura do sócio singular. Wilges Ariana Bruscato prefere utilizar-se da nomenclatura “Empresário Individual de Responsabilidade Limitada”. Nesta linha segue a advogada Érika Camossi:
“Preferimos a denominação “empresa individual de responsabilidade limitada” a “sociedade unipessoal”, por entender que o termo “sociedade” enseja a participação de mais de uma pessoa no negócio” (2006, in Revista Consultor Jurídico).
Em Portugal, o Decreto-Lei 248/86 instituiu o “Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada” como forma inicial de limitar a responsabilidade do comerciante individual. Este instituto tem nomenclatura similar à pretendida por esta corrente doutrinária citada, o que serve de influência para os que defendem a adoção deste nomen iuris.
Essa corrente, todavia é minoritária. Mesmo a legislação portuguesa adotou a expressão “sociedade unipessoal” em sua legislação mais atual para designar o tipo societário com apenas um cotista.
Em verdade, tratam-se de institutos distintos. Empresário Individual de Responsabilidade Limitada é aquele comerciante individual que afeta parte de seu patrimônio à atividade empresarial, no intuito de resguardar seu patrimônio familiar, sendo então regido pelos regulamentos pertinentes a firma individual. Nada mais é do que a literal aplicação da limitação da responsabilidade do indivíduo ao montante destinado aos seus negócios.
Com o crescimento do empreendimento, tornar-se ia difícil precisar a diferença entre o patrimônio afeto aos negócios e o pessoal, já que todos girariam em nome do empresário. Por esta razão, preterimos este instituto e, por conseguinte, esta nomenclatura.
O eminente jurista Calixto Salomão Filho, com propriedade utiliza a expressão “Sociedade Unipessoal” em sua obra homônima, para designar o tipo societário objeto deste estudo.
Este instituto é o que mais coaduna com o pretendido a ser implantado na legislação brasileira. O que se visa é a constituição de uma empresa por uma única pessoa, e não a sua atuação direta como empresário.
A finalidade é a separação patrimonial, e não a afetação. A idéia de criar uma pessoa jurídica, inclusive com patrimônio diverso daquele que a criou, é o que prevalece no entendimento doutrinário majoritário. Seguimos nessa corrente, pois é a que mais se presta à real finalidade da unipessoalidade.
O termo “sociedade” é necessário para expressar a idéia de pessoa jurídica. Essa idéia, que a priori parece contraditória[10], parece mais clara se deixarmos de lado o modelo contratualista do direito comercial e atermos-nos na idéia de que uma empresa, em relação ao seu patrimônio e personalidade jurídica, é sempre considerada uma sociedade.
Tecnicamente, a formação do nome empresarial da sociedade unipessoal deve atender a alguns requisitos. A forma utilizada para a sociedade por cotas de responsabilidade limitada.
Poderá girar sob a forma de firma ou denominação, nos moldes da sociedade limitada.
Deve obedecer aos princípios da veracidade e da novidade. O princípio da novidade trata da vedação à homonímia das pessoas jurídicas. O princípio da realidade denota que o nome empresarial deve refletir a realidade da empresa, evitando induzir a erro credores e consumidores. Desta forma, no caso de adoção de firma, o nome empresarial não poderá conter nome de outra pessoa senão o sócio individual. Da mesma forma, caso haja designação do objeto social, este deverá ser o praticado pela sociedade unipessoal.
Deste princípio também decorrem outros requisitos, tratados em lei. Deverá conter a expressão “unipessoal” na parte final do nome seguido do termo “limitada”, na sua forma extensa ou abreviada. Assim fica claro para todos os que se relacionam com a empresa que se trata de sociedade formada por um só sócio, e que a responsabilidade é limitada.
Assim como na sociedade por cotas de responsabilidade limitada, a inobservância a qualquer desses pré-requisitos importara em responsabilização ilimitada.
Em arremate de conclusão, não há como se pensar em nomenclatura diversa, senão “sociedade unipessoal”, já que o importante é o caráter objetivo, e não mais o subjetivo, da personalidade jurídica, o que nos permite implantar este instituto.
6.2 O Projeto de Lei 2730/03
No ano de 2003. o então deputado Almir Moura apresentou o Projeto de Lei 2730/03, que visava incluir o artigo 985-A na Lei 10.406/2002 (novo Código Civil). Eis o texto do projeto:
“Art. 1º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 985-A:
“Art. 985-A. A sociedade unipessoal será constituída por um único sócio, pessoa singular ou coletiva, que é o titular da totalidade do capital social.
§ 1º A sociedade unipessoal também poderá resultar da concentração das quotas da sociedade num único sócio, independentemente da causa da concentração.
§ 2º A firma da sociedade deverá ser formada pela expressão “Sociedade Unipessoal” ou “Unipessoal” antes da palavra “Limitada” ou da abreviatura “Ltda.”.
§ 3º Somente o patrimônio social responderá pelas dívidas da sociedade unipessoal.”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Numa primeira análise, encontramos termos estranhos á nossa dialética jurídica. Os termos pessoa singular ou coletiva, em verdade, foram trazidos do ordenamento jurídico português. Seu significado nada mais é do que o correspondente a pessoa física (singular) ou jurídica (coletiva).
Em Portugal, o Código das Sociedades Comerciais foi mais a fundo. No entanto, o legislador brasileiro “pegou emprestado” os institutos daquele código para, assim, possibilitar a criação da responsabilidade limitada do empresário individual.
A nosso ver, pontos importantes deixaram de ser discutidos no projeto apresentado.
O primeiro deles diz respeito á transformação do empresário individual em Sociedade Unipessoal. Ora, sendo, até então, o tipo aceito no nosso ordenamento, o Projeto deveria prever a operacionalidade destra transformação, de modo a se permitir a continuidade do negócio. Da forma como se encontra, o empresário deveria encerrar suas atividades para, aí sim, iniciar a criação da pessoa jurídica singular. Tal procedimento poderia deixar engessados os empresários que celebraram contratos a logo prazo, pois não poderiam transferir seu negócio, sendo sua única alternativa esgotar todo o objeto empresarial. Também não teriam como transferir seus bens e estabelecimentos, sendo inviável e oneroso o processo de alienação destes para a mesma direção, em razão da mudança do tipo empresarial. Entendemos que uma disposição normativa seria necessária, não só em razão do grande número de empresários individuais que, com a aprovação da Lei, migrariam para o tipo Sociedade Unipessoal, como também em razão daqueles empresários individuais que, ao perceber o aumento da compleição de seu negócio, desejasse revestir-se da responsabilidade limitada.
Do ponto de vista dos credores, também poderia ser prejudicial, não só por terem que celebrar novos contratos, gerando mais despesas, como também a lei vaga neste aspecto poderia dar aso a fraudes. O empresário poderia, v. g., destinar todo o seu patrimônio à nova sociedade, tornando-se insolvente como empresário, frustrando, assim, a expectativa dos credores. Não poderia se falar em desconsideração da personalidade jurídica pois se trataria do oposto, ou seja, desconsideração da personalidade natural. Não foi a sociedade que exauriu seus bens no intuito de malograr credores, e sim o empresário que destinou todo o seu patrimônio à unipessoal. Em razão destes e de outros pontos menos relevantes, entendemos pela criação da instrumentalização da conversão do Empresário Individual em Sociedade Unipessoal.
Outro ponto relevante, que foi adotado no Sistema Português foi a vedação à constituição de uma sociedade unipessoal por outra sociedade unipessoal. Isto geraria um efeito cascata, e se prestaria tão somente a blindar o sócio empresário sob várias camadas de responsabilidade limitada, podendo tornar o seu patrimônio inatingível, possibilitando a frustração da desconsideração da pessoa jurídica no caso de fraudes.
No ordenamento português é defeso a constituição de mais de uma sociedade individual por uma pessoa “singular”. Este ponto não se presta ao Projeto de Lei e, embora não conste da justificativa, fica fácil entender a sua exclusão. Como já vimos, o Brasil é um pais de forte capacidade empreendedora. Não poderíamos limitar o empresário a atuar apenas num ramo, quando fosse do seu interesse diversificar os negócios. Assim como dois sócios podem constituir tantas empresas quanto queiram na forma de Sociedade de Responsabilidade Limitada, assim deveria estender-se o entendimento para as unipessoais. Não haveria, inclusive, empecilho à desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que poderia ser afastada por qualquer das sociedades onde ocorresse a fraude.
Juntamente com o aspecto anterior, evitaria, assim, a constituição de uma unipessoal por outra, evitando as dificuldades já discutidas anteriormente.
Um outro aspecto que não foi abordado foi a forma de redução das sociedades com pluralidade de sócios à unipessoal. Não se fala no projeto na instrumentalização, sequer em registro do novo tipo societário, nos dando a idéia de que a sociedade continuaria a girar sob o contexto de pluralidade de sócios, passando aos credores uma informação errônea da condição da empresa. A nosso ver, faz-se mister o acréscimo de um dispositivo regulamentando a transformação da sociedade, constando de declaração do sócio restante e de alteração no contrato social, bem como no nome empresarial. Estes dispositivos dariam maior credibilidade ao negócio, uma vez que tornaria público a todos os credores a condição de unipessoal. A ausência destes requisitos enquadraria a redução da pluralidade dos sócios no quanto disposto no art. 1.033, inc. IV do nosso Código Civil.
Por fim, faltou ao legislados explicitar a que legislação deveria ser aplicada subsidiariamente ao regime das Sociedades Unipessoais. Entendemos que o mais adequado seria as regras que disciplinam a Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, ainda que, em alguns aspectos, poderiam ser utilizados dispositivos da Lei das S/A.
7. A UNIPESSOALIDADE NO BRASIL – EMPRESA PÚBLICA E SUBSIDIÁRIA INTEGRAL
Embora se repudie legalmente a unipessoalidade social no Brasil, nosso próprio ordenamento abre exceções para duas hipóteses de sociedades formadas por um único sócio e de responsabilidade limitada. Além da sociedade unipessoal incidental, ou seja, aquela admitida temporariamente em razão da falta de pluralidade de sócios, pluralidade esta que deverá ser reconstituída em 180 dias, sob pena de extinção.
O primeiro caso, e mais evidente é o da empresa pública. Empresa pública é aquela constituída por um ente estatal, com finalidade prevista em lei. Tem personalidade jurídica própria (de direito privado, embora muitas vezes se submeta ao regime da administração pública), podendo ser uma sociedade civil ou comercial. Também é importante ressaltar que, como empresa, sua finalidade é obter lucro, ainda que este seja destinado a uma finalidade social.
O ponto relevante para nosso estudo é que as empresas públicas podem (e geralmente o são em sua maioria) ser constituídas por um único sócio ou acionista, sendo este um ente estatal. Estas empresas tem patrimônio próprio e capital advindo de um só ente da Administração Pública, direta ou indireta.
Podemos visualizar estas assertivas no Decreto-lei de n. 200/67, em seu artigo 5º, II, com os aprimoramentos trazidos pelo Decreto-lei de n. 900/67, como podemos ver abaixo:
“Art. 5º …………..
II – Emprêsa Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criado por lei para a exploração de atividade econômica que o Govêrno seja levado a exercer por fôrça de contingência ou de conveniência administrativa podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.”
Na mesma esteira, o art. 172, §1º, II da nossa Constituição Federal define a sujeição destas empresas ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.
Em verdade, a empresa pública é uma empresa privada, a despeito do nome. A referência “publica” é relativa ao seu controlador, ente da administração pública.
Apenas a título de exemplo, no âmbito federal, podemos citar a Caixa Econômica Federal e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Em ambas as empresas, o único acionista, constituído originariamente, é a União.
Fica evidenciado que o Brasil concebe a sociedade unipessoal como entidade empresarial de personalidade jurídica própria, diversa do seu sócio ou acionista único, ainda que apenas na esfera pública.
Outra possibilidade de existência de empresa constituída por um único sócio, permitida em nosso ordenamento jurídico, é a subsidiária integral. Está disposta na Lei 6.404/76, no artigo 251, que dispõe:
“Art. 251. A companhia pode ser constituída, mediante escritura pública, tendo como único acionista sociedade brasileira.
§ lº A sociedade que subscrever em bens o capital de subsidiária integral deverá aprovar o laudo de avaliação de que trata o artigo 8º, respondendo nos termos do § 6º do artigo 8º e do artigo 10 e seu parágrafo único.
§ 2º A companhia pode ser convertida em subsidiária integral mediante aquisição, por sociedade brasileira, de todas as suas ações, ou nos termos do artigo 252.”
A empresa subsidiária integral deverá ser uma sociedade por ações. Também é importante que seja constituída mediante escritura pública. Deverá ser subscrita por empresa brasileira, de forma que não se admite que seu único sócio seja pessoa física.
Este tipo de sociedade se presta para a constituição de uma empresa por outra, com um propósito específico, para facilitar a incorporação de novos negócios ou dinamizar os processos produtivos da companhia. Desta forma, é possível transformar uma atividade exercida em objeto de uma outra companhia, com o fulcro de especificar as atividades, e mesmo atribuir uma estratégia econômica ou de mercado diversa da empresa subscritora, mais especifica para o fim daquela atividade.
Os requisitos para sua criação podem ser explicitados nas palavras do jurista Carlos Henrique de Magalhães Marques:
“[…]A criação deve ser efetivada através de escritura pública, demandando, antes, a realização de uma assembléia geral extraordinária dos acionistas da companhia controladora, que deverá aprovar a sua criação, definindo o seu capital social, a forma de sua integralização, o objeto social, com a indicação clara do seu universo de atuação, a sua sede, a nomeação dos seus administradores, bem como o estatuto social da nova empresa, designando os representantes que deverão assinar a escritura de constituição da subsidiária integral. A ata da AGE e a escritura pública de constituição da subsidiária integral serão em seguida levados a arquivamento e registro na Junta Comercial”.( MARQUES, Carlos Henrique de Magalhães. Breves Considerações Acerca da Subsidiária Integral. Disponível em <http://www.pmradv.com.br/admin/portal/noticias/fNoticia_dtl.aspx?cod_noticia=143. Acesso em: 20 de outubro de 2008).
O acionista único da subsidiária integral não precisa ser necessariamente uma outra sociedade por ações. Pode ser qualquer companhia regulada pelo direito brasileiro.
É uma forma de incorporação de uma companhia por uma sociedade, cujas condições se encontram nos artigos 224 e 225 da Lei das S/A.
Por fim, a subsidiária integral é sociedade unipessoal constituída tanto originariamente, como resultante da concentração das ações nas mãos de um único acionista (necessariamente uma pessoa jurídica), coadunando-se com o que se pretende aplicável à sociedades unipessoais.
Vê-se que a unipessoalidade não é do todo estranha ao nosso ordenamento jurídico. Estas duas formas legalmente permitidas são os primeiros passos para a ampliação do entendimento acerca da sua extensão aos empresários individuais.
8. A SOCIEDADE UNIPESSOAL EM OUTROS ORDENAMENTOS JURÍDICOS
Para o entendimento da forma e paradigmas das sociedades unipessoais, trazemos a baila o tratamento a elas dispensado em alguns ordenamentos jurídicos. Entendemos desnecessário o aprofundamento na efetividade deste tipo societário em Portugal, haja vista o Projeto de Lei que visou implantar a unipessoal no Brasil ser baseado no modelo português, inclusive utilizando terminologias jurídicas de lá. Basta apenas reiterar que a crítica que fazemos àquela legislação é a impossibilidade de uma pessoa ser sócia de mais de uma unipessoal.
Iremos tratar superficialmente dos traços característicos da legislação referente a unipessoal em Liechtestein, por ser o primeiro ordenamento a conceber a possibilidade jurídica da existência de sociedade unipessoal; Alemanha, em razão da influência exercida em nosso ordenamento jurídico; na França, por ser, como a Alemanha, um dos países norteadores da nossa doutrina e legislação, embora de posição diversa da Alemanha em relação a este assunto; e Estados Unidos, não só por se tratar de outro sistema jurídico, a Commom Law, mas pela magnitude do sistema empresarial, influenciando nas relações comerciais em todo o globo.
8.1 Liechtenstein
O Principado de Liechtenstein foi o pioneiro ao abordar a questão da limitação da responsabilidade do empresário individual, com influências do jurista austríaco Oscar Pisko.
Seus estudos compreenderam que a personalidade jurídica não é uma convergência de vontades. O que prevalecia era a idéia de patrimônio separado, ou seja, um patrimônio autônomo, destinado a um fim, qual seja a atividade comercial. A responsabilidade limitada então é conseqüência da disposição de uma parte de seu patrimônio, zweckvermögen (patrimônio de afetação) em virtude de um fim.
Portanto, este Principado adotou a explicita separação patrimonial como fundamento para a constituição da pessoa jurídica, contemplando a autonomia e deixando para traz o pré-requisito da “vontade coletiva”.
Paulo Roberto Figueiredo da Costa, em sua obra Subsidiária Integral: A Sociedade Unipessoal no Direito Brasileiro, nos informa que apesar da legislação remontar ao ano de 1926, só por volta do ano de 1954 houveram os primeiros registros de inscrição de uma empresa unipessoal.
8.2 Alemanha
País de posição de vanguarda na ciência do direito, previu, já na sua Lei Gesellschaft mit beschränkter Haftung (1976) em seu § 1º, tratando das sociedades por quotas:
“Sociedades com limitações de responsabilidade, na conformidade dos limites dessa lei, podem ser constituídas por uma ou mais pessoas para todos os fins legalmente permitidos.”
Portanto, percebemos que um sistema jurídico semelhante ao nosso foi capaz de adotar em seu ordenamento a Sociedade Unipessoal.
Também a doutrina alemã segue a corrente doutrinária da unipessoalidade, tanto na forma originária, como preceitua a Lei, quanto na forma derivada. Sendo assim, a retirada dos sócios ou mesmo a concentração das cotas nas mãos de apenas um acionista não ensejaria o fim da personalidade jurídica.
Em geral, a organização de uma sociedade de pessoas, a redução de sócios pode significar o fim da personalidade jurídica. Entretanto, nas sociedades de capital, essa concentração não altera o objeto da sociedade. O fundamento é que a personalidade jurídica gira em torno da sua finalidade e de seu patrimônio, e é de tal forma independente dos seus sócios que continua a existir cessada a pluralidade.
Para a constituição das sociedades anônimas, a legislação nos diz ser necessário um mínimo de cinco sócios. A lei das Sociedades Anônimas (AKTG, 1965) admite que, concentrando-se as ações na mão de um único acionista posteriormente à fundação, a existência dessa companhia é perfeitamente possível. Não há que se falar em dissolução.
Concluímos que o ordenamento alemão admite a unipessoalidade, tanto na forma originária como na forma derivada[11], permanecendo, no último caso, a pessoa jurídica.
8.3 França
Neste país, onde o positivismo foi sempre de grande influência para o Direito, eminentemente codificado, a resistência à inovação da sociedade unipessoal sempre foi grande. O contratualismo é um óbice a implantação deste tipo societário.
O único avanço neste sentido veio com a Lei 66.537;66, dispondo em seu artigo 9º:
“Art. 9º. A reunião de todas as quotas ou ações em uma só mão não ocasiona a dissolução da sociedade de pleno direito. Todo interessado pode requerer a dissolução da sociedade se a situação não se regularizar no período de um ano.”
A inexistência da dissolução automática, haja vista dever ser requerida por interessado, e o prazo de um ano para recompor a pluralidade das sociedades já é um avanço em relação ao conservadorismo doutrinário daquele país.
Ademais, a possibilidade temporária da permanência da unipessoalidade pelo período de um ano é um grande salto em relação a lei brasileira, que admite apenas a sua permanência nestas condições por 180 dias.
8.4 Estados Unidos
Este país se diferencia dos demais não só pelo sistema da Commom Law, mas também pela organização jurídica do estado. Diferente do que ocorre no Brasil e demais países trazidos a este estudo, o país se organiza de forma confederativa, onde cada estado-membro tem sua própria legislação, cuidando a constituição apenas do fundamental básico, legando a estes entes a competência para legislar sobre os demais assuntos, incluindo aí o direito empresarial.
Em relação aos tipos societários, divergem do sistema romano-germânico que adotamos. Na verdade nem mesmo se convêm em falar em sociedade. Três são os tipos principais. São eles:
Parnetship, sociedade formada a partir de responsabilidade ilimitada, e que depende de um número mínimo de sócios, numero este a ser definido de acordo com as normas de cada estado-membro.
Limited Partnership, onde o termo limited traduz o número limitado de sócios, cuja responsabilidade pode ser limitada ou ilimitada, sendo semelhante a partnership nos demais aspectos.
Corporation, que se traduz em sociedade onde a responsabilidade é sempre limitada, onde o foco é a personalidade jurídica da empresa. Neste tipo de sociedade, na maioria dos estados é admitida a possibilidade da constituição se dar por apenas uma pessoa.
Fica evidenciado que o entendimento da formação da sociedade não depende da vontade coletiva, mas sim, decorrente da idéia de patrimônio da company.
Paulo Roberto Costa Figueiredo (op. cit.) nos informa que quarenta e dois dos cinqüenta estados americanos admitem a formação da corporation com apenas um sócio.
9. A TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A RESPONSABILIZAÇÃO DO SÓCIO UNIPESSOAL
Um dos óbices à implantação da Sociedade Unipessoal no Brasil é o receio de que esta venha se constituir como um meio de fraude utilizado pelo empresário individual. Como já ocorreu com as sociedades admitidas no Direito pátrio, o argumento da utilização da pessoa jurídica para a prática de atos desonestos, em proveito do sócio ou com abuso de direito, transferindo a responsabilidade de tais atos para as empresas é bastante difundido, e utilizado como repressor a implantação deste tipo societário.
Este tipo de atuação, fraudulenta ou com abuso de direito, já era praticada pelos sócios ou acionistas das sociedades limitadas e pelas companhias, utilizando o artifício da autonomia patrimonial para frustrar o interesse dos credores. A sofisticação da separação patrimonial servia como meio de dificultar e até impedir a correção deste ato.
A partir da constatação destes fatos, veio à tona a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O intuito era de proteger os credores e todos aqueles que mantinham relações com as pessoas jurídicas dos atos ilícitos praticados utilizando a pessoa jurídica como obstáculo a sua reparação, escondendo a pessoa dos verdadeiros responsáveis, os sócios, pelos atos. Nos Estados Unidos, chegou-se a utilizar a expressão “levantar o véu da pessoa jurídica para atingir diretamente os sócios”.
A teoria da desconsideração da personalidade jurídica nada mais é senão o afastamento episódico da personalidade jurídica para dar efetividade a possibilidade de correção de manobras fraudulentas de um ou mais dos seus sócios. Episódico por que só se processa mediante análise do caso concreto, pois, do contrário, não existiria diferença entre a pessoa jurídica e seus constituintes. Afastamento por não se tratar de dissolução da pessoa jurídica. Com efeito, é uma fase momentânea, onde, para atingir a pessoa do sócio, considera-se que a pessoa jurídica não existisse.
“Pela teoria da desconsideração, o juiz pode deixar de aplicar as regras de separação patrimonial entre sociedade e sócios, ignorando a existência da pessoa jurídica num caso concreto, por que é necessário coibir a fraude perpetrada graças à manipulação de tais regras. Não seria possível a coibição se respeitada a autonomia da sociedade. Note-se, a decisão judicial que desconsidera a personalidade jurídica da sociedade não desfaz o seu ato constitutivo, não o invalida nem importa a sua dissolução. Trata, apenas e rigorosamente, de suspensão episódica da eficácia desse ato […]” (Coelho, F. U., 2005, v. 1, p. 40, grifo nosso).
Esta teoria é plenamente aplicável à Sociedade Unipessoal, onde a responsabilização seria muito similar ao que ocorre hoje com o empresário individual, que tem responsabilidade ilimitada. O sócio unipessoal que pratica manobra fraudulenta ou comete abuso de direito se enquadraria nas mesmas hipóteses do que ocorre, doutrinariamente, jurisprudencialmente e, mais recentemente, legislativamente, com a sociedade comercial que pratica tais atos.
Este instituto foi defendido pioneiramente no Brasil por Rubens Requião, após a constatação de várias jurisprudências a respeito do tema, ainda que casos excepcionais, inclusive em casos de confusão patrimonial entre a empresa e o sócio. O jurista defendeu, inclusive, ser desnecessária a existência de previsão legal, por se tratar de medida utilizada para a repressão e reparação dos atos fraudulentos.
Existem duas teorias da desconsideração em existência no Brasil. A maior e a menor, destacadas por Fabio Ulhoa Coelho in verbis:
“Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menos, em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia patrimonial” (2005, v. 1, p. 35).
A teoria maior é a mais elaborada, e necessita de requisitos específicos para ser aplicada. É necessária a caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto.
Rolf Serick apud Fabio Ulhoa Coelho, após estudos na jurisprudência norte americana, para a busca dos critérios gerais que autorizam o superamento da personalidade jurídica, formulou quatro princípios norteadores:
a) “O juiz, diante de abuso de forma da pessoa jurídica (ato que vise frustrar a aplicação da lei ou cumprimento de contrato, ou ainda, que prejudique terceiros de forma fraudulenta), pode, para impedir a realização de ilícito, desconsiderar o princípio da separação entre sócio e pessoa jurídica (1955, p. 276)”. Sem a presença deste abuso, não se pode cogitar a desconsideração, ainda que para satisfazer credores de boa-fé.
b) A simples existência de uma obrigação não satisfeita não se faz de justificativa para a desconsideração.
c)Deve-se levar em consideração a qualidade daqueles que agiram em nome da pessoa jurídica, quando guiadas pelos mesmos objetivos e funções, para atendimento dos pressupostos do instituto.
d) “[…] se a lei prevê determinadas disciplina para os negócios entre dois sujeitos distintos, cabe desconsiderar a autonomia da pessoa jurídica que o realiza com um de seus membros para afastar essa disciplina (Coelho, F. U., 1995, v. 1, p. 36)”.
Assim sendo, a teoria maior consiste na observação desses princípios, para coibir atos fraudulentos e abusivos, respeitando a autonomia patrimonial nos demais casos. A inobservância acarretaria num retração da atividade empresarial pois a responsabilidade passaria, tacitamente a ser sempre ilimitada.
Ressalte-se que os atos ilícitos praticados pela sociedade são de responsabilidade da sociedade, não recaindo na pessoa dos sócios. A doutrina da desconsideração visa proteger as fraudes, e não os atos ilícitos.
Os atos ilícitos praticados por seus gestores também não ensejam a desconsideração, pois podem ser os sócios responsabilizados pessoalmente[12].
Em breve síntese, a teoria menor, menos elaborada, reflete uma minoração no princípio da separação patrimonial. Seu conteúdo é a aplicação da desconsideração sempre que seja desatendida uma obrigação da sociedade, em razão de insolvência ou falência; não se questiona se houve fraude ou abuso, pois apenas a natureza creditícia é levada em consideração.
Consideramos a aplicação da teoria menor como um descuido dos juízes, uma vez que a teoria menor não encontra o mesmo supedâneo da teoria maior, e visa apenas responsabilizar o sócio pelas obrigações regulares da empresa que não puderam ser cumpridas.
No Direito brasileiro positivado, o primeiro diploma legal a tratar da desconsideração da personalidade jurídica foi o Código de Defesa do Consumidor. A desconsideração ocorria sempre do consumidor, tendo como fundamento as hipóteses: abuso de direito; excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social; falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade provocados por má administração. Não se tratou da fraude, principal hipótese doutrinária de aplicação da teoria. Em consonância com a teoria menor, o Código do consumidor previa, ainda, que “também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (CDC, art. 28, § 5º). O caráter deste ditame é de que ao consumidor não se aplica a teoria do risco empresarial, sendo ele merecedor de toda a proteção por se tratar de hipossuficiente em relação às corporações. Entendemos, no entanto, em consonância com diversos autores do campo empresarial, que a aplicação literal deste instituto importaria na inexistência da personalidade jurídica no ramo do Direito do consumidor.
A lei antitruste (8.884/94) seguiu os mesmos trilhos percorridos pelo Código de Defesa do Consumidor em 1990, o que pode ser observado na redação do seu artigo 18:
“Art. 18. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”
A lei 9.605/98, que trata da responsabilidade pelas ações lesivas ao meio ambiente foi mais vaga no assunto, ditando apenas que “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”. Cabe ao aplicador do Direito no caso concreto aplicar a teoria maior em caso de fraude, já que o texto legal não menciona essa hipótese e nem a da simples satisfação das obrigações.
O Código Civil de 2002 foi mais específico, para atentar para a necessidade de haver abuso, desvio de finalidade (fraude) ou confusão patrimonial, para se proceder a desconsideração da personalidade jurídica. Dispõe ainda que o tanto o terceiro interessado quanto o ministério público podem requerer a medida (art. 50). O livro II da parte especial do código faz ainda remição a este artigo quando trata, ainda que de forma indireta, a exemplo do artigo 1.080.
Ao estabelecer um paralelo entre as sociedades por cotas de responsabilidade limitada e a sociedade unipessoal, observa-se que, em tese, são regidas pela mesma doutrina em relação à desconsideração. Assim, a aplicação seria análoga, dando-se preferência ao requinte da teoria maior. A teoria menor também seria passível de ser aplicada, pois a sociedade unipessoal responderia perante credores e consumidores da mesma forma que a pluripessoal.
No processamento da desconsideração da personalidade jurídica da unipessoal, o demandado seria sempre o sócio unipessoal, sem que houvesse dúvidas entre qual dos sócios praticou o ato fraudulento por intermédio da empresa. A obrigação de escrituração para este tipo societário também facilitaria os meios de prova, uma vez que o controle do patrimônio e dos atos e obrigações da empresa estariam registrados em consonância com os preceitos legais[13] e também em razão da solenidade e formalidade dos atos.
José Edwaldo Tavares Borba também entende no sentido do cabimento da aplicação da teoria da desconsideração para as sociedades unipessoais, pois deve ser atingido o ato do sócio e não da sociedade, mas praticado por meio desta:
“A sociedade, ainda que unipessoal, representa um foco de interesses – o interesse da empresa. Desvirtuada essa distinção, frustra-se a base teleológica do instituto – quebra-se a personalidade jurídica, de modo a permitir penetrá-la e responsabilizar o sócio” (1986, p. 33).
O manejo da atuação da sociedade unipessoal para escusar o sócio de responsabilidade pessoal também é de fácil constatação, em razão da teoria da realidade, predominante no Direito Comercial.
“Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escuro, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado contrário a lei, ao contrato ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência” (Lamartine Correa apud Bruscato, W et ali, 2008).
Também é necessário ressaltar da desconsideração inversa. Pode o empresário, para fugir de dívidas pessoais, transferir seus bens para a sociedade. No caso do sócio unipessoal, aparentemente seria vantajoso, pois este poderia frustras as expectativas de seus credores pessoais e ainda continuar usufruindo dos bens, uma vez que seja a sociedade controlada apenas por ele.
Fabio Ulhoa Coelho nos exemplifica com um caso em que determinado sócio transfere seu patrimônio para a pessoa jurídica para proteger seus bens quando dissolução do vínculo conjugal.
A teoria da desconsideração inversa tem o mesmo fundamento da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, e tem o escopo de atingir o patrimônio da empresa quando esta personalidade importa em obstáculo a satisfação das obrigações do sócio em razão da transferência fraudulenta do seu patrimônio.
O desvio de bens do sócio unipessoal já é fator suficiente para se pensar em desconsideração inversa, principalmente quando esta transferência importa em esvaziamento do patrimônio do sócio.
Ademais, não deve se confundir desconsideração com responsabilização. O sócio unipessoal é o responsável pelos atos de má gestão, e a responsabilização desses atos é pessoal, e não depende de trâmite em juízo e prova de abusividade nem de fraude, mas apenas o prejuízo.
10. CONCLUSÃO
O modelo de Sociedade Unipessoal mostra-se plenamente aplicável no Brasil, uma vez que atendo aos pré-requisitos da forma e atente aos interesses dos empresários.
A questão semântica e o ponto de vista contratualista mostram-se na contramão do desenvolvimento econômico, e a exigência da pluralidade mostra-se um incentivo à utilização de sócios “laranja” para a limitação da responsabilidade do sócio.
O mecanismo da unipessoal como limitador da responsabilidade amplia os horizontes do empreendedor, que limita os riscos da atividade empresarial à própria empresa. Mostra-se tipo adequado ao desejo das pessoas de empreender e arriscar-se em novos negócios, gerando assim emprego e renda para o país, e fazendo a circulação de bens e serviços.
Quanto à possibilidade de fraudes através da sociedade unipessoal, esta já está plenamente afastada pelo consagrado instituto da desconsideração da personalidade jurídica, inclusive da desconsideração inversa (mecanismo que pode ser utilizado para fraudar execução contra o sócio). A jurisprudência e a lei já conhecem os mecanismos pra responsabilizar aquele que age fraudulentamente ou com abuso de poder.
Por fim, seguindo o exemplo da Alemanha, Liechtenstein, Portugal e tantos outros países, se faz mister que o Brasil institua a Sociedade Unipessoal, não só como fomento à economia, mas para se encaixar na evolução comercial e atender ao clamor da sociedade pela adequação do Direito à realidade e aos interesses da sociedade.
Concluímos que a Sociedade Unipessoal não só é possível no nosso ordenamento jurídico, como também é necessária, adotando a técnica da separação patrimonial aliada à limitação da responsabilidade.
Informações Sobre o Autor
Francisco de Assis dos Santos Moreira Filho
Advogado Pós-Graduado em Direito Administrativo atuando na área e também professor de cursos livres e preparatórios para concurso