A Súmula 368 do TST e as execuções de ofício das contribuições previdenciárias

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Este artigo visa analisar as conseqüências para o sistema previdenciário da adoção do item I da Súmula 368 do TST (ex OJ 141 inserida em 27.11.1998) e com reedição pelo Pleno em 10.11.2005.

Súmula n.368 do TST

I.  A Justiça do trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto do acordo homologado que integrem o salário-de-contribuição. (grifos nossos).

O Pleno do TST justificou a mudança do entendimento acerca da competência da Justiça do Trabalho em face: a) dos valores correspondentes ao reconhecimento do vínculo terem sido recolhidos a um fundo específico do INSS e não diretamente à conta do trabalhador, bem como no fato de o INSS não acatar a decisão judicial como prova de tempo de serviço do trabalhador que fica com a sua aposentadoria postergada.

Urge destacarmos que os argumentos utilizados para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para cobrar as contribuições devidas ao INSS sobre ações declaratórias, nas quais é reconhecido o vínculo de emprego do trabalhador são frágeis de acordo com as bases do sistema previdenciário brasileiro.

O sistema previdenciário brasileiro adota o modelo contributivo por determinação constitucional (art. 201) e regime financeiro de repartição[1] no qual a geração atual financia a geração anterior, razão pela qual os valores arrecadados num mês são utilizados no próprio mês para o pagamento das obrigações do sistema (entrega das prestações previdenciárias: benefícios e serviços). Recursos que são carreados ao Fundo de Previdência Social, não ficando adstrito exclusivamente para constituição de reservas de capitais para o pagamento de cada trabalhador. Mesmo após a edição da Lei n. 8.976/99 que determina que os valores das contribuições de cada segurado fique registrada pessoalmente, não tivemos a mudança do regime financeiro que continua de repartição agora qualificado de escritural; Quanto ao não reconhecimento da decisão judicial trabalhista como  prova de tempo de serviço do trabalhador temos que lembrar que hodiernamente o INSS reconhece as sentenças trabalhistas, desde que corroboradas com início de prova material.

Entramos aqui num terreno de areia movediça. Inicialmente cabe classificarmos as ações trabalhistas em: típicas e atípicas.

As ações trabalhistas típicas são aquelas em que se busca o reconhecimento do vínculo empregatício ou a prestação de serviços, ajuizadas dentro do prazo prescricional para reconhecimento dos direitos trabalhistas. Já as ações trabalhistas atípicas são as ajuizadas após o decurso do prazo prescricional e resultante de acordo e ou sentenças baseadas em prova testemunhal ou em conjunto com outras provas como v.g., declaração unilateral do ex-empregador, reconhecimento do pedido, confissão ficta decorrente da revelia dentre outras. Aqui precisamos destacar que muitas vezes, o ajuizamento da ação trabalhista tem como finalidade precípua a geração de efeitos previdenciários (caso das ações atípicas), razão pela qual a adoção do efeito automático das sentenças judiciais trabalhistas é emblemático. Em excelente artigo o Juiz Federal Hildo Nicolau Perón pondera que:

“ é preciso levar em conta que a função cumulativa da Justiça do trabalho para promover de ofício a execução das contribuições sociais sobre valores pagos e/ou creditados na ação trabalhista (e/ou também na hipótese das contribuições ‘devidas’ , que não é oportuno discorrer aqui),por força do § 3º do art. 114 da CF/88,enseja interpretação harmônica com a regra da competência para as causas previdenciárias (art.109,I, 1ª parte, da CF/88)e não vincula o INSS para esse fim pois: há disjunção de competências;  participação do INSS no processo de execução trabalhista se dá exclusivamente pelo fato de o pagamento de verbas salariais ser, ao mesmo tempo, fato gerador de contribuições sociais que lhe compete fiscalizar e arrecadar; e a participação do INSS como terceiro interessado, especificamente no processo de execução, não tem o condão de vincula-lo para a concessão de benefícios,porque não se equivale à posição do litisconsorte ativo ou passivo que participa do processo de conhecimento e tem a oportunidade de produzir provas”[2]

O art 55, § 3º da Lei n.º 8.213/91 determina que para reconhecimento do tempo de serviço ( após a EC 20/98 tempo de contribuição) exige-se início de prova material.

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

(…)

3º – A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei,inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”

Hodiernamente administrativamente se reconhece para efeito de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição ou outro benefício as sentenças trabalhistas  desde que corroboradas com início de prova material[3], por força da Instrução Normativa n.º 118/2005.

O art 112, § 3ºda IN 118/2005 determina:

§ 3º Na concessão ou revisão de aposentadoria por tempo de contribuição ou qualquer outro benefício do RGPS, sempre que for utilizado tempo de serviço/contribuição ou salário-de-contribuição decorrente de Ação Trabalhista transitada em julgado, o processo deverá ser encaminhado para análise da Chefia de Benefícios da APS, devendo ser observado se:

I – na contagem de tempo de serviço/contribuição, ainda que tenha havido recolhimento de contribuições:

a) foi apresentado início de prova material;

b) o INSS manifestou-se no processo judicial acerca do início de prova material, atendendo-se ao princípio do contraditório;

c) constatada a inexistência de documentos contemporâneos que possibilitem a comprovação dos fatos alegados, o período não deverá ser computado;

d) nas situações em que a documentação juntada ao processo judicial permita o reconhecimento do período pleiteado, caberá o cômputo desse período;

e) nos casos previstos na alínea “c” deste inciso, se constatado que o INSS manifestou-se no processo judicial acerca da prova material, a Chefia de Benefícios da APS deverá emitir um relatório fundamentado e enviar o processo para a Procuradoria local analisar, ficando pendente a decisão em relação ao cômputo do período;

f) após a concessão do benefício, se não houve recolhimento de contribuições, o processo deverá ser encaminhado para o Setor da Receita Previdenciária, para as providências a seu cargo.

II – no cômputo de salário-de-contribuição:

a) o processo deverá ser encaminhado para o Setor da Receita Previdenciária, para verificação e parecer sobre o referido recolhimento;

b) serão considerados os valores constantes da ação trabalhista transitada em julgado, desde que tenha havido o recolhimento das contribuições devidas à Previdência Social, observado o limite máximo e mínimo de contribuição.

§ 4º Na concessão ou revisão dos benefícios em que houver apresentação de processo de ação judicial de reintegração, deverá ser observado:

I – apresentação da cópia do processo de reintegração, inclusive trânsito em julgado;

II – não será exigido início de prova material, considerando que existe anteriormente a prova de vinculação trabalhista;

III – a Chefia de Benefícios da APS deverá emitir relatório e encaminhar o processo para a Procuradoria analisar, ficando pendente a decisão com relação ao cômputo do período;

IV – após a concessão do benefício, o processo deverá ser encaminhado para o Setor da Receita Previdenciária.

Inicialmente cabe-nos indagar acerca do alcance do art. 114 da Constituição Federal quanto à competência que determina a competência de maneira abrangente, sem restrições. A sistemática da execução de ofício é inserida pela EC 20/98 e modificada pela EC 45/04 que alterou topograficamente sua localização mantendo o mesmo teor:

Art. 114.(…) Cabe à Justiça do Trabalho

(…)

VIII – a execução de ofício das contribuições sociais previstas no art. 195, I,”a”(folha de salários e demais rendimentos)e II(remuneração do trabalhador) e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.

Depreende-se do texto constitucional a competência abrangente da Justiça do Trabalho que passa a ser absoluta para a cobrança dos valores decorrentes de suas sentenças, retirando a possibilidade de o órgão de arrecadação previdenciário inscrever em dívida ativa quaisquer valores ou diferenças relativas a litígios trabalhistas.

A Lei n. 10.035/2000 alterou vários dispositivos da CLT visando adaptá-la para esta nova realidade constitucional. Nas lacunas deste instrumento legislativo, aplicar-se-ão subsidiariamente a Lei de Execuções Fiscais e o Código de Processo Civil.

O parágrafo único do art 876 da CLT acrescido pela Lei n 10.035/2000 prevê:

Art.876(…)

Parágrafo único: Serão executados ex officio os créditos previdenciários devidos em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo.

A carga das sentenças no processo trabalhista pode ser:

a)      declaratória/condenatória

b)      meramente declaratória (ações cujos pedidos sejam o reconhecimento do vínculo que por força do art.11, parágrafo 1 da CLT é imprescritível).

Os efeitos da Súmula 368 do TST atingem apenas as sentenças com carga declaratória, posto que ante o atual entendimento sumular, as contribuições previdenciárias devem ser objeto de levantamento fiscal e após se for o caso o aparelhamento da execução fiscal, cabendo à Justiça do Trabalho a execução de decisões nas quais resulte condenação da empresa ao pagamento de parcelas trabalhistas e sobre os valores resultantes de acordos entre as partes.

A solução adotada na Súmula 368 do TST provoca a cisão do processo de execução das contribuições previdenciárias na contramão das previsões inseridas a partir da EC 20/98, além de ferir o princípio básico de todo processo executório, a saber utilidade e eficiência. A sistemática implementada a partir da EC 20/98 visa a satisfação da Fazenda Pública de maneira mais célere, o que vem ao encontro da busca do interesse comum, posto que se são devidas contribuições elas devem ser cobradas eficazmente, até porque nosso modelo previdenciário é contributivo por opção  constitucional (art. 201 da CF/88). Nem se alegue que com esta nova sistemática transformou-se a Justiça do Trabalho em órgão arrecadador. Houve apenas o acréscimo da execução das contribuições de ofício em sua competência, como atividade paralela e conseqüente de sua missão de resolver conflitos trabalhistas, conforme opinião que comungamos do Juiz do Trabalho Antônio Álvares da Silva do TRT da 3 Região in Pequeno Tratado da Nova Competência Trabalhista, LTr, 2005

Outro aspecto que chama a atenção é que conquanto a Justiça do Trabalho decline da competência executória das contribuições previdenciárias, determina no caso das ações declaratórias, a anotação na CTPS de todo o período reconhecido, bem como determina ao INSS a averbação do tempo de contribuição reconhecido, muitas vezes determinando prazo de 90 dias como vem acontecendo no TRT da 15ª Região. Cabe destacar que a relação com a previdência social não é posterior à relação de emprego ou trabalho, mas deriva da mesma.

O entendimento jurisprudencial contido no item Ida Súmula 368 do TST não pode prevalecer, posto que subverteria a base do sistema previdenciário, pois geraria a obrigação de reconhecimento de tempo sem o recolhimento das contribuições previdenciárias, uma vez que incerto o destino da respectiva execução de tais contribuições.

 

Notas:
[1] No Regime financeiro de repartição cada geração suporta os seus riscos atuais e os das gerações passadas, enquanto seus riscos futuros serão suportados pelas gerações futuras. Busca-se o equilíbrio financeiro entre recursos e gastos .Baseia-se na solidariedade entre as gerações (pacto de gerações). Realiza-se a solidariedade financeira para recursos e encargos de todos os segurados existentes numa época dada. O sistema de repartição começou a ser adotado após a Segunda Guerra Mundial pelo fato de ser seguro, fácil e barato de se administrar. Esse sistema foi adotado pelo Brasil, Estados Unidos, França, Alemanha e Espanha. A reforma da previdência no Brasil manteve o regime de repartição simples puro. A fórmula de cálculo dos benefícios calculados com base nas 80% maiores remunerações do segurado e ajustados pela alíquota e expectativa de vida (aposentadoria por tempo de contribuição) introduz no sistema princípios que regem o sistema de capitalização escritural. Vantagens – proporciona rápida organização dos mecanismos de cobertura, bem como a possibilidade de adequação dos recursos da seguridade social às variações do custo de vida. Desvantagens – falta de garantia para os atuais segurados e vulnerabilidade à oscilação demográfica (diminuição da natalidade).Hoje, nas sociedades demograficamente maduras, a tendência é a adoção de regimes mistos de financiamento, mesclando-se as técnicas de repartição e capitalização. Sendo a proteção da cobertura básica obrigatória e a proteção complementar facultativa. Adota-se, na cobertura básica, a técnica de repartição, e na cobertura complementar, a técnica de capitalização.
[2] Coisa Julgada trabalhista: limitações de eficácia no âmbito previdenciário. In Revista de Direito Social , n. 18 –abr./jun. 2005,p.68.
[3] A grande questão é que a legislação previdenciária não define o que é início de prova material. O Procurador Federal Clóvis Juarez Kemmerich ( http://www.geocities.com/ckemmerich acessado em 12/05/2006) elenca com base na jurisprudência o que é considerado como início de prova material pelo Superior Tribunal de Justiça: 1.1 Anotações contidas na certidão do registro do casamento civil. (AR 664-SP, Min. Vicente Leal, DJU 25-10-1999, p. 35); 1.2 Certificado de reservista, em nome do autor, onde consta a profissão de agricultor (EERESP 155249/SP, Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 31-5-1999, p. 167); 1.3 Certidão de casamento onde consta a profissão de lavrador do requerente. (RESP 134618/SP, Min. Fernando Gonçalves, DJU 13-10-1997, p. 51675; RESP 211031/SP, Min. Edson Vidigal, DJU 6-9-1999, p. 127); 1.4 Certidão de casamento onde consta a profissão de agricultor do marido da requerente. (RESP 238353-SP, Min. Edson Vidigal, DJU 8-3-2000, p. 158; RESP 116169/SP, Min. Edson Vidigal, DJU 21-6-1999, p. 180); 1.5 Cadastro de Imóvel Rural no INCRA, em nome marido. (RESP 238353-SP, Min. Edson Vidigal, DJU 8-3-2000, p. 158); 1.6 A declaração do ex-empregador, contemporânea aos fatos. (RESP 194696/SP, Min. Jorge Scartezzini, DJU 3-11-1999, p. 127); 1.7 Declarações contemporâneas, às quais se juntou certidão de informações cadastrais da Secretaria da Fazenda da Prefeitura do Município, conjuntamente. (RESP 174117/SP, Min. José Dantas, DJU 5-10-1998, p. 138); 1.8 Certificado de dispensa de incorporação, constando a profissão de lavrador do requerente. (RESP 165536/SP, Min. José Dantas, DJU 1-6-1998, p. 177; RESP 211031/SP, Min. Edson Vidigal, DJU 6-9-1999, p. 127); 1.9 Material fotográfico do exercício do trabalho. RESP 147638/SP, Min. José Dantas, DJU 24-11-1997, p. 61277); 1.10 CTPS onde consta a profissão de lavrador do requerente. (RESP 133477/SP, Min. Fernando Gonçalves, DJU 13-10-1997, p. 51672; RESP 211031/SP, Min. Edson Vidigal, DJU 6-9-1999, p. 127); 1.11 Título eleitoral onde conste a profissão de lavrador do requerente. (RESP 132003/SP, Min. Fernando Gonçalves, DJU 13-10-1997, p. 51669; RESP 252055/SP, Min. Edson Vidigal, DJ 1-8-2000, p. 326; RESP 211031/SP, Min. Edson Vidigal, DJU 6-9-1999, p. 127); 1.12 Certidão de óbito do segurado, referindo-se a este como lavrador. (RESP 133246/SP, Min. Felix Fischer, DJU 8-9-1997, p. 42578; 1.13 Certidão do registro de imóvel rural de pequena área, onde vive e trabalha a beneficiária. RESP 174168/SP, Min. José Dantas, DJU 13-10-1998, p. 172); 1.14 Certificado de Alistamento Militar, no qual consta expressamente a profissão de rurícola do requerente. (RESP 252055/SP, Min. Edson Vidigal, DJ 1-8-2000, p. 326); 1.15 Escritura publica de imóvel rural. (RESP 116581/RS, Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 29-9-1997, p. 48259); 1.16 Documentos em nome do cônjuge apenas quando caracterizado regime de economia familiar. (RESP 238549/CE, Min. Fernando Gonçalves, DJU 28-2-2000, p. 134); 1.17 Contrato particular de parceria agrícola contemporâneo aos fatos. EDRESP 125771/SP, Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU 20-10-1997, p.53122.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Miguel Horvath Júnior

 

Mestre e Doutorando em Direito Previdenciário pela PUC/SP, Procurador Federal, Professor Universitário, Autor da obra Direito Previdenciário, 7ª ed. Quartier Latin, 2008 e outras