Resumo: O trabalho busca analisar a tutela de evidência, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a publicação da Lei 13.105, de 15 de março de 2015, o novo Código de Processo Civil. A metodologia adotada foi a pesquisa com base teórica, doutrinária e jurisprudencial, não se optando por adentrar os aspectos filosóficos ou políticos que o tema possa ensejar. Assim, o trabalho apresenta uma conceituação da tutela de evidência, discriminando as suas características, os seus fundamentos, os seus requisitos e as suas hipóteses de cabimento. Em seguida, é examinada, de forma quantitativa e qualitativa, a aplicação prática do instituto mencionado no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no período de 17 de março de 2016 a 04 de outubro de 2017, em uma análise jurisprudencial. Por fim, busca-se chegar a uma conclusão acerca da aplicação da tutela de evidência, se o instituto está sendo de fato aplicado na corte judicial mencionada, com base nas hipóteses de cabimento da medida, bem como quais as possíveis razões que estão sendo adotadas nos julgados para concessão ou deferimento dessa modalidade de tutela provisória.
Palavras-chave: Processo Civil. Tutela de Evidência. Hipóteses de Cabimento. Análise Jurisprudencial. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Sumário: 1. Introdução; 2. A tutela de evidência no Código de Processo Civil de 2015; 3. A aplicação da tutela de evidência no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais; 4. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Em virtude de uma série de fatores negativos, tais como a morosidade processual, o grande número de recursos com fins meramente protelatórios, a propagação de lides repetitivas que sobrecarregam o aparato jurisdicional e a demora excessiva na satisfação plena e em tempo razoável do direito pleiteado, o Poder Judiciário vem caindo em descrédito da opinião pública.
Afinal de contas, o pleito judicial, em sede de cognição sumária, da satisfação de direitos e de sua assecuração, era regida por uma legislação datada de 1973, o Código de Processo Civil anterior, por meio da antecipação de tutela e da tutela cautelar. Todavia, ante o avanço da sociedade e da operação do Direito, inclusive com a subsequente promulgação da Constituição Federal de 1988, a sistemática da lei processual anterior se deteriorou, clamando por um novo diploma legal, mais atualizado e coeso.
Diante desse cenário, visando a garantir mais uma medida legal que pudesse garantir celeridade na prestação jurisdicional, o Código de Processo Civil de 2015 criou o instituto da tutela de evidência, espécie da qual é gênero a tutela provisória, tendo por intuito evitar o desgaste da parte autora com o ônus do tempo do processo judicial. Assim, a legislação previu fundamentos, características, requisitos e hipóteses de cabimento para a concessão dessa nova modalidade de tutela, que serão demonstrados neste trabalho.
Ocorre que, tendo decorridos menos de dois anos de vigência da nova norma processual civil, a aplicação prática desse instituo, ainda se mostra incerta, razão pela qual o presente trabalho tem por espeque investigar, tanto quantitativamente quanto qualitativamente, alguns acórdãos proferidos no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, visando a concluir se a tutela de evidência está de fato sendo aplicada na referida corte judicial.
Com efeito, é importante consignar que o trabalho não buscará esgotar o tema, mas apenas demonstrar, de forma sucinta, como a doutrina e a legislação pátrias tem entendido o instituto da tutela de evidência, desde as discussões iniciadas com a tramitação do projeto de lei que ocasionou na promulgação do novo Código de Processo Civil, debate que durou mais de cinco anos, até a aplicação efetiva no Poder Judiciário.
Assim sendo, o trabalho tem por objetivo descobrir se o instituto da tutela de evidência está ou não sendo efetivamente sendo acolhido e utilizado no Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, findando-se por uma pesquisa jurisprudencial.
2 A TUTELA DE EVIDÊNCIA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
O Código de Processo Civil de 2015, trouxe inovações quanto às técnicas de tutela jurisdicional antecipadas e assecuratórias, instituindo um gênero maior, que foi denominado tutela provisória, cujas espécies são a tutela de urgência e a tutela de evidência.
Dessa forma, o novo diploma processual buscou definir com precisão os elementos técnicos necessários para a concessão da tutela provisória, seja na forma de urgência ou de evidência, estabelecendo requisitos, características e hipóteses de concessão para os institutos criados. Para o presente trabalho, o enfoque é a tutela de evidência, prevista no artigo 311 do Código de Processo Civil, nos seguintes termos:
“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:
I – ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;
II – as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante;
III – se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa;
IV – a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável.
Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente”. (BRASIL, 2015)
2.1 Conceito, fundamentos e principais características
A tutela de evidência é uma técnica processual que pode ser tanto satisfativa quanto cautelar, antecipando provisoriamente a satisfação do direito pleiteado pela parte no primeiro caso ou acautelando e conservando esse direito na segunda hipótese. Nesse sentido, trata-se de uma tutela de cognição sumária e precária, passível de revogação ao longo do processo pelo juiz, consoante preceitua o art. 296 da nova lei processual, e inapta a gerar a coisa julgada material, conforme ensinam Didier Jr., Braga e Oliveira (2015). Por isso, deve ser substituída, posteriormente, por uma tutela definitiva, a qual deve confirmá-la ou modificá-la por sentença, modalidade de tutela de cognição exauriente e que traz a autoridade da coisa julgada material.
A sua instituição visa à valorização e proteção do direito evidente, tendo em vista que o tempo necessário para a obtenção da tutela definitiva não deve ser suportado pelo titular de direito assentado em afirmações de fato comprovadas, que se possam dizer evidentes, sob pena de violação ao princípio da igualdade. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015). Isso se dá pois, em certas ocasiões, o direito invocado pelo autor detém tamanho grau de probabilidade que há evidência concreta desse direito.
Assim, é necessária uma tutela excepcional para tal situação, em que o estado do processo já revela a demonstração, ao menos ab initio, das afirmações de fato alegadas. Mas é necessário ressaltar que, como afirmam Wambier et al (2015), a tutela de evidência não se confunde com a hipótese de julgamento antecipado do mérito do processo, instituto diverso previsto nos artigos 355 e 356 do novo Codex.
Com efeito, trata-se de modalidade de tutela cuja legitimidade somente é atribuída ao autor, o qual deduz uma pretensão resistida em juízo (DIDER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015) e que não pode ser sacrificado diante do tempo do processo, sob pena de ocorrer denegação de justiça (WAMBIER et al, 2015), e ofensa ao direito fundamental à duração razoável do processo, disposto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, como sustenta Bodart (2015).
Noutro norte, quanto ao momento para requerimento dessa tutela provisória, sabe-se que em qualquer fase processual é cabível, por vezes, inclusive em sede de recurso, como dispõe o enunciado nº 423 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, ao ressaltar que “cabe tutela de evidência recursal” (PORTAL PROCESSUAL, 2016, p. 54).
Em complemento, é importante consignar que a concessão ou o indeferimento da tutela de evidência é impugnável por meio de agravo de instrumento, conforme o artigo 1.015, inciso I, da lei processual civil, e que a sentença que confirma, concede ou modifica essa forma de tutela, é passível de apelação sem efeito suspensivo automático.
2.2 Requisitos
No que se refere aos requisitos para concessão da medida, o traço mais marcante é que, por ser tratar de uma medida fundada exclusivamente na evidência do direito, independe da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil ao processo, nos termos do caput do art. 311 do Código de Processo Civil de 2015, como ensinam Wambier et al (2015).
Nesse passo, conforme Didier Jr., Braga e Oliveira (2015), a evidência depende apenas de dois requisitos, quais sejam, a prova das alegações de fato e a probabilidade de acolhimento da pretensão processual. Dispensa-se assim, por desnecessária, a demonstração de urgência ou perigo, requisito primordial da tutela provisória de urgência. Isso porque o elevado grau de probabilidade das alegações, suficientemente provadas em detrimento da parte adversa e antevendo uma improbabilidade de êxito na resistência da pretensão, autorizam liminarmente a antecipação dos efeitos da tutela definitiva pedida ao final, até mesmo por não haver razão relevante para a espera, já que a demora do processo gera agravamento do dano para o autor.
2.3 Hipóteses de cabimento
O Código de Processo Civil de 2015 estabelece hipóteses de concessão da tutela de evidência em procedimentos especiais, como a ação possessória, os embargos de terceiro e a ação monitória em seus artigos 562, 678 e 700, respectivamente. Não obstante, o presente trabalho terá enfoque somente quanto às quatro hipóteses de cabimento genéricas para a concessão de tutela de evidência, previstas no art. 311, incisos I a IV, do novo diploma processual, e que podem ser pleiteadas, ao menos em tese, em qualquer feito.
2.3.1 Primeira hipótese de cabimento: artigo 311, inciso I
A primeira hipótese de cabimento da tutela de evidência ocorre quando “ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte” (BRASIL, 2015). Quanto a essa modalidade, ainda se mostra atual o ensinamento de Fux (2008, p. 78), segundo o qual “a ideia central da lei é demonstrar a expressiva evidência do direito do autor, de tal maneira que a defesa resta abusiva ou protelatória, porquanto ter como único escopo postergar a satisfação dos interesses do titular do direito líquido e certo”.
Nesse passo, importante salientar que abuso de direito, conforme ensina Dinamarco (2014, p. 47), é “a realização de atos aparentemente inerentes ao exercício de um direito subjetivo, mas na realidade excedentes aos poderes ou faculdades que esse direito legitimamente autoriza exercer”. Assim, para possibilitar a concessão da medida em referência, a defesa deve ser abusiva, excessiva, anormal ou inadequada, com o propósito de frustrar ou atrasar a prestação jurisdicional, mesmo que seja tecnicamente adequada.
Em verdade, o abuso de direito pode se dar não apenas na contestação, como também em qualquer conduta do réu posterior à sua defesa, como repetir alegações já indeferidas, fazer reiteradas cargas ou repetir recursos que foram inadmitidos, solicitar testemunhas desnecessária, reiteradamente reter os autos por tempo delongado ou provocar incidente processual infundado (WAMBIER et al, 2015). Certo é, contudo, que essa medida somente pode ser requerida após a contestação do réu, em que deve restar demonstrada a abusividade do direito de defesa ou a intenção de procrastinação do feito.
Essa hipótese de concessão é fundada na maior probabilidade de veracidade da posição jurídica do demandante, vez que a parte adversa exerce sua defesa sem seriedade ou consistência, sendo por isso apenada processualmente com o ônus da antecipação dos efeitos da tutela. Pune-se a conduta temerária, o comportamento ilícito, o réu que visa procrastinar o feito e não cooperar com o deslinde da controvérsia (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015).
2.3.2 Segunda hipótese de cabimento: artigo 311, inciso II
A segunda hipótese de concessão se refere a caso em que “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante” (BRASIL, 2015). Nessa situação, a tutela de evidência passa a ser possível com base na jurisprudência consolidada dos tribunais, podendo ser concedida em qualquer fase processual, inclusive liminarmente (WAMBIER et al, 2015).
Para tanto, é imprescindível a existência de um pressuposto fático e outro jurídico, quais sejam, a apresentação de prova documental ou documentada das alegações de fato da parte requerente – como prova emprestada ou produzida antecipadamente, por exemplo -, e a probabilidade de acolhimento da pretensão processual, fundada em tese jurídica já firmada em precedente obrigatório, como o enunciado de súmula vinculante do artigo 927, inciso II e o julgamento de recursos repetitivos do art. 927, inciso III, os quais vinculam o julgador.
Segundo Didier Jr., Braga e Oliveira (2015), inclusive em teses firmadas em decisão de controle concentrado de constitucionalidade devem ser aplicados à tutela de evidência, sob o entendimento de que a razão de decidir que levou a uma decisão nesse sentido já abarcou amplo debate dos principais argumentos possíveis acerca da temática. Theodoro Júnior et al (2015) concordam com Didier Jr., Braga e Oliveira (2015) ao reforçar o caráter vinculante das decisões em controle concentrado de constitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal, convergindo ainda no entendimento que admite essa tutela para as teses firmadas em súmulas vinculantes, em resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinários e especial repetitivos, bem como em relação às súmulas do Pretório Excelso em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, em uma interpretação extensiva do art. 927, incisos I a IV, do Código de Processo Civil. No entanto, cumpre salientar que esse entendimento é inicialmente uma interpretação dos autores mencionados, ainda não definido ou acatado pelos tribunais superiores pátrios.
Essa possibilidade de medida provisória tem razão pois a postulação fundada em fatos provados por prova pré-constituída, com fundamentação jurídica semelhante à tese já firmada em tribunais superiores, encontra-se em estado de evidência, não sendo razoável impor-lhe o ônus de suportar o tempo do processo. Todavia, cumpre ressaltar que a decisão concessiva dessa tutela ainda deve ser fundamentada, com base no artigo 489, §1º, inciso V, do Codex, e somente poderá deixar de seguir o precedente invocado pela parte se for demonstrada a existência de distinção no caso em julgamento ou mesmo a superação do entendimento jurisprudencial, vide o inciso VI do dispositivo citado (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015).
Essa hipótese de cabimento se baseia no entendimento de que não é mais possível um julgamento pontual pelo Poder Judiciário, caso a caso, para a controvérsia de direito de demandas repetitivas, ou seja, a reanálise de matéria jurídica já consolidada, sendo assim um possível avanço legislativo, importante para uma indicação de celeridade processual.
2.3.3 Terceira hipótese de cabimento: artigo 311, inciso III
Por sua vez, a terceira hipótese de cabimento da tutela de evidência diz respeito a quando “se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob pena de multa” (BRASIL, 2015). Exige-se, para tanto, prova adequada do contrato de depósito, além da mora da pessoa ou o advento do termo certo, podendo inclusive o juiz decidir liminarmente da questão, nos termos do artigo 311, parágrafo único, do Codex. Além disso, se concedida a tutela, permite-se apenas a entrega do objeto custodiado, a tutela específica da obrigação, e não a tutela genérica pelo seu equivalente em dinheiro, já que se trata de pedido reipersecutório, ou seja, de entrega de coisa, e não pedido de condenação em quantia – e a conversão em perdas e danos pressupõe cognição mais profunda, incabível sob a técnica de tutela provisória.
Essa hipótese de cabimento é tão somente a repetição do extinto procedimento especial de depósito, previsto nos artigos 901 a 906 do Código de Processo Civil de 1973, trazendo-o sob uma nova denominação, no âmbito do procedimento comum. Vale ressaltar, ainda, que o contrato de depósito continua regido pelas disposições dos artigos 627 e seguintes do Código Civil, em que o depositário tem por obrigação guardar o bem e conservá-lo, como se seu fosse, e obrigando a restituí-lo, com seus respectivos frutos, ao depositante.
2.3.4 Quarta hipótese de cabimento: artigo 311, inciso IV
Finalmente, a quarta hipótese de concessão se refere a quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável” (BRASIL, 2015). Essa medida demanda a falta de prova consistente do réu diante de prova literal do autor, em que se pode verificar, pelas circunstâncias do caso, a inconsistência da defesa, a falta de argumentos verossímeis que desconstituam a comprovação documental do autor (WAMBIER et al, 2015). Assim, a providência de deferimento da tutela de evidência com base nessa hipótese de cabimento somente após o exame da defesa do réu, e não em momento processual anterior.
Trata-se de hipótese diversa da intenção procrastinatória ou do abuso do direito de defesa, tal como previstos no artigo 311, inciso I, do dispositivo em comento. Wambier et al (2015) sustentam que é situação em que se pode admitir a prova emprestada, produzida noutro processo sob o crivo do contraditório, para demonstrar documentalmente o fato constitutivo do direito do autor. Também não há dúvidas de que essa hipótese difere da situação de pedido incontroverso, na qual a consequência é o julgamento antecipado parcial de mérito, nos termos do artigo 356 do novo Código de Processo Civil.
Portanto, passadas essas premissas, com a definição do conceito, dos fundamentos, das características e das hipóteses de concessão da tutela de evidência, com base somente na legislação e na doutrina, é importante ainda analisar a questão de forma prática, tal como os tribunais estão de fato aplicando a nova sistemática da tutela de evidência desde a vigência do Código de Processo Civil de 2015.
3 A APLICAÇÃO DA TUTELA DE EVIDÊNCIA NO ÂMBITO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS
3.1 Análise quantitativa de julgados que envolvem a tutela de evidência
Para o presente trabalho, a pesquisa foi reduzida ao âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, relativa aos julgados publicados no período de 17 de março de 2016 a 04 de outubro de 2017, em consulta por meio de pesquisa aberta por palavras-chave no sítio eletrônico do referido tribunal, realizada em 04 de outubro de 2017.
Dessa forma, passando-se aos resultados quantitativos da pesquisa, verificou-se um total de 1.411 (mil quatrocentos e onze) ementas que envolvam os termos “tutela” e “evidência” na jurisprudência da aludida corte mineira. Por sua vez, ao reduzir o campo da pesquisa, incluindo também as palavras-chave “concessão” ou “deferimento”, percebe-se que o montante de ementas diminui para 588 (quinhentos e oitenta e oito) e para 238 (duzentos e trinta e oito), respectivamente. Assim, já se infere, de início, que mais da metade dos pleitos de tutela de evidência, ao menos em sede de recurso em segunda instância, resultam em indeferimento.
Em complemento, verifica-se ainda que a não concessão ocorre, majoritariamente, por ausência dos requisitos legais para concessão da medida. Veja-se, como exemplo, o trecho da ementa do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0478598-70.2017.8.13.0000, em que resta consignado que para a concessão da tutela de evidência, é necessário demonstrar que o caso se enquadra “em uma das hipóteses nos incisos do artigo 311 do CPC” e que, “ausente qualquer dessas hipóteses impõe-se o indeferimento da tutela de evidência pleiteada” (MINAS GERAIS, 2017). Com efeito, o acórdão supracitado trata-se de verdadeiro paradigma para a maioria das hipóteses de não concessão da tutela de evidência.
Não obstante, para o presente trabalho, cumpre examinar com maior precisão os casos em que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais tem deferido a tutela de evidência, notadamente analisando-se em qual hipótese de cabimento da medida o tribunal mencionado concedeu o pleito de tutela provisória de evidência, como se passa a expor.
3.2 Análise qualitativa de julgados que envolvem a tutela de evidência
Em seguida, passa-se a uma análise qualitativa dos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, corte utilizada como paradigma para este trabalho, que envolvem a tutela de evidência, notadamente em que há deferimento dessa modalidade de tutela provisória que prescinde do requisito de urgência ou periculum in mora.
Com efeito, tem-se que, com base na segunda hipótese de cabimento já exposta, prevista no artigo 311, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015, a corte mineira já tem acolhido essa tutela provisória que, de forma inovadora, valoriza o sistema de precedentes judiciais.
Merece destaque, inicialmente, o teor do acórdão do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0190995-40.2017.8.13.0000, da 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em que foi analisada uma decisão interlocutória de primeira instância em que foi acolhido pedido de tutela de evidência com base em entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal em sede do julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.849/MG, submetido à sistemática da repercussão geral. A referida decisão do Pretório Excelso fixa a tese de que “é devida a restituição da diferença do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS pago a mais no regime de substituição tributária para frente se a base de cálculo efetiva da operação for inferior à presumida” (BRASIL, 2017). Diante desse entendimento, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais consignou que:
“Havendo correspondência entre a pretensão da autora, que objetiva seja autorizado o creditamento, em sua escrita fiscal, dos valores correspondentes à diferença entre o ICMS exigido sobre o valor efetivo da venda e a base de cálculo presumida, quando o segundo for superior ao primeiro, e o precedente julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos, é possível a concessão da tutela da evidência, com fulcro no art. 311, II do CPC/2015” (MINAS GERAIS, 2017).
Veja-se, nesse passo, que o precedente judicial vinculativo, relativo a Recurso Extraordinário submetido à sistemática de repercussão geral, foi utilizado pela parte autora, na ação de origem, para pleitear a tutela de evidência, independentemente de risco de dano ou ao resultado útil ao processo, fundando-se apenas em prova documental e no “julgamento de casos repetitivos”, conforme o artigo 311, inciso II, do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).
Além do julgado acima citado, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais também já tem decisões que analisaram a manutenção ou reforma de decisões interlocutórias proferidas em primeira instância que concederam a tutela de evidência com base em súmulas vinculantes, outra das hipóteses de precedente judicial vinculante, conforme a interpretação literal do artigo 311, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015.
Nesse sentido, em sede de ação declaratória pleiteando a aposentadoria especial de servidor público, acompanhada de laudo pericial comprovando o exercício do cargo de lixeiro, atividade tipicamente insalubre, com base em jurisprudências consolidada dos tribunais superiores e omissão legislativa, foi inicialmente indeferida a tutela de evidência requerida perante o juízo a quo. Não obstante, a referida decisão foi objeto de Agravo de Instrumento, em que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais entendeu pelo provimento do recurso, deferimento a tutela provisória em sede recursal.
Isto porque, conforme a corte aludida decidiu, haveria uma lacuna legislativa quanto às condições de aposentadoria especial para o servidor público, pendente de regulamentação, e que até a edição de lei complementar específica, regulamentando essas hipóteses, como determina o artigo 40, §4§, inciso III da Constituição Federal de 1988, aplicar-se-iam as regras do regime geral da previdência social, entendimento este que havia sido consolidado com a Súmula Vinculante nº 33 do Supremo Tribunal Federal.
Assim, a corte mineira entendeu pela comprovação dos requisitos necessários para a concessão da tutela de evidência, quais sejam, prova documental das alegações de fato, por meio do laudo pericial juntado, e entendimento firmado com base em súmula vinculante, por meio da interpretação da Súmula Vinculante nº 33 do Supremo Tribunal Federal, reformando assim a decisão de primeira instância e concedendo a tutela pretendida, nos seguintes termos:
“Neste aspecto, a efetiva demonstração do exercício de atividade tipicamente insalubre por mais de 25 (vinte e cinco) anos aliada à incidência das regras alusivas ao Regime Geral da Previdência Social para o fim de regulamentação do disposto pelo artigo 40, §4º, inciso III, da Constituição Federal, em conformidade com o enunciado da súmula vinculante n. 33, do Supremo Tribunal Federal e atrelada à sentença de procedência do pedido inicial de ação para tanto ajuizada constituem fundamentos aptos para o deferimento da pretendida tutela de urgência.” (MINAS GERAIS, 2017).
Por outro lado, cumpre ressaltar que também já foram proferidos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais utilizando-se de outra hipótese de cabimento da tutela de evidência, exposta no artigo 311, inciso IV, do Código de Processo Civil.
Como exemplo, o julgamento do Agravo de Instrumento nº 0210025-61.2017.8.13.0000 consignou que “se os autos estiverem instruídos com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável, torna-se medida imperativa a concessão da tutela provisória da evidência” (MINAS GERAIS, 2017), demonstrando assim mais uma aplicação da tutela de evidência.
De modo diverso, o tribunal mineiro já entendeu, por meio do julgamento do Agravo de Instrumento nº 0951163-98.2016.8.13.0000, que a hipótese de pedido de concessão de tutela de evidência com base no artigo 311, inciso IV, do Código de Processo Civil trata-se de situação em que “o juiz não está autorizado a decidir liminarmente (§ único) demandando mínima formação do contraditório para que possa assim fazê-lo” (MINAS GERAIS, 2017).
Diante desses julgados, tomados por amostragem na pesquisa, percebe-se que grande parte dos julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que envolvem tutela de evidência se referem a hipóteses de indeferimento da medida pleiteada pela parte, notadamente pela ausência dos requisitos legais para a sua concessão. Todavia, há que se salientar a existência de um incipiente, porém gradual, aumento nos julgados de deferimento da tutela provisória de evidência, especialmente quanto à segunda hipótese de cabimento da medida, relativa ao artigo 311, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015, que se trata de inovação no ordenamento jurídico pátrio e que vem tendo aplicação prática na jurisprudência.
4 CONCLUSÃO
Não restam dúvidas de que o intuito do legislador de 2015, ao elaborar o novo Código de Processo Civil, foi de buscar, por meio das alterações nas tutelas provisórias, dar maior efetividade ao artigo 5º, inciso LXXVIII da Constituição de 1988, dispositivo este que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de tramitação.
Nessa seara, o estabelecimento de uma nova modalidade de tutela jurisdicional de cognição sumária, provisória e efetiva, como a tutela de evidência, oferece novos instrumentos para pleitear a efetiva satisfação do direito ou a cautela devida do direito a ser satisfeito, garantindo assim mais uma possibilidade não só às partes, mas também aos julgadores, para o prosseguimento mais célere dos feitos, especialmente por prescindir da comprovação de periculum in mora para a prestação jurisdicional, inclusive liminarmente. Trata-se, decerto, de reposta à crescente importância dada pela sociedade à efetividade no provimento jurisdicional.
Não obstante, uma análise jurisprudencial da aplicação prática dessa medida, para além de um mero exame da legislação positivada, demonstra que a tutela de evidência ainda vem sendo requerida e utilizada de forma não tão precisa pelos operadores do direito, ensejando diversas decisões judiciais que indeferem o pedido dessa tutela provisória por ausência da demonstração dos requisitos legais existentes.
Quanto a esse ponto, cabe uma crítica aos profissionais responsáveis pela elaboração dos pedidos iniciais e dos requerimentos de tutela provisória de urgência, sugerindo-se para tanto um estudo mais aprofundado e mais pormenorizado do tema, cabendo ainda uma consideração bem como em relação aos magistrados, que ainda não compreendem e aplicam completamente as alterações relativas às tutelas antecipada e cautelar, substituídas pelas tutelas provisórias de evidência e de urgência.
De modo diverso, a análise prática também demonstrou alguns julgados em que a tutela provisória de evidência vem sendo acolhida, notadamente com fundamento no artigo 311, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015, cabível quando “as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante” (BRASIL, 2015).
Essa modalidade de tutela, que se refere a uma grande inovação legislativa no ordenamento jurídico pátrio, sedimenta o sistema de precedentes judiciais vinculativos e reforça a segurança jurídica do jurisdicionado. Assim, torna-se torna mais simples e plausível conseguir uma tutela jurisdicional, liminarmente ou não, com base em uma tese jurídica firmada em jurisprudência consolidada em demandas repetitivas julgadas ou súmulas vinculantes, por exemplo, ou em casos de abuso de direito de defesa da parte contrária, diminuindo assim o ônus da parte autora pelo decurso do tempo do processo.
Com efeito, cumpre ressaltar, ainda, que essa inovação do novo Codex tem ainda mais importância considerando as demais mudanças legislativas, como o fortalecimento da executividade imediata das sentenças proferidas após a concessão de tutela provisória, ao conferir apenas o efeito devolutivo ao recurso cabível para impugnar esse decisum, que continua sendo a apelação, além da implementação de formas alternativas de resolução de conflitos em todas as fases processuais, por meio do que se denominou negócios jurídicos, fatores esses que em conjunto podem favorecer a sistemática processual como um todo.
Contudo, não se pode afirmar, desde já, que as inovações trazidas pela nova legislação processual poderão de fato acelerar a prestação jurisdicional e promover a tutela do bem da vida vindicado de modo menos moroso, cabendo ainda à doutrina esmiuçar ainda mais o novo diploma processual civil e, especialmente, à jurisprudência definir a forma de aplicação dos novos institutos, notadamente a tutela de evidência.
Isso porque, com pouco mais de um ano de vigência do Código de Processo Civil de 2015, ainda não se podem fazer muitas considerações profundas sobre a forma de aplicação da tutela de evidência. Entretanto, em uma análise prefacial da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, vislumbra-se que os longos debates em torno do novo Codex, que levaram à positivação da tutela de evidência, foram profícuos para produzir uma sistemática mais coesa e atualizada dos institutos de tutela baseada em cognição sumária, especialmente quanto à tutela de evidência e o sistema de precedentes judiciais vinculativos.
Nesse sentido, parece razoável supor que a delimitação mais precisa dos instrumentos e medidas hábeis para a assecuração e a satisfação dos direitos de forma mais ágil, com distinção clara entre os requisitos, características e hipóteses de cabimento, tende a trazer benefícios para o jurisdicionado e para os envolvidos na utilização diária do por processo civil pátrio.
No entanto, somente com o decurso do tempo e com a prolação de mais julgados, estabelecendo paradigmas e entendimentos a serem seguidos, será possível afirmar se essa importante inovação legislativa, relativa à técnica da tutela provisória de evidência, teve efeitos práticos benéficos para a prestação jurisdicional.
Informações Sobre os Autores
Paulo Sérgio Mendes César
Doutorando em Ciência Política pela UFMG mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro especializado em Direito Público pela UCDB Graduado em Direito pela UFMG e em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Professor universitário advogado e servidor público estadual na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais
Camilli Barcelos Fernandes
Possui graduação em Administração Pública na Escola de Governo da Fundação João Pinheiro 2015 e é servidora estatutária na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Estado de Minas Gerais. Atuou na Superintendência Central de Coordenação Geral da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão junto à Diretoria Central de Avaliação de Projetos e Captação de Recursos e atualmente integra a Secretaria Executiva da Câmara de Orçamento e do Estado de Minas Gerais
Marcelo Cardoso dos Santos
Advogado graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e especializado em Direito pela Escola Superior de Advocacia da OAB/MG