A união homoafetiva como entidade familiar

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar que toda pessoa tem o direito de se relacionar afetivamente com quem escolher, independentemente de opção sexual, uma vez que são direitos inerentes do ser humano a vida privada, dignidade, igualdade, liberdade, entre outros. Não é admissível que um Estado Democrático de Direito aceite, mesmo que de forma implícita, a discriminação por qualquer motivo. Conceitos morais, éticos e religiosos não devem interferir na aplicação da Justiça. No Brasil ainda não há regulamentação específica de forma a assegurar uma série de direitos às relações homoafetivas, bem como o seu reconhecimento como entidade familiar.[1]

Palavras-chave: Direito de Família, união homoafetiva, regulamentação.

Sumário: Introdução; 1. A nova família no direito brasileiro após a Constituição Federal de 1988; 1.1. Garantia fundamentais norteadores das relações familiares; 2. O reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar e suas consequências; 3. Benefícios concedidos e os direitos sucessórios nas relações homoafetivas; Conclusão; Referências.

 Introdução

Este trabalho tem como objetivo a exposição da questão da união homoafetiva e o seu reconhecimento como entidade familiar, abordando especificamente alguns efeitos advindos dessa relação, como a questão da adoção e dupla filiação, citando um caso raro diante da justiça brasileira que é o direito ao registro civil da dupla maternidade.

Atualmente, as famílias perderam o modelo original, antes formado pelo pai, mãe e filhos. As relações extramatrimoniais dispõem de assento constitucional, e as uniões homoafetivas, embora ainda não tenha regulamentação específica, vem sendo a ela atribuídos alguns efeitos jurídicos, que antes só eram reconhecidos as relações matrimoniais e a união estável.

Com o movimento feminista, a disseminação dos métodos contraceptivos e os resultados da evolução da engenharia genética romperam o paradigma: casamento, sexo e procriação. Para ter filhos não se faz necessário o ato sexual, e o matrimônio não é mais um fator predominante para se ter família. A sacralização do casamento e a tentativa de sua mantença como única estrutura de convívio lícita e digna de aceitação fez com que os relacionamentos chamados de marginais ou ilegítimos, por fugirem do molde legal, não fossem reconhecidos, sujeitando seus atores a severas sanções.

Basta lembrar as uniões extramatrimoniais que, durante muitos anos, não eram consideradas família, mas meras sociedades de fato. As uniões paralelas, que existem muito em face da ausência de responsabilização de quem mantêm núcleos familiares simultâneos, é outro exemplo.

A visão pluralista das relações interpessoais levou à necessidade de buscar a identificação de um diferencial para definir família. Não se pode deixar de ver no afeto o elo que enlaça sentimentos, compromete vidas, transformando um vínculo afetivo em uma entidade familiar, gerando responsabilidades e compromissos mútuos, a merecer abrigo no Direito de Família.

Busca–se tratar das relações homoafetivas, sob a nova concepção de família e as

profundas transformações ocorridas, principalmente em relação à dupla filiação, o que levou a repensar as relações materno e paterno-filiais e os valores que as moldam.

Dessa forma, tendo como princípio fundamental e finalidade a promoção da dignidade da pessoa humana, merece tutela jurídica e especial proteção do Estado e o seu reconhecimento jurídico como entidade familiar e o direito ao Registro Civil de pessoas advindas de uniões homoafetivas.

Faz-se aqui um paralelo da antiga concepção de família e o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas que reflete, por exemplo, no rompimento da unidade biológica, atentos para a renovação contínua do conceito de família e a relativização da família nuclear tradicional.

Ao decorrer do artigo, analisaremos o conceito de família adotado após a Constituição Federal de 88, o reconhecimento como entidade familiar, merecedora de proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo e os efeitos jurídicos advindos dessa união e a constituição de famílias formadas por indivíduos homossexuais que adotam ou que se utilizam de reprodução assistida ou por meio de outras técnicas da medicina colocadas a disposição da sociedade, sendo abordado o direito ao registro civil de dupla maternidade ou paternidade desses filhos advindos de uniões homoafetivas.

1. A nova família no direito brasileiro após a constituição federal de 1988

A Constituição Federal de 88 garante nos princípios constitucionais da dignidade humana (art. 1º, III, CF), a igualdade substancial (arts. 3º e 5º, CF), a não discriminação – inclusive por opção sexual (art. 5º, CF), e o pluralismo familiar (art. 226, CF), o desrespeito ou prejuízo em função da orientação sexual da pessoa, que implica dispensar tratamento indigno a um ser humano e desobedecer sua honra. Nesse sentido, bem asseverou Maria Berenice Dias (2010, p. 194): “diante das garantias constitucionais que configuram o Estado Democrático de Direito, impositiva a inclusão de todos os cidadãos sob o manto da tutela jurídica”, implicando, outrossim, assegurar proteção ao indivíduo em suas estruturas de convívio

Entende-se que a expressão “entidade familiar” deve definir a nova família que surgiu, e que não é mais aquela formada apenas por marido, mulher e seus filhos, também é aquela composta por somente um dos genitores e sua prole, tios ou avós que criam sobrinhos ou netos, dois pais ou duas mães, ou ainda aquela que já vem toda pronta.

Segundo ROSENVALD (2010) os novos valores que inspiram a sociedade contemporânea rompem, definitivamente, com a concepção tradicional de família, que tem seu quadro evolutivo atrelado ao avanço do homem e da sociedade, mutável de acordo com as novas conquistas da humanidade e descobertas científicas, não sendo admissível que esteja presa a valores pertencentes a um passado distante, nem a suposições incertas de um futuro remoto. É realidade viva adaptada a valores vigentes.

Dessa forma, tanto a união estável como a família monoparental perderam o caráter da ilegitimidade e agora são protegidas legalmente.

Ao observar o artigo 226, parágrafos 1º e 2º da Constituição Federal verifica-se que não há disposição expressa à necessidade das pessoas terem sexos diferentes para se casar, porém constata-se que o Código Civil de 2002 embora não defina casamento, deixa evidenciado que é ato a ser consumado entre um homem e uma mulher, pois a todo instante faz referência a homem e mulher ou a marido e mulher (arts.1514, 1517, 1565, 1567).

Com relação à união estável, a Lei Maior dispõe expressamente no §3º do artigo

supra citado a exigência de diversidade de sexo. Para se configurar a união estável deve-se ter também convivência dos companheiros como se casados fossem de forma duradoura, contínua, pública com assistência moral e material recíproco.

No Direito brasileiro, a convivência entre pessoas do mesmo sexo não tem nenhuma regulamentação. A jurisprudência brasileira tem procurado preencher o vazio normativo infraconstitucional, atribuindo efeitos às relações entre essas pessoas como uma legítima entidade familiar, como é reconhecido à união estável pela Carta Magna de 1988.

Se para a união estável o texto constitucional passou a identificá-la como uma legítima entidade familiar (art. 226,§ 3º), somente por sentença, mesmo que homologatória, poderá a sociedade homoafetiva ser reconhecida de forma que os pares não possam mais discutir aquilo que ficar resolvido e homologado judicialmente.

A norma do art. 226 da Constituição é de inclusão, diferentemente das normas de exclusão das Constituições pré 1988, abrigando generosamente todas as formas de convivência existentes na sociedade. As explicitações do casamento, da união estável e da família monoparental não excluem as demais que se constituem como comunhão de vida afetiva, de modo público e contínuo. Em momento algum a Constituição veda o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.

Ignorar essa realidade é negar direitos às minorias, incompatível com o Estado Democrático. Tratar essas relações como meras sociedades de fato, como se as pessoas fossem sócios de uma sociedade de fins lucrativos, é violência que se perpetra contra o princípio da dignidade das pessoas humanas, consagrado no art. 1º, inciso III da Constituição.

Todavia, apesar da falta de previsão legal, os casais homossexuais têm alguns direitos assegurados pelo entendimento dos tribunais, visto que já é possível encontrar jurisprudência a respeito do tema.

Destacamos a decisão proferida pela Suprema Corte na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, a qual reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, destacando, finalmente, os efeitos jurídicos (econômicos/patrimoniais e pessoais) decorrentes dessa deliberação.

Até muito recentemente, a família era entendida como a união, por meio do casamento, de homem e mulher, com o objetivo de constituir uma prole e educar os filhos; mas não foram apenas essas mudanças em nível constitucional que marcaram a última década. No plano social, o tamanho das famílias e sua composição também vem sofrendo um rápido processo de transformação.

Com a industrialização dos grandes centros urbanos, há a explosão do êxodo rural. As famílias antes numerosas, agora vivendo nas cidades, em pequenos espaços, começaram a diminuir de tamanho. Além disso, em decorrência dos problemas sociais, do desemprego, da violência urbana, da falta de segurança, grande é o número de pessoas que não constituiu família própria, nos moldes tradicionais. Essas pessoas vivem sozinhas, ou com parentes, com amigos, companheiros.

A doutrina moderna conceitua família como o grupo de pessoas que se une pelo afeto, afinidade e solidariedade, com o objetivo de comunhão de vida e projetos comuns.

1.1. Garantias fundamentais norteadores das relações familiares

É estabelecido pela Constituição Federal no art. 5º, caput, o princípio da igualdade, em que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Segundo MORAES (2007), de acordo com esse princípio, são vedadas as diferenciações arbitrárias, tornando-se indispensável uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, para que as diferenças normativas não sejam discriminatórias, devendo estar presente uma relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionais protegidos.

O código civil no art. 1511 prevê a igualdade jurídica entre os cônjuges. Esse princípio acabou de vez com a autoridade do marido e trouxe para a mulher a igualdade de direitos e deveres na sociedade conjugal. A mulher também passou a ter o dever de sustento da família, dever de assistência material entre os cônjuges.

O princípio de isonomia implica tratamento igualitário de todos os indivíduos, quer sejam heterossexuais ou homossexuais, isto é, como seres humanos têm o direito de se unir com quem desejarem, não importando a sua preferência sexual, pois os homossexuais possuem o mesmo direito que os heterossexuais de conviver com outro indivíduo afetivamente, e ter esta união juridicamente protegida.

Nesta esteira, os homossexuais poderiam ter os mesmos direitos das uniões estáveis entre heterossexuais, bastando que cumpram os requisitos para a constituição e reconhecimento de uma união estável, quais sejam convivência, mútua assistência, notoriedade da relação, relação relativamente duradoura e estável.

Diante tal princípio, os homossexuais, por serem minoria na população, devem ter até certo ponto tratamento desigual, diante o restante da sociedade, mas não se justifica que eles fiquem à margem do ordenamento jurídico.

O princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inciso II da Constituição Federal, assegura ao particular a prerrogativa de repelir eventuais proibições ou limitações que lhe sejam impostas por outra via que não seja a lei.

O Direito Brasileiro não regulamentou a união entre pessoas do mesmo sexo, mas também não a proibiu, portanto nenhum homossexual poderá ser privado de unir-se a outro como o intuito de conviver afetivamente constituindo uma família ou de construir um patrimônio junto ao seu parceiro. Como não foi a união entre homossexuais expressamente vedada pelo constituinte, cumpre concluir pela possibilidade jurídica do reconhecimento deste tipo de união.

2. O reconhecimento da união homoafetiva como unidade familiar e suas consequências

Atualmente, o relacionamento homoafetivo tem sido comum em nosso país e no mundo todo. A Dinamarca foi o primeiro país a reconhecer a união de homossexuais, em 1989. A Constituição da África do Sul, de 1996, foi a primeira a proibir, explicitamente, a discriminação em razão da orientação sexual. A Holanda foi o primeiro país a autorizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, em 2001.

A legislação pátria não trata dos relacionamentos entre homossexuais, os dispositivos legais são referentes ao casamento e a união estável e exigem que a sejam relações entre homem e mulher, porém a forma como os tribunais tem visto as questões homossexuais tem mudado ao longo dos anos. Inicialmente as relações homoafetivas eram vistas pelos nossos magistrados como inexistentes por não envolverem pessoas de sexos opostos.

Com o aumento de demandas, versando acerca dos direitos dos casais homossexuais, os julgadores foram levados a rever seus posicionamentos. Os conflitos, em sua maioria, envolviam e ainda envolvem bens patrimoniais; a injustiça que cometiam não permitindo a partilha de bens, o direito a benefícios previdenciários, entre outros, apenas por falta de normas legais e passaram a analisar as relações homossexuais como “sociedade de fato”, ou seja, começaram a entender que se tratava de uma reunião de pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados (art. 981 do Código Civil).

Tem ocorrido que, diante do caso em tela, tem se aplicado a súmula 380 do Supremo Tribunal Federal em decisões judiciais analogicamente aos casais homossexuais. Assim, entendida como uma sociedade de fato, deve haver a partilha dos bens adquiridos pelo esforço comum, quando dissolvida a sociedade, por separação ou por morte.

Por ser entendida como sociedade de fato, que está prevista no Direito das Obrigações, mas por analogia, as disposições sobre ela passaram a ser aplicadas aos homossexuais, a competência para julgar as ações acerca de partilha de bens de homossexuais era das Varas Cíveis, sendo tratadas como relações estritamente comerciais.

Assim, com o passar dos anos, a sociedade assim como os julgadores passaram a perceber que as relações homoafetivas envolviam sentimentos, assim como ocorre nas relações entre heterossexuais e que não poderiam ser tratadas como mera transação comercial, por isso começaram a entender que deveriam ser tratadas nas Varas de Família.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul passou a reconhecer alguns desses relacionamentos como união estável. É bem verdade que são decisões isoladas e proferidas pelo tribunal cujas decisões são de certo modo polêmicas e inovadoras, mas são decisões abrem precedentes e que vêm sendo adotadas pelos demais tribunais do país. A possibilidade do reconhecimento das relações homossexuais como união estável dá-se ante os princípios fundamentais consagrados na Constituição da República.

A realidade social tem revelado a existência de pessoas do mesmo sexo convivendo na condição de companheiros, como se casados fossem. A evolução do direito deve acompanhar as transformações sociais, a partir de casos concretos que configurem novas realidades nas relações interpessoais.

Um dos objetivos presentes na disciplina dos direitos fundamentais, dentre os mais acentuados pela doutrina, é o de assegurar a não discriminação, desta forma, o preceito constitucional se aplica a todos os direitos, abarcando, ainda, as liberdades e garantias pessoais.

Com princípios de idêntica relevância, caminha a igualdade, não podendo estar dissociado do princípio da justiça, em seu sentido mais puro. Ao se negarem direitos fundamentais a pessoas, que se fossem de sexos diferentes, lograriam êxito em auferi-los, emerge um não direito, ferindo o sentido que o Poder Constituinte procurou proteger, com aigualdade, ao editar a Constituição Federal de 1988.

Após a decisão – com efeito erga omnes – do STF reconhecendo que a união entre duas pessoas do mesmo sexo constituiu uma modalidade familiar, todos os Tribunais tiveram que se submeter a esta linha de raciocínio, e, dessa forma, foi amenizada a discriminação sofrida pelos homossexuais, embora ainda falte muito para que eles conquistem não só a igualdade formal, mas também a material.

3. Benefícios concedidos e a sucessão nas relações homossexuais

Em relação à concessão de benefícios aos homossexuais os planos de saúde têm

aceitado a inclusão dos parceiros como dependentes. Existe Resolução da Agência de Saúde Suplementar estabelecendo que podem ser incluídos no plano familiar os dependentes ou grupo familiar do contratante, entendendo por dependente aquele aceito pela Receita Federal e INSS como tal.

Quanto à Receita Federal, para efeitos de declaração de imposto de renda, são considerados dependentes o cônjuge, o parceiro desde que mantenham vida comum por

aproximadamente cinco anos, ou tempo inferior se tiverem filhos.

Como existem decisões reconhecendo a existência de união estável entre homossexuais, passando a considerá-los companheiros, conclui-se que os parceiros homossexuais podem ser incluídos mediante determinação judicial, como dependentes do outro na declaração de imposto de renda.

A portaria do INSS – Instrução Normativa do INSS nº 25/00 – concedeu aos homossexuais tanto o auxílio por morte, como o auxílio-reclusão. Por sua vez, a Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração nº 77/08 assegurou a concessão de visto de permanência ao parceiro estrangeiro que vive em união homoafetiva com nacional. A Superintendência de Seguros Privados, em virtude da Circular da SUSEP nº 257/04, permitiu que os companheiros homossexuais configurassem como beneficiários do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (Seguro DPVAT).

A questão da sucessão entre casais homossexuais é de maior complexidade principalmente depois do Novo Código Civil, pois caso a união estável não seja reconhecida o direito sucessório não caberá para o parceiro sobrevivente e sendo a relação tratada como sociedade de fato, assim como ocorre na partilha de bens, seria uma parceria havida entre eles como uma sociedade comercial e em uma sociedade os sócios não são herdeiros um do outro, não existindo qualquer direito de herança.

A Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal determina que comprovada a existência da sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum. A súmula mencionada deixou claro que para partilhar o patrimônio não basta apenas existência do relacionamento afetivo. A ideia predominante da súmula é a da sociedade de fato entre os parceiros, donde resulte um patrimônio ou aumento do mesmo já existente, que derivou do esforço de ambos. Por exemplo, havendo herdeiros necessários será reservada a eles metade dos bens da legítima e apenas a outra metade estará disponível para o parceiro.

Falaremos um pouco sobre a guarda e o poder familiar. Em janeiro de 2002, com a morte da cantora Cássia Eller (2002), a imprensa nacional noticiou o processo judicial da guarda de seu filho Chicão, em que foi proferida sentença deferindo a guarda à Eugênia, ex-companheira da cantora, que era homossexual. Pode-se verificar que não foi na preferência sexual da guardiã que o juiz se fundou para atribuir a guarda e, sim, nas qualidades morais e nas condições materiais de quem a pretendia. Se Eugênia não tivesse condições adequadas para criar uma criança, Chicão teria de ser afastado de sua companhia. Ocorre que o menor vivia desde que nasceu com a mãe e sua companheira e aquele era o seu núcleo familiar e esse caso demonstra a real existência da família homossexual.

Quanto à adoção por homossexuais alguns óbices que devem ser esclarecidos para que ela possa ser efetivamente aceita na sociedade brasileira, a respeito do tema ensina DIAS (2007) que como o registro traz a identificação dos genitores e o § 1º do artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente determina que, no assento de nascimento do adotado, sejam os adotantes inscritos como pai, conclui-se que o legislador supôs a diversidade de sexo do casal adotante.

Segundo a autora, deve-se levar em conta as seguintes questões: o artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente permite a colocação do menor no que chama de “família substituta”, não definindo qual a conformação dessa família.

De acordo com o artigo 25 do ECA, a família natural que é a comunidade formada pelos pais, ou qualquer deles, e seus descendentes. Com essa definição, não se pode obrigar que a família substituta tenha a mesma estrutura da família natural; portanto, não há vedação para um casal homossexual ser reconhecido como uma família substituta apta a abrigar uma criança. A única oposição seria com relação ao artigo 29 do mesmo diploma legal, onde dispõe que não se dará a colocação em família substituta a pessoa que revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida ou não ofereça ambiente familiar adequado.

Contudo, não se pode declarar ser o ambiente familiar inadequado com a natureza da medida ou que a relação afetiva de duas pessoas do mesmo sexo seja incompatível, porque seria preconceito, pois as relações homo afetivas assemelham-se ao casamento e à união estável, inclusive com parceiro fixo e fidelidade, devendo os julgadores atribuir-lhes os mesmos direitos conferidos às relações heterossexuais, dentre eles o direito à guarda e à adoção de menores.

Entende-se, ainda, que, ao decidir sobre uma possível adoção, o juiz deve levar em conta as reais vantagens para o menor, conforme o artigo 43 da Lei 8069/90, decidindo, sempre, pelo seu bem-estar.

A nova lei de adoção, Lei 12.010/09, com a nova redação dada ao art. 42 do Estatuto da Criança e do adolescente não estabelece qualquer impedimento para o adotante homossexual, e sim apenas dispõe que maiores os de 18 (dezoito) anos, independentemente de estado civil, podem adotar. No §1º dispõe que não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando e no §3º diz que adotante deverá ser, pelo menos, 16 (dezesseis) anos mais velho do que o adotando.

Embora pareça inicialmente que a Lei 12.010/09 não dispôs de nenhum obstáculo para que seja feita a adoção por homossexuais, alguns dispositivos por ela alterados estabelecem algumas regras, que ensejam a sua proibição.

Assim sendo, conclui- se que enquanto não reconhecida a união homossexual como entidade familiar, fica proibida a adoção conjunta por esses casais, o que contraria os ditames criados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que tem como diretriz e base o princípio do melhor interesse do menor.

Pelos fins sociais do Estatuto da Criança e do Adolescente e da própria Carta Magna, fica ainda mais clara a possibilidade da adoção por homossexuais, uma vez que a lei busca resguardar a dignidade da criança e do adolescente, procurando garantir-lhe um lar seguro, que lhe ofereça amor e carinho, independentemente da orientação sexual daqueles que a acolhem.

Visando amenizar a discriminação a que os homossexuais estavam acometidos, haja vista que era minoritária a corrente doutrinária e jurisprudencial que reconheciam a união homoafetiva, a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, interpostas na Suprema Corte, pela Procuradoria Geral da República e pelo Governador do Rio de Janeiro – Sérgio Cabral -, respectivamente, derruba as barreiras do preconceito, do tratamento discriminatório, das indignidades sofridas e conclama a todos que seja feita a

justiça na concessão dos direitos daqueles que, até o presente momento, viviam à margem das diferenças sociais, das decisões díspares, das manifestações de homofobia sem precedentes, das omissões silenciosas e das escusas apoiadas na esteia da mera falta de uma legislação para amparar o pleito.

Destacamos um caso raro na justiça brasileira das lésbicas que tiveram gêmeos por inseminação artificial. O primeiro passo foi buscar um doador anônimo no banco de sêmem. Posteriormente uma delas cedeu os óvulos que foram fecundados em laboratório e implantados por inseminação artificial no útero da companheira. Durante a gestação elas pleitearam na justiça para que houvesse uma mudança no preenchimento da certidão de nascimento. O campo reservado para o pai ficaria em branco e constaria o nome das duas mães. A Justiça já vem admitindo que, em caso de gestação por substituição, o registro seja feito em nome de quem forneceu o material genético.

Ademais, crianças e adolescentes merecem, com prioridade absoluta, especial proteção do Estado. Para isso indispensável que os casais exerçam junto o poder familiar e assumam juntos todos os encargos decorrentes desse poder-dever, entre eles, o de criá-los, educá-los e tê-los em sua companhia (CC 1.634). Enfim, é de ambos o compromisso de torná-los cidadãos que se orgulhem de terem nascido em um país que sabe respeitar a dignidade de cada brasileiro.

Por outro lado, no dia 12/12/2008, o juiz Cairo Roberto Rodrigues Madruga da 8ª Vara de família e sucessões de Porto Alegre, permitiu ao casal homossexual Michele e Carla, que alterassem o registro de nascimento do casal de gêmeos gerados por inseminação artificial, para que contasse o nome das duas mães. A sentença é histórica. Pela primeira vez foi reconhecido na justiça o direito de uma mulher sem vínculo biológico com seus filhos, ocupar o lugar parental. A justiça gaúcha, conhecida por decisões de vanguarda, reconheceu e legitimou um vinculou afetivo, amparado por um relacionamento de 11 anos entre duas mulheres comprovadas por vídeos, fotos, documentos e testemunhas.

A legislação precisa estar antenada com a realidade da situação, pois está na hora de acabar com descabidas presunções e se privilegiar a realidade da vida. Em face da inércia do legislador, a responsabilidade, como sempre, precisa ser assumida pelo juiz que, ao arrostar com a situação que lhe é trazida, não pode escudar-se na omissão legal para negar direitos.

Daí então podemos dizer que a relação de filiação se constrói com a atenção compartilhada que se intensifica no contato cotidiano. O amor é construído, o que legitima a parentalidade psicológica, social e afetiva. Portanto, o que deve ser estimulado são os compromissos e as responsabilidades de quem cotidianamente coopera nos cuidados de menores que se criam e se educam no seio desses novos núcleos de afeto e companheirismo para que não sejam excluídos da proteção Estatal.

Conclusão

O tema abordado ainda é considerado polêmico em nossa sociedade, porém não se pode negar sua relevância e os estudiosos do Direito devem ficar atentos às mudanças sociais para que o Direito possa suprir às carências da coletividade.

Não é justo que após uma união duradoura da qual se adquiriu bens, no futuro havendo rompimento desta união ou falecimento de um dos parceiros que o outro que o

auxiliou a construir um patrimônio não seja contemplado na partilha ou na sucessão que lhe pertence por direito, mesmo que não tinha lei que o estipule.

A concessão de alguns direitos atualmente permitidos, como a inclusão do parceiro no plano de saúde, não traz nenhum malefício à sociedade ou ao Estado, e para eles representa um grande benefício, mesmo porque eles são cidadãos e devem ter todos os direitos e obrigações assegurados como qualquer outro.

Outro aspecto importante é com relação à guarda de filhos e adoção, pois em alguns casos os juízes confundem homossexualismo com promiscuidade e concedem a guarda à pessoa com condições de educar uma criança inferiores a do homossexual, sejam essas condições afetivas, financeiras ou de caráter, apenas por sua opção sexual.

Embora esteja expresso na Constituição Federal que a união estável é entre homem e mulher, nela também encontra-se uma série de princípios que devem ser respeitados e caso o Poder Legislativo não queira equiparar a união estável entre heterossexuais com uma possível união estável entre homossexuais caberia ao menos o reconhecimento da parceria civil registrada.

Torna-se inevitável uma normatização da união entre pessoas do mesmo sexo e de nada adianta a parte conservadora da sociedade e os governantes tentarem ocultar a necessidade desta norma, pois assim as partes interessadas, no caso de uma lide, teriam seu direito declarado com fulcro na lei, o que facilitaria a prova processual ou diminuiria o grande número de demandas versando acerca do tema, aliviando o Poder Judiciário, pois tendo uma lei específica tudo o que nela estiver estabelecido deverá ser respeitado.

Referências
DIAS, Maria Berenice. Direito de família e o novo código civil, 4 ed.Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva. Disponível em: <http://www.mariaberenicedias.com.br/homoafetividade > Acesso em 29/07/09
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 5 ed. Vol.6. São Paulo: Saraiva 2008
OLIVEIRA, Daniela Bogado Bastos. Homoparentalidade: Um novo paradigma de família. Artigo – Publicado em: 17 de outubro de 2009. Disponível em <http:// www.ibdfam.org.br >Acesso em 20/08/2009
ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias, 2 ed.Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2010.
RODRIGUES, Silvio. Direito civil. v. 6, 28 ed.
SILVA, Maria De Fátima Diaz Perez, Graduada pela Universidade Cândido Mendes, Advogada. 2010.

Notas:

[1] Trabalho orientado pela Prof. Dra. Francine Dalolio Nadaletto


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Fabiana Poli

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