A Usucapião Especial Constitucional Individual Pro Morare e a questão de preservação ambiental

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APRESENTAÇÃO.


A presente monografia tem por escopo fazer uma sintética exposição acerca do instituto do usucapião especial constitucional urbano individual, prevista no art. 183 da CRFB e, regulamentado no CCB (Lei Federal nº. 10406, de 10 de janeiro de 2002), pela Lei Federal n.º 10.257 de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade) e pela MPv nº. 2220 de 4.7.2001.


 Na parte introdutória, objeto do Capítulo I, noticia-se o crescimento populacional brasileiro, a crise de moradias geradora da ocupação de imóveis particulares urbanos, o não investimento governamental no setor de construção de casas populares e, a criação de nova modalidade de usucapião nominada pro-morare.


 No capítulo II faz-se uma breve digressão histórica sobre a propriedade e o direito de propriedade desde a Antiguidade, transitando-se pelo Império Romano, Idade Média, até chegar-se aos tempos atuais, com destaque da matéria nas Cartas Constitucionais brasileiras anteriores e na atual.


Dedica-se o capítulo III do trabalho, à função social da propriedade e da posse, discorrendo-se sobre sua parte história no direito antigo e medievo, no direito brasileiro pré-codificado, fazendo-se menção ao antigo direito português, citando-se a consagração da expressão nas Constituições de outros países até o atual direito constitucional brasileiro, que a alçou a categoria de princípio pétreo, inserido que está na Constituição brasileira “Cidadã” de 1988, nos Títulos dos Direitos e Garantias Fundamentais e Da Ordem Econômica e Financeira.


No Capítulo IV, intitulado “DO DIREITO DE MORADIA COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE BEM ESTAR-SOCIAL” reconhecido pela Constituição republicana brasileira de 1988 como um dos direitos sociais, a partir da EC. nº. 26, constituindo-se num direito fundamental do ser humano, o qual, por sua vez é consagrado em diversas Declarações e Tratados Internacionais, recepcionados e adotados como normas constitucionais no Brasil.


Os aspectos gerais da usucapião temática, sua apresentação como nova modalidade incluída no texto constitucional em vigor, usucapião especial constitucional urbana individual pro morare, seu conceito, requisitos e impedimentos à concessão de uso especial pró-moradia e, os aspectos processuais da ação respectiva, são alinhavados no Capítulo V.


No Capítulo VI finaliza-se o estudo com as Considerações Finais, destacando-se a importância do instituto como instrumento viável à concreção da ordem constitucional, orientada a estabelecer um Estado Democrático respaldado nos ditames sociais da igualdade, da justiça e do bem estar comum, dirigido ao direito de morar, que vem sendo efetivado por decisões judiciais.


I – INTRODUÇÃO.


O crescimento populacional brasileiro nas últimas décadas é incontestável e, tal vem ocorrendo em decorrência da erradicação de doenças e epidemias que, em um passado muito próximo eram tidas como fatais.


Ademais, com o surgimento dos meios de comunicação, notadamente, a televisão e o rádio, que já penetraram nos mais longínqüos rincões do interior brasileiro, ninguém fica a salvo da sedução dos bens de consumo ofertados por propagandas chamativas.


A cidade, pela ótica de referidos meios, é o paraíso, onde todos querem trabalhar ou morar, não importando a que preço e em que condições, impelindo os habitantes do campo e do interior para as metrópoles.


 Ocorre que, moradia e trabalho não há para todos, até porque é patente que só os mais qualificados é que estarão aptos a se habilitarem aos melhores empregos, objetivando um bom salário, de molde a pretenderem à aquisição da tão sonhada casa própria.


Não obstante a ordem constitucional brasileira congrace como direito social do tabalhador, salário-mínimo capaz de atender suas necessidades básicas e de sua família, dentre outras, a moradia, certo é que a teoria textual não se materializa na prática, configurando uma utopia.


Sem programas governamentais direcionados à construção de moradias para a classe populacional menos favorecida (os assalariados), adicionado às dificuldades para obtenção de crédito ou financiamento, além dos elevados preços das locações que consomem grande parte do salário, levam os “sem-teto” a ocuparem propriedades privadas para servirem de moradia.


No mais das vezes, a ocupação por aqueles que não têm onde morar, se dá em imóveis particulares urbanos abandonados, em construção, ou naqueles que estão sendo inventariados, ou ainda, em imóveis em estado de ruína.


Geralmente os ocupantes de aludidos imóveis são trabalhadores de baixa renda, que não possuem condições de morar em outras cidades ou locais distantes de seus empregos, face aos gastos com transportes coletivos, cujas tarifas são muito caras, o que com efeito, pesa em seus orçamentos.


O legislador constituinte brasileiro de 1988 não ficou alheio a tais situações, tanto que inspirado nas Constituições de outros países que adotaram a sociabilidade da propriedade, instituiu no art. 183, um direito novo no Capítulo II (Da Política Urbana) do Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira) espécie de usucapião com prazo reduzido, cinco anos, o qual foi rotulado de usucapião especial urbano individual pró-habitação, tendo posteriormente sido também disciplinado no atual CCB (Lei Federal nº. 10.406, de 10.1.2002) pelo art. 1240.


II – BREVE SÍNTESE HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE.


O presságio de propriedade privada erige-se a partir a segunda fase de evolução da humanidade, quando emerge rudimentares formas de agricultura e de pecuária.


Segundo os estudiosos[1], as tribos pré-românicas que povoaram a região central da Península Itálica, consideravam a propriedade coletiva uma forma de relação entre homens e “bens”, até tornarem-se senhores de suas áreas de exploração pastoril. O mesmo ocorria na Grécia heróica, bem como os povos vikings, que desenvolveram a cultura da terra em escala, porém não individualizaram a propriedade agrária.


No Império Romano ao final da Época Clássica quatro formas distintas de apropriação imobiliária eram identificadas, quais sejam: a dominium ex iure quirintum, subjetivamente restrita aos civitas (cidadãos romanos) e objetivamente restrita aos fundos itálicos, representavam o conceito mais próximo da propriedade plena atual; a bonis esse et possessio, restrita objetivamente aos fundos do Estado; e, por último, a proprietas subjetivamente circunscrita aos peregrinos.


Na Época Pós-Clássica romana, seguida da obra codificadora e restauradora de Justiniano, três séculos após, convergiram os distintos conceitos anteriores para a dominium ou proprietas, como sinônimos, próximos do conceito da propriedade plena atual. Não se pode olvidar que foi no Direito Romano onde se forjaram as idéias sobre a possessio, cujo conteúdo permitia utilização dos bens pelos titulares desse direito, os possuidores, além de oportunizarem a exploração das terras públicas (ager publicum) pelos agricultores.


A propriedade privada, assim como a organização familiar e a religião doméstica, naquela época, integravam uma organização institucional da sociedade. O direito romano colocou os elementos da propriedade acima do conceito, embora o seu conteúdo tenha sido consagrado na máxima dominium est ius utendi et abutendi, quatemus iuris ratio patitur.


Para os romanos, o direito de propriedade era absoluto e ilimitado. O titular poderia dispor dele da maneira que fosse de seu interesse. O proprietário não estava limitado por normas, ao seu direito. Defendido desde a finada Idade Média, especialmente por São Tomás de Aquino, o direito sagrado à propriedade era pregado como direito natural do homem ao apossamento de bens materiais, como forma de garantir a sua liberdade.


John Locke no Segundo Tratado Sobre o Governo, tratou com afinco sobre a propriedade, analisando desde sua origem na Bíblia, argumentando justificadamente que o trabalho gerou a propriedade privada. Demonstrou ainda que, a atuação dos homens sobre a natureza é limitada, que ninguém poderá ter tudo para si.


Lembra Locke que os bens, em sua grande maioria, úteis para a vida do homem, são perecíveis, possuindo pouco valor, necessitando seampre de reposição, enquanto os bens de maior duração, são mais caros e valorizados, mas possuem pouca utilidade para a vida humana.


Este conceito foi acentuado durante a ascensão da burguesia com a Revolução Francesa que inaugurou o período liberal, no qual o proprietário possuía direito quase que absoluto sobre seus bens. A propriedade foi considerada como um direito sagrado, inviolável, estabelecido na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Tal direito foi sendo incorporado nas Constituições e leis das democracias liberais que se seguiram e, ao longo do tempo, foi adquirindo um contorno menos absoluto e mais social.


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Na sociedade comunista, proposta por Karl Marx, a propriedade particular do solo desaparecerá, sendo que as pessoas apenas vão dela usufruir, com a condição de entregá-la em melhores condições para as futuras gerações.


Para Proudhon, na concepção anarquista, a propriedade é um roubo, justificando-se através do que considera impossível acabar com o abuso da propriedade sem acabar com ela.


O direito de propriedade imobiliária evoluiu para uma complexa pirâmide de “direitos”, erigida à condição de garantia de liberdade individual e segurança individual, direitos naturais e imprescritíveis do homem, consagrados no Bill of Rights da Virgínia, em 1776. Também da mesma forma, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789[2], a partir do século XIX, a propriedade era tratada exclusivamente como instituto de direito privado, instituto estranho à organização política do Estado.


Para o Código francês napoleônico, bem como para o italiano de 1865 em seu art. 436, e o Código Civil Espanhol de 1889, em seu art. 148, a propriedade era conceituada como o direito de gozar e dispor do bem, de modo absoluto. No mesmo esteio, se encontrava o revogado CCB de 1916.


As Constituições do Brasil de 1824 e de 1891 apresentavam o caráter individualista da propriedade compatível com o período histórico de suas edições, assegurando o direito de propriedade em sua plenitude, com exceção da desapropriação.


Na Constituição brasileira vigente de 5.10.1988, o direito de propriedade alcançou estado de direito inviolável, em sua extensão máxima, como riqueza patrimonial, encartado no inciso XXII e caput do art. 5º, bem como princípio da ordem econômica, no inciso II do art. 170.


III – DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA POSSE.


A expressão função social da propriedade origina-se das mais rudimentares fontes de Direito Privado, quando o homem, da forma mais frugal possível, conduzia o rebanho de ovelhas da comunidade, ou utilizava coletivamente a terra com os demais membros da sociedade tribal, como propriedade comunal. Nesta época já demonstrava-se a forma genuína de apropriação social dos bens, que pari passu foi sendo alterada para o caráter individualista sem afastar a idéia de utilidade, de exploração adequada presente nas concepções de função social que se encaminharam até os nossos dias.


No período medieval ou feudal, a dominação era exercida preliminarmente pelo suserano, o dono das terras, inocorrendo o fim social da propriedade, já que a servidão e a vassalagem, imperavam, haja vista que o vassalo recebia uma autorização daquele para explorar onerosamente as terras.


Na história do direito brasileiro arcaico, que data da época posterior ao descobrimento, por volta do ano de 1530, o direito à propriedade e a função social dessa, erigiu das outorgas concedidas pelo Rei aos seus súditos mais fiéis de porções de terras comparáveis a países europeus, por meio de Capitanias Hereditárias, representando o domínio das vastas terras pela coroa lusitana, que não foi muito adiante. Fracassado o sistema inicial, vigorou o sistema de sesmarias, o qual condicionava sua concessão ao aproveitamento útil e econômico que geralmente não era atingido. Aqui, podemos destacar o embrião da função social no clássico direito brasileiro.


Após a independência do Brasil, foi introduzido no Brasil pela Lei nº. 601 de 1850[3] (Lei de Terras) o sistema de posse, cujo conteúdo permitiu concluir que a aplicação do sistema de sesmarias originou a formação da propriedade privada. Tinha por finalidade a referida lei, regularizar o sistema distributivo de terras, tornando legal a ocupatio condicionada à efetiva atividade exploratória do isolamento físico da demonstração do interesse pela gleba ocupada.


 Parte da doutrina brasileira, considera esse sistema de regularização na distribuição de terras, como o antepassado que pressupõe o cumprimento da função social pela efetiva utilização da terra, apesar de não se poder considerar como função social da propriedade.


 A função social da propriedade, ao que parece, teve inspiração no artigo 17 da Declaração do Homem e do Cidadão Estadunidense de 1789, como um dos princípios de maior relevância do direito à propriedade[4].


 A grande evolução em relação aos demais Códigos da época, em termos de consideração da função social, coube ao Código Civil português de 1867 que inovou ao consagrar a função social do direito real em seu art. 2.167.


 A relativização dos direitos privados pela função social, ocorreu principalmente a partir de 1918, fazendo com que o bem-estar coletivo extrapolasse a responsabilidade da sociedade para incluir também o indivíduo.


 Em termos de Constituições, a Constituição Alemã de Weimar de 1919, foi a pioneira a reconhecer a propriedade como dever fundamental, em seu art. 153, última alínea, com a seguinte redação: A propriedade obriga. Seu uso deve, ao mesmo tempo, servir ao bem-estar social, ou seja, a utilização da propriedade devia estar vinculada ao bem comum[5]. Seguiu-se-lhe a Constituição italiana de 1947, a qual dispunha em seu art. 47, que a lei regulará a propriedade privada, com a finalidade de torná-la acessível a todos, repisado em seu art. 42, alínea segunda. Posteriormente, na mesma esteira a Constituição espanhola, que no art. 33, nº. 2, vincula a propriedade privada ao atendimento da sua função social.


A Carta Magna brasileira de 1934 introduziu, por meio do art. 113, nº. 17, a garantia do poder de propriedade não ser exercido contra o interesse social ou coletivo. Tal dispositivo pode ser considerado um esboco à adoção da função social da propriedade, como preceito constitucional.


 A Carta Política do Brasil de 1946 foi a primeira a efetivamente introduzir a definição de função social condicionando o direito de propriedade ao bem-estar social, especificadamente em seus art. 141, § 16 e, 147. O art. 141, § 16 previa a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos. Já o art. 147, assim determinava: “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade com igual oportunidade para todos.”


 A Carta Constitucional brasileira de 1967, em seu art. 167, elevou a função social ao status de princípio da ordem econômica e social, relevando textualizar a norma constitucional: “A ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…) III- função social da propriedade.”[6]


 A redação da Emenda Constitucional de 1969, que alterou a Carta Política brasileira de 1967, manteve, em parte, o conteúdo do dispositivo anterior, em seu art. 160, inc. III, procurando adaptá-lo à situação vigente, sem afastar a propriedade de sua característica básica, qual seja, o cumprimento da função social.


A Constituição Federal brasileira em vigor insculpiu no caput do art. 5o. e no inc. XXII, a garantia do direito de propriedade como um direito fundamental, inserido no título reservado aos Direitos e Garantias Fundamentais disposto no mesmo plano do direito à vida, à liberdade, igualdade. O inciso XXIII do mesmo dispositivo estabelece que a propriedade atenderá a sua função social. Portanto, o direito de propriedade e a sua inviolabilidade são direitos fundamentais.


 O direito de propriedade significa que cada cidadão, seja brasileiro ou estrangeiro, possui o direito de ser proprietário e esta propriedade será respeitada pelas leis do país. Contudo, tal direito se encontra balisado à função social que ela exerça, isto é, há um limitador jurídico, legal e administrativo no usar, gozar e dispor da propriedade, que se compreende como a função social, em que o interesse da sociedade predomina sobre o particular, não descaracterizando o mencionado direito, mas assegurando para que o interesse da sociedade prevaleça sobre o interesse particular que prejudique o todo.


 Fábio Konder Comparato lembra que, os deveres humanos são o exato correspectivo dos direitos humanos: ius et obligatio correlata sunt e, quando dispõe a Constituição vigente terem as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais aplicação imediata está de fato determinando.


 Ao mesmo tempo em que manteve a propriedade privada, a CRFB a submeteu ao princípio da função social e da ordem econômica, com lastro nos arts. 5º, incs. XXII[7] e XXIII; 170, incs. II e III; 182, § 2º; 184 e 186, atuando no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos no art. 1228 do CCB atual, o mencionado princípio introduz um outro interesse, ou seja, o social, que pode não coincidir com os interesses do proprietário, como bem esclarece José Afonso da Silva (Direito Constitucional Positivo, p. 249-250), aportando-se na doutrina européia.


 A vigente Carta Maior do Brasil, remodelando o conceito de função social[8], manteve seu lado econômico, acrescendo outros atributos de grande relevância, para caracterizar a sociabilidade de sua função, tanto que o art. 170, inc. III, o estabelece como um dos princípios gerais da atividade econômica. O art 186 do diploma citado, no mesmo diapasão, estatui que a propriedade rural deverá atender, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores e, assim estará cumprindo a função prevista nos artigos acima lembrados.


 Carlos Araujo Leonetti (Função social da propriedade: Mito ou realidade?, in Revista Sintese de Direito Civil e Processual Civil, n. 3, jan-fev/2000, p. 72), explica que […] o princípio da função social da propriedade, ao invés de se revelar uma mera restrição ao direito de propriedade, compõe o próprio desenho do instituto, de sorte que, a partir de 05 de outubro de 1988, no Brasil, somente que cumpra sua função social.


 O vocábulo adjetivo “social” assume o sentido de presunção legal, transparecendo o interesse na preservação de um bem social, porque só pode ser atribuído aos interesses que a lei definiu como principais merecedores de especial atenção do Estado, dirigindo-se para a maioria dos cidadãos.


 A CRFB, no seu art. 5º, § 1º, filiou-se a doutrina constitucional alemã e ao Código Supremo alemão, o qual em seu art. 1º., alínea 3, consagra o princípio da eficácia normativa imediata em matéria de direitos humanos, sendo que nestes se encontra inserida a função social da propriedade e da posse.


 Com espeque no parágrafo acima mencionado, o princípio em análise não deve ser interpretado isoladamente e, sim, sistematicamente com os demais princípios constitucionais, com os quais se inter-relaciona. Dessa forma, é essencial a sua compreensão com amparo no princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º., inc. III, do diploma brasileiro aludido, bem como deve ser associado aos objetivos da República e, a redução das desigualdades sociais, contemplados no inciso III do art. 3º.


 No atual CCB (Lei Federal nº. 10406 de 10.1.2002), para alguns doutrinadores, o legislador perdeu a oportunidade de trazer expressamente uma teoria mais avançada quanto à posse[9], que se escora na sua função social, tese defendida por Saleilles. Essa corrente defende a alteração do art. 1196, encabeçada pelo Desembargador TJPE Joel Dias Figueira Júnior, o qual sugeriu ao então relator da novel codificação, a elaboração de um projeto que alterasse a redação do mencionado artigo, o que foi acolhido pelo Deputado Ricardo Fiúza, autor do Projeto nº 6.960/2002[10], que se encontra em tramitação.


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 Outra corrente entende que o princípio da função social da posse está implícito na legislação emergente, principalmente pela valorização da posse-trabalho, conforme expressam os arts. 1.238, parágrafo único; 1.242, parágrafo único; e 1.228, §§ 4º e 5º, todos do novo CCB.


 O atual CCB ratificando no parágrafo 1º do art. 1.228[11], a função social da propriedade acolhida na Constituição Federal brasileira de 1988, vai mais longe, ao prever juntamente com este princípio constitucional, a função sócio-ambiental com a previsão de proteção da flora, da fauna, da diversidade ecológica, do patrimônio cultural e artístico, das águas e do ar, em consonância com o previsto no art. 225 do diploma maior referido e na Lei Federal nº 9.605, de 12.2.1998 (Lei do Meio Ambiente).


IV – DO DIREITO DE MORADIA COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DE BEM ESTAR-SOCIAL.


A Carta Constitucional brasileira de 1988 reconhece, no art. 6°, o direito à moradia[12] como um dos direitos sociais e, implementá-lo, assegurá-lo a todo cidadão brasileiro é um dever do Estado, nos níveis, Federal, Estadual e Municipal, especialmente este último, dada a maior proximidade entre o gestor municipal com as demandas sociais, que só podem ser atendidas conforme as prioridades coletivas, que o legislador constitucional reformista incorporou através da EC nº. 26, constituindo-se num direito fundamental do ser humano, consagrado em diversas Declarações e Tratados Internacionais, recepcionados e adotados como normas constitucionais no Brasil.


 Destaca Eva Machado Barbosa (Casa própria ou direito a um serviço de habitação?. In, Ensaios FEE, Porto Alegre, v. 19, n.2, 1988, p. 272-285) a importância de que se conceba a habitação enquanto serviço, desassociado da concepção privada e, portanto, individualista da propriedade.


Enfatiza Ingo Wolfgang Sarlet (Revista da Associação dos Procuradores do Muníipio de Porto Alegre, n. 17, dez. 2001), que […] a recente incorporação do direito à moradia no artigo 6º. da Constituição Federal de 1988, não há mais como negar que a moradia (a despeito de já haver previsão expressa a respeito, como dão conta – entre outos exemplos – o instituto do usucapião especial urbano e rural, previstos nos artigos 183 e 191 da nossa Carta Magna, respectivamente) restou guinada a condição de direito fundamental, compartilhado, de tal sorte, de dupla fundamentalidade material (ligada ao grau de importância do bem assegurado pela ordem jurídica) e formal (representada pela especial força normativa e proteção outorgada pela Constituição escrita) que caracteriza os direitos fundamentais.


 A grande dúvida que paira entre os operadores do direito é saber se a partir de tal data já está assegurada a moradia a todos, uma vez que há previsão expressa desse direito na Lei Maior Brasileira de 1988, levada a efeito com a manifestação do Poder Constituinte Derivado Reformador.


 Em tese apresentada no 1º Encontro Brasileiro de Direitos Humanos, sobre o Direito à Moradia, Fernando Abujamra Aith demonstra o problema enfrentado para assegurar a efetividade dos direitos sociais, quando expõe que há uma absoluta falta de instrumentos e garantias jurídicas que protejam, com a mesma eficácia, os direitos sociais, culturais e econômicos, já que esses direitos exigem uma ação efetiva do ente estatal, eis que são verdadeiros deveres do Estado, posto que no dizer de José Afonso da Silva (op. cit.), os direitos sociais “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente”, tendo limitada eficácia técnica.


 Ocorre que o problema com relação à dotação de plena eficácia da norma constitucional, não se encontra nas partes jurídicas e, sim, não ter eficácia social, como acontece com muitas, que não alcança seu objetivo crucial e sua máxima aplicabilidade aos casos concretos.


 Infelizmente, isto acontecerá com o novel direito à moradia, uma vez que sua principal função será a de representar importante diretriz a orientar o Poder Público para implementação de políticas aptas a assegurarem-no. Entretanto, o Poder Judiciário brasileiro vem proporcionando a plena aplicação e eficácia do direito em análise, com lastro na justiça social[13].


 Inclusive, há de se observar que o direito à moradia já encontrava previsão constitucional no art. 7º, inc. IV, da Constituição Federal Brasileira, como direito do trabalhador urbano e rural a um “salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, …”.


 Vale carrear mais uma vez as palavras de Ingo Wolfgang Sarlet (O direito fundamental à moradia na Constituição: Algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível eficácia. Arquivos de Direitos Humanos, p.191), que deverão ser levadas em consideração quando da análise dos dispositivos constantes na legislação brasileira vigente, já que […] cremos ser possível afirmar que os direitos fundamentais sociais, mais do que nunca, não constituem mero capricho, privilégio ou liberalidade, mas sim, premente necessidade, já que a sua supressão ou desconsideração fere de morte os mais elementares valores da vida e da dignidade da pessoa, em todas as suas manifestações. A eficácia (jurídica e social) do direito à moradia e dos direitos fundamentais sociais deverá, portanto, ser objeto de permanente e responsável otimização pelo Estado e pela sociedade, na medida em que levar a sério os direitos (e princípios) fundamentais correspondente, em última análise, a ter como objetivo a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, por sua vez, a mais sublime expressão da idéia de justiça […].


 A relativização do direito de propriedade é decorrência da necessidade de atender novas situações sociais emergenciais, tanto que grande parte da doutrina brasileira esclarece que em decorrência das mudanças demográficas, representadas pelo aumento significativo da população, a industrialização e as transformações econômicas e sociais do século XX[14].


 Tais mutações demandaram significativas alterações dos paradigmas do Direito, provocando um papel mais intervencionista do Estado no propósito de garantir e proteger o bem-estar social[15] do indivíduo e da coletividade como um todo, visando o interesse público, o princípio da justiça social, insculpido no art. 3º, inc. III, da Constituição Brasileira de 1988 e a solidariedade social, com a proposta de erradicação da pobreza, bem como a proteção do bem comum, tendendo a publicização da norma jurídica, ou seja, a publicização do direito privado.


 Na opinião de Flavio Tartuce, o direito civil moderno concebido à luz do Texto Maior, cada vez mais avança na imposição de medidas restritivas ao direito de propriedade, impostas pelo Estado em prol da supremacia dos interesses difusos e coletivos. Apesar das várias restrições impostas, o direito de propriedade ainda goza de situação privilegiada no sistema jurídico pátrio, verificadas no Cód. Penal – Título II, CPC Brasileiro (Lei Federal nº. 5869, de 11.1.1973) e na Lei Federal nº. 6.015, de 31.12.1973 (Lei de Registros Públicos).


 O legislador, ao disciplinar o capitulo de politica urbana da Constituição, através da Lei Federal nº. 10257, de 10.7.2001, manteve esta mesma orientação, estabelecendo como diretriz geral, garantia sustentável do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito a terra urbana, a moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, entre outros, para as presentes e futuras gerações, como se extrai da essência do capítulo que trata dos direitos sociais na Carta brasileira[16].


 Para Toshio Mukai, a propriedade urbana também cumpre a função social, quando essas exigências fundamentais estão consubstanciadas nas dezesseis diretrizes elencadas no art. 2o. da Lei Federal nº. 10257, de 10.7.2001 (Estatuto da Cidade), que obrigatoriamente, deverão estar contidas no Plano Diretor, segundo dispõe o art. 39 do Estatuto, como também prevê o caput do art. 182 e seu §§ 1º. e 2º. da Constituição Brasileira atual. E, que constitui competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e melhorias das condições habitacionais, nos termos do art. 23, inc. IX, da Constituição Federal do Brasil.


 Das lições de Nelson Saule Júnior, destaca-se a seguinte passagem:


“Nas normas definidoras do direito à moradia a aplicação é imediata o que faz com que sua eficácia seja plena. Isto é, de imediato, o Estado brasileiro tem a obrigação de adotar as políticas, ações e demais medidas compreendidas e extraídas do texto constitucional para assegurar e tornar efetivo esse direito, em especial aos que se encontram no estado de pobreza e miséria. Essa obrigação não significa, de forma alguma, prover e dar habitação para todos os cidadãos, mas sim construir políticas públicas que garanta (sic) o acesso de todos ao mercado habitacional, constituindo planos e programas habitacionais com recursos públicos e privados para os segmentos sociais que não têm acesso ao mercado e vivem em condições precárias de habitabilidade e situação indigna de vida.”


Celso Antônio Bandeira de Mello (in, Eficácia das Normas Constitucionais sobre Justiça Social, Revista de Direito Público, nº 57/58, pp. 253/254) afirma também que, a partir da Constituição, o Estado brasileiro tem obrigação imediata de estabelecer as medidas necessárias para efetivar os direitos econômicos, culturais e sociais, entre os quais se inclui o direito à moradia


 A obra “Estatuto da Cidade – guia para implementação pelos Municípios e cidadãos” (Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001, pág. 42), parte da mesma perspectiva para considerar que o objetivo do Plano Diretor não é resolver todos os problemas da cidade, mas sim ser um instrumento para a definição de uma estratégia para a intervenção imediata, estabelecendo poucos e claros princípios de ação para o conjunto dos agentes envolvidos na construção da cidade, servindo também de base para a gestão pactuada da cidade.


 Por outro lado, a Secretária Nacional de Programas Urbanos, Raquel Rolnik, esclarece que: “Esse direito tem que ser um compromisso também da sociedade para garantir moradia adequada a todos”. Para ela, um dos elementos principais para sair da teoria para a prática é assegurar o acesso à terra urbanizada e bem localizada.


Para Wanderley Gomes, tesoureiro da FACESP, embora a atuação dessas entidades ligadas aos movimentos sociais gere polêmica, a luta pelo direito à moradia digna é legítima. Continua Gomes, “As residências ou prédios precisam cumprir o papel social regulamentado pelo artigo 183 da Constituição. Essas ações fazem parte de um processo democrático para garantir o direito à habitação às famílias carentes”.


 A desigualdade da moradia no Brasil parece que ainda vai levar muito tempo. Esclarece Wanderley Gomes que, “Esse não é um problema que se resolve rápido. Não é apenas falta de dinheiro, demanda políticas públicas”.


 Para Patrícia Cardoso, advogada do Núcleo de Direito das Cidades do Instituto Pólis (ONG voltada a estudos de políticas públicas para a cidadania), é uma questão de participação direta da sociedade na gestão governamental, tanto na gestão de recursos quanto na formulação de políticas para a habitação.


 Assim, uma das soluções que parte da doutrina constitucionalista brasileira sustenta para evitar eminente colapso no direito à moradia, se fundamenta numa maior utilização do usucapião, especialmente na modalidade especial urbana.


V – DA USUCAPIÃO. CONSIDERAÇÕES GERAIS.


Oriunda do vernáculo latino usucapio, derivado do verbo usucapere, expressa a forma de adquirir pelo uso ou pela prescrição.


Um antigo acórdão do Supremo Tribunal Federal, por sinal em recurso extraordinário originário de Santa Catarina, disse que: “o usucapião é a aquisição do domínio pela posse ininterrupta e prolongada: são condições para que ele se verifique a continuidade e a tranqüilidade” (RE 6287/SC, RT 49/352).


Clóvis Bevilácqua, o autor do Projeto Código Civil de 1916, não diverge desse entendimento, definindo o usucapião como “a aquisição do domínio pela posse prolongada”.


Adiante esclarece o Autor que o fundamento do usucapião é a posse unida ao tempo (Direito das Coisas, Ed. Justiça, p. 170).


Para Modestino, segundo o fragmento do Digesto, definia est adjectio dominii per continuatinem temporis lege definiti.


Esclareça-se, outrossim, que a posse ad usucapionem é a configurada nos termos do Código Civil, qual seja, o exercício de fato, “pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade” (art. 1.196 do novo Código Civil, correspondente ao art. 485 do antigo Código).


 Savigny defendia a posse, sustentando a teoria subjetiva, destacando a intenção da pessoa de ter a coisa para si, ou seja, animus rem sibi habendi. Contrapondo a essa posição, Ihering entendia, como possuidor aquele que agisse em relação à coisa como se fosse proprietário, mesmo não o sendo, independentemente da intenção (Teoria Objetiva).


 A teoria objetiva, que foi adotada pelo legislador do novo Código Civil brasileiro, considera como possuidor, todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade, como prevê o art. 1196.


 A posse costuma ser classificada, como posse direta (exercida diretamente pelo possui sobre a coisa) e indireta, que o proprietário conserva, por ficção legal, quando o exercício da posse direta é conferida a outrem, em virtude de contrato ou direito real limitado; posse justa (ostensiva, não obtida à força e definitiva – nec clam, nec vi, nec precario), e a injusta, sempre será clandestina (posse não ostensiva), precária (a título provisório) e violenta (com uso da força); de boa-fé (o possuidor ignora o vício ou o obstáculo impeditivo do seu exercício) e de má-fé (quando se tem ciência do vício); titulada (ancora-se no justo título) e não titulada, o reverso desta outra; continuada (permanente) e descontinuada (há a secção da mesma); nova (menos de ano e dia) e velha (mais de ano e dia); e, por último, a composse (tem mais de um possuidor da coisa toda, em partes iguais não localizadas). No usucapião especial individual pró-moradia não há uma dessas classificações, qual seja, a boa-fé.


 Os requisitos gerais da usucapião englobam o aspecto pessoal, real e formal. Assim, classificam-se:


a) Requisitos Pessoais: são aqueles referentes ao possuidor que pretende adquirir o bem e ao proprietário que irá sofrer desfalque em seu patrimônio. Há necessidade de averiguar a capacidade e a qualidade do adquirente. Todavia, são considerados capazes as pessoas jurídicas de direito público interno e as pessoas de direito privado; as pessoas naturais abrangendo brasileiros, estrangeiros maiores de dezoito anos, naturalizados, emancipados, e os absolutamente e relativamente incapazes, através de seus representantes legais.


b) Requisitos Reais: são aqueles referentes aos bens e direitos suscetíveis de serem usucapidos, uma vez que nem todos os direitos e nem todas as coisas são passíveis de usucapião. A coisa passível de ser adquirida por usucapião deve estar no comércio (res in commercio) e ser hábil (res habilis). Como também, só pode ser adquirido mediante usucapião os direitos reais que recaem sobre coisas prescritíveis (propriedade, enfiteuse, usufruto, servidão, etc).


c) Requisitos Formais: são aqueles que compreendem os elementos necessários e comuns do instituto. Entretanto, classificam-se como pressupostos comuns: a posse revestida de “animus domini” (intenção de dono); a posse prolongada (lapso temporal que está sendo exercida a posse) (tempus); a posse contínua (posse sem intervalo que deve ser exercida pelo possuidor) (possessio), e a posse justa. Já como pressupostos especiais, têm o justo título (titulus) e boa-fé (bona fides).


Destarte, os pressupostos comuns são aplicados para todas as espécies de usucapião.


Com amparo nas conceituações e requisitos ora apresentados, pode-se adquirir o domínio pelo usucapião especial, como todo aquele que não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar, por um lapso temporal ininterrupto (seja quinquenal ou decenal), sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, extensão de terra com metragem não superior a prevista em lei (a CRFB de 1988, o CCB/2002, os Estatutos da Terra – Lei Federal nº. 4504 de 30.11.1964 e da Cidade – Lei Federal nº. 10.7.2001 e, a Lei Federal nº. 6969 de 10.12.1981), cada uma estipula extensão territorial aplicável para cada caso da usucapião), tornando-o produtivo por seu trabalho e/ou tendo nele sua moradia fixa, adquirir-lhe-á a propriedade.


 Portanto, a leitura dos artigos do CCB, no que atine ao assunto, só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes, a leitura das leis que tratam das modalidades de usucapião, não se concebendo um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Carta constitucional federal brasileira vigente, ou que se desenvolva paralelamente a ela, como esclarece o Desembargador Paulista José Osório (TJSP, APC. 212716-1-4-SP, 8ª. C.Civ., v. u.), posto que as regras legais, se arrumam de forma piramidal.


 Assim, o atual direito positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de reivindicar atribuído ao proprietário pelo art. 524, do revogado CCB de 1916, até porque a nova ordem juridica vigente obtempera, antes regras absolutas no que se trata de direito de propriedade com a sistematização de primeira e segunda gerações introduzida pela Carta brasileira atual, acolhido integralmente nos novos diplomas juridicos do Brasil e também adotados em outros pergaminhos anteriores que foram recepcionados por esta.
 
5.1 – Da usucapião constitucional: suas modalidades. 
 
A usucapião constitucional pode se apresentar sob três formas. A primeira a ser vislumbrada, foi o pro labore ou rural, trazida pela Constituição brasileira de 1934, em seu art. 125, tida como a primeira modalidade de especial e, a extraordinária. A esse texto constitucional deve-se também o entendimento de propriedade vinculada à função social e, a partir desta antiga norma máxima, todos os demais textos constitucionais a previram, como já mencionado anteriormente. 
 
A Constituição brasileira de 1946 também seguiu a de 1934, ao reconhecer o usucapião circunscrito à propriedade rural, assim não procedendo a de 1967, revogada pela vigente em 5.10.1988, valendo notar, porém, que a Lei Federal nº. 4.504, de 30.11.1964, que instituiu o Estatuto da Terra, em seu artigo 98, já o consignava. 
 
A norma constitucional que mais evolucionou em termos de prescrição aquisitiva no direito de propriedade, foi a Constituição da República do Brasil de 5.10.1988, quando adveio, além das outras duas modalidades de usucapião já mencionadas, as de modalidade especial social, pro morare ou urbana, que posteriormente foi regulamentado tanto pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº. 10257, de 10.7.2001) como pelo novo Código Civil brasileiro e, ainda, pela MPv. nº. 2220 de 4.9.2001 e, a rural, instituída na Lei Federal nº. 6969, de 10.12.1981, que dispõe sobre a aquisição, por usucapião especial, de imóveis rurais, além de alterar a redação do § 2º do art. 589 do revogado CCB de 1916, atuais art. 1.276 e seu § 1º, do novo CCB, subseqüentemente previsto no art. 1.239 deste último pergaminho legal. 
 
Essas formas de usucapião tem os requisitos necessários para sua configuração, com previsão no art. 183, caput e parágrafos da Carta Constitucional brasileira de 1988, que traz norma dispondo a respeito da usucapião urbana individual pró-moradia (pro morare) e o art. 191 do diploma legal citado, o qual dispõe a respeito da rural ou pro labore. 
 
O art. 183 e seus parágrafos assim estipulam: 
 
“Art. 183 Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. 
 
1º O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. 
 
2º Esse direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. 
 
3º Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.” 
 
E o art. 191, por sua vez, preceitua sobre a usucapião social rural: 
 
“Art.191 Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade. 
 
Parágrafo único. Os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.” 
 
Para que ocorra o usucapião especial constitucional ou social constitucional, seja urbano quanto rural, é necessário que o possuidor pratique atos de gozo que a coisa possa lhe proporcionar, comportando-se como se fosse o autêntico dono da coisa imóvel. 
 
O Diploma político brasileiro prevê que o cidadão, homem ou mulher, adquire o direito de domínio sobre imóvel seja urbano ou rural sobre determinadas condições. 
 
Outras exigências fazem a CRFB de 1988 e o vigente CCB, quais sejam, a posse contínua e pacífica, que são as mesmas constantes no art. 9º. do Estatuto da Cidade, acrescendo no § 3º.., o mesmo direito do possuidor ao herdeiro legítimo, desde que tenha residência fixa no imóvel no momento da sucessão. 
 
Em face do caráter estritamente pessoal e benéfico da modalidade urbana da usucapião, alguns juristas brasileiros entendem como intransferível a posse para efeitos de prescrição aquisitiva. Esses a defendem, advertindo que ao contrário do que ocorre nas formas tradicionais de usucapião, é inadmissível na modalidade especial urbana a cessão da posse em favor do sucessor singular.  
Nessa modalidade, essa corrente sustenta que necessário há de ser a posse pessoal durante todo o lapso prescricional, inaplicando-se tal vedação à sucessio temporis, que pode incidir parcialmente. E que em caso de imóvel ocupado por família, os prazos do antecessor e do sucessor podem ser somados, caso a família vir, a posteriori, fixar residência definitiva no imóvel primitivamente ocupado por um ou alguns de seus membros, antes de aberta a sucessão. 
 
No entanto, a jurisprudência mais conservadora dos tribunais brasileiros, entende não ser possível tal somatório, principalmente, quando o prazo para prescrição aquisitiva da propriedade urbana começar a correr, sob a vigência de norma revogada, devendo ser respeitada esta, tendo em vista o direito adquirido, previsto no art. 5º., inc. XXXVI do Diploma Político brasileiro de 1988. 
 
O STF firmou jurisprudência neste sentido, a partir do RE nº. 145.004, de relatoria do Ministro Otávio Gallotti (DJ 13/12/1997), no sentido de que o tempo de posse anterior a 05.10.1988 não se inclui na contagem do prazo qüinqüenal estabelecido pelo art. 183 da CRFB Neste sentido: RE 206.659, rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 06/02/1998; RE 214.851, rel. Min. Moreira Alves, DJ 08/05/1998; RE 217.414, 1ª. T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26.03.1999. 
 
Para a doutrina brasileira, o tema que desperta maior complexidade dentre as modalidades de usucapião especial constitucional é a que se exibe sob a forma urbana ou pro morare, que apresenta diversos pontos controvertidos e de extremada delicadeza na análise da questão.


5.2 – A usucapião especial constitucional urbano individual pró-moradia.


Esta modalidade de usucapião, que encontra previsão na Constituição Federativa de 1988 é definida como sendo  modalidade de aquisição da propriedade de área ou edificação urbana, enquadrada numa faixa territorial máxima de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, num lapso temporal legal qüinqüenal, ininterrupta e inoponível, utilizando-a para sua moradia o posseiro ou sua família, adquirindo o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.


 As condições para a aquisição do direito de domínio através do instituto em estudo, são em número de onze, sendo algumas relativas ao imóvel, outras, em respeito à pessoa que está usucapindo, quais sejam:


a) que o interessado tenha a área como sua, ou seja, a considere sua propriedade, ou tenha o animus domini, o desejo, a vontade de domínio sobre o imóvel;


b) o imóvel poderá ter até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados);


c) a posse seja ininterrupta, não podendo neste período ter sofrido qualquer tipo de interrupção;


d) não tenha sofrido nenhum tipo de oposição, como por exemplo uma ação de reintegração de posse por parte do proprietário legal ou outro posseiro anterior;


e) o imóvel deve ser utilizado como moradia do posseiro ou de sua família; g) não poderá ser proprietário de imóvel urbano ou rural;


f) também o candidato a proprietário não poderá ter conseguido o domínio de outro imóvel utilizando-se desta modalidade de usucapião;


g) finalmente não poderá o imóvel ser público.


 Postas pela lei as condições supra indicadas, em breve síntese, passa-se a analisá-las.


 Designada pela doutrina brasileira, especificamente a usucapião especial constitucional urbano, de posse com animus domini et pro habitatio, em que a prova para o seu reconhecimento repousa na comprovação de que o possuidor tem no imóvel sua moradia fixa e que cumpra o lapso temporal legal aquisitivo da propriedade.


 Isso significa que, durante todo o prazo prescricional, não poderá o usucapiente ser proprietário de imóvel, ainda que em outro Estado ou outro país. Nada impede, contudo, que tenha sido proprietário antes da ocupação do bem usucapiendo, ou que venha a sê-lo posteriormente à propositura da ação visando a declaração de domínio.


 Nos moldes estabelecidos pelo art. 183 da Carta Constitucional do Brasil de 1988, será objeto dessa forma de usucapião somente “área urbana”, estando excluídas, da incidência normativa as áreas rurais, cujo usucapião é disciplinado pelo art. 191, tendo em vista o critério da localização, não importando a destinação que se dê à propriedade, bastando que se situe dentro da zona urbana.


 O constituinte de 1988 fixou como limite máximo ao usucapião previsto no art. 183 “área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados“, haja vista que pareceu ao legislador constitucional que essa área refletiria o ponto de equilíbrio, atendendo às necessidades de moradia do possuidor sem causar grandes penalizações ao proprietário da área usucapida.


 O Poder Judiciário brasileiro manteve como regra obrigatória os 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados), para a concessão da usucapião especial urbana individual pro morare, como se constata pelo Acórdão indicado: 2º. TACivSP, 6º. Câm., Ap. 451460, rel. Juiz Carlos Stroppa, j. 13.2.1996, JTACSP 159/302


Excluem-se dessa hipótese de incidência, as posses que comportem áreas superiores ao limite constitucional, podendo optar o possuidor, em casos que ultrapassem o bem imóvel o limite territorial estabelecido, reivindicar judicialmente a concessão do domínio da área pretendida, restituindo-se ao proprietário a área excedente.


 Caso não atendidos esses requisitos, não há como acolher-se a pretensão. Confira-se a jurisprudência brasileira: Ap. 775- 89 “a”, 1ª TC – TJMS, Rel. Des. ALÉCIO ANTÓNIO TAMIOZZO, in DJMS 2619, 10.8.89. p. 6


 Entretanto, caso as condições legais se encontrem devidamente preenchidas e atendidas, o possuidor terá garantido o direito de propriedade, como se vê no seguinte aresto dos Tribunais estaduais do Brasil que ora se indica: Apel. Cível nº 70012388955, 18. Câm. Cív., TJRS, Rel: Pedro Celso Dal Pra, J: 22/09/2005


A atual Carta Magna do Brasil, bem como o novo CCB e o Estatuto da Cidade, segundo entendem alguns doutrinadores brasileiros, não dão solução a alguns problemas oriundos da usucapião em comento, se tornando pontos emblemáticos. Vejamos:


1) Nos casos decorrentes das posses localizadas em lotes urbanos, indivisíveis por lei, cuja extensão supere os 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados).


O art. 4° da LICC (Decreto-Lei nº. 4.657, de 4.9.1942) determina que, em sendo omissa a lei sobre determinada questão, o juiz deverá decidir de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.


A Lei Federal n° 6.969, de 10.12.1981, que disciplina a usucapião especial rural, possui dispositivo que pode ser perfeitamente aplicado, por analogia, à usucapião urbano, ao estipular no parágrafo único de seu artigo 1º., que prevalecerá a área do módulo rural caso este seja superior a 25 (vinte cinco) hectares.


Tal omissão também se encontra no Estatuto da Cidade (Lei Federal nº. 10.257, de 10.7.2001), cabendo, portanto, a aplicação por analogia do dispositivo supra citado, de modo que a declaração de domínio se estenda a toda a área, nas hipóteses em que esta, mesmo ultrapassando os 250 metros quadrados, for indivisível por lei.


O Texto Constitucional brasileiro também não esclarece se a “área” usucapível refere-se à área do terreno ou à área construída, posto que para Celso Ribeiro Bastos e Benedito Ribeiro, a área urbana deve ser entendida tanto em razão do terreno quanto da construção, já que não tendo a Carta Política de 1988 feito distinção, para poder encampar as duas espécies.


 Destarte, sendo o terreno (área) o principal em relação à construção, nos moldes do art. 61, inc. III, do CCB, aquele é que deve ser levado em conta e não este.


2) No que tange às unidades habitacionais horizontais, ou seja, os apartamentos, estão ou não abarcados pela norma constitucionais do art. 183.


De solução diversa da apresentada acima, o usucapião de propriedade horizontal (denominada condomínio em edifícios) possui natureza jurídica complexa, distinta da propriedade comum.


Os fundamentos que justificam a existência dessa espécie condominial e os princípios pelos quais são regidos são díspares daqueles que regem a comunhão pro indiviso tradicional.


 As faculdades dos condôminos do prédio dividido em apartamentos não traduzem um poder jurídico sobre a coisa toda; implicam a utilização em comum tão-somente das partes necessárias à “soldadura da comunhão”, conforme o escólio de Caio Mário da Silva Pereira.


 Cada unidade do condomínio horizontal, por ser autônoma, podendo ser alienada separadamente, claramente poderá ser usucapida, pela forma tradicional, não se vislumbrando impedimento quanto à usucapião especial constitucional urbano. Restringir o alcance de um instituto destinado precipuamente a ter eficácia nos grandes centros urbanos, onde é cada vez maior a concentração de edificações, muitas das quais abandonadas por embargos da administração pública, sem qualquer destinação específica ou por quebra das construtoras, representa desobediência aos ditames constitucionais da função social da propriedade e dos demais direitos sociais.


 Portanto, a área a ser computada é a do apartamento e, não a da “fração ideal” a ele correspondente, visto que esta é uma simples ficção jurídica, já que as unidades habitacionais horizontalizadas não ocupam em verdade área do solo, apenas a área de terreno que lhe é correspondente. Pode-se assim dizer que nos condomínios de edifícios, o principal é o apartamento, sendo a fração ideal o acessório, não tendo aplicabilidade o dispositivo insculpido no art. 61, inc. III, do atual CCB, podendo usucapir-se o principal (apartamento) e, por conseqüência, o seu acessório (fração ideal).


 Sobre a matéria, explicita Benedito Silvério Ribeiro:


“O mais consentâneo e justo é aceitar que o preceito constitucional teve por objetivo a área do terreno, mesmo porque foi também levada em consideração a aquisição ou a regularização de parcelas de solo destacadas de loteamentos à margem da lei e normas urbanísticas.


Nos casos de apartamentos, em que a fração ideal do solo é mínima, é possível levar-se em conta a área da unidade autônoma, que pode ser pouco significativa. A área a ser considerada, no caso, é a total, não a útil.”


Entretanto, alguns doutrinadores brasileiros não aceitam a incidência da usucapião especial constitucional urbano em casos de unidades habitacionais horizontalizadas.


3) Dos imóveis hipotecados ou de mútuo feneratício vinculados ao SFI ou ao FGTS.


Questão relevante que merece menção, diz respeito à possibilidade de aquisição por usucapião de imóveis gravado por hipoteca. A resposta só pode ser afirmativa.


Na hipótese, o gravame hipotecário sobre determinado bem imóvel não tem o condão de impedir eventual aquisição por usucapião pelo possuidor, desde que preenchidos os requisitos legais, haja vista que qualquer ônus real que conste averbado no registro do imóvel não modifica a qualidade da posse do prescribente.


Pelo princípio da retroatividade da lei, se quando da inscrição do direito real de garantia já encontrava-se em curso o lapso temporal para a usucapião, a sua consumação acarretará por via de conseqüência a extinção do gravame hipotecário. Se, entretanto, o ônus hipotecário foi inscrito anteriormente ao curso do lapso temporal, este permanece, mesmo que haja declaração judicial da prescrição aquisitiva geradora da usucapião.


É cabível outrossim, ao cessionário de contrato de mútuo utilizar-se do instituto da usucapião sobre o bem hipotecado, mantendo-se, porém, o gravame hipotecário, ademais podendo ocorrer o vencimento antecipado da obrigação garantida, se expressamente convencionado no contrato, aplicando-se analogicamente o art. 1.475, parágrafo único do CCB em vigor.


 Outra indagação importante concerne, se é possível o promitente comprador ou o cessionário de promessa de compra e venda serem legitimados à usucapião. Em princípio a resposta é negativa, pois o promitente comprador ou eventual cessionário de promessa de compra e venda não ostentam animus domini capaz de legitimá-los a declaração de aquisição do domínio por usucapião, uma vez que detêm tão só direito real à aquisição do bem, adstrita ao adimplemento da obrigação inserta no contrato (condição) ou ocorrido eventual termo no mesmo previsto.


5.3 – Da impossibilidade da usucapião especial constitucional urbana individual em bens públicos.


A Constituição Federativa do Brasil dispõe no parágrafo 3º. do art. 183, que é repisado no parágrafo único do art. 191, se encontra expressamente destacado que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião.”


Pela referida norma constitucional, é proibido peremptoriamente ao particular obter o direito de propriedade sobre bens públicos através da usucapião, sendo o mesmo entendimento do legislador ao elaborar o CCB atual (Lei Federal nº. 10.406 de 10.1.2002) que seguiu o legislador do Decreto nº. 22.785 de 1933, conforme se vê da redação do seu art. 2º.


 Esta proibição é uma segurança de toda a sociedade, já que esses bens, são coletivos, que pertencem a toda a comunidade e, portanto, pela sua própria natureza o particular não poderá tê-los como dono. Se assim fosse permitido, certamente não haveria mais bens públicos (ruas, praças, parques, áreas públicas e outros bens), se tornando o caos, haja vista que estariam em mãos daqueles que tivessem maior capacidade de apropriação, no caso as elites dominantes.


 Os bens públicos estão protegidos das ações de usucapião, embora possam ser objeto de apossamento, não se podendo adquirir a sua propriedade através desse instituto, eis que são imunes.


 Também inocorre a usucapião especial, consoante a redação do art. 3º da Lei nº. 6969, de 10.12.1981, “… nas áreas indispensáveis à segurança nacional, nas terras habitadas por silvícolas, nem nas áreas de interesse ecológico, consideradas como tais as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais, assim declarados pelo Poder Executivo, assegurada aos atuais ocupantes a preferência para assentamento em outras regiões, pelo órgão competente.”[17]


 Neste sentido, o STF editou o verbete nº. 340 de suas Súmulas:


“Bens dominicais. Aquisiçãao por usucapião. Impossibilidade.


Desde a vigência do Codigo Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por particulares.”


Consoante a jurisprudência brasileira, não é cabível reivindicar por meio de usucapião, bens de empresas públicas, justificando-se com base no objetivo social da empresa. Neste sentido: TRF da 2ª Reg., Ap. Civ. nº 9802083704, Rel. Des. Fed. SERGIO FELTRIN CORREA, DJU 22/12/2004, p. 103


Mais relevante ainda, quando o imóvel objeto de usucapião tiver sido adquirido com recursos provenientes do Sistema Financeiro da Habitação ou do FGTS, dos quais a empresa seja agente financeiro.


Para a doutrina brasileira, os bens de entes da administração indireta que tenham regime de direito privado não se enquadram, em princípio, nessa categoria, conforme a redação do § 1º, inc. II do art. 173 da Carta Constitucional brasileira em vigor.


 Todavia, esses bens, caso estejam sendo utilizados para residência ou para o trabalho, concede-se a chamada concessão de uso, que se passa a analisar.


Entretanto, a doutrina brasileira minoritária entende que com base na função social da propriedade, há a possibilidade de usucapião de bens públicos que não estejam sendo destinados a uma finalidade pública (Wagner Inácio Freitas Dias, Da possibilidade (constitucional) de usucapião sobre bens públicos. A revisão de um pensamento em face do Código Civil de 2002. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 101 , n. 377, p. 223-234, jan./fev. 2005.), bem como quando consumado o prazo da prescrição aquisitiva anteriormente, a sua declaração judicial pode ser obtida posteriormente, com base no regime constitucional anterior, que admitia o usucapião especial de bens públicos dominicais (TJDFT, APC nº. 21481/1989, ac. nº. 63712, rel. Des. Campos Amaral, desprovido).


5.3.1 – Da concessão de uso de bens imóveis públicos.


Os bens públicos, eventualmente, terão possibilidade de ser aproveitado de modo especial por particulares, por intermédio de autorização de uso, permissão de uso e concessão de uso. Aplicável também nos bens de domínio ou tornados de domínio privado do Estado, só que mediante concessão de direito real de uso ou concessão de uso especial para fins de moradia, figura criada e instituída pela MPv nº. 2220, de 4.9.2001, que adiante veremos, bem como qualquer outro modo de direito civil (locação, comodato, arrendamento, etc.)


 Essa forma de utilização especial de bens públicos por particulares se dá, quando um cidadão e sua família ou uma família mora ou trabalha num bem imóvel público, que pertence a Administração Pública, que não possa ser adquirido pela usucapião, mas através de reivindicações feitas a essa, independente do tempo que estiver e do tamanho do terreno.


 Esse direito pode-se obter sem que se acione o Poder Judiciário. Para que o possuidor direto tenha o direito de continuar morando ou trabalhando na terra pública sem embaraços, o Poder Público deve outorgar um documento conhecido como “concessão de direito real de uso”.


 O parágrafo 1° do art. 183 da atual Carta Magna do Brasil reza que “O Título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil”.


 A doutrina constitucionalista brasileira, explana que a indicação da expressão “concessão de uso” foi inserida no Texto Constitucional antes da aprovação do § 3° do mesmo artigo, que excluía os bens públicos do usucapião.


 Com a exclusão desses bens da usucapião urbano, o único sentido razoável da expressão indicada é a de que ela se refere a direito de superfície, que se encontra regulamentada pelo vigente pergaminho civilístico brasileiro e pelo Estatuto da Cidade.


 O respectivo instituto pode se dar de forma onerosa ou gratuita e, origina-se de contrato, sujeito a prévia avaliação e licitação, além da autorização pública, consoante a redação do art. 37, inc. XXI da vigente Constituição brasileira e das Leis Federais nºs. 8.666, de 21.6.1993 (Lei de Licitações Contratos) e 9.636 de 15.5.1998 (Lei de Bens imóveis da União), por escritura pública ou por termo administrativo conferindo direito real transmissível por ato inter vivos ou causa mortis, que deverá ser inscrito ou averbado no Registro de Imóveis onde o bem estiver matriculado.


 Consoante o Decreto-Lei nº. 271 de 28.2.1967 (Loteamento Urbano), caso não sejam atendidos os fins específicos de urbanização, edificação, industrialização ou qualquer outra exploração de interesse social, reverter-se-á a posse para a Administração Pública. Neste sentido: TJRJ, APC nº. 2005.001.28014 – 1ª Em., 7ª. Câm. Cív., relª: Desª. ROSITA MARIA DE OLIVEIRA NETTO, j: 12/12/2006, v.u., conhecido e desprovido.


 Ainda sobre a concessão de uso, a MPv nº. 2.220 de 4.9.2001, instituiu e dispôs sobre a concessão de uso especial de imóveis para a finalidade a que se destina, que é a moradia, ocupados até 30 de junho de 2001, sendo que seus requisitos seguem quase os mesmos previstos no art. 183 da Constituição atual do Brasil, acrescendo-se apenas a gratuidade.


 Essa modalidade de concessão de uso apresenta algumas peculiariedades em relação a de direito real de uso, sendo que aquela poderá ser adquirida mediante decisão judicial, desde que o Poder Público, detentor do domínio, a recuse, devendo essa ser levada a registro ou averbada na matrícula do imóvel no Registro de Imóveis.


 Nesta hipótese de concessão, a municipalidade deverá certificar a localização e a destinação dada por aqueles que ocupem o imóvel, caso a concessão seja da União Federal ou dos Estados.


 No que concerne à transferência dessa modalidade de concessão, repete a de uso de direito real, distinguindo apenas quando o concessionário adquirir propriedades ou concessão de outro imóvel ou alterar a destinação especificada na Medida Provisória referida anteriormente.


5.3.1.1 – Da concessão de uso de bem imóvel e o meio ambiente.


A Administração Pública, no entanto, terá a faculdade de tornar seguro, o direito em área diversa da ocupada em qualquer hipótese, se individual ou coletiva, quando o imóvel ocupado se destinar a projeto de urbanização; se for de uso comum da sociedade ou de interesse especial (defesa nacional e preservação ambiental); reservado a obras futuras em benefício da coletividade (represas e obras congeneres) e; localizado em vias públicas.


 Pela Lei Federais nº. 10.257 de 10.7.2001, que em sua Seção VI, previa a concessão especial de uso de bens imóveis públicos, que repete os arts. 183 e 37, XXI, ambos da Carta Política brasileira de 1988 e das Leis Federais nºs. 8666 de 21.6.1993 e 9636 de 15.5.1998, que se encontram repisadas na MPv nº. 2220 de 4.7.2001.


Contudo, foi vetada a referida Seção, mediante a Mensagem de veto nº. 730 de 10.7.2001, sob o argumento de que algumas imprecisões do projeto de lei trazem, no entanto, riscos à aplicação desse instrumento inovador, contrariando o interesse público, sobretudo por não ressalvarem do direito à concessão de uso especial os imóveis públicos afetados ao uso comum do povo, como praças e ruas, assim como áreas urbanas de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental ou destinadas a obras públicas.


Seria mais do que razoável, em caso de ocupação dessas áreas, possibilitar a satisfação do direito à moradia em outro local, como prevê o artigo 17 em relação à ocupação de áreas de risco.


Tal possibilidade acabaria principalmente com as construções em áreas de encosta, onde haja reservas florestais ou áreas de matas nativas, ou ainda, áreas onde haja fauna e flora ou animais silvestre que necessitem de preservação.


Neste caso, estaria-se tratando da chamada RESERA LEGAL, que a Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, alterada pela Lei Federal nº 7.803, de 18 de julho de 1989, e pelas Medidas Provisórias 2166 e 2167, de 2001, conceitua e regula. Nela fica definido que Reserva Legal é a área localizada no interior de uma PROPRIEDADE OU POSSE RURAL, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna/flora nativas. (art. 1°, § III da Lei nº 4.771/65 ).


Visando tal preocupação, o Estatuto da Cidade prevê também RESERVA LEGAL, evitando que sejam construídas propriedades em áreas que exigem a preservação ambiental, como ocorreu no caso de uma construção feita irregularmente no Morro da Rocinha, já em plena área de reserva ambiental, que foi demolida pela municipalidade do Rio de Janeiro mediante decisão judicial do TJRJ.


Outro importante ponto a ser frisado, refere-se também a chamada Lei Minha Casa, Minha Vida do final do ano de 2009, que também objetiva a preservação ambiental, permitindo que o particular mediante concessão de uso, construa sua propriedade.


 Observe-se que a construção de imóveis individuais poderá ser realizada pelo Estado por meio de financiamentos públicos ou privados (FGTS e COFINS), com base no programa de assentamento habitacional urbano constituído pela citada legis, acabando com a proliferação de favelas que denigrem o meio ambiente das cidades e destroem o meio ambiente como um todo.


Para a Administração Pública, geraria ainda, demandas injustificadas do direito em questão por parte de ocupantes de habitações individuais de até duzentos e cinqüenta metros quadrados de área edificada em imóvel público.


VI – CONSIDERAÇÕES FINAIS.


Conquanto o artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Resolução nº 217 da Assembléia Geral da ONU, consagre a habitação como um dos itens do direito a um padrão de vida capaz de asseguar o bem estar do cidadão, lamentavelmente o Brasil ainda está longe de alcançar tal patamar, haja vista que a maioria da população não tem onde morar.


Num país de extremas dimensões onde a riqueza e a propriedade não são distribuídas eqüitativamente, proliferam os latifúndios rurais e urbanos, concentrando-se grandes extensões de terra no campo e muitos imóveis nas cidades, em mãos de uns poucos afortunados.


Timidamente as Cartas Constitucionais brasileiras, a partir da Proclamação da República vêm procurando atenuar o problema habitacional no Brasil, seja com previsão de normas constitucionais permitindo a desapropriação por interesses público ou social da propriedade improdutiva, ou com normas viabilizadoras da atribuição de domínio pela posse, àquele que cultive a terra, que produza, ou que use simplesmente a propriedade alheia para sua moradia e de sua família.


 José Carlos Toseti Barrufini, sobre a Constituição da República brasileira de 1988, esclarece que a conceituação estática de propriedade advém de um conceito dinâmico, encenando uma uma projeção da reação socializante, ou seja, antiindividualista, explanando ainda que a focalização no usucapião desta ótica representa uma grande importância para nossa Carta Maior, numa visão de recuperação histórica indisfarçável, realçando a supremacia dos interesses sociais. Isto acontece porque uma nova ordem econômica e social projeta-se da Carta Constitucinal brasileira, com o fim de se assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames de justiça social.


É indubitável que a usucapião especial constitucional urbana individual, é um instrumento que se aplica de forma independente de qualquer ação do Poder Público Municipal, uma vez que se constitui num direito do cidadão brasileiro, intervindo sobre a propriedade de particulares, sendo considerado principal instrumento de regularização fundiária e urbanística.


 É axiomático que não se pode mais questionar que o novel instituto da usucapião especial pro morare, introduzido pelo legislador constituinte na Constituição Brasileira de 1988 no art. 183, veio atender os anseios sociais ao permitir que o posseiro que habite imóvel urbano possa adquirir-lhe o domínio.


Na prática, o escopo precípuo embutido no Preâmbulo da Carta Política brasileira de 1988, tem sido objeto de concretização pelas inúmeras decisões do Poder Judiciário brasileiro, o qual efetivando o comando constitucional vem assegurando o pleno exercício dos direitos sociais, mormente o de habitação, materializado pela atribuição da propriedade ao possuidor da área ocupada, por meio da usucapião especial constitucional urbano individual pró-moradia.


 


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Notas:

[1]A raiz histórica do usucapião, remonta dos povos hebreus, encontrando-se presságios do instituto no Livro dos Juízes, cap. 11, versículo 26, no qual se registra que Jefté, o galaadita, defendera, perante os amonitas, o direito dos hebreus às terras do país de Heesebon e suas aldeias, em virtude de nestas habitarem, sem oposição, durante trezentos anos. Pode também, com facilidade, ser vislumbrada em Roma do Século IV a.C. através da Lei das XII Tábuas, em cuja Tábua VI, item III, constava “que a aquisição da propriedade pela posse tenha lugar ao fim de dois anos para os imóveis, ao fim de um ano para os demais”. Desenvolveu-se com a Lei Atínia, ao coibir a aquisição quando se tratasse de coisas apreendidas por ladrões e receptadores, enquanto que as Leis Júlia e Plaucia vedaram-na quanto às coisas obtidas mediante violência. Posteriormente, foi-se verificando tendência legislativa em se ampliar o prazo para a sua consumação. Criou-se a longi temporis praescriptio, extensiva aos peregrinos e aos fundos provinciais, nos apossamentos por dez ou vinte anos, conforme o favorecido residisse ou não na mesma província. Em 531 D. C., Justiniano, fundiu ambas modalidades numa só, preservando a logissimi temporis praescriptio (antecedente do usucapião extraordinário), criada uma centúria antes por Teodósio II, cujo prazo era de trinta anos, acrescido para quarenta anos quando se voltasse para os bens do fisco, os imóveis das igrejas, vilas, estabelecimentos pios e litigiosos.

[2] O artigo 17 da Declaração do Homem e do Cidadão de 1789 dispõe que: “As propriedades são um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser privado das mesmas, a não ser por necessidade pública, legalmente constatada e evidentemente exigida sob a condição de uma justa e prévia indenização”. (destacamos)

[3] Nas plagas patriais, o precedente mais remoto do instituto se centra na legitimação de posse prevista pelo art. 5º da Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Por esta, os posseiros poderiam adquirir o domínio das glebas devolutas que ocupassem desde que comprovassem cultura efetiva, ou princípios de cultura, e morada habitual.

[4] Inicialmente, a Igreja dos anos 350 a 400 da era cristã, não considerava a propriedade privada. Podemos citar vários padres escritores da época que sentenciavam que a terra fora criada para todos, não cabendo, ao rico, o seu monopólio: SANTO BASÍLIO, SANTO JUAN CRISÓSTOMO, SANTO AMBROSIO, SANTO JERÔNIMO, LACTANCIO, entre outros.

 Independentemente, se existiu ou não uma teoria da propriedade privada na doutrina Cristã, inegável a contribuição dada ao direito natural.

 GRACIANO, com base nos ensinamentos de SANTO AGOSTINHO, sustentou que todos os bens são comuns por direito natural e que o direito positivo é quem introduziu o regime de propriedade privada e a divisão de bens entre os homens, introduzindo a tradição canonista e escolástica.

 Pela sua simples autoridade, formou doutrina e deixou um legado importante foi SÃO TOMÁS DE AQUINO. Muito embora não tenha exaustiva obra acerca do tema, destinou dois artigos essenciais na Suma Teológica de seu Tratado de Justiça. No primeiro propõe que é natural ao homem a possessão de coisas exteriores, pois, conforme o teólogo, se Deus tem o domínio sobre todas as coisas exteriores, segundo sua própria natureza, tem o homem domínio natural delas enquanto as usa. As coisas foram feitas para os homens delas usufruir. Já no segundo artigo, o filósofo retoma ARISTÓTELES e defende que a distribuição das coisas entre os homens como exclusivas é prática das convenções humanas, dando a entender que não faz parte de um direito natural.

[5]A Lei Fundamental de Bonn copiou e a consagrou por meio do seu art. 14, alínea segunda.

[6]A Constituição de 1946, se perfilhando com a Constituição de Weimar adotou o aspecto funcional, que encontrava previsao no dispositivo constitucional inscrito no art. 147, que foi reproduzido no art. 167 da Constituição de 1967

[7]A jurisprudência ja firmou posição no sentido de que não é admissível a alienação judicial de coisa comum, quando o imovel tiver sido destinado a morada. O direito de propriedade do requerente deverá coexistir com o antendimento da função social (JTJ 160/12)

[8] O Ministro do Superior Tribunal de Justica Teori Zavascki define a função social da propriedade – e da posse, como lembra JUDITH MARTINI-COSTA, – como “um princípio que diz respeito à utilização dos bens, e não à sua titularidade jurídica, a significar que sua força normativa ocorre independentemente da específica consideração de quem detenha o título jurídico de propriedade. Os bens, no seu sentido mais amplo, as propriedades, genericamente consideradas, é que estão submetidas a uma destinação social, e não o direito de propriedade em si mesmo.

[9]Por tudo isso, perdeu-se o momento histórico de corrigir um importantíssimo dispositivo que vem causando confusão entre os jurisdicionados e, como decorrência de sua aplicação incorreta, inúmeras demandas. Ademais, o dispositivo mereceria um ajuste em face das teorias sociológicas, tendo-se em conta que foram elas, em sede possessória, que deram origem à função social da propriedade. Nesse sentido, vale registrar que foram as teorias sociológicas da posse, a partir do século XX, na Itália, com Silvio Perozzi; na França com Raymond Saleilles e, na Espanha , com Antonio Hernandez Gil, que não só colocaram por terra as célebres teorias objetiva e subjetiva de Jhering e Savigny como também tornaram-se responsáveis pelo novo conceito desses importantes institutos no mundo contemporâneo, notadamente a posse, como exteriorização da propriedade (sua verdadeira ‘função social’)”. (FIGUEIRA JR, Joel Dias. Novo Código Civil Comentado. Coordenador: Ricardo Fiúza. São Paulo: Saraiva, 2. ed., 2003, p. 1.095

[10]Pelo referido projeto, passara a ter seguinte redação o art. 1196: “considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócio-econômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse”. Pelo raciocínio de Flavio Tartuce, sem dúvidas que a redação da proposta é muito melhor do que o atual art. 1.196, comprovando o afastamento em relação às duas correntes clássicas.

[11]O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

[12] A II Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos, realizada em Istambul em 1996 preconizou a necessidade de criação de um direito autônomo fundamental para a habitação, face ao conflito existente entre o direito tradicional de propriedade dos locatários e o direito pessoal dos inquilinos à moradia própria e familiar que passou a gozar de proteção semelhante à daquele.

[13] “Colocando na balança da justiça, de um lado os interesses de três casais, para os quais a área em litígio representa muito, mas não é fundamental, e de outro, os de noventa ou mais famílias, para os quais essa mesma área é condição de vida digna, parece não ser difícil determinar para que lado pende a balança. O Judiciário, por ser um Poder, não pode ficar apenas na posição subalterna de obediência a comandos emitidos pelos demais Poderes. Deve colaborar com o Legislativo e o Executivo na solução dos problemas sociais, especialmente quando se apresentam hipóteses, que não se prestam à edição de normas abstratas, exigindo solução concreta, osso a osso.

 Não pode o Judiciário ser injusto, aguardando que sobrevenha lei justa, maxime quando o legislador se omite, temeroso das conseqüências que possam advir da emissão de norma geral, perigo que o Judiciário pode enfrentar, porque suas decisões não são leis, valendo apenas para o caso. Opus justitiae pax. É, então, de se perguntar qual a solução mais consentânea com a paz social. E a resposta, mais uma vez, pende para os reús, especialmente se levada em conta a crise econômica que ora atravessamos, com leva de trabalhadores sem emprego, sem casa, sem comida.” (Vara Cível da Comarca de Paranacity – Processo n. 351/96 – Juíza Márcia Andrade Gomes Bosso).

[14]O Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Eros Grau lembra que “o intenso crescimento urbano determina, como fato característico do século XX, o aparecimento de centros metropolitanos. Tal processo de crescimento se manifesta de tal modo que em torno de determinados nucleos urbanos outros se vão agregando, integrando-se a ponto de comprovarem novas realidades urbanas. Assim, as várias unidades integradas formam um aglomerado único em um sistema socioeconômico e interações mútuas que transformam todo o conteúdo em um sistema socioeconômico relativamente autônomo, abrangente de todas elas.” (Regiões Metropolitanas:Regimes Jurídicos, p. 5)

[15] Para Rodrigo Leite Prado (Introdução à teoria econômica dos “property rights”, p. 1): “Se, por um lado, a Economia do Bem-Estar representa o reconhecimento explícito de que cabe ao Direito a função de distribuir as utilidades escassas, pouco se fez para que fosse alterado o tratamento conferido à propriedade pelos economistas clássicos. De fato, embora considerada indispensável à promoção da eficiência social, a intervenção do Welfare State no mercado continuava a ser tratada como instrumento externo à Ciência Econômica, pertinente apenas à alçada de políticos e juristas. Além disso, a difusão das técnicas marginalistas entre os economistas concentrou toda sua atenção sobre a aplicação do novo instrumental à esfera microeconômica, relegando a escritos ocasionais a discussão acadêmica a respeito das variadas formas de propriedade dos meios de produção.”

 Ronald Coase, em sua analise, ao publicar o artigo The Problem of Social Cost, que representa uma crítica ferrenha à linha teórica trilhada pela Teoria Econômica do Bem-Estar, e, em particular, à intervenção extrafiscal advogada por Pigou (in, The Economics of Welfare) no intento de solucionar a questão da produção de efeitos externos. Seus argumentos, consoante sistemática sugerida por Pedro Mercado Pacheco

[16] “Direito à moradia. Função social da propriedade. Interpretação da lei.

 O problema da moradia da população é um dos mais graves problemas sociais da Nação. Nos aportes de conflitos dessa natureza, em sede jurisdicional, normalmente não se tem tomado em conta os aspectos axiológicos da norma e nem as prescrições constitucionais relativas ao escopo e função social da propriedade. Desconsideram-se, ainda, as modificações da sociedade atual e propende-se, nessas decisões, a aplicar, cegamente, prescrições legislativas do início do século. Administrativa e politicamente priorizam-se obras que alavancam votos ou que projetam o administrador público, em prejuízo das garantias constitucionais asseguradas aos cidadãos. Também assim, comunente, as decisões judiciais: olvida-se que “toda decisão do juiz é um compromisso político e ético, pois, como detentor do poder político, tem as responsabilidades a ele inerentes.” (7ª Vara da Comarca de Londrina-PR – Reintegração de Posse – Processo n. 155/98 – Juiz José Cichocki Neto).

[17]TJDFT, APC 4687497/DF, Ac. nº. 115305, j. 07/06/1999. 4ª. T, rel. Des. ESTEVAM MAIA , DJU – 30/06/1999 – p. 57


Informações Sobre o Autor

Márcio Antonio Alves

Advogado, professor universitário licenciado, palestrante, articulista, especialista em Direitos Civil – Processo Civil e Penal – Processo Penal, Mestre em Direito e Doutorando em Direito


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