Resumo: O presente trabalho pretende analisar o instituto da usucapião especial constitucional previsto na Constituição Federal de 1988, artigo 191, da dispondo sobre suas características. Objetiva-se também verificar o instituto da usucapião rural sob o ponto de vista social, econômico e ambiental, principalmente, frente a limitação da propriedade pela função social. Por derradeiro, propõe-se apurar qual a posição dominante da jurisprudência brasileira a respeito da função socioambiental constitucional da usucapião especial rural.
Palavras-chaves: Usucapião especial constitucional. Propriedade. Função social. Jurisprudência brasileira.
Abstract: This study aims to examine the institution of constitutional adverse possession set forth in of the Federal Constitution of 1988, article 191, providing for its features. Objective is to also check the institute of rural prescription from the point of view of social, economic and environmental, especially toward the limitation of ownership by social function. On the last, it proposes certain the dominance of Brazilian constitutional jurisprudence regarding environmental function of rural special adverse possession.
Keywords: Special usucaption constitutional. Property. Social function. Brazilian jurisprudence.
Sumário: Introdução. 1. Usucapião rural constitucional pro labore: considerações gerais. 1.1. Posse agrária versus propriedade. 1.2. Breve histórico. 1.3. Conceito. 1.4. Objetivo. 1.5. Bens imóveis insuscetíveis da usucapião. 1.6. Quem pode usucapir. 1.7. Ação da usucapião rural. 1.8. Os requisitos previstos no art. 191 da Constituição Federal de 1988. 2. Usucapião rural pro labore sob a égide da função socioambiental constitucional. 2.1. A propriedade e a função social. 2.2. Usucapião pro labore e a função social. 2.3. O meio ambiente como objeto de direito nos moldes do art. 225 da Constituição Federal de 1988. 2.3.1. Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado. 2.3.2. Princípio do desenvolvimento sustentável. 2.3.3 O meio ambiente como direito indivisível. 2.4. A Resolução do conflito entre os direitos fundamentais de propriedade e preservação do meio ambiente. 2.4.1. Limitações do direito de propriedade em razão da proteção ambiental. 3. A observância dos requisitos do art. 191 da constituição federal de 1988 e da função socioambiental constitucional na moderna jurisprudência brasileira. Conclusão. Bibliografia.
Introdução
O ordenamento jurídico brasileiro, em especial a Constituição Federal de 1988, art. 191, dispõe sobre a usucapião especial rural, também conhecida por usucapião pro labore, no qual estabelece requisitos essenciais para regularizar o direito pleno de propriedade, em razão daquele que explora a terra rural, para o seu sustento e de sua família, além de possuí-la como moradia, compreendendo uma extensão territorial até cinquenta hectares, durante cinco anos ininterruptos.
Segundo Benedito Silvério Ribeiro[1] a usucapião pro labore foi desenvolvida no intuito de “beneficiar o homem do campo, aumentando a produção e o desenvolvendo o país”, de maneira a favorecer aquele que extrai da terra as condições de sobrevivência, sem, contudo, deixar de observar a função social da propriedade, congregando os aspectos sociais, econômicos e ambientais.
Roberto Wagner Marquesi[2] menciona que a Constituição Federal de 1988 fundamenta “na construção de uma sociedade livre, justa e solidária, na garantia do desenvolvimento nacional, na erradicação da pobreza e da marginalização e na promoção do bem de todos […] vocacionada para a produção de riquezas e ao bem estar da pessoa, a posse agrária deve ser vista como um meio para se atingir os objetivos”, sendo por estes motivos que a usucapião rural denota a fixação do homem na terra como forma de fazer justiça social por meio da distribuição e uso de terras em detrimento daquele proprietário inerte, negligente e ineficaz.
Portanto, na Seção 1, pretende-se expor as características da usucapião especial constitucional, delineando seus principais aspectos. Na Seção 2, analisar-se-á o instituto da usucapião rural sob o ponto de vista social, econômico e ambiental, preconizado na Constituição Federal, principalmente, frente a limitação da propriedade pela função social. Por derradeiro, na Seção 3, dispõe-se a verificar a tendência jurisprudencial brasileira a respeito da função socioambiental constitucional com relação aos requisitos do art. 191, da Constituinte de 1988.
1. Usucapião rural constitucional pro labore: considerações gerais
A usucapião rural, também conhecida por usucapião pro labore, encontra guarita no texto constitucional brasileiro no artigo 191. Apresenta modos peculiares de aquisição de propriedade como forma de conferir ao indivíduo e sua família a segurança sobre o aspecto da titularidade da terra no intuito de residir e laborar para o sustento próprio.
Nesta seção, passaremos a analisar as características da usucapião pro labore sob o enfoque da Constituição Federal de 1988.
1.1. Posse agrária versus propriedade
Dispor a estudar a usucapião sem antes discorrer sucintamente sobre o direito agrário seria incoerente, pois trata de um direito reconhecidamente autônomo e independente que, conforme Silvia Optiz e Oswaldo Optiz[3] “o direito agrário gira em redor de direitos e obrigações concernentes aos bens imóveis rurais, sua posse e disposição”.
Por força do art. 22, I, da Constituição Federal, compete a União legislar privativamente sobre direito agrário, despontando dentre outras, a lei 4.947/66, art. 1º, que dispõe sobre o direito agrário e a reforma agrária, e a lei 4.504/64, conhecida por Estatuto da Terra, as quais estabelecem normas e princípios específicos que comprovam a especialidade, autonomia e independência do direito agrário.
Em linhas gerais o direito agrário está intimamente ligado com a terra, o cultivo, a produtividade, a utilidade, dispondo-se a qualificar o aproveitamento da terra por meio da função social e econômica, e quando não é atendida pelo proprietário rural, impõe-se penalidades como a desapropriação e a prescrição extintiva, esta própria do instituto da usucapião.
A propriedade civil está prevista no Código Civil de 2002, art. 1228, dispondo que ”o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. Semelhante, a propriedade agrária é conceituada por Roberto Wagner Marquesi[4] como “a sujeição de uma coisa a um titular, que a mantém com plenitude e exclusividade, podendo dela usar, fruir e dispor nos limites do direito positivo e segundo uma função econômica, social e ambiental”.
A posse, nos moldes agrarista, a qual se inclui o instituto da usucapião, está prevista no Código Civil de 2002, art. 1.196, e dispõe que “considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Nos ensinamentos de Marquesi[5] a posse no direito agrário vai além da sujeição da coisa ao titular e do estado de aparência, assim “tal como a propriedade, a posse hoje deve ser vista em uma dimensão econômica, social e ambiental. […] a posse agrária assume uma dinâmica maior do que a posse civil, na medida em que o campo é o meio naturalmente apto para a produção de riquezas”.
A posse exercida pelo proprietário da coisa ou por aquele que detêm poderes de domínio, possui natureza real, havendo, portanto, o direito de sequela e o efeito erga omnes, a exemplo do usufrutuário, titular de servidão, credor pignoratício etc. Todavia, a posse possui natureza pessoal, quando produzir efeitos apenas inter partes, baseada em uma relação contratual, a exemplo do comodatário, arrendatário, parceiro agrícola, locatário etc.
Feitas essas considerações, pode-se dizer que a posse justa, ou seja, sem oposição, preconizada no art. 191, da Constituição Federal de 1988, produz o direito á propriedade pela usucapião especial rural quando a posse for direta, sem violência, sem precariedade ou sem clandestinidade, exteriorizada para que ninguém tenha dúvidas a respeito da relação de propriedade do posseiro com a terra, assim como ensina a teoria objetiva de Ihering.
1.2. Breve histórico
A usucapião é uma forma originária de aquisição de propriedade em decorrência do da posse mansa, pacífica e prolongada. De origem anterior ao Direito Romano, Guilherme José Purvin de Figueiredo[6] ressalta a presença da usucapião na Lei das XII Tábuas, respalda em requisitos como a intenção de possuir, a boa-fé, a posse justa e ininterrupta.
Figueiredo[7] afirma também que foi com a impossibilidade de usucapião de terrenos provinciais que houve “a gênese do princípio da inalienabilidade e imprescritibilidade dos bens públicos”, regra consagrada no ordenamento jurídico atual, como veremos mais adiante.
Umberto Machado de Oliveira[8] relata que a evolução agrarista brasileira, iniciou pelo Tratado de Tordesilhas, acordo entre Espanha e Portugal, em 1494, “considerando-se que, ao ser o Brasil descoberto por Pedro Alvares Cabral, de Portugal, a coroa portuguesa adquiriu o domínio sobre as terras, embora o seu apossamento tenha sido simbólico. […] Portugal incumbiu Martin Afonso de Sousa a difícil e grandiosa tarefa de colonizar o Brasil”.
Oliveira[9] comenta ainda que a partir daí houve a utilização do instituto das sesmarias, conhecida pela concessão de terras, assim, caberia ao “sesmeiro, outras obrigações: colonizar a terra, ter nela sua morada habitual e cultura permanente; demarcar os limites das respectivas áreas, submetendo-se a posterior confirmação; e pagar os tributos fixados na época”. Caso o sesmeiro não cumprisse essas e outras obrigações o imóvel retornaria para a Coroa portuguesa.
O regime da sesmaria foi extinto em 1822, ficando o Brasil um período sem legislação sobre terras. Todavia, o legislador brasileiro desde cedo se propôs a disciplinar as questões de posse, iniciando pela Lei de Terras de 1850. Octavio Mello Alvarenga[10] ensina que “cultura efetiva e morada habitual foi e continua sendo o binômio que define uma situação de fato, à qual os conceitos jurídicos costumam render-se”.
Como bem remonta Benedito Silvério Ribeiro[11] “as Constituições de 1824 e 1891 eram omissas a respeito de usucapião de terras públicas. A legitimação de posses desde a Lei de Terras de 1850 era prevista em nosso ordenamento jurídico”.
Façamos um parêntese para ressaltar que a usucapião é um instituto diferente da legitimação de posse retratada pela Lei de Terras de 1850, pois, refere-se a forma de aquisição da propriedade de terras devolutas própria do regime sesmarial, conforme disposto no seu art. 5º “serão legitimadas as posses mansas e pacíficas adquiridas por ocupação primária, ou havidas de primeiro ocupante, que se acharem cultivadas ou com princípio de culturas, e moradia habitual do respectivo posseiro, ou de quem o represente […]”.
Atualmente, a legitimação de posse é regulamentada pela lei 6.383 de 1976 e objetiva, sobretudo, a legalização de ocupação da terra, concedendo preferência para a aquisição onerosa para o posseiro que ocupa, cultiva e habita.
Feitas essas considerações, o instituto da usucapião rural surgiu pela primeira vez na Constituição Federal de 1934, art. 125, dispondo “que todo brasileiro que, não sendo proprietário rural ou urbano, ocupar, por 10 anos contínuos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, o trecho de terras até 10 hectares, tornando-o produtivo por seu trabalho e tendo nele sua morada, adquirirá o domínio do solo, mediante sentença declaratória devidamente transcrita”.
A Constituição de 1937, art. 148, manteve igualmente a usucapião rural, já a Constituição de 1946, art. 156, disciplinou a usucapião rural, apenas aumentando o tamanho da área para vinte e cinco hectares. A Emenda Constitucional n. 10 de 1964 aumentou novamente a área para 100 hectraes.
Já a Constituição de 1967 não disciplinou a usucapião rural, prevalecendo neste período o disposto no Estatuto da Terra, lei n. 4.504, de 1964, art. 98, e na Lei de Usucapião Especial, lei n. 6.969, de 1981, art. 1º, a qual alterou o prazo da prescrição aquisitiva para cinco anos contínuos.
A usucapião rural retornou como matéria constitucional na Constituição Federal de 1988, art. 191, estabelecendo “que aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”, não sendo possível a usucapião de imóveis públicos. O Código Civil brasileiro também prevê a usucapião rural no art. 1.239, nos moldes constitucionais.
Historicamente, a usucapião rural se baseou pela posse da terra produtiva e familiar, e como bem exposto por Benedito Silvério Ribeiro[12] “a base da usucapião residia na posse, a qual coincidia primitivamente com o uso. Como posse e uso tinham fundamento e finalidade iguais (fins produtivos), a primeira passou a contar com contornos próprios, ao passo que o segundo perdurou como elemento daquela”.
1.3. Conceito
A usucapião é uma maneira da posse se transformar em propriedade após preencher os requisitos estabelecidos no art. 191, da Constituição Federal de 1988. Etimologicamente, Benedito Silvério Ribeiro[13] define que a palavra usucapião “provém do latim usucapio, do verbo capio, capi, cepi, captum, capere, e usus, uso, que quer dizer tomar pelo uso, isto é, tomar alguma coisa em relação ao seu uso”.
Ribeiro[14] ressalta ainda que, apesar da divergência doutrinária, a palavra usucapião, predominantemente, aparece no gênero feminino, a exemplo da legislação romana, de relevantes autores como Ihering, Lafayette, Carnelute, Orlando Gomes, dentre outros, do Dicionário da Língua Portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, e da lei 6969/81 – Lei do Usucapião Especial.
Alvarenga Octávio Mello[15] afirma que usucapião é “a prescrição aquisitiva, tendo por objeto os domínios e os direitos reais. Pressupõe a posse. É, ao mesmo tempo, causa de aquisição, para o beneficiário, e extinção de direitos, para o proprietário”.
Por sua vez, José Carlos de Moraes Salles[16] “define usucapião como a aquisição do domínio ou de um direito real sobre coisa alheia, mediante posse mansa e pacífica, durante o tempo estabelecido em lei”.
A usucapião constitucional que nos dispomos a tratar recebe diversas denominações que, na lição de Benedito Silvério Ribeiro[17], pode ser “usucapião rústica, pro labore, rural, agrária, especial ou constitucional, também chegada a denominar-se pro deserto […]. A palavra "rural", do latim rus, rurais, que significa campo, é indicativa daquilo que está forma dos limites das zonas urbanas ou suburbanas […]”.
Destarte, pode-se dizer que a usucapião pro labore é uma forma especial de adquirir a propriedade. Encontra sua definição no próprio texto constitucional, que em síntese, trata-se do direito de propriedade adquirida em razão do lapso temporal de cinco anos, de maneira contínua e incontestada, não sendo proprietário de outro imóvel, seja a área não superior a cinquenta hectares, tenha fins de moradia e seja produtiva por seu trabalho ou de sua família, não sendo exigido o justo título, presume-se a boa-fé.
1.4. Objetivo
Está arraigada no próprio conceito constitucional a finalidade do instituto da usucapião especial pro labore, representado por meio da função social da propriedade, quando o legislador afirma a necessidade de tornar a terra “produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia”.
Nesse sentido, Silvia Optiz e Oswaldo Optiz[18] ensina que a finalidade da usucapião “é tornar uma realidade a "propriedade familiar", consistente no imóvel rural […] não superior a 50 hectares, que, direta e pessoalmente, explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social econômico”.
Nota-se que a exploração da terra rural aliada ao conceito de moradia, objetivou, segundo Ulderico Pires dos Santos[19], “fixar o homem do campo a terra”, concedendo-lhe a oportunidade de viver dignamente por seu esforço, produzindo e habitando área rural na qual se pode gozar de todos os direitos e deveres de proprietário.
Aliás, não se pode pensar no direito a propriedade como sendo absoluto visto que, constitucionalmente, e, socialmente, espera-se a prevalência do interesse coletivo sobre o individual, caracterizando a necessidade de atender a função social da propriedade. Assim, conforme Carlos Alberto Dabus Maluf[20] o proprietário, além de gozar dos benefícios da propriedade, tem “o dever de destiná-la ou fazê-la servir ao bem comum, não podendo, portanto, deixá-la sem produzir, nem destruí-la”, sob pena de incidir a prescrição extintiva, ou seja, a perda da propriedade.
Nesse sentido, José Carlos de Moraes Salles[21] fundamenta o instituto da usucapião frente a função social da propriedade, pois “o proprietário desidioso, que não cuida do é seu, que deixa seu bem em estado de abandono, ainda que não tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que, havendo se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como se sua fosse”.
É relevante constar que a Constituição Federal de 1988 ampliou a aplicação do princípio da função social, motivo pelo qual José Purvin de Figueiredo[22] afirma que “para uma adequada observância do princípio da função social da propriedade, o exame da admissibilidade da aquisição de bens imóveis por usucapião passou a exigir a observância, também, das normas de proteção ambiental […]”.
Desta forma, o objetivo da usucapião rural é estabelecer uma relação do homem com a terra, onde considera a produtividade, o caráter habitacional familiar, a posse contínua e a exploração sustentável dos recursos naturais como forma de dar utilidade à terra e estabilidade ao posseiro e sua família, diante da possibilidade de conquistar a titularidade da propriedade.
1.5. Bens imóveis insuscetíveis da usucapião
A Constituição Federal de 1988, art. 191, § único, assegura que os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião, motivo pelo qual será usucapível somente terras particulares.
Ocorre que nem todas as terras particulares podem ser submetidas a prescrição aquisitiva pro labore, como o disposto na lei 6.969/81, art. 3º, a exemplo das áreas indispensáveis à segurança nacional, as terras habitadas por silvícolas, as áreas de interesse ecológico – como as reservas biológicas ou florestais e os parques nacionais, estaduais ou municipais-, e as áreas indispensáveis à segurança nacional.
Também não podem usucapir as terras previstas no Decreto n. 87.040/82, art. 5º, “são insuscetíveis de usucapião os imóveis de uso das Forças Armadas ou destinados a seus fins e serviços, e os terrenos de marinha e seus acrescidos, essenciais a execução da política de segurança nacional, assim como quaisquer outras terras, públicas não devolutas”.
Benedito Silvério Ribeiro[23] alerta que “a coisa possível de aquisição por usucapião deve ser hábil – res habilis – de ser adquirida e deve estar nos negócios ou no comércio – res in commercio. […] A lei enumera duas espécies de coisas fora do comércio: as insuscetíveis de apropriação, de um lado, e as legalmente inalienáveis, de outro”.
Como exemplo de bens insuscetíveis de usucapião ou legalmente inalienáveis, citam-se: a coisa imóvel de pessoas absolutamente incapazes, art. 3º, do Código Civil de 2002; o bem de um cônjuge em face do outro cônjuge durante o matrimônio, da mesma forma, o bem alegado pelo ascendente contra descendente, durante o pátrio poder, nem tutor ou curador, contra tutelado ou curatelado, durante tutela ou curatela, dentre outros, art. 197, do Código Civil de 2002; ou ainda pessoas equiparadas ao mandatário e que são impedidos de auferir vantagem, como o depositário em relação ao depositante, o devedor contra o credo, dentre outros.
Outra questão a ser apontada é a composse prevista no Código Civil de 2002, art. 1.199, o qual estabelece que “se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores”, porém, como ensinam Silvia Optiz e Oswaldo OPtiz[24] “não ocorre a prescrição entre compossuidores, enquanto eles se considerarem em comunhão”.
Em razão da obrigatoriedade da observância de todos os requisitos do art. 191, da Constituição Federal de 1988, os compossuidores necessitam individualizar sua posse, demonstrando a produtividade, moradia, o tempo de cinco anos ininterruptos, e somente a partir daí requer a usucapião especial rural. Silvia Optiz[25] enfatiza que “o compossuidor pode adquirir, por meio da usucapião rural, a parte da área rural contígua que tenha possuído, mansa e pacificamente, por mais de cinco anos, sem poderem os demais compossuidores alegar, contra ele o estado de indivisão da coisa, desde que prove a morada e a incorporação de seu trabalho”.
1.6. Quem pode usucapir
Em primeiro lugar, a Constituição Federal de 1988 deixou explicitamente expresso no art. 191 que para aquisição de propriedade por meio da usucapião especial rural o adquirente não pode possuir nenhum outro imóvel rural ou urbano. José Carlos de Moraes Salles[26] ensina é vedado “tão somente, que, no quinquênio aquisitivo, o usucapiente já fosse ou viesse a ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural”, não obstando que posteriormente venha a adquirir outros imóveis.
O texto constitucional em comento, ainda esclarece que para invocar a usucapião pro labore deve ser uma pessoa que por seu trabalho ou de sua família torne a terra produtiva, deixando evidente que se faz necessária ser pessoa física, sendo, portanto, essa modalidade incabível para pessoa jurídica.
De igual forma a própria Constituição permite a possibilidade do estrangeiro usufruir da usucapião especial rural, observando os requisitos estabelecidos na lei n. 5.709/71 que trata da aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no País, dentre os requisitos estão a necessidade de ser imóvel rural, posse contínua, residência definitiva por mais de cinco anos, trabalho, moradia, e claro, observar todas as normas vigentes para a aquisição da usucapião pro labore, como a insuscetibilidade de áreas de faixa de fronteira, lei n. 6.634/79 e o decreto 87.040/82, art. 3º, ou área de segurança nacional, lei n. 5.709/71, art. 7º, etc.
Para usucapir, faz – se necessária que a pessoa seja capaz, conforme estabelecido no Código Civil de 2002, art. 1º, sendo, proibido que incapazes ou relativamente capazes, sem seus representantes, sejam sujeitos ativos ou passivos. Assim explica Benedito Silvério Ribeiro[27] que “não possuindo os incapazes a faculdade ao exercício pessoal de direitos da lei civil, o que constitui exceção à permissibilidade de agir na esfera jurídica, não importando a capacidade real ou de fato do agente no campo material ou mesmo psicológico, poderão fazê-lo os seus representantes, desde que atuem no intento de beneficiar aqueles”.
Por último, Silvia Optiz e Oswaldo Optiz[28] ressaltam a situação da usucapião rural contraída por cônjuges com imóvel registrado em nome de um deles, devendo neste caso, “ambos participar da ação […] se o regime for o da comunhão universal […] será impossível o usucapião em tela […] Sendo o da separação […] entendemos não haver impedimento ao mesmo”.
Contudo, Silvia Optiz[29] segue dizendo que “suponha-se, entretanto, no regime de comunhão parcial, em que o imóvel do outro cônjuge está excluído da comunhão, a seguinte situação: o possuidor postula judicialmente o usucapião especial, quando já casado, mas comprova que os requisitos necessários ao mesmo já haviam sido preenchidos, antes do casamento”, não havendo, neste caso, impedimento à usucapião especial rural.
1.7. Ação da usucapião rural
A ação da usucapião possui natureza declaratória, pois fundamenta na declaração de domínio da coisa e produz efeitos ex tunc. Benedito Silvério Ribeiro[30] alega que a finalidade dessa ação é “a regularização dominial junto ao registro imobiliário competente, portanto para efeitos erga omnes e disponibilidade, possibilitando-lhe, desse modo o yus disponendi. […] A sentença declara o direito do usucapiente e também constitui título hábil para o registro […]”.
É possível afirmar que não cabe a usucapião rural na via administrativa, assim como não há possibilidade de usucapir os imóveis públicos, por força do art. 191, § único, da Constituição Federal de 1988, e da súmula 340, do Supremo Tribunal Federal, que preceitua “desde a vigência do Código Civil, os bem dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.
Seguindo a regra processual civilista brasileira, o foro competente para a ação da usucapião é o da situação do imóvel, como disposto no art. 95, “nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa, e no art. 4º da Lei 6.969/81, a ação de usucapião especial será processada e julgada na comarca da situação do imóvel”.
Em que pese, atualmente, ser possível usucapir apenas terras de particulares, caso seja objeto de demanda terras devolutas federais, Silvia Optiz e Oswaldo Optis[31] dizem que o foro “há de ser competente a Justiça Federal; se inexistente esta na comarca da situação do imóvel, é competente a justiça estadual […]. O Ministério Público representará a União, na 1ª instância. Da sentença que julga a ação de usucapião especial cabe apelação para o STJ […]”.
O art. 5º da lei 6.969/81 estabelece que “adotar-se-á, na ação de usucapião especial, o procedimento sumaríssimo, assegurada a preferência à sua instrução e julgamento”, todavia a intenção do legislador em dar maior celeridade à usucapião acabou por gerar embaraços para a aplicação do próprio instituto, assim, assevera José Carlos de Moraes Salles[32]: “O legislador foi, entretanto, duplamente infeliz nesse seu intento. Primeiro, porque a pretendida celeridade do procedimento sumaríssimo (hoje sumário) sempre foi mais utopia do que realidade […], apesar do disposto na antiga redação do art. 281 do CPC, segundo a qual todos os atos, desde a propositura da ação até a sentença, deveriam realizar-se dentro de noventa dias. […]. Segundo, porque, nos §§ 1º a 4º do art. 5º da Lei 6.969/81, o legislador baralhara com as do procedimento sumaríssimo normas que eram típicas do procedimento especial da ação de usucapião de terras particulares […]”.
Embora a lei n. 9.245/95 tenha alterado a expressão de procedimento sumaríssimo para sumário, o imbróglio permaneceu, pois o art. 5º, § 4º, da lei n. 6.969/81, fez a previsão para a contestação, quando na verdade não cabe no procedimento sumaríssimo. Para Silvia Optiz e Oswaldo Optiz[33] o “legislador copiou o art. 943 do CPC (1973), incompatibilizando o procedimento da ação de usucapião do CC com a usucapião especial, sem se dar conta de que adotada o procedimento sumaríssimo”.
Optiz[34] ensina um caminho processual para conciliar a vontade do legislador na celeridade da Ação com as fases necessárias ao processo, cuja inobservância poderia acarretar a nulidade: “o único meio de conciliar a lei à realidade processual é designar a audiência na forma do art. 277, na audiência de justificação de posse, se esta ficar comprovada, porque para essa audiência preliminar é necessária a citação pessoal daquele em cujo nome esteja transcrito o imóvel usucapiendo, bem como dos confinante e, por edital, dos réus ausentes, incertos e desconhecidos e, por carta, para que manifestem interesse na causa, dos representantes da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, no prazo de 45 dias, bem como pessoalmente do Ministério Público, poi este deverá intervir, obrigatoriamente, em todos os atos do processo (§§ 2º, 3º e 5º). Na audiência aprazada, as partes requeridas oferecerão defesa escrita ou oral produzindo prova (CPC, art.278), caso não haja conciliação das partes na forma do art. 277”.
A jurisprudência, a exemplo do entendimento do Desembargador Athos Gusmão Carneiro, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, entende que o procedimento aplicado é o ordinário, pois, a fase recursal caberia aos Tribunais de Justiça e não aos Tribunais de Alçada, antes destes serem extintos. Ademais, neste caso, a contestação ocorre da intimação da decisão que declarar a justificada a posse.
É salutar lembrar que, de acordo com a lei n. 6.969/81, “o autor da ação de usucapião especial terá, se o pedir, o benefício da assistência judiciária gratuita, inclusive para o Registro de Imóveis, estando também em consonância com a lei n. 1.060/50, art. 2º, § único, considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”, e com a Constituição Federal de 1988, art. 5º, LXXIV, “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Por fim, a Súmula 237, do Supremo Tribunal Federal, admite a possibilidade da usucapião ser arguida em defesa.
1.8. Os requisitos da usucapião pro labore segundo o art. 191 da Constituição Federal de 1988
A usucapião rural está esculpida na Constituição Federal de 1988, art. 191, e também no art. 1.239 do Código Civil de 2002. Para a aquisição da propriedade por meio dessa modalidade de usucapião deve ser considerada a observância de todos os requisitos constitucionais, pois a ausência de algum deles impossibilita a aquisição por esse instituto.
Didaticamente, dividiremos os requisitos da usucapião pro labore dispostos no artigo em comento, para traçar considerações relevantes. São eles:
a) Não ser proprietário de imóvel
b) Animus domini
c) Decurso temporal ininterrupto
d) Posse sem oposição
e) Território rural
f) Extensão territorial não superior a cinquenta hectares
g) Propriedade produtiva com fins de moradia
h) Não bem imóvel público
a) Não ser proprietário de imóvel:
A expressão “não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano” contida na Constituição Federal de 1988, art. 191, representa claramente a intenção do legislador diante da distribuição de terras para aqueles que não detêm imóveis, e assim evitar que, quem possua condições financeiras de adquirir propriedades a título oneroso, utilize da usucapião pro labore.
José Carlos de Moraes Salles[35] informa que “não importa que haja sido proprietário antes da posse ad usucapionen, desde que tenha deixado de sê-lo antes do início dessa posse. Por outro lado, depois de adquirida a área rural por usucapião pro labore, nada impede que o beneficiado adquira, posteriormente, outro ou outros imóveis”.
Corroborando com esse pensamento, Ulderico Pires dos Santos [36] “afirma que se por haver adquirido o direito de usucapir um imóvel rural nas condições impostas pelas referidas normas legais o possuidor nunca mais pudesse se tornar proprietário de outro imóvel, cerceada estaria a sua liberdade, patenteando-se a inconstitucionalidade da lei que assim dispusesse, porque ela impediria a circulação de riquezas e contrariaria o progresso sócio-econômico”.
Verifica-se, portanto, que a usucapião especial rural é uma maneira de beneficiar aquele que, dentre os demais requisitos exigidos, não tenha outro imóvel durante prazo de cinco anos. A obtenção da titularidade da terra produtiva é uma garantia à segurança própria do usucapiente e de sua família, pauta-se na verdadeira intenção de distribuição de renda com base na subsistência familiar.
b) Animus domini
O animus domini é constatada por meio da expressão possua como seu, disposta na Constituição Federal de 1988, art. 191, significando possuir como seu imóvel, cuja idéia de dono também se faz presente no Código Civil de 2002, art. 1238.
Para Benedito Silvério Ribeiro[37] “o prescribente […] precisa estar imbuído de ânimo, idéia ou comportamento de ter a coisa como sua, isto é, cum animo domini, agindo como o verus dominus, o verdadeiro proprietário (uti dominus), isto é, da mesma forma que este age no exercício ou desempenho dos poderes inerentes ao domínio”.
Silvia Optiz e Oswaldo Optiz[38] reforçam que “o que se deve entender nesta expressão legal é a própria conceituação de posse de Ihering, ou seja, que prove a exteriorização da propriedade, reconhecida pelos outros, vizinhos ou conhecidos”.
Por derradeiro, José Carlos de Moraes Salles[39] afirma que “fica afastada a possibilidade de usucapião pelos flâmulos da posse, ou seja, por aqueles que, estando em relação de dependência para com o dono da coisa, conservam a posse em nome deste, não por poder próprio […] como exemplos, citam -se o caseiro e o administrador da fazenda”.
Salles[40] afirma ainda que estão excluídos da usucapião especial rural “os que, temporariamente, exercem posse direta sobre a coisa, em decorrência de obrigação ou direito, tais como locatário, o comodatário, o usufrutuário, e o credor pignoratício”.
Verifica-se, portanto, que o animus domini depende tanto do caráter psicológico do posseiro que acredita ser o dono da coisa e, assim, age como se fosse, bem como do caráter externo, de como as pessoas o enxergam em relação ao imóvel.
c) Decurso temporal ininterrupto
Talvez este seja o requisito que mais chame a atenção para a modalidade da usucapião, pois, refere-se a prescrição aquisitiva, disposta na Constituição Federal de 1988, art. 191, presente na expressão por cinco anos ininterruptos, a qual trata da condição imprescindível em transcorrer o prazo de cinco anos contínuos na posse da terra rural, sem oposição, para fins de moradia, produzindo por seu trabalho e da sua família.
Silvia Optiz e Oswaldo Optiz[41] alertam que “na usucapião especial rural não se admite interrupção, a contagem se dá por anos, na forma da Lei n. 810, ou seja, computando-se o dia do começo e findando na primeira hora de igual dia do ano seguinte, até completarem – se os cinco anos exigidos (CC, art. 132, § 3º)”.
Geralmente, o prazo de cinco anos começa com o contato do posseiro com a terra, nesse sentido, Benedito Silvério Ribeiro[42] explica que “a posse durante o lapso quinquenal tem seu marco inicial quando o prescribente instala-se no local e passa a dedicar-se ao amanho direto da terra ou a tornando produtiva”.
Um aspecto relevante é que, na usucapião pro labore, não se fala em soma do tempo de posse para constituir os cinco anos necessários para adquirir a propriedade, pois não se aplica soma de posses do Código Civil de 2002, art. 1207, que preceitua que o “sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais”.
Ulderico Pires dos Santos[43] refere-se a possibilidade de continuidade da posse pelos herdeiros universais, considerando a família que trabalha diretamente no imóvel, assim “quem sucede na posse são os herdeiros universais, que, como herdeiros ou cônjuge do morto, dão continuidade a ela […] não há que se falar em soma da posse mantida pelo morto com a de seus herdeiros, porque ela não sofre solução de continuidade com desenlace do possuidor”.
d) Posse sem oposição
Expressamente estabelecida na Constituição Federal de 1988, art. 191, a expressão sem oposição denota o sentido estabelecido no Código Civil de 2002, art. Art. 1.200, a qual é “justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária”.
Nota-se que o texto constitucional excluiu a subjetividade da boa-fé do posseiro, mas incluiu a posse objetividade da posse justa, ou seja, é necessária a posse legítima, sem vícios, com a intenção de possuir como sua.
Neste sentido, Silvia Optiz e Oswaldo Optiz[44] conceitua posse sem oposição, e consequentemente, justa, “aquelas posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária, de áreas rurais que se acharem cultivadas e forem morada habitual do respectivo posseiro ou de seus familiares (Lei n. 601/1850, art. 5º, e ET, art. 4º, II). É justa a posse sem oposição, porque esta caracteriza a violência da posse”.
A publicidade, ostensividade e tranquilidade no uso da terra rural são características da posse sem oposição, assim, Ulderico Pires dos Santos[45] dispõe que “à terra foi dada utilização econômica pela pessoa que dela se apossou e a esse seu procedimento o dominus não se opôs, permitindo tranquilamente que o possuidor tenha passado a habitá-la, plantando-a, fazendo criação, etc, sem reação alguma de sua parte, essa inércia ou desinteresse pela sorte de suas terras atua como mata-borrão dos vícios de que possa estar maculada a posse”.
Vale lembrar que deve prevalecer durante o período aquisitivo da usucapião pro labore, ou seja, durante os cinco anos, a posse sem oposição, como bem relata Benedito Silvério Ribeiro[46] que “a posse, é certo, precisa caracterizar-se como contínua, ininterrupta e sem oposição, durante todo o seu tempo de duração […]”.
e) Território rural
O texto constitucional deixou evidente a preocupação em fixar o homem ao campo, concedendo-lhe a oportunidade de subsistência familiar ao dispor “área de terra, em zona rural. A lei n. 4.504/64, art. 4º, Estatuto da Terra, já dispunha sobre imóvel rural como prédio rústico, de área contínua qualquer que seja a sua localização que se destina à exploração extrativa agrícola, pecuária ou agro-industrial, quer através de planos públicos de valorização, quer através de iniciativa privada”.
A definição de prédio rústico possui um sentido mais amplo que o termo zona rural, pois aquele está ligado a atividade produtiva, enquanto essa a localização. Não parece haver dúvidas sobre a prevalência constitucional na adoção do critério de localização, nesse sentido, José Carlos de Moraes Salles[47] aponta que “o imóvel localizado em zona urbana, ainda que tenha destinação rural, não poderá ser considerado área rural, não poderá ser considerado área rural para fins de usucapião pro labore”.
Mas, Benedito Silvério Ribeiro[48] chama a atenção para atentar à circunstâncias especiais visto que “há situações de imóvel rural, dentro do perímetro urbano, ou mesmo além do denominado suburbano, quase que nos contrafortes da zona rural, cuja exploração é tipicamente agrícola ou pecuária”.
Ribeiro[49] diz ainda que “não se pode esquecer que em muitas dessas propriedades residem possuidores e família que se dedicam ao trato da terra, vivendo como verdadeiros camponeses e até com costumes distanciados das cidades.[…] casos assemelhados devem ser percucientemente analisados, dentro de uma lógica realista […] de alta importância a uma solução justa”, devendo, contudo, realizar uma acurada análise diante do caso concreto para atender, de fato, os preceitos constitucionais.
f) Extensão territorial não superior a cinquenta hectares
Ao longo da história legislativa agrarista se pôde notar as diversas alterações na extensão territorial para aquisição de propriedade por meio da usucapião. Atualmente, a Constituição Federal de 1988 determina que a área usucapivel pela modalidade “pro labore não seja superior a cinqüenta hectares”, significando dizer que, pode ser qualquer tamanho de terra observando o limite máximo de cinquenta hectares, e ainda a terra deve ser contínua não sendo possível a usucapião rural pela somatória de terras.
Ulderico Pires dos Santos[50] ensina que “a lei 6.969/81 fala em "área contínua", o que significa que ela deve ser formada por uma única porção de terras coligadas. Se o usucapiente tiver a posse de vários lotes dispersos aqui e acolá não poderá somar todos para requere o usucapião especial […]”.
Quanto a extensão, Silvia Optiz e Oswaldo Optiz[51] relatam que “a lei refere a área ‘não superior’, portanto não é fixa, podendo ser de cinco, dez, quinze, vinte, vinte e cinco ou cinquenta hectares […] a área deve ser aquele em que o possuidor tiver sua moradia, mesmo que cultive área maior ou menor. O excedente, no caso em exame, sujeitar-se-á ao usucapião extaraordinário civil”.
A usucapião extraordinária civil alegada para a aquisição do excedente de cinquenta hectares, está disposta no Código Civil de 2002, art. 1.238, “aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé […]”, podendo o prazo ser reduzido, conforme § único, “o prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo”.
g) Propriedade produtiva com fins de moradia
A Constituição Federal de 1988 objetivou fomentar o desenvolvimento econômico familiar, atrelando a terra ao homem do campo, esculpida no art. 191, dispõe que aquele que laborar na terra “tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade”.
A produtividade, como afirma Roberto Wagner Marquesi[52], está intrínseca no “direito positivo brasileiro, notadamente no Estatuto da Terra e na Lei Agrária, refere-se ao exercício da posse como uma atividade destinada à produção de riquezas, ao bem-estar do possuidor e do proprietário e à conservação ambiental”.
Já o caráter familiar também foi expressado pela lei n. lei n. 4.504/64, art. 4º, Estatuto da Terra, sendo “‘Propriedade Familiar’, o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantindo-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente trabalho com a ajuda de terceiros”.
Benedito Silvério Ribeiro[53] leciona que “mesmo que exista produtividade, tem o possuidor que residir no imóvel usucapiendo, não bastando que esteja presente diariamente e que nele labute arduamente. A morada ostenta o mesmo significado de moradia, que é o lugar onde se habita, reside ou tem domicílio”.
Por último, uma observação se faz necessária quanto ao requisito da moradia e da produtividade, para estas não são cobradas os “cinco anos ininterruptos, pois, como explicam Silvia Optiz e Oswaldo Opitiz[54] pequenas interrupções não afetam o direito a usucapião, mesmo porque o cultivo não implica êxito na colheita, do mesmo modo que o afastamento temporário do local não quer dizer que se tenha abandonado a morada. É preciso que haja […] a intenção de abandono da posse”.
h) Não pode ser imóvel público
O parágrafo único, do art. 191, da Constituição Federal de 1988, expressa categoricamente que não cabe usucapião especial rural de imóveis públicos. Isso porque no passado, a exemplo da lei n.4.504/64, Estatuto da Terra, inseriu na “Seção dos Ocupantes de Terras Públicas Federais, o art. 98, que todo aquele que, não sendo proprietário rural nem urbano, ocupar por dez anos ininterruptos, sem oposição nem reconhecimento de domínio alheio, tornando-o produtivo por seu trabalho, e tendo nele sua morada, trecho de terra […], adquirir-lhe-á o domínio […]”, provocando polêmica a respeito da possibilidade de usucapir terras públicas.
Apesar da divergência, José Carlos de Moraes Salles[55], a nosso ver, justifica a possibilidade de naquela época incluir as terras públicas na usucapião especial rural: “Ademais, não havendo na Constituição de 1967 nem na Emenda 1/69 vedação expressa a usucapião de terras públicas (ao contrário do que ocorre com a Carta Magna de 1988, que proíbe expressamente no parágrafo único do art. 191), entendemos que a lei ordinária podia abrir exceção ao princípio da inusucapibilidade de bens públicos, como o fez o art. 98 do estatuto da Terra e, mais tarde, o art. 2º da Lei 6.969 de 10.12.1981 (este último agora revogado, quanto às terras devolutas, pelo parágrafo único do art. 191 de Estatuto Básico de 1988)”.
Pelo exposto, conclui-se que a discussão acerca da usucapião em terras públicas foi definitivamente encerrada pela Constituição de 1988 ao preceituar que a usucapião pro labore somente é cabível em terras particulares.
2. Usucapião rural pro labore sob a égide da função socioambiental constitucional
Nesta seção analisaremos a usucapião pro labore sobre o aspecto constitucional do princípio da função social. Será possível verificar a limitação ao uso da propriedade em razão ao atendimento dos fins econômicos, sociais e coletivos, a exemplo da exigência da produtividade da propriedade e ainda do desenvolvimento sustentável, que objetiva aliar o fator econômico como a preservação ambiental, disposta no art 225, da Constituição Federal.
2.1. A propriedade e a função social na Constituição Federal de 1988
Em análise ao direito à propriedade, não poderíamos deixar de, sucintamente, apontar as principais teorias sobre a propriedade, esta, historicamente, parece confundir com a própria existência humana.
Raimundo Alves de Campos Júnior[56] relata que a Escola Sociológica Francesa e a Escola Interpsicológica defendiam o Direito Natural em que a propriedade “nasce no estado de natureza, antes e independentemente do surgimento do Estado”. Já Hobbes e Rousseau defendiam o positivismo, pois “declaram que a propriedade individual, enquanto direito de usufruir e de dispor das coisas com exclusão de qualquer outro, realiza-se somente no âmbito da constituição estatal, sendo, portanto, um direito positivo”. Para Locke, também naturalista, mas, com alicerce no esforço do trabalho, defendia que “o fundamento da propriedade reside na própria natureza do homem, na capacidade que o mesmo possui de transformar, em seu benefício, o mundo externo, com sua energia pessoal”.
Campos Júnior[57], continua ao afirmar que Kant defendia uma posição intermediária, porque “sustenta que a propriedade é um direito natural […] independentemente do Estado;[…] por outro lado, […] a aquisição de uma coisa própria, no estado de natureza, é meramente provisória, e somente após a constituição do Estado, torna-se peremptória”. No Brasil, Pontes e Miranda defende a idéia de Hobbes e Montesquieu em que “a propriedade privada é instituto jurídico”.
Outro aspecto levantado por Raimundo Alves de Campos Júnior[58] é a teoria subjetiva e objetiva, na qual prevalece o objetivismo de Ihering que se preocupa não com o que o indivíduo pensa de si em relação a sua propriedade, mas com o que a sociedade pensa, numa visão de exteriorização do mundo com o direito de propriedade.
Em 1931, com a Encíclica papal Quadragesimo Anno, foi firmada a teoria social da propriedade, que não visão de Campos Júnior[59] “os ideais sociais alteraram a concepção de direito de propriedade. Ao tempo que afastou o caráter absoluto e individualista que reinava no liberalismo, o Estado Social, voltado para a consecução da justiça social e do bem comum, deu à propriedade um conteúdo de humanização e fez atingir limitações […]”.
O Brasil, desde a Constituição do Império disciplinou sobre a propriedade, mas, segundo Campos Júnior[60], a função social tornou indispensável a partir da Constituição de 1934, esta não foi exigida na Constituição de 1937, sendo novamente acolhida a função social da propriedade nas Constituições brasileiras de 1946, 1967 e de 1969. Todavia, foi a Constituição Federal de 1988 que mais ampliou a necessidade de função social da propriedade, determinando também como um princípio da atividade econômica.
Atualmente, a propriedade apresenta uma definição menos absolutista e individualista, ensejando em direitos e deveres, assim, Roberto Wagner Marquesi[61] conceitua a propriedade como “a sujeição de uma coisa a um titular, que a mantêm com plenitude e exclusividade, podendo dela usar, fruir e dispor nos limites do direito positivo e segundo uma função econômica, social e ambiental”.
2.2. Usucapião pro labore e a função social
A usucapião pro labore, como bem apresentada na seção anterior, visa beneficiar aquele que torna a terra rural produtiva pelo seu esforço e de sua família, no intuito de moradia, no prazo de cinco anos ininterruptos, numa extensão territorial de até 50 hectares. Essa aquisição especial de propriedade objetiva a assistência, o amparo social e a segurança daquele que bem utiliza a terra.
É Possível perceber que o princípio da função social da propriedade está intrínseco a essa modalidade de usucapião, principalmente, quando observa o caráter obrigatório da produtividade e o interesse coletivo em satisfazer as necessidades de moradia e sustento econômico, valorizando o trabalho, o aproveitamento da terra, e, em consequência, transferindo a propriedade daquele que a deixou inerte, que foi negligente e ineficiente com a utilização da terra.
Ricardo Zeledón Zeledón[62] afirma que a função social também se fazia presente como fundamento da Convenção Americana de Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, pois recaia diretamente sobre o direito a propriedade, visando satisfazer a vida decorosa e manter a dignidade da pessoa e sua família.
Nesse mesmo raciocínio, a Constituição Federal de 1988, notoriamente, atribuiu grande importância ao princípio da função social nas relações estatais, dispondo como direito e garantia fundamental previsto no art. 5º, inciso XXII, onde “é garantido o direito de propriedade, e, no inciso XXIII, a qual a propriedade atenderá a sua função social.”
A Constituição Federal de 1988, também reforçou a função social como requisito da ordem econômica, preceituando no art. 170 que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: […] II – propriedade privada; III – função social da propriedade […]”.
A função social da propriedade rural foi definida constitucionalmente, no art. 186, o qual determina o “I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores”.
Por sua vez, a lei 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, art. 9º, dispõe sobre a regulamentação dos dispositivos constitucionais relativos à reforma agrária, definindo a função social da propriedade: “Art. 9º A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes requisitos: I – aproveitamento racional e adequado; II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho; IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. § 1º Considera-se racional e adequado o aproveitamento que atinja os graus de utilização da terra e de eficiência na exploração especificados nos §§ 1º a 7º do art. 6º desta lei. § 2º Considera-se adequada a utilização dos recursos naturais disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade. § 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas. § 4º A observância das disposições que regulam as relações de trabalho implica tanto o respeito às leis trabalhistas e aos contratos coletivos de trabalho, como às disposições que disciplinam os contratos de arrendamento e parceria rurais. § 5º A exploração que favorece o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais é a que objetiva o atendimento das necessidades básicas dos que trabalham a terra, observa as normas de segurança do trabalho e não provoca conflitos e tensões sociais no imóvel. § 6º – Vetado.”
Pelo exposto, percebe-se que, hodiernamente, a propriedade está distante do absolutismo e do individualismo, havendo a necessidade constitucional de atender a ordem social, econômica e ambiental. A função social acaba por atingir uma espécie de limite para o proprietário, gerando, por exemplo, a possibilidade de aquisição de propriedade na usucapião pro labore, onde um dos requisitos é a própria observância da função social.
2.3. O meio ambiente como objeto de direito nos moldes do art. 225 da Constituição Federal de 1988
O meio ambiente há pouco tempo passou a ser tratado como assunto relevante, ganhando status de direito fundamental, Raimundo Alves de Campos Júnior[63] ensina que “apesar da preocupação antiga, só com a Conferência da ONU realizada em Estolcomo, em 1972, é que o meio ambiente ganhou notoriedade e foi alçado à categoria de direito fundamental. […]. No direito brasileiro, o meio ambiente só recentemente converteu-se em objeto de direito a partir da Lei 6.938/81, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente”.
Nos dias atuais, muitas são as legislações sobre o meio ambiente, a exemplo da lei n. 6.938/81, sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação; a lei n. 7.347/85, sobre a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente; a lei n. 9.605/98, sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, mas, a principal delas, indubitavelmente, é a Constituição Federal de 1988, que inovou em matéria constitucional ao destinar um capítulo especialmente para a matéria ambiental, além de referir ao meio ambiente como direito fundamental, permitindo no art. 5º, LXXIII, que todos os cidadãos brasileiros pudessem propor Ação Popular para a proteção ambiental.
José Afonso da Silva[64] explica que “as normas constitucionais assumiram a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais fundamentos do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente”.
O art. 225, da Constituição Federal de 1988, evidencia o caráter coletivo, transgeracional e indivisível do meio ambiente ao assegurar que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Não sendo por outro motivo que Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer[65] afirmam sobre a presença marcante da defesa ecológica e da melhoria da qualidade de vida ao relatar que “hoje a proteção e promoção do ambiente desponta como novo valor constitucional, de tal sorte que, de acordo com a expressão cunhada por Pereira da Silva, se pode falar de um ‘esverdear’ da Teoria da Constituição e do Direito Constitucional, bem como da ordem jurídica como um todo”.
2.3.1. Princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado
O princípio da supremacia do interesse público sobre o particular não está explícito no texto constitucional, mas em vários momentos se faz notar a preocupação do legislador com a coletividade, ficando tal fato demonstrado, por exemplo, quando se fala no art. 225, da Constituição Federal, que o meio ambiente saudável é um direito de todos, incluindo as futuras gerações.
Pode-se ainda construir um elo do princípio da supremacia do interesse público com os objetivos da usucapião pro labore, estudados na seção anterior, quando notamos que a aquisição da propriedade seria uma maneira de premiar aquele que produz e mora na terra em detrimento do proprietário inerte, ausente e negligente. O aspecto de justiça social, voltado para o bem comum, sobrepõe aos aspectos absolutista e individual da propriedade, dispondo, nitidamente, sobre direitos sociais, econômicos e ambientais.
Todavia, também não está aqui a defender exclusivamente os interesses públicos sobre os privados, mas, tão somente, a falar que, conforme o art. 1º, da Constituição Federal de 1988, o Estado Democrático de Direito no qual o Brasil se fundamenta há de ponderar os interesses de modo a conviver harmoniosamente, seja por meio do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade.
2.3.2. Princípio do desenvolvimento sustentável
O desenvolvimento sustentável é aquele que busca garantir os fins econômicos e os sociais, por meio da exploração ambiental de maneira a não esgotar os recursos naturais para as presentes e futuras gerações. Nesse sentido, Raimundo Alves de Campos Júnior[66] relata que “a inserção do meio ambiente como princípio da ordem econômica, como se vê no artigo 170 da CF/88, significa a opção por um modelo de desenvolvimento sustentável, pretendendo conciliar o desenvolvimento econômico com a preservação dos recursos ambientais”.
Ao analisar o texto constitucional, Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer[67] definem, com excelência, que a República brasileira almeja um capitalismo socioambiental “capaz de compatibilizar a livre iniciativa, a autonomia e a propriedade privada com a proteção ambiental e a justiça social (ou sócio ambiental!), tendo como norte normativo, "nada menos" do que a proteção e promoção de uma vida humana digna e saudável (e portanto, com qualidade ambiental) para todos os membros da comunidade estatal”.
A idéia de desenvolvimento sustentável despontou como uma responsabilidade mundial, em 1987, com o Relatório Brundtland, elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada, em 1983, pela Assembléia das Nações Unidas. Foi amplamente discutido na Conferência de 1992, no Rio de Janeiro, conhecida como ECO/92, cuja intenção era propor o desenvolvimento econômico aliado a proteção ambiental, de maneira a proteger os interesses difusos das presentes e futuras gerações.
Ricardo Zeledón Zeledón[68] ao analisar o desenvolvimento sustentável tratado na Eco/92, na Agenda XXI, entendeu que tratava de uma discussão inadiável em busca de um novo equilíbrio global onde demanda um consenso mundial e um compromisso político somado aos esforços de toda a cooperação internacional.
Por fim, cabe apenas ressaltar que a lei 6.938/81, sobre a Política Nacional de Meio Ambiente, já delineava os propósitos do desenvolvimento sustentável, como disposto no art. 2º, […] “ a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida […], e no art. 4º, I, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”, integrando a Constituição Federal de 1988, no art. 170, sob o aspecto econômico, no art. 225, sob o aspecto ambiental.
2.3.3. O meio ambiente como direito indivisível
O art. 225, da Constituição Federal de 1988, ao impor que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, que trata de bem de uso comum e ainda que cabe ao “Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”, deixa evidenciado o caráter difuso, indivisível, e transgeracional, além do caráter de direito humano fundamental ao dispor que o meio ambiente é “essencial à sadia qualidade de vida”, atrelando-o ao direito de vida sadia.
Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer[69] traduzem bem a idéia de um Estado Socioanbiental de Direito brasileiro, ao ensinarem “que todos os direitos humanos (e fundamentais) expressam conteúdos conformadores da dignidade humana, o que é o caso dos direitos fundamentais socioambientais”. Tal afirmativa vai ao encontro do disposto na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, de 1986, a qual diz que “todos os direitos humanos e liberdades fundamentais são indivisíveis e interdependentes”, e na Declaração e Programa de Ação de Viena, de 1993, onde ressalta que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e interrelacionados”.
Por derradeiro, a assertiva de que o meio ambiente é um direito indivisível encontra respaldo no caráter difuso, pois, como bem salienta Raimundo Alves de Campos Júnior[70] “a concepção de que certos direitos são de todos e não são de ninguém em particular. E porque são de todos -e, de consequência, não são de ninguém em particular -, podem ter sua tutela deflagrada por qualquer um, e por todos, se assim desejarem”, isto incide diretamente sobre a necessidade proteger os recursos naturais como forma de garantir a existência da humanidade com vida, saúde e dignidade.
2.4 A resolução do conflito entre os direitos fundamentais de propriedade e a preservação do meio ambiente
Embora já tenhamos falado que no texto constitucional brasileiro há prevalência dos direitos humanos, art. 4º, II, a propriedade está inserida dentro do direito fundamental, art. 5º, XXII, assim como o meio ambiente também encontra respaldo constitucional ao tratar do direito a vida com dignidade, art.1º, III, a sadia qualidade de vida, art. 225. Nota-se que há um direito individual: à propriedade, e um direito difuso: ao meio ambiente, ambos com a mesma proteção jurídica e que precisam conviver harmonicamente no ordenamento brasileiro.
Diante da possibilidade de haver conflitos entre o direito de propriedade e o direito ao meio ambiente, a doutrina e a jurisprudência brasileira defendem a aplicação da proporcionalidade, pois, como leciona Raimundo Alves de Campos Júnior[71] “a concepção hodierna já não mais admite a proteção de um direito fundamental em detrimento de outro, eis que tal proteção só será válida quando destinada a harmonizar e a efetivar valores existenciais, realizadores da justiça social”.
Campos Júnior[72] chama atenção ao fato de que a solução do conflito entre os direitos fundamentais deve “proceder à concordância prática dos direitos colidentes, viabilizando o sacrifício mínimo de ambos os direitos, de modo a eliminar, ou pelo menos amenizar, o estado de tensão mútua existente entre eles”.
O doutrinador e ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes[73], afirma que, nos casos de conflitos de direitos fundamentais, tem admitido o juízo de ponderação o qual liga-se “ao princípio da proporcionalidade, que exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema […] ao determinar que, em dadas condições de fato, um direito há de prevalecer sobre o outro […]”.
Gilmar Mendes[74] afirma ainda que “é possível recolher do acervo do Supremo Tribunal Federal julgados em que a Corte teve de estabelecer um juízo de preferência entre os direitos fundamentais ou entre um direito fundamental e um valor constitucional diverso”, remontando a idéia de relativização dos direitos fundamentais, em que há no caso concreto a escolha entre “uma ou outra” norma.
2.4.1 Limitações do direito de propriedade em razão da proteção ambiental
O direito de propriedade reflete na possibilidade de usar, gozar e dispor, como descrito no Código Civil de 2002, art. 1.228, em que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”, todavia, atualmente, esse direito, encontra-se relativizado.
O caráter absoluto, exclusivo e perpétuo, apresenta muito bem definido na lição de José Afonso da Silva[75] ao ensinar que “absoluto, porque assegura ao proprietário a liberdade de dispor da coisa do modo que melhor lhe aprouver, exclusivo, porque imputado ao proprietário, e só a ele, em princípio, cabe; perpétuo, porque não desaparece com a vida do proprietário, por quanto passa a seus sucessores […] e não se perde pelo não uso simplesmente”.
Silva[76] relata, portanto, que a relativização ao uso da propriedade incide diretamente no caráter absoluto, pois “existem restrições à faculdade de fruição, que condicionam o uso e a ocupação da coisa; restrições à faculdade de modificação da coisa; restrições à alienabilidade da coisa […]”. Tais limitações estão estabelecidas no texto constitucional, a exemplo da observância da função social, como já discorrido anteriormente, e, também, estão delineadas no Código Civil de 2002, art. 1.228, § 1º, em que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas”.
Vale dizer que as limitações quanto ao uso da propriedade privada não devem ser encaradas como diminuição do valor econômico da propriedade, uma vez que a própria Constituição Federal, art. 225, assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe “ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo”.
Nessa acepção, a doutrina de Carlos Alberto Dabus Maluf[77] leciona que “as restrições impostas à propriedade privada não importam diminuição do patrimônio de quem as suporta, nem aumento do patrimônio de quem com elas aproveita. Se assim não fosse, dar-se-ia uma expropriação parcial e haveria lugar à correspondente indenização”.
Pelo exposto, percebe-se que nos moldes da atual Sociedade, seja nacional ou internacional, a restrição a propriedade privada fundamenta no interesse público, social e difuso, onde o respeito ao meio ambiente acaba por limitar não apenas a propriedade, mas outras relações, como por exemplo, as econômicas, sociais e agrárias.
3. A observância dos requisitos do art. 191 da constituição federal de 1988 e da função socioambiental constitucional na moderna jurisprudência brasileira
Nesta seção pretende-se verificar a tendência da jurisprudência moderna quanto a aplicabilidade dos requisitos da Constituição Federal, art. 191, referentes ao instituto da usucapião pro labore, considerando a função social da propriedade como fator de limitação ao uso econômico e social da terra rural, além de tentar extrair a tendência jurisprudencial das questões ambientais nas decisões dos tribunais estaduais e superiores.
3.1. Análise jurisprudencial
A usucapião pro labore, constante na Constituição Federal de 1988, art. 191, dispõe expressamente sobre os requisitos necessários para aquisição da propriedade, como visto na seção 1. A doutrina brasileira não diverge quanto a exigência de todos os requisitos dispostos no artigo em comento. Aliás, a jurisprudência dos nossos tribunais estaduais vêm confirmando esse posicionamento, deixando, inclusive, de conceder a aquisição da propriedade pela usucapião especial, em razão da ausência de algum dos requisitos. Vejamos, então:
“Apelação cível. ação de usucapião especial rural ou usucapião pro labore. ausência de comprovação de moradia habitual e de produtividade da terra, com trabalho próprio, por prazo superior a cinco anos. improcedência do pedido. recurso não provido. Para a aquisição da propriedade pela usucapião especial rural (art. 191 da Constituição Federal) compete ao autor demonstrar (art. 333, I, do CPC) ter tornado produtiva a terra onde tem sua moradia habitual, com seu trabalho ou com o de sua família, por prazo superior a cinco anos, inferindo a sua fixação ao campo. Não satisfeitos esses requisitos, inviável se torna o pedido. (TJ-PR – AC: 5339171 PR 0533917-1, Relator: Stewalt Camargo Filho, Data de Julgamento: 10/06/2009, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 164). (grifo nosso)
Apelação cível. ação de usucapião especial rural pro labore. artigo 1.239 do código civil. requisitos. ausência. indeferimento mantido. – Para que seja deferido o pedido de aquisição da propriedade de área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, com base em posse ad usucapione, o pretendente deve provar tê-la exercido por cinco anos ininterruptos, que tornou o imóvel produtivo por seu trabalho ou de sua família e nele fixou moradia. – A ausência de qualquer de tais requisitos impõe a improcedência da pretensão. (TJ-MG – AC: 10335070093489001 MG , Relator: Luiz Carlos Gomes da Mata, Data de Julgamento: 23/05/2013, Câmaras Cíveis / 13ª Câmara Cível, Data de Publicação: 29/05/2013). (grifo nosso)
Apelação cível. usucapião (bens imóveis). ação de usucapião. modalidade rural. art. 191 da cf. requisitos preenchidos. Procedência do Pedido. Merece julgamento de procedência o pleito de usucapião formulado pela autora, considerando ter comprovado não ser proprietária de imóvel e que possuiu o bem rural objeto da contenda, inferior a cinquenta hectares, por mais de cinco anos, com animus domini, de forma mansa, pacífica e sem oposição, tornando-o produtivo por seu trabalho, tendo nele sua moradia. Recurso provido, por maioria.” (Apelação Cível Nº 70054221643, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 12/09/2013). (TJ-RS , Relator: Liege Puricelli Pires, Data de Julgamento: 12/09/2013, Décima Sétima Câmara Cível)”. (grifo nosso)
A jurisprudência também confirma o entendimento doutrinário de que não existe a usucapião rural quando estiver ausente o animus domini, ou seja, a intenção de possuir como sua, exteriorizada no que os outros enxergam, assim, como exposta na teoria de Ihering. É necessário que haja a convicção no meio social sob a condição de verdadeiro dono da terra. Desta forma, não há possibilidade, por exemplo, de locatários, administradores de fazendo, caseiros e comodatários beneficiarem com a usucapião especial rural.
Corroborando com esse entendimento, citamos duas decisões do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a primeira não provendo o recurso por se tratar de comodato, e a segunda reconhecendo que houve mudança do caráter da posse, onde, inicialmente, havia liberalidade do proprietário, e depois cessando a liberalidade, passou a ser possível usucapir:
“Recurso de apelação cível – ação de usucapião rural – improcedência – alegação de exercício da posse mansa e pacífica sobre o imóvel há mais de dezoito anos e direito a usucapião especial rural – inocorrência – imóvel dado em comodato – posse mansa e pacifíca não caracterizada – sentença mantida – recurso a que se nega provimento. Há de ser julgada improcedente a ação de usucapião, quando ausentes os requisitos necessários para sua pretensão, mormente quando restou comprovado através de prova documental e testemunhal que o imóvel a ser usucapido na realidade foi cedido em comodato aos autores que nele moravam de forma gratuita, com o compromisso de fornecer hortaliças à empresa requerida. Tratando-se de comodato, não há falar-se em usucapião, uma vez que, em tal caso, não há o animus domini, não podendo o possuidor usucapir, pois a sua posse advém de contrato que o obriga a restituir o bem. (Ap, 107573/2010, Dra.Marilsen Andrade Addario, Segunda Câmara Cível, Data do Julgamento 23/02/2011, Data da publicação no DJE 18/03/2011). (grifo nosso)
Embargos infringentes – usucapião constitucional – entrada no imóvel por liberalidade do proprietário – mudança do caráter da posse – decurso de mais de cinco anos – satisfação dos demais requisitos do artigo 191 da constituição federal – recurso a que se nega provimento. Ainda que a parte tenha ingressado no imóvel por ato de mera liberalidade do proprietário, pode ocorrer a mudança do caráter dessa posse, passando a fluir o prazo de usucapião, a partir do momento em que o possuidor passa a ter animus domini sobre o bem e, completando-se o prazo e os demais requisitos (no caso art. 191 da Constituição Federal), deve lhe ser outorgado o domínio por meio do reconhecimento do usucapião.” (EI, 135470/2009, DR. Alberto Pampado Neto, Primeira Turma De Câmaras Cíveis Reunidas De Direito Privado, Data do Julgamento 06/10/2011, Data da publicação no DJE 19/10/2011). (grifo nosso)
Inegavelmente, um dos grandes debates a cerca da propriedade é demonstra o cumprimento da função social, já que esta ganhou grande proporção no âmbito constitucional, incidindo sob os aspectos sociais, econômicos, ambientais e, em especial, os agrários. A Constituição Federal de 1988, art. 191, instituiu na usucapião pro labore, a obrigação de tornar a terra produtiva e com fins de moradia, demonstrando o caráter da função social como meio de realização da justiça e paz social, a partir da regularização das terras como fonte de renda e subsistência familiar.
Aliás, com relação as questões jurídicas que envolvem posse de terra, é a função social que mais provoca debates, principalmente, quanto ao cumprimento de ações positivas e negativas que comprovam o cumprimento da função social. Vejamos:
Administrativo. Desapropriação para fins de reforma agrária. Suspensão do processo expropriatório. Medida cautelar pelo juiz singular. Possibilidade. Conceito de função social que não se resume à produtividade do imóvel. descumprimento da função social não reconhecida pela corte de origem. matéria probatória. súmula 7/stj. 1. Entendeu o Tribunal de origem que os recorridos não atacaram o decreto expropriatório, mas sim atos administrativos outros que podem ser sustados para impedir a edição e publicação de Decreto Presidencial. 2. Assim, são inaplicáveis os arts. 1º, § 1º, da Lei n. 8.437/92 e 1º da Lei n. 9.494/97, que vedam a concessão de medidas cautelares ou antecipatórias que objetivem a impugnação de ato de autoridade sujeita, na via de mandado de segurança, à competência originária de tribunal. 3. Nos moldes em que foi consagrado como um Direito Fundamental, o direito de propriedade tem uma finalidade específica, no sentido de que não representa um fim em si mesmo, mas sim um meio destinado a proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais. Enquanto adstrita a essa finalidade, a propriedade consiste em um direito individual e, iniludivelmente, cumpre a sua função individual. 4. Em situação diferente, porém, encontra-se a propriedade de bens que, pela sua importância no campo da ordem econômica, não fica adstrita à finalidade de prover o sustento do indivíduo e o de sua família. Tal propriedade é representada basicamente pelos bens de produção, bem como, por aquilo que exceda o suficiente para o cumprimento da função individual. 5. Sobre essa propriedade recai o influxo de outros interesses – que não os meramente individuais do proprietário – que a condicionam ao cumprimento de uma função social. 6. O cumprimento da função social exige do proprietário uma postura ativa. A função social torna a propriedade em um poder-dever. Para estar em conformidade com o Direito, em estado de licitude, o proprietário tem a obrigação de explorar a sua propriedade. É o que se observa, por exemplo, no art. 185, II, da CF. 7. Todavia, a função social da propriedade não se resume à exploração econômica do bem. A conduta ativa do proprietário deve operar-se de maneira racional, sustentável, em respeito aos ditames da justiça social, e como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos uma existência digna. 8. Há, conforme se observa, uma nítida distinção entre a propriedade que realiza uma função individual e aquela condicionada pela função social. Enquanto a primeira exige que o proprietário não a utilize em prejuízo de outrem (sob pena de sofrer restrições decorrentes do poder de polícia), a segunda, de modo inverso, impõe a exploração do bem em benefício de terceiros. 9. Assim, nos termos dos arts. 186 da CF, e 9º da Lei n. 8.629/1993, a função social só estará sendo cumprida quando o proprietário promover a exploração racional e adequada de sua terra e, simultaneamente, respeitar a legislação trabalhista e ambiental, além de favorecer o bem-estar dos trabalhadores. 10. No caso concreto, a situação fática fixada pela instância ordinária é a de que não houve comprovação do descumprimento da função social da propriedade. Com efeito, não há como aferir se a propriedade – apesar de produtiva do ponto de vista econômico, este aliás, o único fato incontroverso – deixou de atender à função social por desrespeito aos requisitos constantes no art. 9º da Lei n. 8.629/93. 11. Analisar a existência desses fatos, conforme narrado pelo agravante, implica revolvimento de matéria probatória, o que é vedado a esta Corte Superior em razão do óbice imposto pela Súmula 7/STJ. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1138517 / MG – Agravo Regimental no Recurso Especial – 2009/0085811-0 – Relator: Ministro Humberto Martins – Segunda Turma – Julgado em: 18/08/2011 – Publicado em: DJe 01/09/2011). (grifo nosso)
A nova ordem constitucional espelha na observância obrigatória da função social da propriedade em detrimento da visão tradicionalista do individualismo e absolutismo, exigindo uma postura moderna de desenvolvimento sustentável, a qual alia o aspecto econômico a proteção ambiental, como forma de vida saudável para a presente e futura geração.
O caráter indivisível, e, portanto, difuso do meio ambiente, reflete nas decisões judiciais superiores, de modo a limitar o uso da propriedade, quebrando, visivelmente o absolutismo da propriedade. A esse respeito, o Superior Tribunal de Justiça determina a observância de áreas de preservação permanente e reserva legal, atribuindo o caráter propter rem da coisa, cujas obrigações de indenizar os danos ambientais acompanham o imóvel independente da transmissão do título para outro adquirente.
“Ambiental Limitação administrativa. Função ecológica da propreidade. Área de preservação permanente. Mínimo ecológico. Dever de reflorestamento. Obrigação propter rem. Art. 18, § 1º, do Código Florestal de 1965. Regra de transição. 1. Inexiste direito ilimitado ou absoluto de utilização das potencialidades econômicas de imóvel, pois antes até "da promulgação da Constituição vigente, o legislador já cuidava de impor algumas restrições ao uso da propriedade com o escopo de preservar o meio ambiente" (EREsp 628.588/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Primeira Seção, DJe 9.2.2009), tarefa essa que, no regime constitucional de 1988, fundamenta-se na função ecológica do domínio e posse. 2. Pressupostos internos do direito de propriedade no Brasil, as Áreas de Preservação Permanente e a Reserva Legal visam a assegurar o mínimo ecológico do imóvel, sob o manto da inafastável garantia constitucional dos "processos ecológicos essenciais" e da "diversidade biológica". Componentes genéticos e inafastáveis, por se fundirem com o texto da Constituição, exteriorizam-se na forma de limitação administrativa, técnica jurídica de intervenção estatal, em favor do interesse público, nas atividades humanas, na propriedade e na ordem econômica, com o intuito de discipliná-las, organizá-las, circunscrevê-las, adequá-las, condicioná-las, controlá-las e fiscalizá-las. Sem configurar desapossamento ou desapropriação indireta, a limitação administrativa opera por meio da imposição de obrigações de não fazer (non facere), de fazer (facere) e de suportar (pati), e caracteriza-se, normalmente, pela generalidade da previsão primária, interesse público, imperatividade, unilateralidade e gratuidade. Precedentes do STJ. 3. "A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem" (REsp 1.090.968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010), sem prejuízo da solidariedade entre os vários causadores do dano, descabendo falar em direito adquirido à degradação. O "novo proprietário assume o ônus de manter a preservação, tornando-se responsável pela reposição, mesmo que não tenha contribuído para o desmatamento. Precedentes" (REsp 926.750/MG, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 4.10.2007; em igual sentido, entre outros, REsp 343.741/PR, Rel. Min. Franciulli Netto, Segunda Turma, DJ 7.10.2002; REsp 843.036/PR, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, DJ 9.11.2006; EDcl no Ag 1.224.056/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 6.8.2010; AgRg no REsp 1.206.484/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 29.3.2011; AgRg nos EDcl no REsp 1.203.101/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Turma, DJe 18.2.2011). Logo, a obrigação de reflorestamento com espécies nativas pode "ser imediatamente exigível do proprietário atual, independentemente de qualquer indagação a respeito de boa-fé do adquirente ou de outro nexo causal que não o que se estabelece pela titularidade do domínio" (REsp 1.179.316/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 29.6.2010). 4. "O § 1º do art. 18 do Código Florestal quando dispôs que, 'se tais áreas estiverem sendo utilizadas com culturas, de seu valor deverá ser indenizado o proprietário', apenas criou uma regra de transição para proprietários ou possuidores que, à época da criação da limitação administrativa, ainda possuíam culturas nessas áreas" (REsp 1237071/PR, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 11.5.2011). 5. Recurso Especial não provido. (REsp 1240122 / PR – Recurso Especial 2011/0046149-6 – Relator: Ministro Herman Benjamin – Segunda Turma – Julgado em: 28/06/2011 – Publicado em: DJe 11/09/2012). (grifo nosso)
Embargos de declaração contra acórdão proferido em agravo regimental. Danos ambientais. Ação civil pública. Responsabilidade. Adquirente. Terras rurais. Recomposição. Matas. 1. A Medida Provisória 1.736-33 de 11/02/99, que revogou o art. 99 da lei 8.171/99, foi revogada pela MP 2.080-58, de 17/12/2000. 2. Em matéria de dano ambiental a responsabilidade é objetiva. O adquirente das terras rurais é responsável pela recomposição das matas nativas. 3. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente" 4. A lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores. Na verdade, a referida norma referendou o próprio Código Florestal (lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. 5. Embargos de Declaração parcialmente acolhidos para negar provimento ao Recurso Especial. (EDcl no AgRg no REsp 255170 / SP – Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Recurso Especial 2000/0036627-7 – Relator: Ministro Luiz Fux – Primeira Turma – Julgado em: 01/04/2003 – Publicado em: DJ 22/04/2003 p. 197). (grifo nosso).
Administrativo. Ambiental. Arts. 16 e 44 da lei nº 4.771/65. Matrícula do Imóvel. Averbação de área de reserva florestal. Necessidade. 1. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente" 2. A obrigação de os proprietários rurais instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, atende ao interesse coletivo. 3. A averbação da reserva legal configura-se, portanto, como dever do proprietário ou adquirente do imóvel rural, independentemente da existência de florestas ou outras formas de vegetação nativa na gleba. 4. Essa legislação, ao determinar a separação de parte das propriedades rurais para constituição da reserva florestal legal, resultou de uma feliz e necessária consciência ecológica que vem tomando corpo na sociedade em razão dos efeitos dos desastres naturais ocorridos ao longo do tempo, resultado da degradação do meio ambiente efetuada sem limites pelo homem. Tais conseqüências nefastas, paulatinamente, levam à conscientização de que os recursos naturais devem ser utilizados com equilíbrio e preservados em intenção da boa qualidade de vida das gerações vindouras (RMS nº 18.301/MG, DJ de 03/10/2005). 5. A averbação da reserva legal, à margem da inscrição da matrícula da propriedade, é conseqüência imediata do preceito normativo e está colocada entre as medidas necessárias à proteção do meio ambiente, previstas tanto no Código Florestal como na Legislação extravagante. (REsp 927979/MG, DJ 31.05.2007) 6. Recurso Especial provido. (REsp 821083 / MG – Recurso Especial 2006/0035266-2 – Relator: Ministro Luiz Fux – Primeira Turma – Julgado em: 25/03/2008 – Publicado em: DJe 09/04/2008). (grifo nosso)
Processual civil e ambiental. Ação civil pública. Ausência de prequestionamento. Incidência, por analogia, da súmula 282 do STF. Função social e função ecológica da propriedade e da posse. Áreas de preservação permanente. Reserva legal. Responsabilidade objetiva pelo dano ambiental. Obrigação propter rem. Direito adquirido de poluir. 1. A falta de prequestionamento da matéria submetida a exame do STJ, por meio de Recurso Especial, impede seu conhecimento. Incidência, por analogia, da Súmula 282/STF. 2. Inexiste direito adquirido a poluir ou degradar o meio ambiente. O tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados – as gerações futuras – carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. 3. Décadas de uso ilícito da propriedade rural não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às gerações futuras, como é o caso da proteção do meio ambiente. 4. As APPs e a Reserva Legal justificam-se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em conseqüência de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir. 5. Os deveres associados às APPs e à Reserva Legal têm natureza de obrigação propter rem, isto é, aderem ao título de domínio ou posse. Precedentes do STJ. 6. Descabe falar em culpa ou nexo causal, como fatores determinantes do dever de recuperar a vegetação nativa e averbar a Reserva Legal por parte do proprietário ou possuidor, antigo ou novo, mesmo se o imóvel já estava desmatado quando de sua aquisição. Sendo a hipótese de obrigação propter rem, desarrazoado perquirir quem causou o dano ambiental in casu, se o atual proprietário ou os anteriores, ou a culpabilidade de quem o fez ou deixou de fazer. Precedentes do STJ. 7. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 948921 / SP – Recurso Especial 2005/0008476-9 – Relator: Ministro Herman Benjamin – Segunda Turma – Julgado em: 23/10/2007 – Publicado em: DJe 11/11/2009). (grifo nosso)
Processual civil. Administrativo. Danos ambientais. Ação civil pública. Responsabilidade do adquirente. Terras rurais. recomposição. Matas. incidente de uniformização de jurisprudência. Art. 476 do CPC. Faculdade do órgão julgador. 1. A responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, ante a ratio essendi da Lei 6.938/81, que em seu art. 14, § 1º, determina que o poluidor seja obrigado a indenizar ou reparar os danos ao meio-ambiente e, quanto ao terceiro, preceitua que a obrigação persiste, mesmo sem culpa. Precedentes do STJ:RESP 826976/PR, Relator Ministro Castro Meira, DJ de 01.09.2006; AgRg no REsp 504626/PR, Relator Ministro Francisco Falcão, DJ de 17.05.2004; RESP 263383/PR, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ de 22.08.2005 e EDcl no AgRg no RESP 255170/SP, desta relatoria, DJ de 22.04.2003. 2. A obrigação de reparação dos danos ambientais é propter rem, por isso que a Lei 8.171/91 vigora para todos os proprietários rurais, ainda que não sejam eles os responsáveis por eventuais desmatamentos anteriores, máxime porque a referida norma referendou o próprio Código Florestal (Lei 4.771/65) que estabelecia uma limitação administrativa às propriedades rurais, obrigando os seus proprietários a instituírem áreas de reservas legais, de no mínimo 20% de cada propriedade, em prol do interesse coletivo. Precedente do STJ: RESP 343.741/PR, Relator Ministro Franciulli Netto, DJ de 07.10.2002. 3. Paulo Affonso Leme Machado, em sua obra Direito Ambiental Brasileiro, ressalta que "(…) A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos "danos causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade" (art. 14, § III, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental!. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente. O art. 927, parágrafo único, do CC de 2002, dispõe: "Haverá obrigarão de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Quanto à primeira parte, em matéria ambiental, já temos a Lei 6.938/81, que instituiu a responsabilidade sem culpa. Quanto à segunda parte, quando nos defrontarmos com atividades de risco, cujo regime de responsabilidade não tenha sido especificado em lei, o juiz analisará, caso a caso, ou o Poder Público fará a classificação dessas atividades. "É a responsabilidade pelo risco da atividade." Na conceituação do risco aplicam-se os princípios da precaução, da prevenção e da reparação. Repara-se por força do Direito Positivo e, também, por um princípio de Direito Natural, pois não é justo prejudicar nem os outros e nem a si mesmo. Facilita-se a obtenção da prova da responsabilidade, sem se exigir a intenção, a imprudência e a negligência para serem protegidos bens de alto interesse de todos e cuja lesão ou destruição terá conseqüências não só para a geração presente, como para a geração futura. Nenhum dos poderes da República, ninguém, está autorizado, moral e constitucionalmente, a concordar ou a praticar uma transação que acarrete a perda de chance de vida e de saúde das gerações(…)" in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros Editores, 12ª ed., 2004, p. 326-327. 4. A Constituição Federal consagra em seu art. 186 que a função social da propriedade rural é cumprida quando atende, seguindo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, a requisitos certos, entre os quais o de "utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente" 5.” […] (REsp 745363 / PR – Recurso Especial 2005/0069112-7 – Relator: Ministro Luiz Fux – Primeira Turma – Julgado em: 20/09/2007 – Publicado em: DJ 18/10/2007 p. 270). (grifo nosso)
A partir da exposição dessas jurisprudências, constatou-se que as discussões dos requisitos essenciais da usucapião pro labore ficaram limitadas ao crivo dos tribunais de justiça estaduais, isto porque a súmula n. 07, do Superior Tribunal de Justiça – STJ, determina que a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial, ou seja, não há possibilidade de discutir novas provas e documentos sobre a usucapião rural nos tribunais superiores, ficando esta sob competência dos tribunais estaduais.
Por esse motivo, tem chegado ao STJ as discussões acerca da aplicação e cumprimento da função social nas propriedades privadas, como as áreas de preservação permanente, de reserva legal, desmatamentos, dentre outros, além do caráter propter rem referente as indenizações.
Nota-se ainda que em relação as jurisprudências expostas, tanto os tribunais estaduais como o STJ tem buscado acompanhar o raciocínio constitucional em garantir a propriedade com as ressalvas da função social. O reflexo dessas decisões geralmente incidem sob o aspecto econômico, em razão, principalmente, das indenizações impostas por causa dos danos ambientas.
Também é notória a preocupação das decisões judiciais em pautarem no caráter social, ambiental e econômico, com a ressalva da limitação do uso da propriedade, com fins de garantir um meio ambiente saudável para as futuras gerações.
Porém, há quem defenda que atuação jurisdicional brasileira é insuficiente, e portanto, ineficaz, assim, é o pensamento do Raimundo Alves de Campos Júnior[78]:
“No Brasil, infelizmente, ao contrário do que se observa em outros países, como a Alemanha, a teoria da função social da propriedade não tem tido a eficácia prática desejada entre os operadores do direito, principalmente nos tribunais superiores. […]. A verdade é que, entre nós, a noção ainda não foi, inexplicavelmente, aplicada escorreitamente pela jurisprudência. Um balanço objetivo comprova que a concepção da função social da propriedade não tem sido entendida a contento, tanto que os tribunais, desconsiderando totalmente os limites internos do direito de propriedade, não hesitam em proclamar até mesmo a indenização das áreas de preservação ambiental.”
Não é novidade que o judiciário brasileiro é depositário de milhares de ações, e, possui uma vasta carga de processos a serem julgados, mas, em análise acurada da jurisprudência disposta, percebe-se que há comprometimento com o texto constitucional em garantir a propriedade com as suas limitações, em prol da coletividade, em especial na matéria ambiental.
Ainda há muito por fazer, como a celeridade processual, inclusive, nas questões de indenizações por danos ambientais e, também, na política de fiscalização das áreas protegidas legalmente. Todavia, outro fator, não menos importante, para se obter um meio ambiente saudável é a conscientização por parte de toda a Sociedade, evitando práticas que provoquem danos ambientais, em especial, daqueles que utilizam a terra rural, não esquecendo que há um bem coletivo preponderante que visa garantir a existência humana.
Conclusão
A Constituição Federal de 1988, indubitavelmente, reproduziu a preocupação com o meio ambiente indivisível e difuso, inserindo-o como direito fundamental para a existência da vida saudável e digna. Por outro lado, o texto constitucional consagrou o direito individual da propriedade, demonstrando a preocupação com as relações econômicas e de desenvolvimento do país.
O que parece dicotômico, pois, de um lado, direito difuso, e, de outro, direito individual, ambos com a mesma carga constitucional, passou a ser encarado como necessária conciliação para o desenvolvimento sustentável e progresso da Nação. Preponderar valores constitucionais e ao mesmo tempo permitir a convivência harmônica, não é tarefa fácil, mesmo quando se fala em proporcionalidade ou razoabilidade da aplicação da norma ao caso concreto.
A visão contemporânea não suporta mais o absolutismo e individualismo dispostos na tradicional propriedade privada, pois, verifica-se a necessidade de impor limitações como forma de garantir a própria existência humana. As questões ambientais vão além das fronteiras estatais, motivo pelo qual emergem novas e imediatas condutas para a proteção do meio ambiente.
Falar da usucapião constitucional especial nos remonta, necessariamente, a idéia de tratar da função social, econômica e ambiental da terra, transpondo o aspecto de trabalho, de moradia, de titularidade, para além da conscientização em tratar a terra como um meio necessário para a própria sobrevivência, e até para a sobrevivência da coletividade.
Aceitar as limitações ao direito individual da propriedade denota a obediência ao texto constitucional, já que cabe a todos a proteção e garantia do meio ambiente, e também a gratidão com a constituinte que preocupou em criar uma modalidade especial para aquisição de propriedade rural para atender a necessidade de sustento próprio e familiar.
Os tribunais de justiça estaduais e o Superior Tribunal de Justiça tem demonstrado apego aos ditames constitucionais ao decidirem as causas da usucapião pro labore e ao reconhecer o direito de propriedade atrelado ao cumprimento da função social como forma de garantir o desenvolvimento sustentável do país e a garantia da existência das presentes e futuras gerações.
Diante de tudo isso, pode-se concluir que, muito há de ser feito com relação ao desenvolvimento econômico, social e ambiental, mas, o principal, é desenvolver a consciência individual para obter a continuidade da vida de maneira saudável e digna.
Informações Sobre o Autor
Jane de Sousa Melo
Graduada em direito pela Universidade de Cuiabá UNIC especialista em Direito Processual Civil em Direito Público em Política de Segurança Pública e Direitos Humanos. Mestranda em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT