Resumo: Breve exame sobre a compatibilidade do fenômeno endoprocessual da preclusão no âmbito do processo administrativo fiscal.
Palavras-chave: Processo administrativo fiscal. Verdade real. Verdade lógica. Preclusão. Recursos. Oportunidade probatória.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento: a busca da verdade real no processo administrativo fiscal? 2.1. Preclusão: prazos recursais. 2.2. Preclusão: oportunidade probatória. 3. Conclusão.
1. Introdução.
Interessa saber acerca da busca da verdade real no processo administrativo fiscal, tomando como parâmetro aquele da esfera federal, e sua relação de compatibilidade com o estabelecimento de marcos preclusivos, na legislação de regência, para a apresentação dos recursos e para a produção probatória.
2. Desenvolvimento: a busca da verdade real no processo administrativo fiscal?
Empreende-se a investigação teórica ora proposta com apoio nos pilares da Filosofia da Linguagem, compromissando-se com a ideia da inexistência da verdade por correspondência, ou da verdade por ontologia, advogando a crença da construção de sentido do mundo pela via da linguagem.
Nessa premissa, não há que se falar em verdade real, pois, conforme adverte e ensina Paulo de Barros Carvalho:
“Esta tese, quando aplicada aos domínios do direito e, especificamente, do direito tributário, proporciona coerência que repercute na própria noção de ‘verdade material’, porquanto haveria de ser buscada na linguagem competente, isto é, em manifestações de linguagem aceitas pelo sistema do direito positivo, na qualidade de ‘provas’. A linguagem jurídica é constitutiva de sua própria realidade. Eis justificado o fato de no direito admitir-se como verdades jurídicas as presunções e ficções, bem como seus correlatos produtos: fatos sobre base presumida e fatos sobre base mista.” (CARVALHO, 2009, p. 809).
Assim, a verdade não merece ser qualificada como material ou formal e não prescinde de forma, seja ela qual for, como a necessária imposição de prazos para a instrução probatória e restrições quanto à ilegitimidade e ilicitude do acervo probatório.
Nesse sentido, como bem vaticinou Fabiana Del Padre Tomé:
“O que se obtém, em qualquer processo, seja administrativo ou judicial, é a verdade lógica, obtida em conformidade com as regras de cada sistema. Conquanto nos processos administrativos sejam dispensadas certas formalidades, isso não implica a possibilidade de serem apresentadas provas ou argumentos a qualquer instante, independentemente da espécie e forma. É imprescindível a observância do procedimento estabelecido em lei, ainda que esse rito dê certa margem de liberdade aos litigantes.” (TOMÉ, 2009, p. 557).
2.1. Preclusão: prazos recursais.
Compreendida a noção reinante de obediência às imposições procedimentais como condição para a obtenção da verdade lógica no processo administrativo fiscal, abandona-se o dogma da necessidade de busca de uma suposta verdade real.
Implica isto ter que admitir que o recurso administrativo protocolado intempestivamente não tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário, isto porque, ainda que possa parecer fundamento simplório, o art. 151, III, do CTN, prescreve a suspensão da exigibilidade do crédito tributário pelo recurso administrativo “nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo”, as quais, por sua vez, delimitam prazos a serem observados.
Nesse sentido, apenas para noticiar a respeito do processo administrativo tributário de âmbito federal, revela-se a existência de prazos no Decreto nº 70.235/72, bem como nos Regimentos Internos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF e da Câmara Superior de Recursos Fiscais (Anexos I e II da Portaria MF nº 55, de 16/03/1998), assim como na Lei nº 9.784/99, esta última regrando genericamente os demais processos administrativos federais.
Também o Ato Declaratório Normativo nº 15, de 12/07/1996, da COSIT/RFB, segundo o qual a impugnação intempestiva e, de igual modo o recurso, não instaura a fase litigiosa do procedimento, não suspende a exigibilidade do crédito tributário nem é objeto de decisão, salvo se suscitada a tempestividade como preliminar.
Isto quer dizer que, estando o recurso manifestado ao arrepio dos termos da lei do processo administrativo tributário, como, por exemplo, quando aviado intempestivamente, não perfaz a condição básica para produzir o efeito da suspensão da exigibilidade, pela singela circunstância de estar em desacordo com as imposições do devido processo legal administrativo.
Ainda que exista, como de fato existe e alude Paulo de Barros Carvalho, o “princípio do informalismo em favor do interessado”, justificando que se tenha “tolerância quanto à denominação de recursos e peças impugnatórias; a consideração de medidas endereçadas a autoridades diversas, dentro do mesmo órgão, ou dentro de certos limites”, não se pode descurar que “a rapidez interessa a todos”.
Bem por isso, ensina o Professor Paulo de Barros Carvalho:
“O direito existe para ser cumprido e o retardamento na execução de atos ou nas manifestações de conteúdo volitivo hão de sugerir medidas coibitivas, tanto para a Fazenda como para o particular. Nesse domínio se situa a estipulação de prazos para a celebração de atos administrativos, bem como a interposição de peças e outros expedientes que interessem aos direitos do administrado. Não se compaginam com os ideais de segurança e garantia das relações jurídicas certas situações indefinidas, qualificadas pela inércia de agentes da Administração ou do titular de direitos subjetivos.”(CARVALHO, 2009, p. 792-793)
No entanto, face à previsão contida no art. 35 do Decreto nº 70.235/72, Íris Vânia Santos Rosa sustenta que:
“pelo princípio do informalismo e da verdade real, a defesa intempestiva deve ser analisada”, por conseguinte, “enquanto não analisada a perempção, mantém-se suspensa a exigibilidade do crédito tributário ali discutido.”(ROSA, 2011, p.529-548)
Prossegue Íris Vânia Santos Rosa abordando a necessidade de introdução no sistema, mediante versão em linguagem competente, de um ato específico que explicite a ausência da suspensão da exigibilidade do crédito tributário ante a intempestividade observada. Assim, não bastaria a verificação da simples chancela mecânica com a data da apresentação do recurso. Confira-se o seu magistério:
“O simples protocolo intempestivo das impugnações e Recursos Administrativos não confere eficácia plena passível da imediata exigência do crédito tributário, ou seja, de revogação da suspensão da exigibilidade do crédito tributário. Tal eficácia somente será alcançada quando a intempestividade for vertida em linguagem competente capaz de torná-la aplicável, no caso, por meio das decisões administrativas.
Não existe Juízo de Admissibilidade na esfera administrativa, capaz de verter em linguagem competente a intempestividade das impugnações e dos recursos ali interpostos, cabendo, como bem determina o Decreto 70.235/72 seu julgamento pelo órgão de segunda instância.” (ROSA, 2011, p.529-548)
2.2. Preclusão: oportunidade probatória.
O lançamento tributário é uma espécie de ato administrativo que dentre seus elementos tem a motivação, sendo esta compreendida como a descrição dos motivos de fato que ensejaram a produção do ato. Ante a legalidade e a tipicidade cerrada na estipulação do tributo, de um lado, e a sua cobrança mediante atividade administrativa plenamente vinculada, de outro, a motivação deve estar escorreita, isto é, consubstanciada em prova do Fisco quanto à verificação fenomênica da hipótese de incidência tributária. Irrompe-se, então, o fato jurídico tributário e, por conseguinte, resta constituído o crédito tributário.
Como todo ato administrativo, porém, o lançamento goza de presunção apenas relativa de legitimidade. Logo, é passível de ser fulminado na contraposição administrativa que se lhe faça mediante contraprova apresentada pelo sujeito passivo. Nesse sentido, observa Fabiana Del Padre Tomé (2009, p. 562-563):
“[…] releva destacar a presunção de legitimidade, caracterizando presunção juris tantum de validade, da qual decorre que o ato seja considerado regularmente praticado, até que outra linguagem jurídico-prescritiva determine o contrário, invalidando-o.
Essa presunção, entretanto, não exime a Administração do dever de comprovar a ocorrência do fato jurídico, bem como das circunstâncias em que este se verificou.[…]
É insustentável o lançamento ou ato de aplicação de penalidade que não tenha suporte em provas suficientes da ocorrência do evento…
[…] a Administração não detém o ônus da prova, mas o dever de provar.”
Acerca do momento adequado para o sujeito passivo da exação juntar aos autos suas contraprovas documentais, o Decreto nº 70.235/72, salvo exceções que enumera, estipula-o como sendo o da oportunidade de impugnação do lançamento. James Marins (2010, p 242) lembra que:
“No entanto, a jurisprudência administrativa dos Conselhos de Contribuintes (hoje CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), tem admitido a juntada de documentos essenciais para o julgamento da lide, antes do julgamento, aplicando, nesse caso, o art. 38 da Lei nº 9,784/99.”
Mas, adiante, registra crítica pela aplicação da lei geral (Lei nº 9.784/99) em detrimento da especial (Decreto nº 70.235/72) e firma sua posição:
“A flexibilização generalizada do regime de fases e de preclusões processuais fragiliza a segurança do processo e não pode ser admitida mesmo sob a invocação do princípio da formalidade moderada, por atingir axioma ínsito ao conceito ontológico do procedimento e do processo entendido cedere pro. É de se notar, ademais, que a Câmara de Recursos Fiscais já decidiu que configura cerceamento de defesa a juntada por parte do Fisco de documentos após a impugnação e antes da decisão.” (Loc. Cit.).
Fabiana Del Padre Tomé (2009, p. 557), por sua vez, encarece a noção de que “em termos processuais, busca-se a verdade lógica, ou, se preferir, a verdade jurídica, posto que formada dentro do sistema do direito” e, “por isso, intervêm as regras do direito, colocando um ponto final no procedimento de busca da verdade, limitando-o mediante a imposição de prazos e limites à revisão das decisões proferidas”. Logo, no concernente às oportunidades de produção de provas, “tanto a autoridade administrativa como o contribuinte estão sujeitos a limitações procedimentais”.
Portanto, é Andréa Medrado Darzé (2011, p. 78-79) que, por fim, com apoio na jurisprudência dos tribunais administrativos, traz a contribuição mais significativa e precisa à questão posta:
“A regra de preclusão do direito de o impugnante produzir provas no processo administrativo tributário, prescrita no art. 16, § 4º, do Decreto nº 70.235/72, é cogente, de aplicação obrigatória, apenas podendo ser excepcionada nas hipóteses relacionadas neste mesmo dispositivo legal.
Isso não significa, todavia, impossibilidade de a prova vir a ser apreciada pelo julgador, mesmo quando apresentada após a impugnação.
A razão desta assertiva é singela, mas decisiva: a produção probatória no processo administrativo tributário compete concorrentemente às partes e ao Juiz. Assim, mesmo na hipótese de a prova ser trazida aos autos quando já precluso o direito de ao particular fazê-lo, o julgador pode e deve analisá-la, desde que se trate de prova necessária para a apreciação da matéria litigada. Afinal, diferentemente do que se verifica em relação ao impugnante, o legislador não estabeleceu limite temporal para a iniciativa probatória da autoridade julgadora.”
3. Conclusão.
Vê-se, portanto, que o referencial teórico da busca da verdade real é apenas pseudo-dogma, sendo o paradigma da verdade lógica, admitida em conformidade com as regras processuais, a justificativa para a admissão de um sistema de preclusões, para fins recursais e de oportunidade probatória, no processo administrativo fiscal.
Informações Sobre o Autor
Raphael Silva e Castro
Procurador da Fazenda Nacional em Brasília/DF em atuação perante o Superior Tribunal de Justiça