Ações afirmativas nas relações contratuais

Resumo: Ações afirmativas nas relações contratuais é um estudo que pretende demonstrar que as partes envolvidas podem agregar soluções ao meio ambiente econômico e social em que as obrigações contratuais serão desenvolvidas. O presente artigo tem por base, principalmente,  a obra de Joaquim B. Barbosa Gomes, que faz uma análise sobre as medidas adotadas nos Estados Unidos da América para conter a expansão das desigualdades sociais, bem como disponibilizar às classes desprivilegiadas acesso às oportunidades que não lhe estavam ao alcance pela disparidade criada pelo capitalismo. Dando um viés alternativo ao enfoque da referida obra, o estudo aborda uma aplicação prática das ações afirmativas de modo a garantir uma maior participação dos interesses privados na diminuição das desigualdades sociais, bem como o aspecto empresarial, onde as micro e pequenas empresas são constantemente assoladas pelo interesse dos grandes oligopólios industriais. As novas formas de interpretação das cláusulas contratuais, além de algumas propostas de ações afirmativas que podem ser aplicadas aos contratos também estarão inseridas no presente contexto.


Palavras-chave: Ações Afirmativas. Contratos. Cláusulas Contratuais. Igualdade. Dignidade Humana. Desigualdade social.


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Abstract: Affirmative action in contractual relations is a study that aims to demonstrate that the parties can add solutions to economic and social environment in which contractual obligations will be developed. This article is based mainly on the work of  Joachim B. Barbosa Gomes, who made an analysis on the measures adopted in the United States to contain the spread of social inequalities, as well as provide access to the underprivileged classes of the opportunities that you were not accessible by the disparity created by capitalism. Giving a bias to the alternative approach of this work, the study will address a practical application of affirmative actions to ensure greater participation of private interests in the reduction of social inequalities, as well as the business aspect, where micro and small enterprises are constantly plagued by the interests of large industrial oligopolies. New forms of contractual interpretation, and some proposals for affirmative action that can be applied to contracts will also be inserted in this context.


Keywords: Affirmative Action. Contracts. Contractual Clauses. Equality. Human Dignity. Social Inequaty.


Sumário: Introdução. 1. A busca da Igualdade nas relações contratuais. 2. As desigualdades no campo empresarial. 3. As ações afirmativas nos contratos. Conclusão. Referências Bibliográficas.


Introdução


A evolução das relações contratuais, suas bases negociais, sua condição de validade, interpretação e aperfeiçoamento, tem relação íntima com os processos econômicos que vigoram na sociedade na qual se inserem, de forma que a contextualização econômica influencia a evolução das regras contratuais, bem como cria novas perspectivas negociais.


Analisando a economia de uma forma globalizada, é de se concluir que o regime predominante é o capitalismo, derivado da evolução da burguesia que começou a entender o conceito de acúmulo de riqueza, para ter seu apogeu na Revolução Industrial, disseminando assim seus conceitos para todos os países que se subordinavam à sua esfera de atuação.


O capitalismo, por sua vez, em sua concepção originária, tinha por único objetivo o lucro, bem como garantir os meios de subsistência desse fim, não importando as conseqüências maléficas daí derivadas.


O substrato dessa situação gerada pelo capitalismo foi o crescimento das desigualdades sociais, tanto sob o aspecto geográfico, nos países que não acompanharam a evolução e se tornaram periféricos à bolha de crescimento derivada do capitalismo, quanto no aspecto humano, derivado das classes menos privilegiadas, geralmente formadas por egressos do regime de escravidão e pelos imigrantes, que procuravam melhores condições de vida em países mais evoluídos economicamente.


Contudo, o progresso derivado de um regime econômico que visa ao lucro não teria como se expandir sem um instrumento jurídico que garantisse a circulação de riquezas, bem como a efetividade das obrigações derivadas dessa circulação. Nesse particular os contratos atingiram o seu apogeu, tendo na idéia de pacta sunt servanda seu principal elemento característico[1].


Não há como dissociar as relações contratuais do capitalismo, uma vez que elas constituem o principal meio de circulação de riquezas, assim como é impossível distanciar o crescimento das desigualdades como reflexos de relações contratuais, que simplesmente as ignoravam no momento de sua formação e execução. Isto porque a igualdade era formal e o que era valorizada era a liberdade – suposta – de contratação.


Um exemplo claro do favorecimento ao crescimento das desigualdades no campo contratual está nas relações de trabalho, onde se discriminava mulheres, imigrantes e negros, impondo-lhes as atividades menos intelectualizadas, com menor remuneração, além de impedir-lhes de ascender a cargos de chefia. Isso se dá porque nessas relações contratuais não é o privilégio e o respeito à dignidade humana que é visto como fim último da contratação, mas sim o “lucro” e seu gradativo aumento, para o empregador e para o grande conglomerado (econômico) do qual se origina.


Porém, não era só nos contratos de trabalho que se podia vislumbrar o agravamento das desigualdades sociais, mas também era possível aferir esse efeito maléfico do capitalismo em todas as relações contratuais que implicavam na circulação de riquezas, desde que uma das partes tivesse maior potencial financeiro, econômico ou político-social que a outra.


De tal sorte, o presente artigo tem por base a obra de Joaquim B. Barbosa Gomes[2], que fez um estudo sobre as medidas adotadas nos Estados Unidos da América para conter a expansão das desigualdades sociais, bem como disponibilizar às classes desprivilegiadas acesso as oportunidades que não lhe estavam ao alcance pela disparidade criada pelo capitalismo.


A igualdade entre os seres humanos é um pressuposto e ao mesmo tempo um dos mais relevantes direitos humanos, porque ele é a base de tais direitos. Na verdade, como tem sido observado, toda discriminação implica na idéia de dominação. Só se discrimina aquele que na escala econômica e social se encontra entre os desfavorecidos.[3]


Apesar da obra manter um maior enfoque sobre o aspecto da discriminação de gênero ou raça, o presente estudo abordará uma aplicação prática das ações afirmativas de modo a garantir uma maior participação dos interesses privados na diminuição das desigualdades sociais, bem como o aspecto empresarial, onde as micro e as pequenas empresas são constantemente assoladas pelo interesse dos grandes oligopólios industriais.


Também fará parte do estudo as novas formas de interpretação das cláusulas contratuais, as quais têm por princípio a adoção de padrões éticos e morais tanto na formação quando na execução dos contratos.


Ao final, serão propostas algumas ações afirmativas que podem ser aplicadas aos contratos, de forma a possibilitar uma melhor integração de classes sociais menos favorecidas, assim como das micro e pequenas empresas no contexto econômico.


1 A busca da Igualdade nas Relações Contratuais


A interpretação atual dos contratos tem uma relação muito mais ligada à conduta moral e ética do que o próprio fim econômico das relações contratuais. Os  princípios constitucionais do solidarismo e da dignidade da pessoa humana são prova disso. Além disso, novos princípios, hoje incorporados ao ordenamento civil, asseguram a satisfação das regras contratuais de acordo com normas de conduta vigiadas pela boa-fé, aplicada objetivamente, de forma a propiciar uma maior liberdade  real.


O princípio da pacta sunt servanda apesar de não estar propriamente extinto, tem dado lugar a interpretações mais flexíveis das obrigações contratuais, de acordo com as cláusulas abertas inseridas no ordenamento legal pela prática diária das relações contratuais[4]. Tem ele lugar hoje como sub-princípio da boa-fé objetiva. Cumprir o contrato é também agir segundo os ditames da moral, da ética e, claro, da boa-fé.  


Alinhadas com a moral e a ética aplicadas às relações contratuais encontram-se a proibição do abuso de direito, a observância de uma função social nos contratos, a observação dos usos e costumes do local onde o contrato foi celebrado, o respeito ao meio ambiente. Enfim, uma séria de conceitos metajurídicos que podem influenciar tanto na formação, quanto na execução e interpretação dos contratos.


O fim último da aplicação das regras morais e éticas aos contratos é a busca incessante da igualdade entre os contratantes, mesmo considerando os interesses conflitantes de cada parte, o qual pode ser compreendida no estudo feito por Georges Ripert[5] acerca do assunto, in verbis:


Uma vez que respeitem as leis e os bons costumes, os contratantes têm o direito de pugnar pelos seus interesses. Dá-se então a luta das vontades egoístas, esforçando-se cada um por obter a maior vantagem em troca do menor sacrifício. Luta fecunda porque é produtora de energias e conservadora de riquezas, mas luta, e, todo caso fatal, visto que o interesse é o principal móbil das ações humanas, pelo menos, quando se trate de troca de produtos e de serviços.


Sonhar-se-á com uma igualdade absoluta nesta discussão contratual? Mas essa igualdade não se encontra nunca, mesmo quando é aparente; ela não pode existir entre dois seres que têm um pensamento, uma vontade e um fim diferentes. Enquanto a superioridade depender da formação intelectual e moral da pessoa humana, da moderação dos seus desejos, da compreensão dos seus interesses. Da precisão dos acontecimentos, a moral aprova que ela se afirme pela vantagem contratual, ainda que com prejuízo de outrem. É uma falsa concepção de igualdade nos contratos que inspira esse brado muitas vezes ouvido contra a superioridade de um dos contratantes. A desigualdade é fatal, e é justo que as qualidades manifestadas no negócio jurídico sejam motivo de vantagem.


Mas se cada um se apresentar com as suas qualidades naturais ou adquiridas, não é necessário que a luta contratual seja desleal, a não ser que um dos contratantes abuse de sua superioridade. Consagrar a liberdade de contratar sob o pretexto de que nem o objeto nem a causa da obrigação são ilícitas, seria, na realidade, permitir a exploração do homem, o que a moral reprova.


Para o impedir, a lei civil procurou assegurar por diferentes meios a lealdade do contrato. Há regras para esse jogo de interesse. A proteção dos contratantes é garantida pela exclusão daqueles que um estado permanente físico ou moral revela fora das condições de lutar utilmente e pela assistência que lhes é prestada. É também garantida pela análise sutil do valor do consentimento, análise que vem proteger uma vontade mal assegurada. Não é ocasião de recordar aqui essas regras, que, aliás, supomos conhecidas. Trata-se simplesmente de mostrar em que pontos as regras estabelecidas pela lei ou destacadas pela jurisprudência respondem ao desejo de moralizar o contrato.”


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O abuso praticado pelas partes ao defender seus interesses é constantemente combatido por normas jurídicas abertas, bem como pela nova conotação do ordenamento jurídico privado. Não existem mais direitos absolutos em nosso ordenamento.


A conduta dos contratantes não pode mais se pautar em interesses individuais e egoístas, pois devem guardar a boa-fé tanto na elaboração quanto no cumprimento das obrigações contratuais, além de respeitar de ter em mente uma função social e o respeito aos usos e costumes do local no qual é celebrado. Tudo decorrência direta do princípio constitucional do solidarismo.  O contrato, de fato, deve ser um instrumento realizador da justiça social, na feliz expressão de Priscilla Arantes[6], pois “a justiça contratual está relacionada ao acesso dos indivíduos a uma contratação equânime”[7].


Esse fator interpretativo deve-se em grande parte à atração de princípios constitucionais para o ordenamento civil privado. Gustavo Kloh Muller Neves[8] afirma que “o Direito Civil está penetrado por toda a ordem constitucional, e não por um só tipo de norma, já que toda e qualquer norma poderá incidir sobre e regular uma relação civil”.


Dessa forma, além de princípios de ordem moral e ética como os antes citados, toda a ordem de princípios constitucionais devem estar presentes nas relações contratuais, principalmente quando houver intervenção no meio ambiente, nas relações de consumo, na ordem econômica, etc…


Os artigos 1º e 3º da Constituição Federal de 1988 dão uma idéia da dimensão da intervenção do direito constitucional na esfera dos direitos privados:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:


I – a soberania;


II – a cidadania;


III – a dignidade da pessoa humana;


IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;


V – o pluralismo político.


Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição


Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:


I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;


II – garantir o desenvolvimento nacional;


III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;


IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”


É fácil perceber a aplicação desses princípios nas relações contratuais quando se observam as relações de consumo, havendo grande gama de decisões dos tribunais que abordam o assunto, como se vê, exemplificativamente, da seguinte ementa:


DIREITO CIVIL – CONSUMIDOR – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL C/C COM OBRIGAÇÃO DE FAZER – PLANO DE SAÚDE – PROCEDIMENTO MÉDICO – NEGATIVA DE COBERTURA – HERMENÊUTICA CONTRATUAL – CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL – RELAÇÃO DE CONSUMO – APLICAÇÃO DA LEI 8.078/90 – VULNERABILIDADE E HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO CONSUMIDOR – DESCONHECIMENTO DE TERMOS DE CONOTAÇÃO ACADÊMICO – CIENTÍFICO – ADOÇÃO DO CONCEITO DE HOMEM MÉDIO “BONUS PATER FAMILIAE” – AUSÊNCIA DE TRANSPARÊNCIA E INFORMAÇÃO AO CONSUMIDOR QUANTO AO OBJETO E EXTENSÃO DOS DIREITOS E OBRIGAÇÕES INSERTOS NO INSTRUMENTO DE TRÂNSITO JURÍDICO – RECONHECIDA ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL – NULIDADE – INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO ADERENTE – PREVALECIMENTO DO DIREITO BÁSICO À SAÚDE ARTIGO 6º DA LEI 8.078/90 — FILTRAGEM CONSTITUCIONAL DO INSTITUTO – PREEMINÊNCIA DA FUNÇÃO SOCIAL, BOA FÉ OBJETIVA, DEVER DE COOPERAÇÃO E SOLIDARIEDADE CONTRATUAL – CLÁUSULAS ABERTAS – INTEGRAÇÃO JUDICIAL AXIOLÓGICA E VINCULATIVA AO CASO CONCRETO – INTELIGÊNCIA LEGAL DOS ARTIGOS 112 E 113 E 421 E 422 DO CÓDIGO CIVIL – VALORAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA STANDART DO ORDENAMENTO JURÍDICO ARTIGO 1º, INCISO III, DA CF/88 – CONCEPÇÃO ÉTICO – JURÍDICA DO SER HUMANO ENQUANTO SUJEITO DE DIREITO CONCRETO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. O Estado Social e Democrático de Direito, tem obrigação de prestar assistência médica aos seus integrantes. Na evidente falta deste, o particular vê-se obrigado a contratar na modalidade adesão, plano de saúde privado, justamente na expectativa de melhor atendimento e emprego de técnicas novas, por este e outros motivos compromete parte de sua suada remuneração ou salário que percebe, não podendo obter negativa, diante cláusulas obscuras e contraditórias que visam apenas o intento de ganho, afastando-se do mandamento nuclear da dignidade da pessoa humana, na concepção, ético – jurídica do ser humano como sujeito de direito concreto. 2. Com a maciça utilização dos contratos de adesão, o contrato somente traduz na realidade a vontade de uma das partes contraentes, qual seja, a vontade da parte que redigiu as cláusulas contratuais, restando ao outro a simples adesão. Ainda, assim, não se pode afastar a necessidade do contrato cumprir com os interesses e expectativas da parte aderente. 1 3. “Cabe ao juiz impedir que seus efeitos se produzam, não permitindo que desvirtuem o espírito de cláusulas essenciais ou que tenham eficácia se não forem reconhecidas suficientemente pela outra parte aderente. Aplica-se a regra de hermenêutica, segundo a qual devem ser interpretadas a favor do contratante que se obrigou por adesão”.2 4. Desobserva, os deveres laterais ou acessórios de adimplemento contratual o fornecedor de serviços que não opera na conclusão e execução do contrato, com transparência e informação devida ao consumidor reputado na relação jurídica como vulnerável por definição e em muitos casos hipossuficiente, carente que é de conhecimentos técnicos para operacionalizar adequadamente sua declaração de vontade negocial.”
(TJPR – 10ª C.Cível – AC 0363059-9 – Maringá – Rel.: Juíza Subst. 2º G. Astrid Maranhão de Carvalho Ruthes – Unânime – J. 24.05.2007) 


Nada obstante, já é comum identificar decisões que aplicam princípios constitucionais como a livre iniciativa, o respeito à dignidade da pessoa humana, ao devido processo legal (no caso de entidades associativas ou sociedades), e outros, como se vê das ementas abaixo oriundas de acórdãos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal:


PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. PROFISSIONAL DA OPTOMETRIA. RECONHECIMENTO PELO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. PRECEDENTE/STJ. LEGITIMIDADE DO ATO. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ. DIREITO GARANTIDO SE PREENCHIDOS OS REQUISITOS SANITÁRIOS ESTIPULADOS NA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA. VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E A LIBERDADE PROFISSIONAL. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.


1. A valorização do trabalho humano e a liberdade profissional são princípios constitucionais que, por si sós, à míngua de regulação complementar, e à luz da exegese pós-positivista admitem o exercício de qualquer atividade laborativa lícita.


2. O Brasil é um Estado Democrático de Direito fundado, dentre outros valores, na dignidade e na valorização do trabalho humanos.


Esses princípios, consoante os pós-positivistas, influem na exegese da legislação infraconstitucional, porquanto em torno deles gravita todo o ordenamento jurídico, composto por normas inferiores que provêm destas normas qualificadas como soem ser as regras principiológicas.


3. A constitucionalização da valorização do trabalho humano importa que sejam tomadas medidas adequadas a fim de que metas como busca do pleno emprego (explicitamente consagrada no art. 170, VIII), distribuição eqüitativa e justa da renda e ampliação do acesso a bens e serviços sejam alcançadas. Além disso, valorizar o trabalho humano, conforme o preceito constitucional, significa defender condições humanas de trabalho, além de se preconizar por justa remuneração e defender o trabalho de abusos que o capital possa dessarazoadamente proporcionar. (Leonardo Raupp Bocorny, In “A Valorização do Trabalho Humano no Estado Democrático de Direito, Editora Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre/2003, páginas 72/73).


4. Consectariamente, nas questões inerentes à inscrição nos Conselhos Profissionais, esses cânones devem informar a atuação dos aplicadores do Direito, máxime porque dessa legitimação profissional exsurge a possibilidade do trabalho, valorizado constitucionalmente.


5. O conteúdo das atividades do optometrista está descrito na Classificação Brasileira de Ocupações – CBO, editada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (Portaria n. 397, de 09.10.2002).


6. O art. 3º do Decreto nº 20.931, de 11.1.1932, que regula a profissão de optometrista, está em vigor porquanto o ato normativo superveniente que os revogou (art. 4º do Decreto n. 99.678/90) foi suspenso pelo STF na ADIn 533-2/MC, por vício de inconstitucionalidade formal.


7. Reconhecida a existência da profissão e não havendo dúvida quando à legitimidade do seu exercício (pelo menos em certo campo de atividades), nada impede a existência de um curso próprio de formação profissional de optometrista.(MS 9469/DF, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10.08.2005, DJ 05.09.2005) 8. A competência da vigilância sanitária limita-se apenas à análise acerca da existência de habilitação e/ou capacidade legal do profissional da saúde e do respeito à legislação sanitária, objeto, in casu, de fiscalização estadual e/ou municipal.


9. O optometrista, todavia, não resta habilitado para os misteres médicos, como são as atividades de diagnosticar e tratar doenças relativas ao globo ocular, sob qualquer forma.


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10. O curso universitário que está dimensionado, em sua duração e forma, para o exercício da oftamologia, é a medicina, nos termos da legislação em vigor (Celso Ribeiro Bastos, In artigo “Da Criação e Regulamentação de Profissões e Cursos Superiores: o Caso dos Oftalmologistas, Optomestristas e Ópticos Práticos”, Estudos e Pareceres, Revista de Direito Constitucional e Internacional, nº 34, ano 9 – janeiro-março de 2001, RT, pág. 257).


11. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão.


12. Recurso Especial provido, para o fim de expedição do alvará sanitário admitindo o ofício da optometria.” (REsp 975.322/RS, Rel. Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/10/2008, DJe 03/11/2008)


EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores – UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.”  (RE 201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577) 


Desse modo, ações afirmativas tendentes à redução da desigualdade social viriam ao encontro da constitucionalização do direito privado, permitindo uma maior amplitude dos objetivos de assegurar uma sociedade livre e equânime.


As novas regras contratuais trazem a vertente de um privilégio à equidade das obrigações, tornando cada vez mais imperiosa a intervenção Estatal para garantir esse equilíbrio. Desse modo, a introdução de ações tendentes à diminuição da desigualdade social pode ser uma forma de se respeitar essa regra, assegurando não só o respeito à moral e à ética contratual, mas também permitindo a inserção de obrigações que contemplem a participação da iniciativa privada na diminuição dessas desigualdades.


2 As desigualdades no campo empresarial


É imperioso fazer uma análise de quais as principais desigualdades que devem ser objeto de ações afirmativas no campo empresarial, criando nos contratos uma forma de combater essa situação.


Veja-se que as pequenas empresas ou indústrias estão cada vez mais vulneráveis, considerando-se o grande poder implementado pelos monopólios e oligopólios industriais, principalmente derivadas do abuso do poder econômico e na concorrência desleal.


O comando previsto no artigo 170, IX, da Constituição Federal, ainda que o seja parcialmente nas esferas tributárias, fiscais e previdenciárias, não é cumprido satisfatoriamente no que concerne à igualdade substancial nas relações contratuais, sobretudo no que diz respeito à concorrência.


Em referência ao princípio constitucional mencionado, André Tavares[9] assevera que:


O inc. IX do art. 170 estabelece um princípio que se poderia considerar uma restrição à amplitude do regime da livre concorrência, já que criou tratamento diferenciado para a microempresa e empresas de pequeno porto. 


O tratamento favorecido para esse conjunto de empresas revela, contudo, a necessidade de se proteger os organismos que possuem menor condições de competitividade em relação às grandes empresas e conglomerados, para que dessa forma efetivamente ocorra a liberdade de concorrência (e de iniciativa), É uma medida tendente a assegurar a concorrência em condições justas entre micro e pequenos empresários, de uma parte, e de outra, os grandes empresários. “  


Uma das formas contratuais que melhor explicita essas desigualdades são os contratos de colaboração entre empresas, os quais geralmente são utilizados para a expansão de uma determinada atividade, ou ainda, para a diminuição de custos de produção.


A respeito do tema destaquem-se os seguintes comentários de Paula A. Forgioni:


Em meados dos anos 90, Fabio Konder Comparato observou que “com o desenvolvimento do fenômeno dito de terceirização, tem-se manifestado uma preferência marcante pela adoção do esquema reticular, em que a vinculação entre as unidades empresariais já não se faz em termos de participação societária de capital, mas adota antes a forma de contratos estáveis”. É fato que, nos últimos vinte anos, estamos percebendo que os grupos empresariais têm se “desverticalizado”, ou seja, as empresas não mais detêm o controle societário de fornecedores, mas com eles celebram contratos estáveis, de longa duração.


Em teoria, as atividades que exigem elevados investimentos específicos tenderiam a levar as empresas à verticalização, pois, uma vez realizada a inversão, o risco do oportunismo da contraparte seria bastante acentuado. O agente econômico, para evitar sua exposição ao provável comportamento egoísta de um parceiro comercial, racionalmente optaria por verticalizar a produção, por exemplo, fabricando ele mesmo determinado bem. Em poucas palavras: diante de contratações que implicam a assunção de elevado grau de dependência, seria mais prudente evitar o vínculo estável e preferir a “solução interna”, ou seja, produzir a própria empresa o produto ou o serviço que buscaria junto a um terceiro.“Entretanto, embora possamos observá-lo, ainda não se tem idéia bem clara das razões desse fenômeno de desverticalização. Supõe-se que o desenvolvimento tecnológico e a competição globalizada teriam acentuado sobremaneira os investimentos necessários em tecnologia, obrigando as empresas à terceirização. Em outros casos, a alta possibilidade de terceiros “descobrirem” a tecnologia necessária ao desenvolvimento de certos produtos – ou mesmo o fato de estar sujeita à rápida superação – levaria as empresas a preferirem sua associação a “produtores de conhecimento”, aderindo a uma opção que se mostraria economicamente mais conveniente do que a pesquisa interna”[10].


Muito embora os contratos de colaboração entre empresas tenham tido uma relativa ascensão depois da segunda metade do século XX, não é contrário aos fatos afirmar que os grandes conglomerados industriais, em sua grande maioria, têm por objetivo aumentar seu lucro a qualquer custo, mesmo que isso implique em macular eventual equidade na execução desses contratos. Tal raciocínio atinge os contratos de colaboração.


A esse respeito destaque se os comentários de Paula A. Forgioni:


Os contratos colaborativos tendem a se estende no tempo; seu aspecto associativo faz com que a relação deles decorrente não se destine aos esgotamento imediato, como ocorre nos contratos de intercâmbio. Costumam, assim, ser celebrados por prazo indeterminado.


Entretanto, como adverte Hermes Marcelo Huck, ‘[a] longa duração é, ao mesmo tempo, a causa dos maiores atritos entre os contratantes, posto que, com o evoluir do tempo, alteram-se as condições em que foi firmado, surgindo a necessidade de reajustes ou negociações”. Dessa forma, neles busca-se mais a disciplina de questões futuras. Ou seja, o negócio não visa a estabelecer apenas regras sobre trocas, mas balizar a relação entre as partes. No instrumento do contrato empregam-se termos amplos, sem significado claramente definido no momento da celebração. Lançam-se as bases para um futuro comportamento colaborativo, indo além do mero estabelecimento de deveres e obrigações específicos. i


Muitas das questões referentes aos contratos de colaboração estão em aberto, especialmente porque a doutrina contratualista desenvolveu-se sobre os negócios de intercâmbio e ainda não formulou respostas adequadas para questões relevantes, com o inadimplemento recíproco e o adimplemento suficiente. Igualmente, a “forma de gestão” desse contratos mostra-se por vezes tormentosa.


Eis mais uma função reservada à dogmática comercialista nos próximos anos: erigir a disciplina jurídica dessa categoria contratual, em prol do “interesse geral do comércio”e do desenvolvimento da economia[11].


Como pode se observar, nem todas as relações contratuais possuem regras claras e, as vezes, os interesses de ambas as partes impedem que questões travadas em seu âmbito cheguem ao judiciário e sejam resolvidas por meio da aplicação de cláusulas abertas, tendo em vista os interesses financeiros envolvidos, ou ainda, à hipossuficiência de um dos contratantes.


Sob esse aspecto, muitas empresas que se valem dos contratos colaborativos são contundentemente exploradas pelos interesses dos fabricantes, que têm necessidade de se valer do trabalho de empresas menores, mas ao mesmo tempo se utilizam do poder econômico para submetê-las a situações que as depreciam nas relações contratuais.


Exemplo dessas situações são as pequenas indústrias que fornecem determinadas peças para as grandes montadores de veículo, que de um momento para outro são descartadas e substituídas por outras que oferecem uma melhor tecnologia, ou ainda, possuem custos menores decorrentes da sua localização geográfica ou menor custo na mão de obra (exemplo as localizadas na Ásia).


Outra hipótese são as relações dos contratos de distribuição, onde os fabricantes impõem metas de vendas, ou ainda, simplesmente aumentam os preços com objetivo de aumentar sua margem de lucro, sem observar o mercado em que atuam seus contratados.


Essas situações, apesar de caracterizar abuso de direito, nem sempre chegam ao conhecimento do Poder Judiciário, pois essa discussão poderia ser fatal para a relação contratual que se pretende discutir. Quando chegam a ser debatidas na esfera judicial, são para discutir a resolução contratual e a forma como ela se deu, conforme se vê da seguinte ementa:


APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – CONTRATO DE DISTRIBUIÇÃO DE BEBIDAS – AFASTAMENTO DA APLICAÇÃO ANALÓGICA DA LEI N. 6.729/79 – PREVISÃO CONTRATUAL AUTORIZANDO QUALQUER DAS PARTES A REQUERER A RESILIÇÃO UNILATERAL DO PACTO – NOTIFICAÇÃO EFETUADA PELA RÉ – AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA CONDUTA PRATICADA – PLEITO DE INDENIZAÇÃO PELA FIXAÇÃO DOS PREÇOS PRATICADOS PELA RÉ, VERBA DE PROPAGANDA, FUNDO DE COMÉRCIO E VERBAS TRABALHISTAS – NÃO COMPROVAÇÃO DE DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL E PRÁTICA DE ATO ILÍCITO – INDENIZAÇÃO INDEVIDA EM RELAÇÃO AOS PEDIDOS ANTERIORES – CONCEDIDO AVISO PRÉVIO DE APENAS 60 DIAS COM BASE EM CLÁUSULA CONTRATUAL – VIOLAÇÃO DOS PRECEITOS DA BOA-FÉ – PRAZO EXÍGUO PARA A DISTRIBUIDORA SE REESTRUTURAR – CARACTERIZADO O ABUSO DO DIREITO – INDENIZAÇÃO DEVIDA NESTE ASPECTO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSOS NÃO PROVIDOS. 1. Havendo disposição contratual assegurando às partes interromper o negócio de distribuição de bebidas, o que afasta a configuração de cláusula abusiva ou potestativa, é impertinente buscar analogia com dispositivo de outra lei especial de regência para os casos de concessão de veículos automotores de via terrestre. Grifei 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 681.100/PR, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/06/2006, DJ 14/08/2006 p. 278) 2. Estando presente cláusula que permita a rescisão imotivada do contrato, mediante a comunicação prévia, ilegalidade não se vislumbra. Com efeito, não é dado nem ao judiciário obrigar as partes a continuar com a relação contratual se não é a vontade de ambas as partes. 3.Em que pese o Código Civil anterior não colacionar expressamente o princípio da boa-fé objetiva não se pode ignorar que este preceito pode ser aplicado nesta relação contratual, uma vez que a boa-fé é inerente as relações contratuais. 4. Verificando que a empresa encontra-se em uma posição economicamente superior a autora, e lhe impôs uma condição que ocasionou o desequilíbrio da avença, uma vez que, na prática o período de 60 (sessenta) dias concedido como aviso prévio se mostrou exíguo para que a empresa pudesse buscar outras opções no mercado, nesse passo, em clara violação ao exercício regular do direito e ocasionado danos a parte, é mister o dever de indenizar.” (TJPR – 8ª C.Cível – AC 0331347-7 – Foro Central da Região Metropolitana de Curitiba – Rel.: Des. Carvilio da Silveira Filho – Por maioria – J. 07.05.2009)


Desse modo, as micro, pequenas e médias empresas, muitas vezes  submetem-se à abusividade praticada pelos grandes conglomerados. Assim, sob pena de verem sua fonte de custeio rompida inopinadamente pelo fabricante, ou ainda, submetidas a condições que às levariam à insolvência. Não é incomum o parceiro contratual mais forte, ao invés de por fim unilateralmente ao contrato, forçar uma situação de inadimplência, criando condições de insuportabilidade comercial à contratada.


De outro vértice, sob o aspecto dos contratos públicos, apesar de haver previsão acerca do privilégio das micro e pequenas empresas na participação de processos licitatórios[12], o que se vê na prática é uma grande discriminação, pois a quase totalidade dos contratos administrativos são absorvidos pelos grandes conglomerados.


Geralmente as grandes vendas ou obras privilegiam as empresas de maior porte, sem sequer contemplar as micro e pequenas empresas, pois exigem o menor preço (que na maioria das vezes não implica na melhor qualidade) ou ainda, grande investimento por parte do particular para suportar os contratos públicos.


Já sob o aspecto privado, a contratação de fornecedores por grandes conglomerados industriais e financeiros privilegiam as empresas maiores,  em detrimentos das micro e pequenas, pois não há qualquer regulação que privilegie a inserção dessa empresas no mercado.


Portanto, o Estado tem de intervir, quer seja pela criação de normas, ou pelo simples reconhecimento das já existentes, para o fim de reequilibrar essas situações, principalmente tendo em conta que mesmo na esfera pública há  favorecimento legal dos grandes conglomerados industriais e financeiros.


É relevante afirmar que essas iniciativas não violariam o princípio da isonomia, uma vez que tem por objetivo justamente reconhecer a desigualdade, e a incapacidade competitiva das micro e pequenas empresas em relação aos grandes conglomerados financeiros e industriais.  Além disso, há princípio constitucional específico, outrora referido, que contempla tal hipótese.


Portanto, é fato que sem a intervenção do poder público não haverá redução das desigualdades materiais causadas pelo privilégio do poder econômico das grandes corporações, representantes de monopólios e oligopólios.


3 As ações afirmativas nos contratos


As normas de Direito Privado já contêm regras de direito constitucional que albergam a criação de ações afirmativas para a diminuição do desequilíbrio social, são elas o respeito ao princípio da livre iniciativa, da isonomia, da boa-fé, da função social, entre outros. O direito constitucional garante tratamento privilegiado às empresas de pequeno porte..


As ações afirmativas no campo contratual podem se revestir de obrigações tanto por parte dos contratantes quando dos contratados, e seriam contempladas, por exemplo,  da seguinte forma:


1. determinando cotas para evitar a discriminação por gênero nas relações de trabalho que digam respeito a execução do contrato;


2. mediante reserva de mercado às micro e pequenas empresas, de modo a fomentar a competitividade e a livre iniciativa, tanto para as grandes empresas quanto no que se refere aos contratos públicos;


3. estabelecendo a necessidade de respeito ao meio ambiente por meio da aplicação de madeira certificada, adoção de cotas de poluição condizentes com os atuais protocolos, etc..


4. criando regras de intervenção que permitam às agências reguladoras cobrarem a aplicação de ações afirmativas nas fusões e aquisições;


5. pela criação de normas de intervenção no domínio econômico para assegurar a implantação de ações afirmativas nos contratos de colaboração empresarial.


Esses são apenas algumas idéias – merecedoras de ampla discussão e debate – que podem ser aplicados nas relações contratuais, podendo a grande mutação da atividade empresarial estabelecer vários outras. Todavia, a eficácia e difusão das ações afirmativas dependem principalmente da renúncia da neutralidade Estatal nesse campo.


Na concepção original, principalmente no que tange à matéria tratada por Joaquim B. Barbosa Gomes, as ações afirmativas tinham como origem a intervenção direta do Estado, por meio da exigência do respeito às cotas sociais nas empresas que direta ou indiretamente se beneficiasse de recursos públicos federais.


Essas ações eram focadas principalmente no combate às desigualdades em relação à educação, ao emprego e à aplicação dos recursos públicos, segundo o qual havia um privilégio às empresas constituídas eminentemente por imigrantes ou pessoas integrantes das minorias menos privilegiadas.


A respeito da cláusula de dispêndio existente no direito Americano, é interessante ressaltar a explicação do Joaquim Barbosa:


“Essa forma de atuação do Estado se baseia na chamada “Spending Clause” da Constituição e funda-se no pressuposto de que o dispêndio de recursos públicos (“the purse Power”) deve servir às causas de interesse coletivo. Com esse fim, o Poder Executivo americano, sob a vigilância constante do Poder Legislativo, instrumentaliza a cláusula de dispêndio da Constituição como mecanismo eficaz de envolvimento de pessoas e entidades públicas e privadas na luta antidiscriminação. Com efeito, como bem assinala Natan Glazer, “quando o governo federal decide com quem ele vai travar relações de negócios ele exerce um temível poder: toda grande empresa, quase todas as universidades e hospitais, e muitas organizações sem fins lucrativos firmam contratos com o Governo. E o Governo federal exige que esses contratantes não apenas deixem de discriminar por motivos de raça, credo, cor ou origem nacional, mas além disso, que eles tomem medidas afirmativas no sentido de assegurar que os candidatos (negros, mulheres e outras minorias) sejam admitidos e que seja  tratados durante a relação empregatícia sem consideração para com a sua raça, credo, cor ou origem nacional.”[13].


No Brasil, a criação da política de cotas nas universidades é um arremedo dessa política, mas o que se vê é que nem sempre as classes menos privilegiadas é que são atingidas por esse benefício. Porém, como se viu dos comentários antes reproduzidos, é na cláusula de dispêndio que se observa o maior impacto das ações afirmativas, ao passo que muitas das empresas, universidades, associações sem fins lucrativos e grandes conglomerados se valem de contratos públicos.


A realidade pátria não é diferente, pois a grande maioria das empresas vende, trabalha, ou depende diretamente de recursos públicos, e a criação de uma cláusula de dispêndio para os recursos públicos no Brasil seria muito bem aproveitada para implementar as ações afirmativas nas relações contratuais.


Igualmente, as associações reguladoras, como o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), baseado na Lei 8884/1994, pode estabelecer ou criar ações afirmativas como condição de aprovação para as grandes fusões ou incorporações.


Dessa forma, ao estabelecer um regime jurídico amplo, que implique em ações afirmativas envolvendo particulares por meio das obrigações contratuais, haverá um maior engajamento dos interesses privados na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.


O equilíbrio das relações contratuais e a implantação de ações afirmativas têm como princípio basilar essa construção, pois privilegiaria a criação de novas empresas, que abandonariam a informalidade para criar novos empregos e, de consequência, proporcionariam o acesso à educação e à saúde da coletividade.


As ações afirmativas aplicadas aos contratos, e, por conseguinte, com repercussão nos interesses privados tem o condão de afastar do poder público determinadas tarefas, ao mesmo tempo em que assegura sua função de assegurar o acesso à saúde e a educação a toda população.


Da mesma forma, ao se implantar as ações afirmativas, há o nítido privilégio à livre iniciativa, pois ao se privilegiar a micro e pequena empresa está se fomentando a criação de novas atividades, geralmente regionalizadas e pulverizadas, o que afasta o perigo da concentração das indústrias nas grandes metrópoles. Aumentar-se-ia, portanto, a concorrência. 


Portanto, as ações afirmativas podem ser um elemento a mais na guerra contra as desigualdades sociais.


Conclusão


As desigualdades sociais não podem ser atribuídas exclusivamente ao regime capitalista e a pretensão das grandes indústrias em fomentar suas atividades, gerando maior receita e consequentemente maior lucro, também se deve ao regime de governo à que foi submetida determinada região ou população.


A evolução histórica brasileira deixa claro que o país, apesar de capitalista, nem sempre respeitou os princípios democráticos, havendo mais períodos de absolutismos e ditadura que aqueles próprios dos regimes que privilegiavam a liberdade de pensamento e manifestação.


Em grande parte, o atraso na legislação brasileira, bem como a falta de reconhecimento acerca das desigualdades sociais deve-se a esses regimes, quer sejam derivados da monarquia, do coronelismo, da ditadura de Vargas, ou finalmente na ditadura militar que vivenciou o país até a eleição direta do malfadado governo Collor de Mello. Isto também é decorrência de uma cultura mercadológica que não tem apoio na Constituição. É o sempre constante debate entre economia e direito.


Assim, cabe aos operadores do direito criar novas formas de atuação da legislação para diminuir as desigualdades sociais e garantir a satisfação dos objetivos da Constituição Federal de 1988, que é assegurar a todos uma vida digna, pela criação de uma sociedade mais justa e solidária.


Até agora, as tentativas da legislação de criar situações que privilegiem as micro e pequenas empresas nos contratos públicos não tem tido eficácia, eis que desamparadas de medidas que assegurem a participação dessas empresas nos certames licitatórios, ou mesmo, que garantam acesso à informação acerca dessas licitações.


Portanto, seria imperioso a adoção de uma cláusula de dispêndio semelhante à americana, segundo a qual toda e qualquer entidade, com ou sem fins lucrativos, deveria respeitar ou criar ações afirmativas para se beneficiar de recursos públicos.


Igualmente, ao invés de criar cotas nas Universidades Públicas, poderia o ente Estatal exigir que as Universidades privadas adotem cotas raciais ou criem bolsas em um determinado percentual, como forma de qualificar seu acesso ao recebimento financiamentos públicos, ou ainda, valer-se do crédito educativo.


Essa mesma alternativa poderia se aplicar às escolas particulares de ensino básico e médio, que freqüentemente se utilizam de recursos públicos para financiar a expansão de suas instalações, ou mesmo a abertura de novas filiais.


Sob esse aspecto, as ações afirmativas se tornariam freqüentes nas cláusulas contratuais, quer seja nos contratos públicos ou nos privados, pois as empresas ao contratar com o Estado estariam subordinadas a uma obrigação de propagar e divulgar as ações afirmativas.


As ações afirmativas se reverteriam na melhor forma de se implementar uma função social ao contrato, pois ao estabelecer uma condição tendente a diminuir as desigualdades sociais, beneficiando determinadas classes sociais ou empresarias menos favorecidas, estar-se-ia corroborando com a melhoria das condições de vida da coletividade.


Portanto, as ações afirmativas aplicadas aos contratos se configuram uma maneira eficaz de combater as desigualdades, e ao mesmo tempo respeitar os princípios já consagrados pela legislação brasileira, como a ética, a moral e a função social.


 


Referências bibliográficas

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TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003.

 

Notas:

[1] Ainda que os autores não se olvidem das transformações sócio-jurídicas que têm afetado, na essência, a estrutura da hermenêutica contratual, apontando para a efetividade de sua função social. (Cf. NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2ª Edição. Curitiba. Juruá, 2008.

[2] GOMES, Joaquim B. Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade: (o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos Estados Unidos). Rio de Janeiro, Renovar, 2001. . Veja-se, contudo, com igual proveito CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza. O direito à diferença: as ações afirmativas como mecanismo de inclusão social de mulheres, negros, homossexuais e pessoas portadoras de deficiência. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

[3] Obra cit. nota 1, Prefácio do Ministro Celso A. Mello.

[4] “Certo é que a autonomia privada, resguardada no art. 170 da CF, sofreu, no decurso do século passado e desde então, restrições crescentes no seu campo de atuação. Convive com princípios de solidarismo, como os do incs. III (Função social da propriedade), V (defesa do consumidor) e VII (redução das desigualdades sociais) do mesmo art. 170.  Entretanto, admitir que as restrições impostas pela ordem pública constitucional à autonomia privada juntamente com a incerteza de cumprimento do pactuado e a crescente revitalização do conteúdo contratual esvaíram-no de sua força obrigatória equivale a destituir de relevância a teoria contratual. Negar a força obrigatória do contrato é proclamar sua morte, ao passo que negar a nova realidade contratual, permanecendo apegado tão-somente aos princípios clássicos em uma era sufocada pela massificação social, é fechar os olhos para uma realidade que se impõe. Em ambos os casos, tem-se uma postura de crise do conceito de contrato, de incredulidade quanto a sua subsistência enquanto instituto vivo do direito privado. Como advertira Orlando Gomes, “a crise do contrato verifica-se na sua noção, na sua eficácia, e no abalo que vem enfraquecendo o princípio da sua força obrigatória”. (SICCA DA CUNHA, Daniel. A nova força obrigatória dos contratos. A Nova Crise do Contrato – Estudos sobre a Nova Teoria Contratual. Coordenação Cláudia Lima Marques. Revista dos Tribunais, 2007, págs. 251/253.

[5] RIPERT, Georges. A regra moral nas obrigações civis. Campinas – Bookseller, 2002, pág. 89/90

[6] In: O princípio da igualdade substancial na teoria contratual contemporânea. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, especialmente ps. 174/199.

[7] Ob. Cit. p. 181.

[8] MULLER NEVES, Gustavo Kloh. Os princípios entre a teoria geral do direito e o Direito Civil Constitucional. SILVEIRA RAMOS, Carmen Lucia (organizadora) et al. Diálogos sobre Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 18.

[9] Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 221/222.

[10] FORGIONI, Paula Andrea. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

[11] Obra cit. nota 5, pág. 166.

[12] Lei 8.666/1993, Art. 33, inciso III.

[13] Obra cit. nota 1, pág. 53/54


Informações Sobre os Autores

Neimar Batista

Advogado, Pós Graduado em Direito Processual Civil pelo IBEJ – Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos, Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pela UNICURITIBA. Membro do Projeto de Pesquisa “Livre Iniciativa e Dignidade Humana – Ano II”, do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – UNICURITIBA.

Carlyle Popp

Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná (1995). É Professor Titular do Centro Universitário Curitiba para a Graduação e Programa de Pós-Graduação do Mestrado em Direito. Membro da Academia Paranaense de Letras Jurídicas; do Instituto dos Advogados do Paraná; do Conselho Editorial da Juruá Editora; e do Instituto de Direito Privado. É advogado sócio de Popp & Nalin Advogados Associados. Líder ‘1’ do Grupo de Pesquisa ‘Livre Iniciativa e Dignidade da Pessoa – Ano III’ do programa de pós-graduação (mestrado) do Centro Universitário Curitiba.


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