A prova emprestada é aquele material probatório produzido num processo e conduzido a outro, situação que gera infindáveis discussões no âmbito jurídico, eis que, segundo alguns doutrinadores, a utilização vulneraria os princípios do contraditório, devido processo legal, bem como feriria os princípios do juiz natural, da oralidade e imediação (do magistrado que examinará a prova e do que colheu).
Assim leciona Fredie Didier Jr[1]: “Prova emprestada é a prova de um fato, produzida em um processo, seja por documentos, testemunhas, confissão, depoimento pessoal ou exame pericial, que é trasladada para outro processo, por meio de certidão extraída daquele”.
Neste sentido Câmara[2]: “A prova emprestada consiste no transporte de produção probatória de um processo para outro. É o aproveitamento da atividade probatória anteriormente desenvolvida, através do traslado dos documentos que a documentaram”.
A prova produzida alhures ingressa noutro processo sob a forma documental, cuja força probatória será valorada pelo juiz, que não está adstrito a dar-lhe idêntico valor ao que teve nos autos em que foi produzida.
Não se deve olvidar sobre a conveniência do traslado de provas de um processo a outro, de tal sorte, que, há o prestígio dos princípios da celeridade bem como da economia processual, a fim de se evitar repetição desnecessária de atos processuais já esgotados com o aproveitamento de provas pretéritas; imperiosa, entretanto, quando tais provas diante das circunstâncias fáticas não puderem ser colhidas no atual processo e, forem indispensáveis.
Quanto aos princípios da oralidade e imediação, claras e decisivas são as palavras de Cândido Rangel Dinamarco[3]:
“(…) nem a oralidade é um valor tão elevado em si mesmo, que pudesse ser usado como escudo contra legítimos expedientes destinados a assegurar o acesso à justiça; nem a própria lei a consagra tão intensamente como desejaria seus defensores. Não há imediatidade entre o julgador e a pessoa no caso de testemunhas inquiridas ou perícias realizadas mediante carta precatória, ou quando a prova foi produzida por juiz incompetente e depois aproveitada pelo competente (CPC, art.113, § 2º); nem os juízes dos tribunais têm qualquer participação na constituição do material probatório do processo. A fragilidade do princípio da oralidade perante o direito positivo tem por conseqüência a fragilidade da objeção fundada na suposta pureza com que a lei brasileira a adotaria.”
Neste panorama, é do entendimento doutrinário dominante, que a eficácia da prova emprestada, de natureza oral, equivale àquela produzida por meio de carta precatória.
Sobre a prova emprestada, escreve João Batista Lopes[4]: “Ainda que a lei processual nada disponha a tal respeito, a doutrina é firme no sentido da admissibilidade dessa prova, desde que preenchidos alguns requisitos”.
Corroborando esta linha de raciocínio, são pertinentes as lições de Deda[5]: “(…) não é óbice o princípio do contraditório, que deve ser observado no processo subseqüente, quando transportada à prova, como deve ter sido no anterior, ao tempo da realização desta”.
A prova emprestada além das supramencionadas idiossincrasias, configura uma modalidade de prova, oriunda de construção doutrinária e jurisprudencial, assim, em que pese não elencada expressamente no art. 212 do Código Civil, sua admissibilidade é legítima com preenchimento dos seguintes requisitos: a) identidade de partes. B) identidade de objeto da lide; c) observância do contraditório na colheita da prova; e d) licitude da prova produzida.
Assim, é o escólio de Camargo Aranha[6]:
“O princípio constitucional do contraditório (audiatur et altera pars) exige que a prova somente tenha valia se produzida diante de quem suportará seus efeitos, com a possibilidade de contrariá-la por todos os meios admissíveis. Daí porque a prova emprestada somente poderá surtir efeitos se originariamente colhida em processo entre as mesmas partes ou no qual figura como parte quem por ela será atingido. Em hipótese algum, por violar o princípio constitucional do contraditório, gerará efeitos contra quem não tenha figurado com um a das partes no processo originário”.
De inteira conveniência os iterativos julgados a seguir colacionados:
“Vale, porém, a prova emprestada ‘colhida em regular contraditório, com a participação da parte contra quem deve operar’ (JTA 111/360) ou entre as mesmas partes e a propósito do tema sobre o qual houve contrariedade. (RT 614/69, bem fundamentado, 719/166, JTA 106/207, RJTAMG 29/224)” grifou-se.
direito processual civil. prova emprestada. produção das provas. A prova emprestada, para que seja considerada, deve ter sido submetida, nos autos de origem, ao inarredável princípio do contraditório.” (APC 32979/94, Reg. do Ac. 72731, 3ª Turma Cível, Relª Desª Nancy Andrigui, DJU 28/09/1994, pág. 11.881)
A Corte Superior de Justiça também tem se posicionado, a respeito deste tema, como se vê em parte do seguinte aresto:
“A doutrina e a jurisprudência se posicionam de forma favorável à prova emprestada, não havendo que suscitar qualquer nulidade (…). Constatado o exercício do contraditório e da ampla defesa” (STJ, Terceira Turma, MS 9850/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 09/05/2005).
A profª. Ada Prellegrini Grinover[7], ao arrolar as condições de admissibilidade, reputa ser necessário que o contraditório no processo originário tenha sido perante o mesmo juiz, que também deve ser o juiz da segunda causa, senão vejamos:
“(…) isso porque, com visto, somente a presença concomitante do juiz e das partes pode dar validade à prova. Principalmente quando se trate de prova originariamente oral (interrogatório, depoimentos testemunhais), em que o princípio da imediação torna indispensável que o juiz da causa tenha contato direito com as provas, para poder valorá-las devidamente”.
É comentário ao art. 332 do CPC[8]: a prova emprestada é aquela, embora produzida em outro processo, se pretende produza efeitos no processo em questão. Sua validade como documento e meio de prova, desde que reconhecida sua existência por sentença transitada em julgado.
Por fim, mister retratar o brilhante posicionamento de Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato C. de Almeida e Eduardo Talamini[9]:
“Para a validade da prova emprestada é necessário que a prova tenha sido validamente produzida, no processo de origem, e seja submetida ao crivo do contraditório, no processo onde se busca surtam os efeitos da prova. Assim, não pode a sentença se fundar unicamente em prova emprestada sobre a qual as partes não tenham tido a oportunidade de se manifestar.”
Na mesma direção, caminha a jurisprudência pátria:
“Prova emprestada. Admissibilidade. A prova colhida em outro feito pode servir de elemento de convicção, pois a chamada prova emprestada inclui-se entre os meios moralmente legítimos que o CPC 332 declara hábeis para provar a verdade dos fatos” (ATARJ 20/261).
Os argumentos expendidos e corroborados por insignes pensamentos doutrinários, revelam a inadmissibilidade de prolação de sentença fundada exclusivamente em prova emprestada, sobre a qual as partes não tenham tido a oportunidade de se manifestar, ao passo que, é irrefragável a subjetividade na apreciação deste elemento probatório, ou seja, a prova emprestada sempre deverá receber do julgador a carga valorativa compatível com a situação concreta.
Por fim, urge salientar, a brilhante definição sintética de prova emprestada, dada pela eminente professora Ada Pellegrini Grinover[10]:”(…) aquela que é produzida num processo para nele gerar efeitos, sendo depois transportada documentalmente para outro, visando a gerar efeitos em processo distinto”.
Assim, pelos motivos acima expostos, conclui-se que a prova emprestada é espécie de prova documental de extrema valia para o processo brasileiro, com fundamente na somatória de benefícios, quais sejam: economia e celeridade processual, aliados a desnecessidade de repetição de atos já anteriormente praticados, sob o crivo da tese e antítese, utilização de prova já perecida, cuja situação fática e atual revela a impossibilidade de nova colheita, dessarte, os requisitos de admissibilidade devem ser fielmente respeitados, a fim de se resguardar a lisura do devido processo legal atrelado à ampla defesa e ao contraditório, configurando prova ilegítima e desatino à ordem constitucional, a não observância.
Informações Sobre o Autor
Vanessa Teruya
Servidora Pública Estadual e especialista Pós graduação lato sensu em Direito Público Processo Civil e Ciências Criminais