Adolescentes em conflito com a lei: sob o retrato da violência, um pedido subliminar de socorro

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Resumo: O foco principal deste artigo é analisar a situação dos adolescentes em conflito com a lei. Trata-se de uma revisão bibliográfica, objetivando buscar os motivos que levam os jovens a trilharem o caminho da violência. A prática do ato infracional é evidenciada como uma atitude desesperada do adolescente que não soube lidar com suas frustrações, seja por falta de apoio da família, do Estado ou da sociedade, seja em razão das inúmeras violências a que cotidianamente é exposto. Os direitos que amparam a criança e o adolescente, apesar de toda a evolução, ainda não cumprem o papel de afastar os jovens do mundo obscuro do crime. Para resolver a problemática que envolve a situação atual do adolescente em conflito com a lei, é necessário conhecer suas motivações, anseios e necessidades, buscando evidenciar os fatores determinantes para impulsionar a prática de condutas contrárias à legislação pátria. [1]

Palavras-chave: Adolescente. Conflito com a Lei. Violência. Motivos.

Abstract: The major focus of this article is the analysis of the situation of adolescents in conflict with the law. A bibliographic review intends to find the reasons that lead the adolescents to follow the path of the violence. The practice of the infrational act is evidenced as a desperate attitude from adolescents who could not handle with their frustrations, wether by the lack of support from family, State or society, or by the diary exposure to numberless violences. The rights that support the children and the adolescents , in despite of all it’s evolution, still do not do what their role in keeping the teenagers away from the dark world of crime. To solve the ptoblematic envolving the current situation of the adolescent in conflict with the law, it is necessary to know their motivations, longings and needs, looking to evince the determining factors that propel the practice of conducts averse to the national legislation.

Keywords:. Teenager. Conflict with the Law . Violence . Reasons.

Sumário: 1- introdução. 2 – Direito Penal Juvenil sob a égide da Legislação vigente. 3 – Adolescência e o contexto de desenvolvimento: a determinação motivacional da conduta.
4 – O retrato da violência e suas variáveis: família Estado e sociedade. 5 – A mudança de paradigma. 6 – Considerações Finais

1  Introdução

Manchetes de revistas e jornais brasileiros noticiam a crescente onda de criminalidade que assola o país, com envolvimento de crianças e adolescentes cada vez mais jovens.

O Brasil vive uma síndrome denominada violência, revelando um processo de extrema organização criminosa que corrompe e constrói milícias de meninos, vítimas de uma guerra velada e do descaso multifacetário.

Fato é que os criminosos, cada vez mais jovens e mais cruéis, são adolescentes de uma geração que cresceu aprendendo a ser violenta, fria, corrupta, não empática, individualista, por ocasião dos inúmeros exemplos que lhes foram apresentados cotidianamente.

A problemática do adolescente em conflito com a lei é complexa, envolve variáveis de extrema importância, pois é preciso entender os fatores que contribuíram para a formação da conduta transgressora.

Discussões acaloradas que se revezem entre a pena e o ódio, evidenciando a situação de vítima ou a condição de ser humano predisposto à maldade, em nada contribuem para a descoberta das causas motivadoras, ao contrário, criam rotulações e adjetivos prejudiciais, envoltos de preconceito, mito, condicionando o estudo e a prática direcionada para a solução do problema, fazendo com que apareçam contradições e ambiguidades complexas, dificultando a possibilidade do encontro de saídas eficazes, que incluam a perspectiva dos mais interessados, os próprios adolescentes, nunca ouvidos, em que pesem todas as opiniões que expressam a seu respeito.

A escassez de pesquisas específicas sobre o adolescente infrator aponta uma grande lacuna na produção científica relativa à infância e juventude no Brasil, fato que tem custado a vida de centenas de crianças, de jovens, de vítimas e de famílias, que sem a adoção de medidas urgentes e eficazes, continuarão acontecendo, como um ciclo vicioso, transformando o país em um mar de sangue, onde as mortes criminosas possuem índices mais elevados que a guerra no Oriente Médio.

Mas o que leva os adolescentes à pratica de condutas tão violentas, cruéis e repugnantes? Será a falta de legislação suficientemente repressora e punitiva, as condições precárias de subsistência que não lhes proporciona uma vida digna ou a vontade de fazer o mal?

Para entender as motivações da prática dos atos infracionais é necessário compreender o que realmente se passa no mundo dos adolescentes. É preciso entender questões como suas trajetórias, suas escalas de valores, as variáveis familiares, socioeconômicas, culturais e psicológicas, contribuem para a formação de uma carreira desviante.

Os adolescentes querem falar, eles concedem inúmeros sinais para que alguém possa interpretar e auxiliar seu desenvolvimento, mas ninguém se propõe a assumir esse papel; as famílias se limitam a dizer que não os compreendem, a sociedade os exclui, e o Estado não implementa políticas públicas eficazes, não efetiva os direitos que lhes são conferidos.

Essas omissões podem ser caracterizadas como violências e têm o condão de gerar sentimentos extremamente negativos que precisam ser exteriorizados, para proporcionar alívio. Assim, todo esse contexto se transforma em revolta que se volta contra o mundo, contra todos e contra si mesmo.

Surge então a necessidade de pertencimento, os referenciais de vida e o mundo do crime, que se mostra demasiadamente atrativo, uma arma que possibilita a vingança por todo o mal sofrido, como se todos os sentimentos que o adolescente guarda e experimenta pudessem ser implicados aos outros.

2  Direito Penal Juvenil sob a égide da Legislação vigente

A doutrina da proteção integral, inovação trazida pela Constituição Federal de 1988, surge em contraposição à doutrina da situação irregular, inspiradora do Código de Menores, Lei 6.697, de 10-10-1979.

Disposta nos artigos 227 e 228 da Carta Magna e na Lei n.8.069/90, referida doutrina revolucionou o direito infanto-juvenil, tendo como referência, nos dizeres de Liberati (2011, p.13) “a proteção de todos os direitos infanto-juvenis, um conjunto de instrumentos jurídicos de caráter nacional e internacional, colocados à disposição de crianças e adolescentes para a proteção de todos os seus direitos”.

Esta doutrina, que tem por pressuposto a proteção dos direitos da criança e do adolescente, tal qual idealizava a Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, amparada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em 20-11-1989, texto integralmente adotado pela legislação pátria, por meio do Decreto nº 99.710, de 2-11-1990, após ratificação pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n.28, de 14-9-1990), assegura um direito universal que não deve e não pode ser exclusivo de uma categoria, tampouco de classificações, devendo dirigir-se a todos, sem qualquer distinção, evidenciando o extremo oposto da sistemática anterior.

Para Saraiva (2013, p.54), “a doutrina da situação irregular pode ser definida como aquela em que os menores passam a ser objeto da norma quando se encontrarem em estado de patologia social, quando não se ajustam ao padrão estabelecido, podendo derivar da sua conduta pessoal (prática de infrações), da família (maus-tratos), e da própria sociedade (abandono)”.

Os primados da doutrina da situação irregular, que presidiam o Código de Menores, estavam eivados de conteúdo manifestamente discriminatório, onde a criança era o filho bem nascido, e o menor, o infrator.

A legislação vigente rompe com as práticas anteriores, na medida em que todas as crianças e adolescentes tornam-se sujeitos de direitos, prioridade absoluta, sem que haja a imposição de desajuste ao padrão estabelecido para que sobre eles recaia a determinação legal da qual seriam objeto, pois não se encontram em situação irregular.

 Contudo, na aplicação da Doutrina da Proteção Integral no Brasil, constata-se que, no atual contexto, em situação irregular estão: a família, que não possui estrutura e abandona a criança ou adolescente; os pais que descumprem os deveres inerentes ao poder familiar; o Estado, que não cumpre as suas políticas sociais básicas; e a sociedade, que é omissa frente a ocorrência das situações anteriores; mas, jamais, a criança ou o adolescente.

 O conjunto normativo composto por documentos como a Declaração de Direitos da Criança, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – 20 de novembro de 1959; as Regras de Beijing, a Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores – 1996; a Convenção sobre os Direitos das Crianças, a Assembleia Geral das Nações Unidas, novembro de 1989; as Regras de Tóquio, Resolução 45/110 –  Regras Mínimas das Nações Unidas para a elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade – Assembleia Geral das Nações Unidas – 1991; as Diretrizes de Riad, Resolução 45/113 – Regras das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência juvenil – 1991; as Regras de Havana, Resolução 45/113 – Regras das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade – 1991; a Resolução 45/114 da Assembleia Geral das Nações Unidas – Violência na Família – 1991; e a Resolução 45/115 da Assembleia Geral das Nações Unidas – Utilização das Crianças em Atividades Criminais juntamente com a Declaração de Genebra de 1924,  abandonou o conceito de menor como subcategoria de cidadania para trazer à criança e ao adolescente a condição de sujeito de direito, capaz de titularizar direitos e obrigações próprios de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, concedendo assim, um novo contorno ao funcionamento da Justiça da Infância e Juventude. 

A sistemática garantidora construída pelo Direito Penal e pelo Constitucionalismo, determinante para um Estado Democrático de Direito, é estendida à criança e ao adolescente nos casos em que lhe é atribuída a prática de uma conduta infracional, estabelecendo um modelo denominado Direito Penal Juvenil, menos severo que o Direito Penal adulto, seja na tipificação dos delitos, seja na quantidade e qualidade das sanções.

A intervenção punitiva na vida dos jovens tem que ser limitada o máximo possível, em que pese a imprescindibilidade de sua existência quando necessário, mas sempre com a observância de todas as garantias legais.

A verdadeira educação na legalidade, ou seja, com respeito às regras, se obtém sobretudo respeitando o adolescente, inclusive o infrator, como cidadão responsável, exigindo o respeito, e portanto, o valor das regras na própria resposta punitiva às infrações.

A legislação assegura a criança e ao adolescente todas as oportunidades e facilidades, visando facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade, conforme preconiza o artigo 3º da Lei n. 8.069/90.

O mesmo diploma legal atribui à família, à comunidade, à sociedade em geral e ao Poder  Público a determinação de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, sendo a preferência na formulação e na execução de políticas sociais públicas e a destinação privilegiada de recursos, exemplos de exteriorização do que compreende a garantia.

O direito de todas as crianças e adolescentes, sem exceção, ao desenvolvimento, à integridade e à sobrevivência, se tornam exigíveis com base na legislação, diante da Doutrina da Proteção Integral. Sobre esta tendência:

“Quando consideramos em conjunto este vasto elenco de direitos, nos deparamos com o verdadeiro sentido da Doutrina da Proteção Integral. Trata-se, na verdade, nada mais nada menos, do que assegurar todos os direitos fundamentais para todas as crianças e adolescentes, sem exceção de espécie alguma. Concluídas as mudanças no panorama legal, o passo seguinte é trabalhar pela eficácia da Legislação, desafio que nos convoca a atuar no campo das políticas públicas responsáveis pela efetivação dos direitos assegurados na Lei.” (COSTA,1999, p. 18)

Ao revogar o velho paradigma, o Estatuto criou condições legais para que desencadeasse uma verdadeira revolução, tanto na formulação de políticas públicas para a infância de juventude, como na estrutura e funcionamento dos organismos que atuavam na área, deixando de ser um projeto de lei, para ser um projeto de sociedade.

3Adolescência e o contexto de desenvolvimento: a determinação motivacional da conduta

Em que pesem as previsões da Doutrina da Proteção Integral, a personificação do adolescente como sujeito de direitos e de suas ações, e consequentemente, titular de direitos e obrigações, não se dá de maneira compreensível a todos.

Isso porque existem preconceitos e mitos que impõem obstáculos a esse entendimento, por conta de uma cultura menorista secular, acrescida da crise de interpretação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em que há a impossibilidade de entender o adolescente infrator como categoria jurídica precisa, detentor de responsabilidade penal pelas infrações que pratica.

Ignorar a responsabilidade penal juvenil ao adolescente produz a sensação equivocada de impunidade. (SÔNIA LEÃO, 1990).

O Juízo de inimputabilidade dos atos praticados por um menor, não significa irresponsabilidade geral, porque ele vai responder a medidas coativas. A inimputabilidade não impede a responsabilidade, nem é obstáculo à intervenção do Estado, é apenas um sinal indicativo de que a intervenção que se espera não é penal, mas educativa, significando que a criança e o adolescente necessitam ser protegidos e cuidados, ainda que tenham cometido fatos tipificados nas leis penais vigentes.

A adolescência é uma fase do desenvolvimento humano, marcada pelo conflito da identidade versus confusão de identidade, momento em que o adolescente se preocupa com sua imagem aos olhos dos outros, em comparação a maneira como se julga, além da associação de papéis e aptidões anteriores às novas possibilidades que se abrem à sua frente. (ERIKSON, 1976).

Em sua busca de um novo sentido de continuidade e uniformidade, os adolescentes precisam enfrentar uma nova crise, que consiste em integrar todos os elementos anteriores da identidade à sociedade, que é um novo meio, agora mais vasto e indefinido, que lhe cobra respostas imediatas, (JOST, 2006, p. 66).

O adolescente necessitará de uma moratória psicossocial que possibilite a elaboração de uma identidade integrada. A existência de falhas desse mecanismo, pode levar o jovem a delinquir, como forma de defesa da própria vida, tentativa desesperada de cobrar da sociedade o seu tempo de adolescência.

Por ocasião do exposto, na crise de identidade da adolescência, se faz necessário o estabelecimento de um sentimento de confiança em si e nos outros, quando o adolescente procura em homens e ideias aquilo que possa ter fé.

A formação do ideal passa pela ligação pessoal a alguém. Assim, para que o adolescente possa encontrar seus próprios valores e se empenhar em algo pelo qual lutar, é preciso descobrir pessoas que possa admirar, respeitar e imitar, tomando por base que a perfeição é percebida e experimentada por ele numa personalidade, são valores encarnados em alguém, pois o adolescente jamais lutará por objetivos abstratos, Jost (2006, p.72).

Ocorre que a sociedade contemporânea, por suas características próprias, funciona como uma caixa de ressonâncias para a crise de identidade do adolescente, ampliando elementos conflitivos e bloqueando os mecanismos elaborativos que permitem sua resolução.

As profundas desigualdades sociais, de tendência crescente em um mundo globalizado, com alto índice de desemprego, criminalidade, violência, precarização das condições de vida e trabalho, estigmatização, indiferença, drogadição, ineficácia ou inexistência de políticas públicas, dentre outras mazelas, constituem um ambiente negativo, que não propicia o desenvolvimento pessoal sadio dos menores.

Um adolescente que, em seu desenvolvimento, internaliza vivências e sentimentos negativos, constrói uma imagem distorcida de si e do outro, sendo potencialmente capaz de praticar condutas transgressoras de menor ou maior gravidade, com impulsos de ataque nas mais variadas formas de expressão da violência.

A negatividade, aliada à inquietude e agitação inerentes a essa fase da vida, transforma-se em agressividade, fazendo com que a insatisfação interior seja descarregada sobre o mundo, num misto de ódio de si mesmo e de aversão a todos, que não compreendem o adolescente.

Jost (2006, p.72), aduz que esses estados de ânimo podem levar o adolescente a buscar o distante, o proibido, o secreto, algo que seja fora do comum, que escape do cotidiano, numa sensação de que a solução para a inquietação pode ser o desobedecer, o transgredir, o fazer o errado, como se isso lhe trouxesse um apaziguamento.

Nesse diapasão, a prática infracional se impõe como um desabafo, um clamor de socorro daquele que, por ocasião da sua imaturidade e do seu sofrimento, não consegue expressar, de forma direta, a necessidade de auxílio para lidar com os problemas que vivencia.

4  O retrato da violência e suas variáveis: família, Estado e sociedade

Calligaris (2000, p.33), diz que a adolescência seria um lugar temporal da vida humana que abarcaria visivelmente todas as fraquezas/desejos humanos, parece ser um lixão da humanidade, sempre problemática, evidenciando que os adultos não sabem lidar com o que foram ontem.

Mas será que alguém está ouvindo o que esses jovens tem a dizer? Honestamente, não há dialogo. Eles falam de uma maneira, nós escutamos de outra e vice-versa, não ouvimos o mínimo necessário para haver um entendimento. Pela diferença na linguagem, torna-se difícil parar um pouco para aprender a decodificar os sinais que saltam aos olhos de quem quer ver que algo está se passando no dramático mundo dos adolescentes, Calligaris (2000, p.33).

A prática de atos infracionais pode decorrer de uma falha no processo de socialização do adolescente, uma vez que, por variados motivos, está inserido em um dos grupos mais expostos a todo tipo de violência, por omissões do Estado, da família e/ou da sociedade.

4.1 Família

A formação moral, intelectual e espiritual decorre da família, base estrutural do ser humano. Para Kaloustian (2004, p. 22), é através dela que o indivíduo aprende a reconhecer as diferenças, a realizar trocas afetivo-emocionais e a construir sua identidade.

A instituição familiar possui papel determinante no desenvolvimento da afetividade, da sociabilidade e do bem-estar do indivíduo, principalmente no período da infância e da adolescência, marcados pela confusão de sentimentos e pela busca de referenciais para o sujeito. Deste modo, um ato de violência perpetrado pelos componentes dessa entidade é infinitamente mais prejudicial do que os outros, deixando feridas que não cicatrizam e criando situações de difícil enfrentamento.

Para D’Agostini (2003, p.55), nos anos iniciais da vida, a criança desenvolve aspectos decisivos de sua personalidade, a imagem de si própria e a imagem do outro, a partir de suas vivências. Nesse período, também são desenvolvidos os conceitos de propriedade, de moralidade e de socialidade, a partir de suas relações familiares e sociais. Caso existam situações que determinem forte deterioração nestas primeiras relações, há um grande risco de produzir alterações significativas desses conceitos e aspectos.

Nesse contexto, a violência intrafamiliar pode ser interpretada como o ato ou omissão que prejudique a integridade física, psicológica e mental, assim como o bem-estar da criança e do adolescente, sua liberdade e seu direito ao desenvolvimento.

“O adolescente que não tem lar, cujos pais são ausentes, que não possui atendimento específico às suas mínimas necessidades, as portas se abrem às mais negras perspectivas.” Silmas Filho (1992, p. 40).

A violência, muitas vezes é evidenciada no núcleo familiar pela ausência de envolvimento afetivo dos seus integrantes, pela falta de comunicação, de limites, de apoio, de discernimento quanto às tarefas e papéis que os responsáveis, a criança ou o adolescente devem assumir.

A violência é geradora de mais violência, podendo-se inferir que é fabricada e redunda-se em atos delituosos de toda ordem, gestando vitimizadores ou delinquentes que antes figuraram como vítimas, numa espécie de “curto-circuito perverso”, que sem a devida intervenção, vai se reproduzindo em todas as relações impostas ao indivíduo, sejam familiares, sociais ou interpessoais.

Assim, é necessário que a família se empenhe na construção de uma base para transmissão de informações, valores e conceitos benéficos ao desenvolvimento da criança e do adolescente, concedendo-lhes o apoio necessário ao enfrentamento dessa fase de incertezas e buscas, minimizando o seu sofrimento.

A criança e o adolescente precisam, para sua sobrevivência, encontrar um ambiente de acolhimento e afeto, pois o conflito dos pais e sua instabilidade produzem uma relação de ambivalência, que pode levar a problemas de toda ordem, incluindo os de comportamento. Isso porque em condições sociais de escassez, de privação e de falta de perspectivas, as possibilidades de amar, de construir e respeitar o outro ficam bastante ameaçadas.

A ausência de um núcleo familiar adequado, independentemente da classe social em que o indivíduo está inserido, provoca na criança e no adolescente, a falta de confiança em si mesmo, dificuldade de adaptação, angústia, depressão, além de uma forte tendência a reprimir sua raiva, (CORNEAU, 1997, p.30).

A exiguidade não favorece o contato e nem o controle da agressividade natural, canalizando essa força “indomada” para atos de delinquência, ou vingança, seja por necessidade de sobrevivência ou por qualquer outra motivação, mas, de qualquer modo, implica na determinação de fazer o mal em resposta ao mal que lhe fizeram (CORNEAU, 1997, p.90).

A perda da referência familiar faz romper um buraco que parece não poder ser preenchido, um vazio que fica gravado no interior do ser e que provoca um rompimento e uma revolta que se volta contra o mundo, contra os outros e contra si mesmo .

Esse absentismo induz o adolescente, desde muito cedo, a não confiar nas pessoas, pois está sozinho no mundo, sem alguém que possa apoiá-lo.

 Em um contexto de abandono, mágoa e ressentimento, o adolescente pode romper as relações afetivas, deixando o caminho livre para o ingresso no mundo do crime, pois esse lhe é apresentado como o lugar que acolhe os desamparados, que recebe e aconchega os rejeitados e desprezados, ao contrário do contexto familiar em que está inserido.

A família, que representava tudo, passa a não ter nenhum valor, e quando tudo é perdido, quando o poder é ilimitado, vai se perdendo o referencial ético de humanidade.

4.2 A sociedade

Para Caliman (1998, p.279), o problema do comportamento desviante é produto da construção social, do qual fazem parte: o sujeito que comete a ação desviante, a norma que o sanciona, a reação social e o controle social. A percepção da própria diferença constringe o indivíduo a interiorizar um conceito de si como desviante, em consonância com as expectativas provenientes da sociedade.

Essas expectativas do controle social seriam assumidas pelo indivíduo, sendo o desvio o que ele encontraria para comunicar o novo papel que lhe foi atribuído pela sociedade.

A situação de risco em que o adolescente se encontra, influencia negativamente o seu crescimento e sua constituição como sujeito, pois o ambiente hostil em que está inserido, agregado às significações de conflito e rebeldia atribuídos a adolescência, aumenta sua vulnerabilidade pessoal, causa sofrimento físico e psíquico e favorece a constituição de uma subjetividade imersa na desordem social.

Sentindo-se e significando-se como um excluído da sociedade, a violência se insere como um fator determinante em sua tentativa desesperada de inclusão, quando ele passa a ser o que a sociedade espera dele.

A sociedade estabelece meios de categorizar a pessoa, como um indicativo de degenerescência, um sinal, marca ou impressão que indica a necessidade dela ser evitada. Assim, o indivíduo que não se adequa aos padrões socialmente estabelecidos, sofrerá o desprezo e estigmatização.

Para Goffman (1998, p.14), o estigma se referencia a um atributo depreciativo, com a função social de confirmar a anormalidade do indivíduo estigmatizado em relação aos demais. Isso faz com que ele não seja aceito na relação social cotidiana, seja por seu comportamento arredio, pela classe social na qual se insere, pelo histórico familiar que possui, dentre outras causas, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus, que não aquele socialmente inaceitável.

Tomando por base a imperfeição original, a sociedade tende a inferir diversas outras, aderindo ao estigma já existente a crença de que o possuidor desse atributo, não seria completamente humano.

Assim, várias discriminações são feitas, acompanhadas de uma ideologia que explica a inferioridade do estigmatizado e o perigo que ele representa para os demais.

Os desviantes sociais sofrem as consequências do estigma, engajando-se numa espécie de negação coletiva da ordem social, percebidos como incapazes de usar as oportunidades aprovadas pela sociedade como caminho de progresso (GOFFMAN, 1988, p.155).

Essa conceituação se amolda perfeitamente aos adolescentes em conflito com a lei, isso porque o senso comum os determina como sujeitos perigosos, que infringem as normas e não respeitam os outros, insensíveis, sem limites, anormais, doentes e portadores do mal, detentores de caráter e personalidade que apresentam demasiada propensão à prática da maldade. Um ser incorrigível, que nasceu para fazer o mal. Fato esse que justifica, assim, a necessidade de atenuação do perigo que representam com a reclusão, no sentido de que quanto mais tempo, melhor.

Os adolescentes em conflito com a lei sabem que são pessoas marcadas pelo crime, por revoltas, ódios, ressentimentos e tristezas profundas pela consciência de todo o mal já feito.

Assim, a imagem maligna, representada pela violência que esses adolescentes querem aparentar serem capazes de fazer, seria uma tentativa de assumir o papel que lhes é imposto pela sociedade, iludidos de que essa conduta possibilitaria a sua inclusão social, e acabam agravando o problema, pois a exclusão se torna cada vez maior, (JOST, 2006, p.330).

4.3 O Estado

Pouco se tem feito em termos de políticas públicas sociais para minorar os problemas enfrentados pelos adolescentes no contexto familiar, escolar e social, seja por intermédio da implementação de uma sistemática de atendimento adequado, onde haja uma integração de organismos para desenvolvimento de suas potencialidades; seja na efetivação dos direitos previstos no ordenamento jurídico vigente; ou no incentivo e custeio de meios capazes de ofertar ao jovem algo que desperte o seu interesse, que o faça ser visto como um sujeito valorizado e  produtivo.

A ausência de políticas públicas na área infanto-juvenil ou da qualidade do atendimento dos poucos programas que existem, está levando os jovens brasileiros a adentrarem a passos largos o caminho da marginalidade.

A exiguidade de comprometimento do Estado com a questão, faz com que os adolescentes sejam “verdadeiros personagens da trágica dramaturgia, na qual só existem vítimas”, (CAMPELLO 1992, p.311).

O modelo atual de educação é deficitário, a escola não constitui espaço de realização social. A evasão é grande, culpa de um conjunto de problemas conhecidos há tempos, mas sobre os quais nenhum governo tem feito o suficiente[2]. Métodos de ensino pouco interessantes, grade inadequada à vida, precariedade dos espaços físicos, desvalorização e falta de qualificação dos profissionais da área, ausência de atividades lúdicas e de incentivo ao esporte e à cultura, são fatores que por si só, afastam o adolescente do meio escolar, pois não se mostra nem um pouco convidativo.

Se um adolescente abandona a escola, todos perdem. A exclusão cria um abismo social, inibe o surgimento de um cidadão preparado, capaz de enfrentar os desafios impostos pela vida, de realizar escolhas benéficas, e principalmente, de respeitar o outro, os seus pertences e suas escolhas.

Visando ilustrar outras inúmeras violências praticadas contra crianças e adolescentes pela esfera governamental no país, de forma sintetizada, por exigência da natureza do presente trabalho, cita-se: os meninos de rua, abandonados à própria sorte, expostos a todo tipo de perigo, sem lugar; os adolescentes usuários de substâncias psicoativas, sem adequado tratamento; os autores de condutas infracionais, sem vaga para cumprimento da medida socioeducativa imposta; os socioeducandos, sem perspectiva de futuro, pela ineficiência da integração e do afastamento do estigma; os que enfrentam dificuldades em amplos aspectos, sem nenhum apoio.

Segundo Jovchelovitch (2000, p.25), um espaço caracterizado por perigo, provoca um clima generalizado de medo, de todos em relação a todos, criando um contexto de frustração com o Estado em geral, debilitando laços sociais, cujo maior sintoma é a crescente criminalidade.

Nesse sentido, podemos concluir que o Estado, com seu papel ineficiente e descomprometido, faz com que o adolescente que cresceu aprendendo a ser violento, obtenha reação desproporcional da sociedade, que o exclui.

 Assim, o mundo do crime aparece, induzindo o adolescente à construção de uma relação com a prática infracional, pois desamparado e abandonado, não enxerga outra alternativa na vida que possibilite sua valorização como pessoa, sua sociabilidade e sua sobrevivência.

A mudança de paradigma

D’Agostini (2003, p.57), acertadamente pontua sobre a questão do adolescente em conflito com a lei, determinando que ainda vivemos um “faz de conta que se faz”, seja no fazer pedagógico, seja nos atendimentos psicológicos, seja na elaboração de políticas públicas e programas eficazes para propiciar a estruturação, fortalecimento ou modificação do meio em que o adolescente está inserido.

Se, ao longo da sua jornada de vida, o adolescente encontrar pessoas nas quais possa se espelhar de forma sadia; vinculação afetiva; aconchego; estabelecimento do vínculo de confiança, esperança, oportunidade de descobrir e desenvolver suas potencialidades; apoio; orientação para lidar com os conflitos internos; pertencimento a um lugar e a um grupo;  libertação da categoria estigmatizante; perspectiva de futuro; respeito; valorização; fé; imagem positiva; efetivação de direitos; dentre outras condutas positivas, vislumbra-se em seu horizonte, a existência da possibilidade de estabelecer um projeto construtivo de vida.

Nesse sentido, destaca-se:

“Pensando neles como pessoas; em sua totalidade, enxergamos não só a necessidade de serem amados, acolhidos, cuidados, amparados, protegidos e reconhecidos como gente, que são necessidades psíquicas fundamentais […]; mas um amor forte, determinado e persistente, que os ajude a descobrir, dentro de si mesmos, qualidades capazes de dar sentido ao seu aprendizado de controlar seus impulsos destrutivos, dando-lhes possibilidades de construir algo bom ao seu redor.” (JOST, 2006, p.369).

6  Considerações Finais

Diante do que foi exposto no presente trabalho, resta claro que a doutrina da proteção integral trouxe à criança e ao adolescente a condição de sujeitos de direitos, prioridade absoluta do Estado, em razão da peculiar condição de seres humanos em desenvolvimento.

A adolescência é uma fase naturalmente marcada por conflitos e incertezas, momento em que o jovem procura nos outros referenciais para sua vida, procura ídolos com os quais possa se identificar e tem necessidade de associar os papéis e suas habilidades aos modelos do momento.

Nessa fase, a dedicação extraordinária a uma causa ou a um grupo são vistos como uma tentativa de se chegar a uma definição da identidade própria, mediante a projeção de si mesmo no outro.

Assim, é preciso que a juventude seja orientada e ajudada a dar sentido à sua existência, encontrando os valores verdadeiramente autênticos, que permitam a realização das melhores potencialidades do seu ser.

Na sistemática atual, o adolescente não encontra espaço para desenvolvimento de suas habilidades e interesses, pois a família se mostra demasiadamente descomprometida com a sua educação, seu desenvolvimento afetivo e pessoal, deixando muitas vezes, ao encargo da escola, a formação do jovem.

No entanto, o ambiente escolar, de uma maneira geral, também não dispõe de recursos suficientes para atrair o adolescente e encaminhá-lo para uma vida digna e em consonância com a legislação, isso porque é carente de profissionais capacitados e humanizados e, quando eles existem, não há disponibilização de orçamento suficiente para executar ações. Além do mais, o modelo atual de ensino não se mostra nem um pouco atrativo, é engessado, com práticas arcaicas e autoritárias, pouco lúdicas, fatores que afastam o adolescente do ambiente escolar, posto que nessa fase da vida, é natural que o ser humano não esteja aberto a vivenciar experiências desprovidas de espontaneidade.

Nesse sentido, também é possível destacar a exiguidade de comprometimento do Estado com os temas afetos ao adolescente, seja na implantação e disponibilização de recursos para a prevenção das condutas infracionais, seja na sua repressão ou na efetiva sociabilização e afastamento do reduto do crime.

Sem o devido amparo de que necessita, o adolescente, que não sabe lidar com a sua crise de identidade e os problemas cotidianos, acaba encontrando no mundo criminoso o acolhimento que tanto precisa, sendo que, quando percebe que as suas vivências não lhe proporcionam o que ele imaginava, não dispõe de auxílio para mudar sua perspectiva, uma vez que o estigma de delinquente e criminoso irá persegui-lo aonde quer que ele vá.

Por conseguinte, a família, a sociedade e o Estado, devem trabalhar de forma encadeada e integrada com o adolescente, de maneira a ir além do que prescreve a “letra fria” da lei, repensando o papel que exercem sobre a vida desses jovens, seu comportamento e seu futuro, buscando o conhecimento necessário da realidade em que irão atuar, com vistas à formação continuada para o enfrentamento do problema, a fim de influir nas mudanças necessárias e desejadas.

Referências
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Notas:
[1] Trabalho orientado pela Profa. Josilene Nascimento Oliveira Especialista em Ciências Criminais pela UNESA. Professora de Direito Penal do Curso de Direito da UNIPAC/Barbacena.

[2] http://www.istoe.com.br/reportagens/326686_O+MAIOR+PROBLEMA+DA+EDUCACAO+DO+BRASIL


Informações Sobre o Autor

Rhaíssa Costa de Matos

Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antnio Carlos