Advogado como autor de improbidade administrativa

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Em que pesem as diversas imprecisões técnicas cometidas pelo legislador, é inquestionável o avanço trazido pela Lei nº8.429, de 2 de junho de 1992 (“Lei de Improbidade Administrativa” – LIA), que foi editada para dar exequibilidade ao art 37, §4º, da Constituição Federal de 1988, constituindo-se no principal instrumental legislativo de todos os tempos para a defesa do patrimônio público, e de que tem-se valido o Ministério Público brasileiro, seu principal operador e até aqui o responsável por sua efetiva operacionalização.

A LIA dividiu os atos de improbidade administrativa em três espécies distintas, sendo a mais grave a prevista no art.9º (os que importam em enriquecimento ilícito), seguida da prevista no art. 10 (os que causam prejuízo ao Erário) e, depois, do art. 11 (os que decorrem da violação dos princípios administrativos), constituindo-se, especialmente esta última espécie, em significativo avanço em relação à Lei de Ação Popular (Lei nº4.717/65), até pela não exigência da lesividade para a aplicação de suas sanções, bastando para a sua caracterização a conduta dolosa, ativa ou omissiva, que viole os deveres de honestidade, impessoalidade, legalidade e lealdade às instituições, desde que, obviamente, o potencial ofensivo da conduta justifique a aplicação das sanções previstas no art. 12, inciso III, da LIA, consoante o implícito princípio constitucional da proporcionalidade, bem como, nas hipóteses do caput do art.11, que haja perigo de dano ao Erário.

E é justamente aqui onde cabe um alerta aos advogados, não somente àqueles responsáveis pela defesa dos interesses da administração pública, direta ou indireta, das diversas entidades políticas, mas especialmente àqueles que prestam, a qualquer título, os seus relevantes serviços a empresas privadas que  recebam subvenção ou incentivo, fiscal ou creditício, bem como daqueloutras para cuja criação ou custeio o Erário haja concorrido ou concorra com os percentuais descritos no art. 1º e parágrafo único da LIA.

É que, por força de seu art. 2º, a LIA considera como agente público, para efeito de seus duríssimos dispositivos sancionatórios, todo aquele que exerça, “ainda que transitoriamente e sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura, ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função” nas aludidas entidades enumeradas em seu art. 1º e parágrafo único.

Daí o redobrado cuidado que deve ter o advogado, de qualquer forma vinculado a tais entidades ou empresas, para não aceitar defender outros agentes acusados da prática de ato de improbidade administrativa, sob pena de também estar praticando a mencionada ilicitude, por violação do dever de lealdade que deve ter para com a entidade ou empresa com as quais esteja de qualquer forma vinculado, por infração ao art.11 da LIA (por violação de princípios administrativos).

E tais ilicitudes podem ocorrer em diversas hipóteses, como nas duas abaixo, que escolhemos para exemplificar:    a) o advogado de empresa, mesmo privada (mas que recebesse, p.ex., subvenção ou incentivo, fiscal ou creditício ou que estivesse na situação prevista no art. 1º caput ou parágrafo único da LIA), e que  aceitasse defender em ação popular ou em ação civil pública por ato de improbidade administrativa, determinado agente ímprobo dos quadros da mesma empresa –  mesmo que o fizesse no exercício de sua advocacia particular e remunerado pelo aludido agente – infrinfiria indubitavelmente o art.11, caput, e, assim, cometeria ato de improbidade que atenta contra princípio administrativo, especificamente por violação aos deveres de moralidade e de lealdade que deveria ter para com a entidade cujos interesses a ele caberia defender, mesmo quando a empresa não tivesse se habilitado como interveniente, ou não figurasse em um dos pólos da relação processual, que, in casu, estariam ocupados pelo cidadão (na ação popular) ou Ministério Público (na Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa) no pólo ativo, e, no pólo passivo, pelo agente ímprobo. Constituiria absurdo contra-senso que o advogado aceitasse a imoral defesa do agente acusado de ter causado prejuízo à instituição a qual a ele caberia defender;  b) o advogado do município que, p.ex., por amizade a pessoa prefeito, aceitasse defendê-lo em ação civil por ato de improbidade administrativa ou em ação popular. Uma vez  que é remunerado pelo Erário municipal, o seu trabalho se constituiria em ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao Erário por infringência ao art. 10, inciso XII (concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente – no caso o prefeito, que se beneficiaria da assistência jurídica custeada pelo município em proveito próprio). À propósito, o prefeito estaria enquadrado na hipótese do art. 9º, inciso IV, por ter se utilizado do trabalho de servidor público em benefício próprio.

Para a aplicação das sanções previstas pela violação ao art. 11, como já dissemos, pouca importa a ocorrência de fetiva lesividade ao Erário (art. 21 da LIA), bastando o simples perigo concreto que este sofreu com a conduta do causídico contrária aos interesses da entidade a que estava legal e moralmente vinculado. Aliás, se de sua conduta decorresse efetivo dano ao Erário, a hipótese seria a de violação ao art. 10, portanto, com sanções mais graduadas, consoante as pesadas cominações constantes do art. 12,  incisos I, II e III.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Carlos Frederico dos Santos

 

Promotor de Justiça na Bahia