Tradicionalmente, a prescrição sempre foi matéria passível de argüição exclusivamente pelas partes por envolver direitos materiais disponíveis de quem a sua declaração beneficia. Conforme estabelecia a doutrina civilista clássica, sempre foi vedado ao juiz pronunciar de ofício a prescrição, salvo quando envolvia interesses de absolutamente incapazes. Aliás, nesse sentido era a redação do art. 194 do Código Civil de 2002: “O juiz não pode suprir, de ofício, a alegação de prescrição, salvo se favorecer a absolutamente incapaz”.
A reforma constitucional encampada pela EC 45/2004, denominada “Reforma do Judiciário” trouxe inovações no que diz respeito à busca pela celeridade processual. Dessa forma, não só incorporou tal princípio ao rol do art. 5º da Constituição da República, em seu inciso LXXVIII, quanto provocou o movimento conhecido como “Pacto do Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano” e, com isso, um pacote de medidas legislativas. Entre elas, veio a alteração do Código de Processo Civil que permite ao juiz a decretação da prescrição de ofício, a teor da nova redação conferida ao parágrafo 5º do art. 219 do estatuto processual civil pátrio.
Foi o que bastou para surgir uma das maiores polêmicas dos últimos anos no Processo do Trabalho, qual seja, a possibilidade de aplicação do art. 219, § 5º do CPC ao processo laboral no que tange à prescrição dos direitos trabalhistas. Nesse sentido, vozes autorizadas da doutrina justrabalhista apregoaram a impossibilidade do Juiz do Trabalho pronunciar, de ofício, a prescrição na justiça especializada. Nesse sentido: Jorge Luiz Souto Maior, Otávio Amaral Calvet, Manoel Carlos Toledo Filho, entre outros. Para esta parcela expressiva da doutrina, a justificativa é de que o “preceito legal e incompatível com a norma constitucional que promove a melhoria da condição social dos trabalhadores e, assim, por forca do principio da subsidiariedade, não tem aplicação ao processo do trabalho”[1].
No entanto, o entendimento que têm prevalecido na doutrina e na jurisprudência dos tribunais é no sentido oposto, qual seja, da possibilidade da declaração ex officio da prescrição pelo juiz com base no art. 219, §5º do CPC, inclusive em sede trabalhista. Nesse sentido:
“PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO EX OFFICIO PELO MAGISTRADO. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 219, § 5º, DO CPC. Em sua feição moderna, o processo civil admite o incondicional reconhecimento da prescrição de ofício, não havendo que se falar em restrição aos direitos materiais ou pessoais, nem na prévia oitiva dos eventuais interessados. Nesse sentido a atual redação do § 5º do artigo 219 do CPC, assim determinada por força da Lei nº 11.280/06, publicada no D.O.U. de 17/02/2006.”[2]
Por esta linha de pensamento, não haveria qualquer óbice para a aplicação do aludido dispositivo no âmbito do processo regido pela CLT. Entre os diversos fundamentos que justificam esse raciocínio, talvez o principal argumento esteja na ausência de incompatibilidade formal entre os institutos eis que, de toda forma, a prescrição sempre foi aplicável ao processo laboral e encontra suas raízes no Código Civil e na CF/1988. Aliás, a reforma preconizada atingiu a lei material civilista tendo sido revogado o art. 194 do Código Civil pela Lei nº 11.280/2006. Ao que parece, os tribunais do trabalho tem admitido a declaração da prescrição pelo juiz na forma preconizada pelo CPC alterado.
Polêmica que subsiste, então, é saber como compatibilizar o art. 191 do Código Civil com o art. 219, §5º do CPC. Diz a lei material: “A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição”. Indaga-se, então, como poderia o juiz reconhecer a prescrição de ofício se se trata evidentemente de direito disponível da parte a quem a proveita podendo esta renunciar à sua alegação a qualquer tempo?
A melhor orientação parece ser a cautela do magistrado em proceder à intimação das partes previamente à extinção do processo trabalhista com base no reconhecimento ex officio da prescrição para que possam cogitar da renúncia ou da ocorrência de eventuais causas suspensivas ou interruptivas da prescrição. A propósito do assunto, Alexandre Freitas Câmara aduz:
“O fato de ser o demandado interessado na matéria (já que pode ter a intenção de renunciar ao benefício) impede a decretação in limine litis da prescrição. Terá o juiz, de qualquer maneira, de determinar a citação do demandado e, no caso de este não se manifestar expressamente sobre a prescrição na contestação, determinar expressamente às partes que sobre a mesma se manifestem no prazo que lhes assinar (ou em cinco dias, se outro prazo não lhes for assinado)”[3].
No mesmo sentido, Renato Saraiva propõe que:
“…entendemos que, embora seja aplicável ao processo do trabalho a regra contida no art. 219, §5º, do CPC, deverá o Magistrado ouvir previamente as partes antes da decretação da prescrição (…) deparando-se com a prescrição, deve o magisterado dialogar com as parte em busca de uma decisão final segura, evitando, assim, a decretação posterior de eventuais nulidades. É o que a doutrina moderna chama de princípio da cooperação, como garantia do contraditório, assegurando aos litigantes o poder de tentar influenciar na solução do litígio”[4].
Então temos que, considerando que o instituto da prescrição é fundamentalmente um instituto de direito material e disponível às partes, o atual teor do art. 219, §5º do CPC realmente não nos parece ideal, ainda mais em se tratando de aplicação ao processo trabalhista. Entretanto, como já foi disse dito antes, as críticas podem no máximo alcançar o valor de sugestão futura ao legislador[5], já que lei temos e não há qualquer impedimento de fundo razoável para impedir sua aplicação na seara trabalhista. Afinal, sempre se falou em prescrição e segurança jurídica no direito do trabalho até mesmo em nível constitucional.
Informações Sobre o Autor
Átila da Rold Roesler.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União; professor de Direito Administrativo e Direito Constitcional no Intelectum (curso preparatório para concursos públicos); especialista “Lato sensu” em Direito Processual Civil pela Unisul (SC); autor de diversos artigos jurídicos na área do Direito Público; autor do livro “Execução Civil – Aspectos Destacados”, publicado pela Editora Juruá; ex-Delegado de Polícia no Estado do Paraná.