O STJ editou a Súmula 435 com o seguinte enunciado:
“Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.
A hipótese de liquidação de sociedade está normatizada no art. 134, VII, do CTN:
“Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: (…)
VII – os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas”.
O art. 134 do CTN não estabeleceu a responsabilidade solidária plena. Além de subsidiária essa responsabilidade, o sócio só responde pelo crédito tributário devido pela pessoa jurídica presentes os seguintes requisitos:
a) No caso de liquidação de sociedade de pessoas.
Somente na hipótese de liquidação de sociedade de pessoas, onde importa o affectio societatis, é que surge a responsabilidade do sócio, o que afasta essa responsabilidade no caso de liquidação de sociedades de capital, como as sociedades anônimas e as sociedades por cotas de responsabilidade limitada em que os sócios só respondem com o montante de suas cotas.
b) no caso de impossibilidade de exigência do tributo do contribuinte.
Não há que se cogitar de responsabilidade do sócio sem, antes, tentar receber o crédito tributário do sujeito passivo natural. Somente na hipótese de os bens do ativo não serem suficientes para pagamento de créditos privilegiados, dentre os quais, o crédito tributário, é que surge a responsabilidade solidária do sócio.
c) nos atos que intervierem ou pelas omissões de que foram responsáveis.
Esse requisito afasta a responsabilidade objetiva, não abrigada pela ordem jurídica vigente. É imperativo que o responsável solidário tenha uma vinculação com a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária, quer por ato comissivo, quer por omissão culposa.
A responsabilidade solidária não pode ser deduzida de um ato de terceiro. Por isso, o art. 124, II, do CTN, que prescreve a responsabilidade solidária das pessoas expressamente designadas em lei, deve ser interpretado dentro do sistema jurídico como um todo. Não basta que a lei diga que os sócios são solidariamente responsáveis pelos débitos tributários, como o faz o art. 13 da Lei n° 8.620/93.
Conforme escrevemos, esse artigo, além de criar uma responsabilidade objetiva que a Constituição reservou apenas ao Estado e aos concessionários de serviços públicos (§ 6°, do art. 37, da CF), invadiu o campo reservado à lei complementar (art. 146, III, b, da CF)[1].
Mas, a Súmula sob comento está embasada no art. 135, III, do CTN, que cuida da responsabilidade pessoal dos diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: (…)
III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.
A exemplo do artigo antecedente, aqui, também, afastada se acha a responsabilidade objetiva. A responsabilidade, neste caso, que é pessoal e não solidária, surge apenas de atos comissivos, ou seja, dos atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos de que resultem créditos tributários. Exemplo: contrabando ou descaminho; exploração de atividade não prevista no contrato social etc. A falta de pagamento de tributo declarado, freqüentemente confundida com a hipótese de infração legal de que cuida o dispositivo sob comento, não enseja a responsabilidade solidária do sócio ou administrador, porque não configura infração legal da qual resultou o tributo. Nesse sentido, aliás, é a Súmula 430 do STJ editada recentemente: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente”..
A Súmula 435, ao fundamentar sua edição no art. 135, III, do CTN e não no art. 134, VII do mesmo Código, aparentemente, inova a disposição legal, pois, faz surgir a responsabilidade por ato omissivo. Dizer que “presume-se dissolvida irregularmente a empresa” só pode indicar ato omissivo não contemplado no elenco do artigo 135.
Outrossim, embora a Súmula limite a responsabilidade a sócio-gerente, qualquer diretor, administrador ou representante de pessoa jurídica de direito privado, desde que tenha relação com a situação configuradora do fato gerador da obrigação tributária, poderá ser responsabilizada pessoalmente pelo pagamento do tributo. A lei, que é fonte primeira do direito, prescreve nesse sentido.
A grande dificuldade reside no fato de que, na prática, é impossível formalizar a dissolução de uma empresa em débito com o fisco, porque para dar baixa perante as repartições fiscais é imprescindível a quitação prévia de todos os tributos. Por isso, o redirecionamento da execução fiscal originariamente movida contra a pessoa jurídica não deve ser feita de forma automática.
O próprio teor da Súmula impede esse redirecionamento automático. “Presume-se dissolvida irregularmente” diz o enunciado, para mais adiante acrescentar: “sem comunicação aos órgãos competentes”. Evidente tratar-se de presunção relativa a comportar prova em sentido contrário.
Logo, no nosso entender, deve ser notificada a pessoa a ser responsabilizada, para exercer o direito ao contraditório e a ampla defesa aplicável, também, no âmbito administrativo (art. 5°, LV, da CF). Na prática, essa discussão vem sendo feita em sede de embargos do executado, o que é um procedimento equivocado, pois, os embargos devem ser apresentados apenas por pessoas regularmente mencionadas na certidão de inscrição da dívida ativa. Quem não for sujeito passivo de tributo e vir a ser molestado com constrição judicial de seus bens deve opor embargos de terceiro.
Finalmente, esse redirecionamento há de ser requerido dentro do prazo prescricional de cinco anos.
Pacífica é a jurisprudência do STJ no sentido de que “o redirecionamento da execução contra o sócio deve dar-se no prazo de cinco anos da citação da pessoa jurídica” (Resp n° 97561, 640807, 851410, 981934: AgRg no Ag n° 1226200, AgRg no Resp n° 761.488, AgRg no Agn° 1.247.879).
Informações Sobre o Autor
Kiyoshi Harada
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.