Álcool e trânsito – alterações introduzidas pela Lei nº. 11.705, de 19 de Junho de 2008

Introdução

O presente trabalho
tem por objetivo discorrer acerca do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), com
as alterações introduzidas pela Lei nº.
11.705/08.

A discussão gira em
torno dos §§ 2º e 3º do art. 277, segundo os quais “a infração prevista no art.
165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a
obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de
embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor” e “serão aplicadas
as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código
ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos
no caput deste artigo”.

Por um lado, temos o princípio
do “nemo tenetur se detegere”, segundo o qual ninguém está obrigado a produzir
prova contra si mesmo. Por outro lado, temos o princípio da supremacia do
interesse público sobre o interesse privado.

Assim é que se faz
necessário um estudo mais aprofundado do tema.

Álcool e trânsito – alterações
introduzidas pela Lei nº. 11.705, de 19 de Junho de 2008

De acordo com uma
pesquisa feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo de bebidas
alcoólicas pelos brasileiros cresceu 70,5% nos últimos 35 anos. Esse resultado
coloca o Brasil entre os 25 países com o maior aumento no consumo de álcool
nesse período.

Dados do estudo
Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito
Telefônico (Vigitel) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE)  levaram o Ministério da Saúde a estimar em 290 mil o número
de pessoas que dirigem alcoolizadas diariamente no país.

Conforme o art. 306 da
Lei nº. 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro):

“Art.
306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração
de  álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou
sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência:

Penas
– detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter
a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

Parágrafo
único.  O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre
distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime
tipificado neste artigo.”

De acordo com o art.
2º do Decreto nº. 6.488/08:

“Art. 2º Para os
fins criminais de que trata o art. 306 da Lei no 9.503, de
1997 – Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes
de alcoolemia é a seguinte:

I
– exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool
por litro de sangue; ou

II
– teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de
álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido
dos pulmões.”

Conduzir veículo
automotor sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos
significa dirigir ébrio, bêbado, embriagado.

A embriaguez é a
conseqüência, no sistema nervoso central, de uma ingestão maciça e recente de
álcool. Ela se manifesta, com doses relativamente fracas de álcool, por uma
fase de jovialidade, de familiaridade e excitação eufórica, em que, às vezes,
pode despontar a irritabilidade. Logo que a alcoolemia aumenta, há perda de
controle, liberação da agressividade, distúrbios da palavra e distúrbios
perceptivos (o indivíduo “vê duplo”, “vê dobrado”).

De acordo com o art.
276 do Código de Trânsito Brasileiro, “qualquer concentração de álcool por
litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste
Código”.

“Art.
165.  Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância
psicoativa que determine dependência:

Infração
– gravíssima;

Penalidade
– multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;

Medida
Administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado
e recolhimento do documento de habilitação.

Parágrafo
único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277.”

O art. 277 dispõe que
“todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que
for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência
de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou
outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados
pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”.

A discussão gira em
torno dos §§ 2º e 3º do art. 277, segundo os quais “a infração prevista no art.
165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a
obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de
embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor” e “serão aplicadas
as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código
ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos
no caput deste artigo”.

De acordo com o
Promotor de Justiça Ricardo Antônio Andreucci, em artigo intitulado “A
inconstitucionalidade da obrigatoriedade do exame do bafômetro”:

“O
legislador excedeu-se ao estabelecer, no art. 277, § 3º, do CTB, a aplicação
das penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 ao condutor
que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no ‘caput’
dos artigo, tais como exames sanguíneos de alcoolemia e o denominado ‘teste do
bafômetro’.

Não
pode o motorista ser compelido a submeter-se ao exame sanguíneo ou ao teste do
bafômetro, em atenção ao consagrado princípio do ‘nemo tenetur se detegere’,
segundo o qual ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo,
consagrado na Convenção Americana de Direitos Humanos, que, em seu art. 8º, II,
g, estabelece que toda pessoa acusada
de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a
confessar-se culpada, o que pode ser estendido para a colaboração com a
colheita de provas que possam incrimina-lo.

Nesse
aspecto, é inconstitucional o art. 277, § 3º, do CTB, com a nova redação que
lhe foi dada pela Lei nº. 11.705/08, não podendo o motorista ser obrigado a
submeter-se a qualquer tipo de teste de alcoolemia, não se podendo a ele
aplicar, assim, qualquer espécie de sanção administrativa prevista pelo art.
165 do citado diploma.”

Em sentido contrário,
Marcelo José Araújo, advogado e consultor de trânsito, em artigo intitulado
“Lei do Bafômetro – novos caminhos a seguir”:

“Se
o agente da autoridade possuir o bafômetro, devidamente aferido dentro da
periodicidade legal, e houver recusa a sua submissão, entendemos que está o
agente legitimado a promover a autuação do Art. 165 do CTB, e no auto de
infração não haverá necessidade de constar nenhum limite, nem 0,00g/l, e sim
apenas no campo de observações os sintomas que justificariam a lavratura.
Entendemos que o apontamento de testemunhas que não outros agentes além de
dispensável não é sequer recomendável, pois causa exposição desnecessária de
outros cidadãos.  Além disso entendemos
que no processo administrativo trazido no Código de Trânsito não cabe a figura
da testemunha para fins de lavratura de autos de infração, e tão-só a
declaração do agente o qual goza de presunção de veracidade dos seus atos
cabendo nesse caso a inversão do ônus da prova. 
Tal qual não pode um agente lavrar desobediência ao semáforo com base em
testemunhas, pois essa presunção pressupões a identidade física do agente que
verificou a ocorrência da infração, ao ponto de um agente não lavrar o que o
outro flagrou. Testemunhas têm seu papel no processo criminal ou cível, mas
nesse caso do administrativo não seriam admissíveis, até porque haveria risco
do agente citar sua testemunha e o cidadão exigir outra sua que não vislumbra
sinais ou sintomas.

Se
o agente não possuir bafômetro, ou possuindo não estiver devidamente aferido
dentro da periodicidade estabelecida pelo Inmetro, não poderá autuar nem com
base em exame (por não dispor do equipamento), nem por declaração própria com
base nos sintomas, ficando prejudicada a autuação administrativa.  As conclusões acima em nada prejudicam a
apuração do crime de embriaguez (Art. 306 do CTB) que em nada foi modificado e
caberá ao delegado de polícia, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário
apurar e julgar conforme sua convicção.”

No entendimento da
Advocacia Geral da União (AGU), “realizar o teste do bafômetro não é produzir
prova contra si mesmo, portanto. É apenas o meio de comprovar que o motorista
cumpre requisito estabelecido em lei (estar sem álcool no sangue) para dirigir
automóveis”. A AGU diz ainda que os direitos “à vida, à integridade física, à
saúde pública e à segurança no trânsito” se sobrepõem ao de um indivíduo não
produzir provas contra si.

Ainda nesse sentido,
a Justiça de Sergipe negou pedido de habeas
corpus
preventivo feito por um advogado contra a realização de testes de
bafômetro. O desembargador Netônio Machado do TJ-SE negou o pedido e ressaltou,
na decisão, que “a lei existe” e as autoridades encarregadas pela fiscalização
“agem no exercício regular de direito”. De acordo com a decisão, “não há como
falar-se em ilegalidade ou abuso de poder por parte de quem cumpre apenas a lei”.
O magistrado ressaltou, no documento, que “a vida em sociedade supõe alguns
incômodos ou mesmo sacrifícios individuais” e que não encontrou elementos
plausíveis para concessão do habeas
corpus
.

Aplicou-se ao caso o
princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Nesse sentido, a
lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro
(2003, p. 69):

“Depois
de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o
individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do
Direito, substituiu-se a idéia do homem como fim único do direito (própria do
individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito
público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os
interesses públicos têm supremacia sobre os individuais.

O
Direito deixou de ser apenas instrumento de garantias dos direitos do indivíduo
e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum,
do bem estar coletivo”.

Os acidentes de
trânsito se tornaram um grave problema de saúde pública. Estudo realizado pela
Associação Nacional de Transporte Público (ANTP), intitulado “Trânsito no
Brasil – Avanços e desafios”, diz que o Brasil gasta por ano R$ 28 bilhões com
acidentes de trânsito. São 34 mil mortes por ano, uma a cada 15,45 minutos. Com
base em estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), para cada morte no
trânsito, outras quatro pessoas saem feridas. Dessas quatro, duas vão ficar com
seqüelas permanentes.

Rafael Eduardo
Pereira, em dissertação de mestrado intitulada “Relação entre o consumo de
bebidas alcoólicas e as infrações e acidentes de trânsito”, diz que:

“Estudos
demonstraram que 24% das infrações e acidentes de trânsito estão diretamente
relacionados ao consumo de bebida alcoólica, pois os motoristas envolvidos
apresentavam concentração de álcool no sangue de 0,1 a 0,7 g/l. Essa
porcentagem de envolvimento em ocorrências de trânsito aumenta para 43,5%
quando os motoristas apresentam alcoolemia de 0,8 a 0,9 g/l e para 91%
naqueles com alcoolemia igual ou superior a 1,0 g/l (Shults et al., 2001). Zador et al (2000), estimaram que um indivíduo
apresenta 1,4 vez mais chance de se acidentar após ingerir uma dose de bebida
alcoólica do que um indivíduo sóbrio. Ao serem consumidas três doses, essa taxa
sobe para 11,1 vezes e, após ingestão de cinco doses, o risco aumenta 48 vezes.

Portanto,
fica evidenciado que o risco de envolvimento em acidentes de trânsito cresce a
medida em que há um aumento da concentração de alcoolemia no condutor do
veículo (Gazal-Carvalho et al., 2002;
Jeffrey & Runge, 2003; Edward set al.,
2005).

De
acordo com Desaprya et al. (2006), a
relativa estimativa dos riscos de envolvimento em infrações e acidentes de
trânsito, por parte de motoristas embriagados, corresponde à cerca de 95%.”

Conclusão

Por todo o exposto,
não há que se falar em inconstitucionalidade quanto à alteração introduzida
pela Lei nº. 11.705/08. Trata-se de um caso onde vidas estão em jogo. Dessa forma,
aplica-se ao caso em tela o princípio da supremacia do interesse público sobre
o interesse privado, uma vez que, as normas de direito público têm o objetivo
primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Os acidentes
de trânsito se tornaram um grave problema de saúde pública. A relativa
estimativa dos riscos de envolvimento em infrações e acidentes de trânsito, por
parte de motoristas embriagados, corresponde à cerca de 95%. É necessário uma postura firme de toda a sociedade e do
poder público para inibir o
consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor.

 

Bibliografia:

ANDREUCCI, Ricardo
Antônio. A inconstitucionalidade da obrigatoriedade do exame do bafômetro.
Disponível em: <http://www.legale.com.br/SISTEMA/PRODUTO/MATERIALGRATIS/ARQUIVOSVIS/-%20A%20inconstitucionalidade%20da%20obrigatoriedade%20do%20teste%20do%20baf%C3%B4metro%20-%20Prof.%20Ricardo%20Andreucci.pdf>.
Acesso em: 03 dez. 2008.

ARAÚJO, Marcelo José.
Lei do Bafômetro – novos caminhos a seguir. Disponível em: <www.perkons.com.br/arquivos/artigos/lei_bafometro.rtf>.
Acesso em: 03 dez. 2008.

DI PIETRO, Maria
Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003.


Informações Sobre o Autor

Thomas de Carvalho Silva


logo Âmbito Jurídico