Algemas para a salvaguarda da sociedade: a desmistificação do seu uso

I – INTRODUÇÃO

Inexiste no ordenamento jurídico pátrio uma legislação federal que regulamente o uso de algemas e uniformize esse procedimento no Brasil, um país de dimensões continentais com vários órgãos contemplados no capítulo constitucional sobre a segurança pública e, portanto, com diversas instituições se valendo das algemas.

O uso de algemas não é restrito às corporações policiais ou órgãos de segurança pública, o que aumenta a gama de alternativas de sua utilização.

A problemática do uso de algemas gera críticas e debates em todas as camadas da população brasileira, profissionais da área de segurança pública ou não.

Na ausência de legislação adequada, os Tribunais pátrios têm exercido papel fundamental na correta interpretação dos limites da utilização de algemas e quanto à proporcionalidade no seu manejo.

II – ORIGEM, ETIMOLOGIA E CONCEITO DE ALGEMAS, SEGUNDO SÉRGIO PITOMBO

Em clássico artigo publicado na Revista da Associação dos Magistrados do Paraná, Curitiba, v.36, p.19-61, jul./dez., 1984, uma década antes do surgimento da organização criminosa de presidiários de São Paulo, o Primeiro Comando da Capital, SÉRGIO PITOMBO tratou do “Emprego de algemas: notas em prol de sua regulamentação”.

Segundo o saudoso jurista, “a palavra algema proveniente do árabe (al jamad: a pulseira), parece que, no sentido de aprisionar, apenas se torna de uso comum, no século XVI.”

Citando Fr. João de Souza, propaga que o dicionarista, em seu léxico etimológico:

“diz … ser algema instrumento de ferro com que o alcaide ou oficial de justiça prende as mãos do criminoso, ou dedos polegares (“Vestígios da língua arábica em Portugal”, Lisboa. Of. de Acad. Real das Sciências, 1789, p. 36). O ensino de Pereira e Sousa é semelhante: “… certo instrumento de ferro com que se prende as mãos ou dedos polegares, aos que são conduzidos pela Justiça às cadeias” (“Esboço de hum diccionário jurídico, theorético e práctico”, Lisboa, T. Rollandiona, 1825, T I, verbete respectivo).

E prossegue:

“O Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império do Brasil, no Capítulo VI, intitulado “Da ordem da prisão”, dispunha do art. 180: ‘Se o réu não obedecer e procurar evadir-se, o executor tem direito de empregar o grau de força necessária para efetuar a prisão; se obedecer, porém o uso da força é proibido’. Surgia, assim, implicitamente, permitido o emprego de algemas, no instante da prisão. Ramalho, comentando a norma processual, lecionava: emprega-se a força necessária para chamá-lo à obediência, se resiste com armas, fica o executor autorizado a usar dos meios, que julgar indispensável a sua defesa…[1]

O temperamento do dispositivo, à toda a luz, é, contudo, ostentado por Pimenta Bueno: ‘Fora do caso de resistência, ou diligência de evasão, é absolutamente proibido todo e qualquer mau trato contra o preso, pena de responsabilidade[2]’.

A lei no. 261, de 03 de dezembro de 1841, reformadora do Código de Processo Criminal, deixou intocado o art. 180[3].

Reestruturou-se o processo penal brasileiro só trinta anos depois, com a Lei no. 2033, de 20 de setembro de 1871, regulamentado pelo Decreto no. 4824, de 22 de novembro do mesmo ano.

Esse último, no art. 28, ao cuidar da prisão e da maneira de realizá-la estabelece:

‘…. O preso não será conduzido com ferros, algemas ou cordas, salvo o caso extremo de segurança, que deverá ser justificado pelo condutor; e quando o não justifique, além das penas em que incorrer, será multado na quantia de dez a cinqüenta mil réis, pela autoridade a quem for apresentado o mesmo preso’.”.

Recomenda-se a leitura do inteiro teor do artigo mencionado, que pode ser acessado pela “internet”[4] e que foi trazido à colação como referência histórica e de lançamento da pedra fundamental do estudo sobre o uso de algemas, sendo suficientes os trechos reproduzidos para que seja mantida a objetividade no debate do tema proposto.

Frise-se que, as pesadas algemas de ferro não mais existem e foram abolidas há muito tempo, substituídas por materiais leves, modernos e resistentes, de tamanho reduzido.

III – A INTERPRETAÇÃO PRETORIANA: A VISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A importante questão do uso de algemas obteve um avanço significativo nos debates perante nossa Corte Constitucional. O acórdão do “habeas corpus” ainda não foi publicado, mas o Informativo 437 do STF traz alguns dados relevantes e norteadores da boa conduta policial.

Em razão da recente operação “Dominó” da Polícia Federal, no Estado de Rondônia, o excelso Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre o “uso de algemas”. Reconheceu-se que o uso de algemas não está regulamentado, por falta de ato normativo que explicite o art. 199 da Lei de Execuções Penais: “O emprego de algemas será disciplinado por decreto federal”, que deve ser entendido como Lei Federal.

Segundo o noticiado no Informativo nº. 437 do STF (“In”: http://www.stf.gov.br/noticias/informativos/anteriores/info437.asp#Uso de Algemas e Constrangimento Ilegal – 2), no julgamento unânime do HC 89429/RO, Relatora Ministra Carmen Lúcia, em 22.8.2006, o uso de algemas não pode ser arbitrário.

E, mais adiante, afirma “que a prisão não é espetáculo”, com o que concordamos plenamente, o que tem sido uma das maiores críticas à atuação da Polícia Federal, principalmente, quando presos temporários são expostos à ação devastadora das câmeras de televisão, o que deve ser revisto com urgência. Possivelmente, se não houvesse registro midiático das prisões, sequer haveria provocação do STF sobre o assunto, embora seja de todo recomendável essa manifestação pretoriana.

Ainda segundo o Informativo do STF, o recurso de algemas “deve ser adotado nos casos e com as finalidades seguintes: a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo.”

IV – O DIREITO NATURAL DO PRESO E A PERICULOSIDADE PRESUMIDA DO RÉU/INVESTIGADO COM MANDADO DE PRISÃO EXPEDIDO

Sem embargo, o v. acórdão terminou por reconhecer que o uso de algemas é a regra, e não exceção. O preso que tem contra si expedido mandado judicial de prisão é de periculosidade presumida. Aliás, o instinto humano é de liberdade e a presunção “juris tantum” é de procura incessante por essa. Vejam-se os casos “Salvatore Caciolla”, “Jorgina de Freitas”, “PC Farias”, entre outros que buscaram o abrigo internacional. É ditado popular que toda regra tem exceção, mas não quanto à fuga do preso: até os presos que necessitam de cuidados médicos têm buscado a liberdade quando são internados e os tribunais admitem até que a tentativa de fuga é um direito do preso.

De acordo com o julgamento do “Habeas Corpus” 73941, a fuga seria mesmo um direito natural do preso:

“Se de um lado a fuga não pode ser considerada como fator negativo, tendo em vista consubstanciar direito natural, de outro não menos correto é que a prática delituosa a partir dela torna incontroversa a falta da indispensável ressocialização”. (HC 73491 / PR, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, 2ª Turma do STF, publicado no DJ de 07-06-1996, p. 19827).

V – O PRECONCEITO DE CLASSES

A maior parte das críticas (falta de regulamentação, excepcionalidade da medida) possui como pano de fundo o “preconceito de classes”, pois, na prisão de traficantes e assaltantes de bancos, cargas e valores, abordagens em morros, favelas e comunidades humildes, afastados dos círculos de influência e amizade da burguesia e altas autoridades, os medalhões do direito e os mecenas da “presunção de inocência” nunca levantaram suas vozes.

O editorial do “O Estado de S. Paulo”, de 06.08.2006, classificou como “privilégio” a proibição de uso de algemas em determinada categoria profissional.

Em outra oportunidade, em parceira com o nobre professor e Promotor de Justiça do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo (GAECO), JOSÉ REINALDO GUIMARÃES CARNEIRO, foi consignado que:

“Os argumentos contra as algemas são variados e criativos. Ora se diz presente excesso de poder, ora se afirma o desrespeito puro e simples a direitos constitucionais. O que não se diz, às claras, é que o argumento é essencialmente preconceituoso. Querem fazer crer, com péssimo propósito, que o colarinho branco não precisa ser algemado. Tiram do uso do equipamento somente a sua simbologia de suposta humilhação, para concluir, às avessas, que só quem merece as algemas é o réu ordinário, aquele que mal consegue defesa técnica digna. O Brasil não merece debate tão pobre.” (Disponível em http://www.novacriminologia.com.br e publicado no suplemento semanal “Direito & Justiça” do jornal “Correio Braziliense” de 12.12.2005).

VI – A CASUÍSTICA E O QUESTIONÁVEL SISTEMA DE PRIVILÉGIOS DO ART. 242 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR C/C 234, § 1º, última parte

A literatura policial é recheada de casos de presos algemados para frente que retiram a arma do policial, fogem em aeroporto algemados, ou, conduzidos em viaturas sem algemas, agridem o policial e provocam o capotamento do veículo, muitas vezes, tragicamente, com vítima fatal. Tudo isso acontece tanto com as forças policiais responsáveis pelos atos de polícia judiciária (civil e federal) quanto com as forças policiais ostensivas, fardadas, principalmente, responsáveis, dentre outras funções, pela manutenção da ordem pública, através do patrulhamento (ronda), contenção de distúrbios e abordagem de suspeitos, como o fazem as polícias militares e rodoviária federal.

Por outro lado, data venia, o magistrado não tem como aquilatar a periculosidade do agente criminoso no momento da prisão. Pode fazê-lo na decisão que determina a prisão temporária, mas não terá elementos concretos, por falta de juízo de antecipação fática, para prever como o preso irá se portar no ato de leitura do mandado de prisão. O preso pode ser um pacato pai de família que, na iminência de ter sua liberdade restrita, usará todos os recursos ao seu alcance para se livrar solto. Qual seria o parâmetro então? O preso bacharel em Direito teria mais condições de avaliar seu “status libertatis”? O assaltante de banco, réu primário, sem antecedentes criminais, portanto, deveria ser algemado? O nível social ou o nível de escolaridade deveriam contar pontos para a retirada das algemas do preso de colarinho branco ou parlamentar? A discriminação, em qualquer dos casos referidos, seria odiosa e quebraria a isonomia constitucional, como o faz o art. 242 c/c 234, § 1º, última parte, ambos do vetusto Código de Processo Penal Militar.

Obviamente, diga-se de passagem, a nova ordem constitucional não abraçou (rectius: não recepcionou) o questionável sistema de privilégios do art. 242 c/c 234, § 1º, última parte, ambos do CPPM, resquício de uma época de intangibilidade das autoridades, com escassos instrumentos de controle social e de prestação de contas. A existência de tratamento diverso para autoridades públicas quebra o princípio da isonomia ao vedar o uso de algemas em ministros de Estado, ministros do Tribunal de Contas, governadores, magistrados, membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados, ministros de confissão religiosa, dentre outros, sem ressalvar o cumprimento de mandados de prisão, a periculosidade, a possibilidade de porte de arma, a exaltação de ânimos e a necessidade de imobilização sem recurso à força. É agravada a sensação de impunidade, discriminação e favorecimento que existe no Brasil, detentor do título de país com pior distribuição de renda do mundo, ao lado de Serra Leoa. É desvirtuada a finalidade de algemas: imobilização do conduzido, preso ou condenado.

Não custa lembrar que o juiz Rowland Barnes, 64, e sua estenógrafa, Julie Brandau, na corte do Condado de Fulton, Atlanta, EUA, foram assassinados no mês de março do ano de 2005, por Brian Nichols, 34, acusado de estupro, que, sem algemas, conseguiu retirar a arma da policial da escolta e alvejá-los. O acusado, recapturado, foi descrito por seu advogado como pessoa “com uma personalidade tranqüila e muito querido entre seus companheiros de trabalho” (http://www.cruzeironet.com.br/run/11/163485.shl).

VII – O EQUÍVOCO NA RELAÇÃO ALGEMAS-FORÇA

Um equívoco comum é associar o uso de algemas ao emprego de força, quando, na verdade, a algema é forma de neutralização da força, contenção e imobilização do delinqüente. É menos traumático, doloroso e arriscado imobilizar o meliante pelo recurso à algema, do que pelo acesso a técnicas corpóreas de imobilização. Esse aspecto foi debatido e ventilado no “sítio” na rede mundial de computadores da Revista Consultor Jurídico de 11.02.2006, sob o título “Regra, e não exceção – Uso de algemas garante integridade de policial e acusado” (Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/41838,1).

O ato de algemar não é um constrangimento ilegal. Poderá sê-lo se procedido tão somente para filmagem e divulgação em rede nacional, o que sujeita o policial a sanções disciplinares, sem prejuízo de outras que sejam pertinentes. Aliás, o anteprojeto do Código de Processo Penal da autoria de HÉLIO TORNAGHI admitia o uso de algemas, mas advertia que não seriam admitidas como meio de humilhação (“É permitido o emprego de algemas e outros utensílios destinados à segurança, desde que não atente contra a dignidade ou a incolumidade física do preso”). O que deve ser combatido é a prisão ilegal. Recriminar o uso de algemas é querer que o policial aceite que a vida do preso é mais importante que a sua própria vida, quando, na verdade, ambas têm o mesmo valor. O policial, no exercício regular da atividade policial e na forma legal, não deve deixar de “algemar” o suspeito, por receio de constrangimento e eleger o valor subjetivo “imagem” como mais importante que o valor “vida”.

VIII – O USO DE ALGEMAS É UMA QUESTÃO DE BOM SENSO

É o bom senso, no caso concreto, que deve prevalecer. O Superior Tribunal de Justiça, em acórdão de relatoria do Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 5ª Turma, no Habeas Corpus 35.540, publicado no DJ de 06.09.2004, p. 285, apreendeu bem o cerne da questão:

“24. O uso de algemas há de ser aferido em cada caso concreto, não podendo haver decisum amplo, coibindo-o. Dentro dessa linha, parece-me mais sensato deixar a cargo da autoridade condutora do réu o melhor caminho a seguir, desde que não sejam tomadas providências desnecessárias e inconseqüentes, indemonstradas, por sinal, no presente caso”.

A ementa foi lavrada nos seguintes termos:

“HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL.

Os pedidos referentes à: apuração de responsabilidade por haver violação de segredo de justiça, proibição de veiculação de imagens do paciente e fixação de mensagem, vedando filmagens, no Tribunal, não são compatíveis com o objeto da ação constitucional eleita, que se restringe à liberdade de locomoção.

O uso de algemas pelos agentes policiais não pode ser coibido, de forma genérica, porque algemas são utilizadas, para atender a diversos fins, inclusive proteção do próprio paciente, quando, em determinado momento, pode pretender autodestruição. Ordem denegada.”

No Tribunal de Júri[5], o preso pode ficar algemado durante uma audiência (desde que o signo “algemas” não seja utilizado pela acusação como forma de influenciar o júri e indício de culpa), quando há forte esquema de proteção policial, o meliante foi contido, revistado exaustivamente e distante do calor dos fatos (ainda assim, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, há caso de um juiz criminal, hoje Desembargador, que determinou a retirada de algemas do preso e foi, infelizmente, baleado no ombro). O que se questiona é: por qual razão, ausentes todas as garantias acima, adicionados outros ingredientes como a adrenalina e a imprevisibilidade, retira-se da esfera de discricionariedade motivada do policial a decisão de algemar ou não o preso ou conduzido?

IX – AS ALGEMAS NA ROTINA POLICIAL

Muitos não entendem e não conhecem a rotina policial. Uma nova febre da “internet” são os vídeos postados no “site” YOUTUBE. Dentre vários vídeos acessados diariamente, quatro deles refletem a necessidade do uso de algemas e auxiliam o entendimento da população civil a respeito do recurso de algemas como modo de agir preventivo e não repressivo. Inicie-se pelo ato de algemar, que não é dos mais fáceis (http://www.youtube.com/watch?v=44uAu3VNxc4), passa-se pela falta de segurança de perímetro e “pena” em não-algemar um potencial suspeito (http://www.youtube.com/watch?v=Mr9FuCxbpxk), a guarda provisória de suspeito para interrogatório que se suicida (situação ocorrida nos Estados Unidos: http://www.youtube.com/watch?v=Z0Tp_BkPBN0) e a abordagem feita por uma policial feminina, em estrada, que termina mal, vítima de agressões gratuitas (http://www.youtube.com/watch?v=ojvHyQCHhVc).

X – ALGEMAS COMO ALTERNATIVA AO EMPREGO DE ARMAS

No Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Infratores, realizado em Havana, Cuba, de 27 de agosto a 7 de setembro de 1990, foram adotados “Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo (PBUFAF)”, que devem incluir disposições:

“- para desenvolver uma série de meios, os mais amplos possíveis, e equipar os encarregados com vários tipos de armas e munições, permitindo um uso diferenciado de força e armas de fogo;

– para desenvolver armas incapacitantes não letais para restringir a aplicação de meios capazes de causar morte ou ferimentos.”

O emprego de armas incapacitantes não letais para minimizar o risco de pôr em perigo pessoas abrange não só as pistolas de ondas elétricas (taser M26 e X26), mas também a utilização de algemas, com função imobilizante e restrição ao uso de força e de arma de fogo.

XI – SUCESSO DE OPERAÇÕES POLICIAIS: a imprescindibilidade de algemas

O uso de algemas é a prática e técnica de imobilização que tem garantido o sucesso das operações policiais de qualquer corporação que trate da Segurança Pública, no Brasil ou no exterior, ou seja, prisões sem vítimas fatais. As regras de contenção de presos e suspeitos são universais. A família do policial pode esperar que esse retorne para casa seguro, porque serão adotadas todas as medidas de segurança possíveis para a proteção do agente público: planejamento operacional, algemas, colete e arma de uso pessoal.

O policial que não adota procedimentos de segurança põe em risco não apenas sua integridade física, mas também a de transeuntes, consumidores e outros terceiros não envolvidos, o que pode acarretar, inclusive, obrigação de o Estado indenizar por falta de cautela policial com suspeito de envolvimento em ato criminoso que destrói o patrimônio alheio para fugir da abordagem policial.

XII – UM PROJETO DE LEI SENSATO

O substitutivo apresentado, com parecer favorável, pelo Deputado Federal Alexandre Cardoso ao PL 2.753 de autoria do Deputado ALBERTO FRAGA (apensado ao PL 3287/2000, do PL 4537/2001, do PL 5494/2005, e do PL 5858/2005, à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, em 21.10.2005), “a contrario sensu”, prevê o uso de algemas como regra, na prática de ato policial. Durante “a prática de qualquer ato judicial”, contudo, o ato de algemar foi posto como exceção:

“Art. 3° O emprego de algemas durante a prática de qualquer ato judicial é exceção e deve ser devidamente fundamentado”.

O substitutivo do Projeto de Lei é de clarividência notável, adequado à casuística policial e sensato ao coibir o uso arbitrário de algemas e recomendar a parcimônia no seu uso. A práxis policial tem indicado que o preso tem tendência à fuga e põe em risco a vida e a segurança da equipe policial e terceiros, caso não seja adequadamente imobilizado, podendo, inclusive, se autolesionar ou cometer suicídio, daí que o uso de algemas também é uma garantia para a integridade física do preso. Em recente operação, durante procedimento de busca e apreensão, um jovem se atirou pela janela do 6º andar em prédio da zona norte do Rio de Janeiro (http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=6560).

Por tais razões, recomenda-se o uso de algemas, na esteira do substitutivo do Projeto de Lei, na forma abaixo:

“Art. 2° É permitido o emprego de algemas quando o preso, custodiado, conduzido ou detido:

I – resistir ou desobedecer à ordem de prisão.

II – tentar fugir ou der indícios de que pretende fugir.

III – pode por em risco a própria integridade física ou de outrem.

Parágrafo único. É permitido, ainda, o emprego de algemas quando o efetivo policial for menor do que o numero de pessoas a serem contidas ou quando o preso, condenado ou custodiado deva ser levado à presença de alguma autoridade ou transportado para outro estabelecimento prisional”.

XIII – A SÍNTESE DO USO DE ALGEMAS PARA A SEGURANÇA PÚBLICA

Em síntese, a Segurança Pública no Estado Democrático de Direito deve:

coibir o uso arbitrário de algemas que vise à humilhação, perseguição, prejulgamento e discriminação do preso ou conduzido em detrimento da preservação da sua dignidade;

usar algemas com a finalidade de prevenir, desestimular e coibir a reação do preso ou conduzido, através de sua imobilização e contenção, independentemente do enquadramento típico-penal da conduta censurada, pois a avaliação do estado anímico do réu/investigado é feita no ato da prisão e não só pelos fatos pretéritos cometidos;

– estabelecer o momento adequado para imobilização e contenção do preso, recomendado o uso de armas não-letais, desde a abordagem com a vocalização da ordem de prisão (“voz de prisão”) até a entrega do preso em estabelecimento prisional, ultimados os atos de polícia judiciária;

– colocar algemas a) para impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer; b) para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo; c) na condução de preso por ordem judicial ou em flagrante delito, salvo determinação justificada em contrário, sem prejuízo da avaliação da situação de risco no momento da prisão; d) para não comprometer o planejamento operacional ou fragilizar a vida e a segurança de terceiros, da vítima do delito apurado, da equipe policial e do preso ou conduzido;

ter em mente que o manejo de algemas é uma alternativa ao uso de armas letais e ao uso de força desmedida e ocorrerá, em diversos níveis de gradação, mediante: a) a colaboração do preso ou conduzido; b.) a utilização de técnica policial adequada; c.) o recurso proporcional e razoável da força, com finalidade de imobilização e contenção.

XIV – CONCLUSÃO

Conclui-se que a função policial transpassa a repressão à criminalidade. É também essencial que a vida seja preservada, como regra. E para que seja regra, e não exceção, o uso de algemas, desde que consciente e não arbitrário, deve ser incentivado e não reprimido.

 

Referências bibliográficas
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Notas:
[1] Ramalho, Joaquim Ignácio. “Elementos do processo criminal para uso das Faculdades de Direito do Império”. São Paulo, L. Dois de Dezembro, 1856, § 149, p 70-1.
[2] Pimenta Bueno, José Antonio “Apontamentos sobre o processo criminal pelo júri”. Rio de Janeiro, L. Imperial e Const. de J. Villeneuve, 1849, § 41, item 3, p 47. O mesmo tópico acha-se repetido na segunda edição, que recebeu o nome de “Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro” (Rio de Janeiro, Emp. Nac. do Diário, 1857, p 95). Em Portugal, na época a preocupação com as cautelas e cuidados, durante a execução de qualquer ordem de custódia, ou prisão, emergia a mesma. Ensinava Duarte Nazareth: “O oficial da diligência deve conduzir-se com moderação e é-lhe proibido fazer algum insulto ou violência aos presos; e, no caso de resistência, lhe será lícito usar da necessária para repelir a agressão e efetuar a diligência”. Nazareth, Francisco J. Duarte: “Elementos do processo criminal” (Coimbra, Imp. da Universidade, 4ª ed., 1861, § 148, p. 151-2).
[3] O Regulamento no. 120, de 31 de janeiro do ano seguinte, que lhe facilitou e reforçou a execução, dava aos inspetores de quarteirão competência para prender infratores, em flagrante delito e, também, réus pronunciados não afiançados, bem como sentenciados à prisão (art. 66, no. 3). O anotador de então, arrimado em Aviso de 06 de março de 1834, asseverava: “Para o desempenho destas atribuições, poderão empregar os oficiais de justiça, os quais podem, sendo preciso, usar dos meios, que têm em suas atribuições. Paulo Pessoa, Vicente Alves de “Código do Processo Criminal”, anotado, Rio de Janeiro, L. AA da Cruz Coutinho, 1882, nota 2.397, p. 391, o grifo é nosso).
[5] Sobre o tema há artigo do Promotor de Justiça de São Paulo, RONALDO BATISTA PINTO, intitulado: “Da possibilidade de ser o réu mantido algemado durante o plenário do júri.” Disponível: <http://www5.mp.sp.gov.br:8080/caexcrim/artigos/anexos/DA%20POSSIBILIDADE%20DE%20SER%20O%20R%C3%89U%20MANTIDO%20ALGEMADO%20DURANTE%20O%20PLEN%C3%81RIO%20DO%20J%C3%9ARI.doc
Além de inúmeros acórdãos:
“Não há constrangimento ilegal no fato de ter sido o recorrente algemado durante o julgamento perante o tribunal do júri. Art. 497, I do CPP. (RHC 16808, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 5ª TURMA DO STJ, publ. no DJ de 07.03.2005, p. 283). No mesmo sentido: HC 25856, Rel. Ministro GILSON DIPP, 5ª Turma do STJ, publ. no DJ de 25.08.2003, p. 336.
PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. USO DE ALGEMAS DURANTE O JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JURI. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA.
– A jurisprudência pretoriana tem afirmado o entendimento de que não configura constrangimento ilegal a manutenção do réu algemado durante a sessão plenária do tribunal do júri se esta medida for necessária ao bom andamento e segurança do julgamento, bem como das pessoas que nele intervêm.
– Enquanto não regulamentado por lei o uso de algemas, o emprego deste meio de contenção, em nada incompatível com o princípio da inocência, deve ficar ao prudente arbítrio do juiz-presidente do júri, a quem compete a polícia das sessões.
– Inteligência do art. 497, I, do Código de Processo Penal. (RHC 6922, Rel. Ministro VICENTE LEAL, 6ª Turma do STJ, publ. no DJ de 09.12.1997, p. 64777).
“Não constitui constrangimento ilegal o uso de algemas por parte do acusado, durante a instrução criminal, se necessário à ordem dos trabalhos e à segurança das testemunhas e como meio de prevenir a fuga do preso”. (RHC 56465, Relator Min. CORDEIRO GUERRA, 2ª Turma do STF, publ. no DJ de 06-10-1978). No mesmo sentido: HC 71195, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, 2ª Turma do STF, publ. no DJ de 04-08-1995, p. 22442.

 


 

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Rodrigo Carneiro Gomes

 

 


 

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