Nem é necessário justificar o porquê a Lei de Alimentos (Lei nº 5.578-68 – LA) dispõe de rito especial e procedimento abreviado. A razão está em seu próprio nome: visa a dar cumprimento a direito que necessita de adimplemento imediato, direito que garante a vida, a sobrevivência.
Proposta a ação de alimentos, mediante a prova do vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar (LA, art. 2º), o juiz estipula, desde logo, alimentos provisórios. As necessidades do autor não precisam ser comprovadas, pois a busca de alimentos é a prova da necessidade de quem os pleiteia. Tanto é assim, que a própria lei impõe a concessão dos alimentos provisórios. A necessidade é presumida. Independente da origem do encargo alimentar, impositiva a concessão de alimentos provisórios, ainda que não requeridos. Trata-se de presunção juris tantum. É o que está dito claramente na lei (art. 4º): Ao despachar a inicial, o juiz fixará desde logo alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita. A norma é cogente, de redação cristalina, a não dar margem a interpretações ou dúvidas.
Cumulada a ação de alimentos com demandas outras, determina a lei seja adotado o rito especial (LA, art. 13), e não o rito ordinário (CPC, art. 292, § 2º), exceção que se justifica em face da natureza da obrigação alimentar. Assim, nas ações de separação e de anulação de casamento em que há pedido de alimentos, por expressa imposição legal, devem ser deferidos alimentos provisórios.
Vem sendo admitida a cumulação de pedido de alimentos nas ações de investigação de paternidade e de reconhecimento da união estável. Nessas ações em que é busca da declaração da existência da relação jurídica, de um modo geral, não há prova pré-constituída da obrigação alimentar. No entanto, como a própria lei admite a possibilidade de ser dispensada a prova da obrigação alimentar (LA, art. 1º, § 1º), havendo indícios da verossimilhança da existência do vínculo obrigacional, são deferidos alimentos provisórios a título de tutela antecipada.
Os alimentos são devidos desde a data em que são fixados, ou seja, mesmo antes de ser o réu citado para a ação. Não há como sujeitar o pagamento ao ato citatório. O credor não pode aguardar a citação do devedor para começar a perceber os alimentos, quer seja o pagamento feito por meio de desconto dos rendimentos do alimentante quer não. Como a obrigação é preexistente, o adimplemento tem de ser imediato. Fixados os alimentos, a quitação deve ser realizada de forma antecipada, e não subseqüente ao vencimento. Descabido determinar o pagamento para depois de vencido o prazo de um mês, como vem ocorrendo.
Na ação de alimentos, há inversão dos encargos probatórios. Ao autor cabe tão-só provar o vínculo de parentesco ou a obrigação alimentar do réu. Não há como lhe impor que comprove o quanto percebe o demandado, pois são informações sigilosas que integram o direito à privacidade. É do réu o ônus de demonstrar seus ganhos, para que o juiz fixe os alimentos atendendo ao critério da proporcionalidade. A ausência deste dado, no entanto, não pode inibir o juiz. Mesmo que o réu só possa trazer a prova de seus rendimentos quando da contestação, isso não serve de justificativa para não serem fixados alimentos provisórios. Sequer pode adiada a imposição dos alimentos serem. Há determinação legal para que sejam fixados ao ser despachada a inicial. Descabe aguardar ou a audiência ou a contestação.
Porém, em se tratando de alimentos buscados por filhos maiores, cônjuges, companheiros, netos, este claro dispositivo legal é olvidado. Para a concessão de alimentos provisórios, a jurisprudência vem exigindo a prova da necessidade do autor e da possibilidade do réu. Somente em se tratando de alimentos buscados por filhos menores é que são deferidos alimentos provisórios, ainda assim em valores cada vez mais acanhados, sob a justificativa de não se saber quais são os ganhos e encargos do genitor, para que ele não corra o risco de acabar na cadeia.
Esta tendência revela postura nitidamente protecionista do devedor de alimentos. Olvida-se a Justiça que está sendo acionado quem deixou de cumprir obrigação alimentar: o genitor que não cumpre com os deveres decorrentes do poder familiar; o cônjuge ou o companheiro que esquece do dever de mútua assistência. Existe a prova pré-constituída do vínculo obrigacional de natureza alimentar. Daí ser impositiva a concessão de tutela antecipada por meio dos alimentos provisórios. Durante o período de convívio, tais deveres consubstanciam-se em obrigações de fazer. Rompida a convivência familiar, transformam-se tais encargos em obrigação de dar, mediante o pagamento de alimentos.
Quando é a mulher que ingressa com a ação, ainda que se qualifique como “do lar” – afirmando que, durante a vida em comum, se dedicou aos afazeres domésticos, não tem qualificação profissional e não trabalha -, sob o fundamento de ser ela jovem e apta a inserir-se no mercado de trabalho, simplesmente lhe são negados alimentos provisórios. Nem adianta demonstrar a condição de vida que o casal desfrutava e a boa situação econômica do varão. Prefere-se aguardar sua citação.
Também quando o filho já atingiu a maioridade, há resistência para a concessão de alimentos em sede liminar. Afastado o encargo da órbita do poder familiar e identificado como dever decorrente da solidariedade familiar, é imposto ao autor o ônus de provar suas necessidades, o que inibe a concessão de alimentos provisórios.
Com relação à obrigação dos avós, igualmente há injustificável resistência. Mesmo que se trate de obrigação de natureza subsidiária e complementar, enorme é a relutância em deferir alimentos em favor do neto, mesmo que ele seja órfão, sua mãe esteja desempregada e haja prova de que os avós desfrutam de confortável condição de vida.
A exigência da prévia citação do réu e da dilação probatória para a concessão dos alimentos provisórios afronta expressa disposição da lei que determina a concessão de alimentos provisórios em sede liminar. Não se pode olvidar que a obrigação alimentar existe, sendo preferível fazer alguém que deve pagar a deixar quem necessita aguardando a instrução do feito para obter os alimentos.
Como a Justiça infelizmente está cada vez mais morosa, a apreciação do pedido de alimentos provisórios, que a lei quer que seja imediata, perde-se no tempo. Ou os juízes, pelo excesso de serviço, marcam a audiência de conciliação para depois de muitos meses ou, ao invés de designar audiência, determinam a citação do réu. Com isso, o pedido liminar é apreciado ou depois da réplica, ou quando da audiência instrutória. É muito tempo!
Trata-se de perversa inversão de valores e princípios.
Há que confrontar os interesses contrapostos: a necessidade de sobrevivência de um e a resistência de outrem em cumprir com obrigação, cuja exigibilidade está comprovada e é indiscutível. Ainda que haja o risco de por breve lapso de tempo, ser contemplado com alimentos quem deles não necessita, este é um mal menor do que privar alguém do direito à vida. Não é mais possível que os juízes continuem protegendo devedores e formando legiões de famintos.
A Justiça não pode mais ser cúmplice de verdadeiros crimes contra quem só quer ter o direito de sobreviver.
Informações Sobre o Autor
Maria Berenice Dias
Advogada, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM