Resumo: O dever de fornecer alimentos a um filho é dever jurídico, mas também dever moral. A lei 11.804/08 disciplina o direito a alimentos da mulher gestante e a forma como este direito será exercido. Essa lei veio regulamentar a existência de alimentos gravídicos, aqueles percebidos pela gestante ao longo da gravidez, como instrumento de efetivação da norma constitucional que garante o direito à vida em sua forma plena. Sem dúvida, o direito à vida é a norma mais importante do ordenamento jurídico brasileiro. E, dessa forma, a sua proteção deve começar desde o momento em que a vida tem início. Certamente, a norma enriquece o ordenamento jurídico pátrio.
Palavras-chave: alimentos gravídicos; obrigação alimentar; direito à vida.
Abstract: The duty to supply foods to a son is legal obligation, but also to have moral. Law 11,848/08 disciplines the right to receive alimony of the pregnancy woman and the form as this right will be exerted. This law came prescribed the pregnancy food existence, those perceived by the pregnancy throughout the pregnancy, as instrument to accomplish the constitutional rules that guarantees the right to the life in its full form. Without a doubt, the right to the life is the norm most important of the Brazilian legal system. E, of this form, its protection must start since the moment where the life has beginning. Certainly, the norm enriches the native legal system.
Keywords: Pregnancy foods; alimentary obligation; right to the life.
Sumário: 1. Introdução. 2. Obrigação alimentar. 3. Lei de alimentos gravídicos: breves reflexões. 4. Considerações finais. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O dever de fornecer alimentos a um filho, antes de ser um dever jurídico, é dever moral, sendo reconhecido como uma modalidade do direito à vida, garantido no texto constitucional. O certo é que deveria ser uma obrigação natural do pai, auxiliar moral e materialmente a companheira, ou esposa grávida, para que possa dar à luz a um novo ser saudável, com condições de sobrevivência.
Lamentavelmente, essa obrigação constitui, muitas vezes, um direito negligenciado, numa sociedade marcada pela injustiça, onde permeia o descaso, a falta de políticas públicas de planejamento familiar e de amparo à maternidade.
Assim, na perspectiva da nova ordem constitucional, faz-se necessário buscar maior compromisso das pessoas que geram, responsabilizando-as pelo nascimento de um novo ser, oportunizando as condições para um nascimento com dignidade, protegendo-se a mulher na fase gestacional que traz com ela a “expectativa de uma nova vida”.
Assim, acredita-se que, inúmeras mulheres grávidas abandonadas pelo companheiro, deixavam de buscar o cumprimento dessa obrigação, chegando a comprometer o desenvolvimento saudável do novo ser em desenvolvimento.
Tema controvertido na doutrina e jurisprudência, o direito do nascituro a alimentos sempre dividiu opiniões, apesar de ser pressuposto para o seu nascimento com vida, direito garantido constitucionalmente.
Para transformar tal realidade, a aprovação da lei de alimentos gravídicos, lei 11.804/08, dá um direcionamento diferente a essa questão. Hoje, o texto do novo diploma legal, assegura à mulher grávida o direito a alimentos que lhe serão devidos por aquele que ela afirmar ser o pai do seu filho. A lei afirma ainda que após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do filho, até que qualquer das partes pleiteie a sua revisão.
2. Obrigação alimentar
O ser humano é carente desde a concepção e sua dependência dos alimentos nada mais é do que condição de vida. Nesse sentido, a expressão “alimentos” significa tudo que é indispensável para satisfazer as necessidades da vida, é, por assim dizer, a contribuição periódica indispensável assegurada a alguém para manutenção da sua própria vida.
Assim, leciona Orlando Gomes:
“alimentos são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si. A expressão designa medidas diversas. Ora significa o que é estritamente necessário à vida de uma pessoa, compreendendo, tão somente, a alimentos, a cura, o vestuário e a habitação, ora abrange outras necessidades, compreendidas as intelectuais e morais,variando conforme a posição social da pessoa necessitada” (GOMES, 1997, p. 404).
A obrigação alimentar é uma
“relação que a lei aplica como sendo de pleno direito a certas relações de família, donde resulta para uma pessoa a obrigação de assegurar a subsistência (alimentos, em sentido amplo) de uma outra na necessidade” (GRISARD FILHO, 2003, p. 375).
A obrigação alimentar, sem dúvida, trata-se de obrigação originária do Estado, que avocou para si a proteção da família e em especial da criança, mas ele quis dividir tal responsabilidade com o particular, através da “teia parental”. Nesta trama parental encontram-se as pessoas reciprocamente obrigadas à prestação de alimentos, os ascendentes e os descendentes, em qualquer grau, e os colaterais até o 2o grau.
Os alimentos decorrem de um dever de solidariedade humana presente nas relações familiares. Tem suas raízes mais profundas no princípio constitucional do direito à vida, ínsito à dignidade da pessoa humana.
A regra é que os parentes podem exigir uns dos outros os alimentos de que necessitem para subsistir, sendo este dever recíproco entre pais e filhos e extensivo a todos os ascendentes. A obrigação de prestá-los recai, todavia, nos de grau mais próximos, passando aos mais remotos na falta uns dos outros. Sua prestação é imposta por lei, sendo classificada como obrigação legal.
Eis a disposição do Código Civil brasileiro:
“Art. 1694: Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
Art. 1.696: O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros.”
O direito a alimentos constitui-se uma decorrência do direito à vida. Por isso, o Estado protege-o com normas de ordem pública, decorrendo daí a sua irrenunciabilidade. A obrigação de sustento é uma das obrigações fundamentais dos pais em relação aos filhos.
A atual Carta Magna determina em seu art. 229: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”, assegurando, assim, a reciprocidade alimentar como um direito essencial à vida e à subsistência.
3. Lei de alimentos gravídicos: breves reflexões
Em vigor desde novembro de 2008, a lei 11.804/08 disciplina o direito a alimentos da mulher gestante e a forma como este direito será exercido. A lei veio regulamentar a existência de alimentos gravídicos, quais sejam, aqueles percebidos pela gestante ao longo da gravidez.
De acordo com o artigo 2º do texto legal entende-se por alimentos gravídicos:
”os valores suficientes para cobrir despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis a juízo do médico, além de outras que o juiz considerar pertinentes”
Com o objetivo de proteger o estado gestacional da mulher, a lei exige para fixação da verba alimentícia à gestante apenas a existência de indícios de paternidade, não se fazendo necessária ampla produção probatória. É o que prevê o artigo 6º do novel diploma legal:
“Art. 6º: Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.
Parágrafo único: Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão ”
Vê-se, portanto, que a lei não está a exigir prova inequívoca, exige apenas indícios capazes de formar a convicção do juiz.
Pelo texto legal, vê-se que o legislador não apontou em que consistem tais indícios de paternidade, deixando tal missão a cargo do julgador que, no caso concreto, irá analisar e ponderar a existência ou não de tais indícios. Em outras palavras, pode-se dizer que o legislador conferiu ao magistrado a possibilidade de uma análise subjetiva.
É induvidoso que na análise desses possíveis indícios de paternidade previstos na lei, o julgador estará, em alguns casos, pisando em terreno arenoso, uma vez que o risco de erro judicial quase sempre se faz presente. Não tem sido tão simples, face ao caso concreto, a análise desses riscos:
“o risco de erro judicial, bem sopesado, deve levar em conta um juízo de proporcionalidade. Com efeito, menor será o dano ao se punir, num eventual erro, o agravado com o ônus de uma obrigação que não é sua. Por outro lado, maior será o dano se o futuro mostrar que o agravado é o pai. O indeferimento dos alimentos gravídicos, eventualmente, penalizará a mãe-agravante a suportar, sozinha, todo o período gestacional, com manifesto prejuízo não só a ela, mas também ao nascituro”. (TJRS. Agravo de instrumento 70029315488, Rel. Des. Rui Portanova, 8ª Câmara Cível, j. em 31/03/2009).
Oportuno trazer à colação os ensinamentos contidos no artigo “Alimentos gravídicos?” de autoria de Maria Berenice Dias:
“apesar das imprecisões, dúvidas e equívocos, os alimentos gravídicos vêm referendar a moderna concepção das relações parentais que, cada vez com um colorido mais intenso, busca resgatar a responsabilidade paterna”.
E como afirma Leandro Soares Lomeu:
“vislumbra-se através da lei de alimentos gravídicos a busca incessante pela dignidade da pessoa humana, pessoa esta considerada desde a sua concepção. Alcança a nova legislação alimentícia as características atinentes a repersonalização do Direito civil, a conseqüente despatrimonialização do direito de Família e a responsabilização efetiva da parentalidade”.
Parece-nos que a lei sob comento veio reforçar a garantia do direito à vida antes mesmo do nascimento. É como afirma em seu artigo “Alimentos para a vida” a autora Maria Berenice Dias:
“Enfim está garantido o direito à vida mesmo antes do nascimento. Outro não é o significado da lei 11.804 de 5/11/2008 que acaba de ser sancionada, pois assegura à mulher grávida o direito a alimentos a lhe serem alcançados por quem afirma ser o pai do seu filho. Trata-se de um avanço que a jurisprudência já vinha assegurando. A obrigação alimentar desde a concepção estava mais do que implícita no ordenamento jurídico, mas nada como a lei para vencer a injustificável resistência de alguns juízes em deferir direitos não claramente expressos”.
4. Considerações finais
Não resta dúvida que a lei de alimentos gravídicos tutela o direito do nascituro a alimentos. É, portanto, a prevalência do direito à vida desde a sua origem.
O direito à vida é a fonte primária de todos os demais direitos, pois estes só podem existir em função daquele. Não faria sentido algum a Constituição Federal assegurar o direito à vida se não fosse possível assegurá-la plenamente. O direito à vida, elevado à categoria de direito fundamental deve ser respeitado da forma mais ampla possível. De tal forma, para garantir o direito do nascituro à vida, exsurge o direito a alimentos, visando atender suas necessidades peculiares, possibilitando-lhe o normal desenvolvimento intra-uterino.
Para nós, não é relevante a expressão adotada pelo legislador: alimentos gravídicos, alimentos para o nascituro ou qualquer outra expressão que por ele fosse utilizada tem pouca importância face à relevância da expressa garantia que veio abrilhantar o ordenamento jurídico brasileiro.
Informações Sobre o Autor
Claudia de Oliveira Fonseca
Professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, Pós-graduada em Direito Civil pela Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais, PUC/ MG, Advogada.