Resumo: Este trabalho trata da pena de prisão, especialmente no que se refere à prisão cautelar, conceito, evolução histórica, características, finalidade e aspectos controvertidos, bem como do movimento minimalista e garantista. Para a realização do mesmo, foi feita uma abordagem acerca da limitação do poder punitivo do estado, necessária à consubstanciação de direitos fundamentais. Utilizou-se o método analítico-descritivo, através de levantamentos bibliográficos, informações sobre as espécies de prisão provisória, bem como um estudo acerca dos requisitos para a obtenção da liberdade provisória em toda a legislação processual penal, a efetividade da prisão provisória, legislação e jurisprudência brasileiras sobre o assunto. Todo o trabalho foi focado diante de uma perspectiva garantista e minimalista para a preservação de direitos individuais.
Palavras-chave: pena; prisão; prisão cautelar; garantismo; minimalismo; direitos individuais.
Abstract: This work deals with the prison sentence, especially with regard to prison precautionary concept, historical development, characteristics, purpose and controversial aspects, as well as the minimalist movement and guaranteed. For the realization of it, was made an approach about the limitation of punitive power of the state, required the realization of fundamental rights. We used the descriptive-analytical method, through literature surveys, information on the species of custody, and a study on the requirements for obtaining bail in any criminal procedure law, the effectiveness of preventive detention, legislation and Brazilian law on the subject. All the work was focused on a minimalist perspective of ensuring the preservation of individual rights.
Keywords: pen, prison, prison injunction, granted; minimalism; individual rights.
Sumário: 1. Introdução. 2. A Pena de Prisão. 2.1. Evolução Histórica. 2.2. A função da Pena. 3. Garantismo e Minimalismo Penal – Limites ao “Jus Puniendi” Estatal. 4. A Prisão Provisória no Ordenamento Jurídico Brasileiro. 5. Alternativas à Prisão Cautelar à Luz do Garantismo e Minimalismo Penal. 6. Medidas Cautelares Alternativas à Prisão. 7. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
O presente trabalho se insere dentro de um estudo acerca da limitação do poder punitivo do Estado, não apenas no que se refere ao direito material, mas, efetivamente, em face dos drásticos efeitos da intervenção estatal, quando da aplicação da pena privativa de liberdade e seu impacto destrutivo e irreversível, abarcando-se, principalmente, a persecução penal, necessariamente, aos aspectos devastadores da prisão cautelar.
Nesse sentido, diante da existência de um Direito Penal Mínimo e Garantidor, e da necessidade de limites ao ius puniendi, especada em princípios constitucionais, desenvolvem-se as linhas que se seguem, analisando-se, primeiramente, a pena de prisão, dentro de uma perspectiva histórica, axiológica e finalista.
Assim, insere-se na discussão, algumas questões acerca desses limites, inclusive no que tange à posição do magistrado, quando da aplicação de medidas restritivas de liberdade, atentando-se para a possibilidade de sua não aplicabilidade, dentro de um contexto garantista minimalista, com espeque em fundamento de validade presente no texto constitucional, dentro da ótica da excepcionalidade, abarcado pela doutrina pátria e estrangeira, e consubstanciado em Declarações sobre Direitos Humanos, Pactos Internacionais e Recomendações.
Discute-se, incisivamente, a prisão pena, principalmente, a real finalidade de sua aplicação, salientando-se concepções retributivas, fundamentadoras e unificadoras, e, através da correlação de momentos históricos diversos, ilustra-se a necessidade, urgente, de alterações, não apenas no que se refere à forma de interpretação fulcrada nos ditames garantistas, mas também no sentido de se criar uma legislação processual de base principiológica, tendente a ilidir a pseudofunção simbólica da pena de prisão que é a promoção de uma falsa segurança pública.
Neste contexto, insere-se, ainda, as expectativas do Projeto de Lei 4.208/01, que cria alternativas à prisão cautelar, prisão sem pena, inovando, na tentativa de diminuir o terror da prisão custódia, oferecendo ao magistrado um leque de opções a serem aplicadas àquele que, mesmo em situação de inocência, é privado de sua liberdade, em nome de uma prevenção geral fundamentadora, que ultrapassa os limites impostos pelos direitos fundamentais do indivíduo, previstos na Lei Maior.
Assim, busca-se criar um debate acerca deste instituto em declínio, além de demonstrar a ilegitimidade das prisões provisórias e a necessidade de alternativas outras, que possibilitem ao Estado, dentro dos limites impostos, realizar a atividade persecutória, sem transformar o processo penal em uma verdadeira pena.
2. A pena de prisão
A pena é a consequência da prática de um fato típico, ilícito culpável e punível. É expressão máxima do jus puniendi estatal.
Entretanto, de acordo com a expressão de Luigi Ferrajoli, embora e Estado tenha o dever/poder de aplicar a sanção penal àquele que, violando o ordenamento jurídico-penal, praticou determinada infração, deve-se observar os princípios expressos na Constituição Federal.
A Constituição Federal de 1988 proibiu uma série de penas, consideradas atentatórias a direitos fundamentais. Entretanto, a legislação penal e processual vigente é da década de 40, devendo o magistrado, sempre que for aplicar uma pena, fazer uma interpretação conforme a Constituição.
Assim preleciona Rogério Greco:
“Um Estado que procura ser garantidos dos direitos daqueles que habitam sem seu território deve, obrigatoriamente, encontrar limites ao seu direito de punir. Mas, embora hoje se pense dessa forma, pelo menos nos países em que se procura preservar a dignidade da pessoa humana, nem sempre foi assim. O sistema de penas já foi cruel, sendo que as pessoas se deleitavam ES assistir às execuções que ocorriam, muitas vezes, em praças públicas”.[1]
Com muita precisão Luigi Ferrajoli:
“A história das penas é, sem dúvida, mas horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos: porque mais cruéis e talvez mais numerosas do que as violências produzidas pelos delitos têm sido as produzidas pelas penas porque, enquanto o delito costuma ser uma violência ocasional e às vezes impulsiva e necessária, a violência imposta por meio da pena é sempre programada, organizada por muitos contra um”.[2]
De acordo com o art. 5º, III, da Constituição Federal do Brasil: “Não haverá penas cruéis”. Assim, também, prescreve a Lei Maior: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do direito, a idade e o sexo do apenado, e assegura-se aos presos a integridade física e moral”.
Nesse sentido, a Declaração Universal dos Diretos Humanos (1948), a propósito, em seu art. V, afirma que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamentos ou punições cruéis, desumanas ou degradantes’.
O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966) afirma que “toda pessoa privada da sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e com respeito à dignidade da pessoa humana”.
A prisão como resultado final do poder punitivo, como factum que é, constitui-se em foco de arbitrariedades, violência e de corrupção.
Na Europa, em meados do século passado, acreditava-se que o crime tinha sua origem primordialmente em causas individuais. Passava-se ao largo das causas sociais. Imaginou-se, então, que submetendo o recluso a um tratamento não haveria reincidência.
Logo, se constatou a absoluta inviabilidade de ressocialização do condenado dentro da prisão. Emerge, assim, com energia, a idéia das penas alternativas ou substitutivas, que foram objeto das famosas regras de Tóquio (Resolução 45/110, da ONU, Assembléia Geral realizada em 14.12.1990). No Direito Brasileiro, toda essa ideologia encontrou eco não só na Lei 9.099/95, mas também e, sobretudo, na Lei 9.714/98 (Lei das Penas Alternativas e substitutivas à Prisão).
Nesse diapasão, é importante frisar que esta ainda é uma fase de transição. A substituição da prisão por multa ou penas restritivas de direitos não deixa de ser uma evolução humanitária, mas a verdade é que continua a pena de prisão sendo o eixo do Direito Penal e Processual Penal – ainda é uma necessidade diante das imperfeições da humanidade.
Propõe-se, assim, aperfeiçoar a pena privativa de liberdade, quando necessária, e substituí-la, quando possível e recomendável.
Claus Roxin adverte “não ser exagero dizer que a pena privativa de liberdade de curta duração, em vez de prevenir delitos, promove-os” [3]. É recomendável que “as penas privativas de liberdade limitem-se às penas de longa duração e aqueles condenados efetivamente perigosos e de difícil recuperação.”[4]
Hoje, não mais se justificam as expectativas da sanção criminal tradicional. Deve-se buscar alternativas. Caminha-se, portanto, em busca de substitutivos para a pena de prisão.
Bettiol, há mais de 40 anos, já advertia que “o Direito Penal começa onde o terror acaba, é igualmente verdade que o reino do terror não é apenas aquele em que falta uma lei e impera o arbítrio, mas é também aquele onde a lei ultrapassa os limites da proporção na intenção de deter as mãos dos delinqüentes”.[5]
Assim, faz-se necessário conhecer o surgimento, a evolução e perspectiva da pena privativa de liberdade, bem como seus reais fundamentos.
2.1 Evolução Histórica
A prisão-pena surge em fins do século XVI para o seu declínio dois séculos seguintes. A Antiguidade desconheceu a pena privativa de liberdade estritamente considerada como sanção penal.
Até o final do século XVIII, a prisão serviu somente à contenção e guarda de réus, para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados ou executados.
Recorria-se, fundamentalmente, à pena de morte, às penas corporais (mutilação e açoite) e às penas infamantes.
Usava-se a tortura para descobrir a verdade. Aliás, essa prática ainda é tolerada nos dias atuais, nas prisões pré-processuais, principalmente, em Delegacias de Policia interioranas, onde os agentes ultrapassam todos os limites impostos pelo Estado social e Democrático de Direito, violentando claramente direitos humanos positivados constitucionalmente.
Nesse sentido, Von Hentig acrescenta que “as masmorras das casas consistoriais e as câmaras de torturas estavam umas ao lado das outras e mantinham presos até entregá-los aos Montes das Orcas ou às Pedras dos corvos, abandonando, amiúde, mortos que haviam sucumbido à tortura ou à febre do cárcere”.[6]
A prisão era concebida como uma antecipação da extinção física, contenção e custódia do réu, que esperava, em condições subumanas, a execução da pena pelo carrasco que atuava em estrito cumprimento de dever legal.
A prisão primitiva era lugar de custódia e tortura. Essa concepção de prisão custódia para garantia de aplicação da pena definitiva é presente nos dias atuais como justificativa para a decretação de prisão cautelar[7].
Fazendo-se uma digressão, verifica-se que a Grécia, civilização helênica, desconheceu a privação de liberdade como pena, mas Durkheim afirma que parece certo que, em alguns casos, a pena de prisão foi imposta em Atenas, como castigo especial.[8]
Há que se salientar, entretanto, que esse conceito de prisão custódia, foi proposto por Platão, no livro nono de As Leis, quando propunha o estabelecimento de três tipos de prisão: “uma na praça do mercado, que servia de custódia; outra denominada sofonisterium, situada dentro da cidade, que servia de correção; e uma terceira destinada ao suplício, que, com o fim de amedrontar, deveria constituir-se em lugar deserto e sombrio, o mais distante da cidade”.[9]
Platão descrevia, em sua obra, duas vertentes da privação de liberdade, existentes até hoje, na maioria dos ordenamentos jurídicos: a prisão como pena e a prisão como custódia (cautelar ou provisória), esta última a única forma efetivamente empregada na antiguidade clássica.
De acordo com Carrara, os romanos foram “gigantes no Direito Civil e pigmeus no Direito Penal”, só conheceram a prisão com a finalidade de custódia. Assim dizia Ulpiano: “ carecer enin ad continendos humines non ad puniendos haberit depit” (a prisão serve não para castigo dos homens, mas para sua custódia).[10]
O Direito Germânico também não conheceu a prisão com caráter de pena, uma vez que nele predomina a pena de morte e as penas corporais. Durkheim refere-se a uma passagem do Código de Manú onde consta que a pessoa era mantida presa para ser exposta ao público e que a prisão era pressuposto necessário dos castigos que se impunham, embora, em si mesma considerada, não constituísse um castigo[11].
Nesse contexto, é importante salientar, também, que as prisões eram executadas nos piores lugares, utilizavam-se de terríveis calabouços, aposentos, frequentemente em ruínas ou insalubres, torres de castelos, conventos abandonados, palácios e outros edifícios, até mesmo poços d’águas.
Hoje, a depender da situação econômica do Estado, a realidade de suas províncias ou cidades, essa situação se verifica nas Delegacias de Polícias, onde se procede, em sua maioria, as prisões custódia, vez que são também localizadas nos piores imóveis, com instalações inadequadas e condições subumanas.
Destarte, verifica-se que na Antiguidade, a finalidade da prisão se restringia à custódia dos réus até a execução. Embora esta finalidade tenha surgido com a evolução do Direito Penal, já na segunda fase, quando da Vingança Pública, em substituição à Vingança Privada, ainda persiste, nos dias atuais, com o mesmo fundamento, quando se prescreve a necessidade de prisão do réu como forma de garantia efetividade do jus puniendi estatal.
Evoluindo-se para a Idade Média, constata-se que a idéia de pena privativa de liberdade, também, ainda, não aparece. As sanções criminais estavam submetidas ao arbítrio dos governantes que as aplicavam em função do status econômico dos réus. Assim, antes mesmo da consubstanciação da prisão como pena, já surgia um substitutivo para tal sanção, a prestação pecuniária em metal ou em espécie, restando a pena de prisão, excepcionalmente, para aqueles casos em que os crimes não tinham suficiente gravidade para sofrer condenação à morte ou mutilação.
É nesse período que surgem as prisões de Estado e eclesiástica. Na prisão de Estado, eram presos os inimigos do poder, real ou senhorial, que tivessem cometido delitos de traição, e os adversários políticos dos governantes. Imperava, ainda, a prisão-custódia. Não tinha uma arquitetura específica para este fim.
Já a prisão canônica era mais humana que a prisão secular, que era baseada em suplícios e mutilações. Prevalecia, na Idade Média, um direito ordálico, tendo como prova dos delitos praticados pelo indivíduo o abandono que dele faz Deus ao retirar-lhe a sua ajuda para superar as provas a que era submetido (da água, do fogo, do ferro candente). Assim, aquele que não superasse a prova era culpado, se não tivesse em pecado, se não tivesse praticado o delito, sairia ileso da prova. Nesse período havia um elevado índice de erro judiciário, prevalecendo, ainda, exações ilegais e prevaricações por parte dos magistrados.
De acordo com Kaufmann, a pena privativa de liberdade foi produto do desenvolvimento de uma sociedade orientada para a consecução da felicidade, surgida do pensamento Calvinista Cristão.[12]Assim, considerava-se que uma das poucas exceções à prisão-custódia do século XVI tenha sido a prisão canônica.
O Direito Canônico contribuiu consideravelmente para o surgimento da prisão moderna, principalmente em relação à idéia de reforma do delinqüente. Precisamente do vocábulo “penitência” de estreita ligação com o direito canônico, surgiram as palavras penitenciária e penitenciário.
Entre as bases das penas canônicas, encontrava-se o conceito de pena medicinal (pena da alma), onde a reclusão tinha como objetivo induzir o pecador a arrepender-se de suas faltas e emendar-se graças à compreensão da gravidade de sua culpa.
Essa noção de arrependimento, meditação, aceitação íntima da própria culpa, são idéias que se encontram intimamente vinculadas ao direito canônico ou aos conceitos que provieram da Bíblia.
A positivação de alguns princípios, hoje, deve-se à influência do direito canônico, tal como a individualização da pena conforme o temperamento e o caráter do réu, princípio este, também, pregado por Cesare Lombroso e a Escola Positiva, com fulcro na periculosidade do agente.
Neste contexto, a pena ou penitência tendia a reconciliar o pecador com a divindade, pretendendo despertar o arrependimento no ânimo do culpado.
Logo, a prisão canônica é um antecedente importante da prisão moderna, entretanto, com fundamentos outros.
Foi, sobretudo, em meados do século XVI, que se iniciou um movimento de grande transcendência no desenvolvimento das penas privativas de liberdade, na criação e construção das prisões organizadas para a correção dos apenados. Foram criadas em Amsterdam, em 1596, casas de correção para homens (rasphuis), em 1957 outra prisão, a spinhis, para mulheres, e em 1960, uma seção especial para jovens. Percebe-se, claramente, a aplicação da individualização da pena. Para os que cometiam delitos mais graves mantinha-se ainda a aplicação de outras penas, como exílio, açoites, pelourinho, dentre outras. Para controle do crime, os códigos penais, ainda confiavam, principalmente, nas penas pecuniárias e corporais e em penas capitais.
As prisões de Amsterdam, edificadas expressamente para tal fim, contando com um programa de reforma, alcançaram grande êxito e foram copiadas em muitos países europeus. Outros, entretanto, utilizaram-se de uma das mais duras modalidades de pena – a prisão de galés – espécie de prisão flutuante, utilizada na Inglaterra, França, Espanha, Veneza, Gênova.
As primeiras instituições de reclusão, na Inglaterra e na Holanda, surgiram em função de uma exigência relacionada ao desenvolvimento geral da sociedade capitalista que à genialidade individual de algum reformador. Esse modelo punitivo tinha o fim de evitar o desperdício de mão-de-obra e ao mesmo tempo controla-la, regulando a sua utilização, de acordo com as necessidades de valoração do capital. Entretanto, essa relação existente entre força de trabalho e trabalho forçado não esgotava a realidade das casas de trabalho.
Assim, a prisão surge, quando se estabelecem as casas de correção Holandesas e Inglesas cuja origem não se explica pela existência de um propósito humanitário, mas pela necessidade que existia de possuir um instrumento que permitisse não tanto a reforma ou a reabilitação, mas a sua submissão ao regime capitalista. Serviu também como meio de controle de salários.
O objetivo fundamental das instituições de trabalho era que o trabalhador aprendesse a disciplina capitalista de produção. Entretanto, é insuficiente a afirmação de que a prisão e seu afã de reforma são simples reflexos do modo de produção capitalista, já que sua função se circunscreve a impor a dominação econômica e ideológica da classe dominante.
Por outro lado, a pena privativa de liberdade não surgiu apenas porque a pena de morte estava em declínio ou porque se queria criar uma pena que se ajustasse melhor a um processo de humanização ou, ainda, que pudesse conseguir a recuperação do criminoso. Isso é excessivamente abstrato e a – histórico.
Várias razões levaram ao surgimento da pena privativa de liberdade. A partir do século XVII, começa-se a valorizar mais a liberdade e se impõe progressivamente o racionalismo. As transformações econômicas que levaram a uma pobreza extrema de grande quantidade de pessoas que deveriam dedicar-se à mendicidade ou praticar delitos, aumentando a criminalidade e o número de delinqüentes e, finalmente, a razão econômica – “o confinamento foi exigência de algo muito distinto da preocupação com a cura. O que o fez necessário foi um imperativo de trabalho[13].
Na opinião da doutrina, a pena de prisão não passou de uma respostas dada pelo século XVII a uma crise econômica que afetara o mundo ocidental em seu conjunto: queda de salários, desempregos, escassez de moeda, dentre outros.
Para Foucault “a época clássica utiliza o confinamento de maneira equivocada, para fazê-lo desempenhar um duplo papel: reabsorver o desemprego, ou, pelo menos, apagar seus efeitos sociais mais visíveis e controlar as tarifas quando houver risco de subirem muito; atuar alternativamente sobre o mercado de mão-de-obra e os preços de produção. Na realidade, parece que as causas de confinamento não puderam realizar eficazmente a obra que delas se esperava. Se absorviam os desempregados era sobretudo para dissimular a miséria e evitar os inconvenientes políticos ou sociais de uma possível agitação, mas ao mesmo tempo em que eram colocados em oficinas obrigatória, o desemprego aumentava nas regiões vizinhas e nos setores similares.
Nesse sentido, verifica-se que a vinculação da prisão à necessidade econômica ratifica a tese de que “é um mito pretender ressocializar o delinqüente por meio da pena privativa de liberdade[14]”.
As correntes iluministas e humanitárias, das quais Voltaire, Montesquieu e Rousseau seriam fiéis representantes, fazem severa crítica aos excessos imperantes na legislação penal, propondo que o fim do estabelecimento das penas não deve consistir em atormentar um ser sensível.
O marquês Cesare Beccaria, em sua obra, Dos Delitos e das Penas, de 1764, recomenda que é melhor prevenir o crime do que castigá-lo. Constrói um sistema criminal que substituirá o desumano, impreciso, confuso e abusivo normativismo anterior.
Beccaria menciona o contrato social nos dois primeiros capítulos de sua obra. “As leis são as condições em que os homens isolados e independentes uniram-se em sociedade, cansados de viver em um contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade que não tinham certeza da utilidade de conservá-la”.[15]
Além disso, tinham uma concepção utilitarista da pena que considerava a pena um simples meio de atuar no jogo de motivos sensíveis que influenciam a orientação da conduta humana. Procurava-se um exemplo para o futuro, mas não uma vingança pelo passado. Não se subordinava à idéias do útil ao justo, ao contrário, subordinava-se à idéia do justo ao útil. Para Beccaria “o fim, pois, a seus cidadãos e afastar os demais do cometimento de outros iguais. Consequentemente, devem ser escolhidas aquelas penas e aquele método de impô-las, que, respeitada a proporção, causem uma impressão mais eficaz e mais durável sobre o ânimo dos homens e que seja a menos dolorosa para o corpo do réu”[16].
Nesse contexto, o filósofo e jurista italiano não admitia a vingança como fundamento do jui puniendi. Preocupava-se, ainda com a razoável duração do processo, já em 1764, pregando a necessidade de que a pena fosse aplicada sem demora, uma vez que a preocupação do réu acerca da incerteza da sentença figurava-se um tormento, criando situações de angustia para aqueles que estão sob julgamento.
Beccaria criticava as prisões do seu tempo: “porque parece que no presente sistema criminal, segundo a opinião dominante, prevalece a idéia da força e da prepotência da justiça, porque se atiram confundidos em uma mesma caverna os denunciados e os condenados”[17].
Além disso, era totalmente contra as penas infamantes pelo fato de descartarem toda a possibilidade de reabilitação. Assim “uma casa de correção para atingir esse objetivo deve ser suscetível à separação dos delinqüentes em diferentes seções para que possam ser adotados meios diversos de educação à diversidade de estado moral”.[18] Acreditava, então, que se deveria analisar o motivo que produziu o delito e aplicar uma pena adequada para enfraquecer o motivo.
Nesse sentido, considerava que as prisões, salvo raras exceções, apresentam as “melhores condições” para infestar o corpo e a alma.[19]
Assim, prescreve, ainda, que “com suas condições inadequadas e seu ambiente de ociosidade, as prisões despojam os réu de sua honra e de seus hábitos laboriosos, os quais saem dali para serem impelidos outra vez ao delito pelo aguilhão da miséria, submetidos ao despotismo subalterno de alguns homens geralmente depravados pelo espetáculo do delito e ao uso da tirania. Esses desgraçados podem ser sujeitos a mil penas desconhecidas que os irritam contra a sociedade que os endurece e os faz insensíveis as sanções. Em relação à moral, uma prisão é uma escola onde se ensina a maldade por meios mais eficazes que os que nunca poderiam empregar-se para ensinar a virtude: o tédio, a vingança e a necessidade presidem essa educação de perversidade”[20].
Nesse diapasão, verifica-se que é imprópria e ineficaz a utilização da prisão cautelar, vez que não teria outra finalidade senão a custódia do acusado, finalidade esta repelida, desde os primórdios, já que não existe nada mais infamante que uma prisão pré-processual.
Essa idéia se enquadra perfeitamente, hoje, no que se denomina “subcultura carcerária” – linguagem, costumes e leis próprias do cárcere.
Logo, verifica-se que, em 1764, já se criticava o sistema criminal que perdura na atualidade, quando se permite, na prática, a permanência de presos provisórios e definitivos em uma mesma cela, em total violação a princípios constitucionais explícitos tais como o da inocência ou não-culpabilidade e da individualização da pena.
O problema apontado no livro ainda é vigente, tanto do ponto de vista jurídico como criminológico.
Assim, a pena de prisão já nasceu condenada ao fracasso – não há possibilidade de a pena privativa de liberdade realizar um objetivo reabilitador do delinqüente. Há necessidade de se construir estabelecimentos adequados para o cumprimento da pena privativa de liberdade, sem ignorar que as prisões deveriam proporcionar ao apenado um regime higiênico, alimentar e de assistência médica que permitisse cobrir as necessidades elementares.
É nesse contexto que se insere mais uma vez os aspectos econômicos, vez que uma sociedade marcada por problemas políticos e sociais não pode, por outro lado, vislumbrar uma cadeia pública com condições melhores que a realidade da maioria dos trabalhadores.
Por outro lado, no século XVIII, era natural pensar que a religião podia ser um instrumento adequado para obter a transformação do delinqüente. Assim, com base nas idéias Calvinistas, alguns estudiosos viam, no isolamento dos delinqüentes, um fator favorável à reflexão e ao arrependimento, além disso combatia os inúmeros males da promiscuidade.
Esse isolamento do delinqüente, com base no princípio da individualização da pena, deveria reger, principalmente as situações em que a prisão serve como meio assecuratório, prisão provisória ou cautelar. Entretanto, verifica-se que, em muitos ordenamentos jurídicos, ainda não se tem conseguido a separação apropriada entre preventivos e sentenciados.
Jeremy Bentham, foi um dos primeiros autores a expor suas idéias acerca da importância da arquitetura penitenciária. Ele pregava que “em muitos casos é impossível remediar o mal cometido, mas sempre se pode tirar a vontade de fazer o mal, porque por maior que seja o proveito de um delito sempre se pode ser maior o mal da pena”.[21]
Além disso, Bentham defendia certa severidade na sanção penal, “um preso que sofre essa pena por delitos quase sempre praticados por indivíduos de classe mais pobre não deve gozar de uma condição melhor que indivíduos da mesma classe que vivem em estado de inocência e liberdade”[22]. Aduzia ainda que “ a regra da severidade é essencial, porque uma prisão que oferece aos delinqüentes uma situação melhor que a sua condição originária no estado de inocência seria uma tentação para os homens fracos e desgraçados, ou, pelo menos, não teria o caráter da pena que deve intimidar quem se sente tentado a cometer um delito”[23].
Destarte, novamente, retorna-se ao raciocínio clássico, do suplício, da penitência, vez que, pensar unicamente na melhora do sistema carcerário, isoladamente, pode ser um progresso a título de Direitos Humanos, mas levaria a uma realidade desproporcional que resultaria em uma forte inversão de valores, ainda maior: a vida intramuros seria melhor que a vida extramuros. Entretanto, no que tange ao cárcere, é gritante a necessidade de isolamento, não no contexto positivado do RDD[24], mas, sim dentro de uma perspectiva constitucional, atinente ao princípio da individualização da pena, principalmente no que se refere às prisões custódia – cautelar e provisória.
2.2 A função da Pena
Para Muños Conde a justificativa da pena não é uma questão religiosa nem filosófica, e sim “uma amarga necessidade se seres imperfeitos que são os homens”.
De acordo com Bitencourt, à concepção de Estado corresponde, da mesma forma, uma de pena, e a esta, uma de culpabilidade.[25]o estado faz uso da pena para organizar a sociedade e fazer valer o contrato social, ou seja, a pena é o instrumento que se vale o Estado para manter a sociedade organizada. Pena e Estado são conceitos intimamente relacionados entre si.
O Estado utiliza a pena para proteger de eventuais lesão determinados bens jurídicos, assim, considerados em uma perspectiva minimalista, os bens jurídicos mais importantes, bens jurídicos penais, em função do caráter subsidiário do Direito Penal.
A pena deve ser analisada, levando-se em consideração o seu sentido, função e finalidades, bem como o modelo sócio-econômico e a forma de Estado em que se desenvolve este sistema sancionador.
A função e a finalidade da pena estão intimamente ligados ao conceito dogmático de culpabilidade adotado. Von Liszt já destacava ao afirmar que “pelo aperfeiçoamento da teoria da culpabilidade mede-se o progresso do Direito Penal”.
É o conceito de culpabilidade que vai fundamentar o castigo estatal. De acordo com Hassemer, a moderna dogmática da culpabilidade procura critérios para precisar o conceito de poder geral em um campo próximo. “Evidentemente os fins da pena como teorias que indicam a missão que tem a pena pública, são um meio adequado para concretizar o juízo de culpabilidade. Uma concreção do juízo de culpabilidade sob o ponto de vista dos fins da pena promete, além do mais, uma harmonização do sistema jurídico – penal, um encadeamento material de dois setores fundamentais, que são objeto hoje dos dois maiores ataques por parte dos críticos dos Direito Penal”.[26]
Existem várias teorias que explicam o sentido, a função e a finalidade das penas, as mais importantes são: teorias absolutas, teorias relativas (prevenção geral e prevenção especial) e teorias unificadoras ou ecléticas,especialmente a teoria dialética unificadora garantista de Claus Roxin.
Kant e Hegel foram os principais representantes das teorias absolutas ou retributivas da pena.
Kant elaborou sua concepção retributiva especada na idéia de que a lei penal era um imperativo categórico. Para o filósofo, a pena deve ser aplicada somente porque houve infringência à lei. Seu objetivo é simplesmente realizar a justiça, porque, “quando a justiça é desconhecida, os homens não têm razão de ser sobre a terra”.[27]
Assim, “se uma sociedade civil chegasse a dissolver-se, com o consentimento geral de todos os seus membros, como, por exemplo, se os habitantes de uma ilha decidissem abandoná-la e despersar-se, o ultimo assassino mantido na prisão deveria ser executado antes da dissolução, a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime, e que o homicídio não recaísse sobre o povo que deixasse de impor esse castigo, pois poderia ser considerado cúmplice dessa violação pura da justiça”.[28]
Logo, o réu deveria ser castigado pela única razão de haver delinqüido, sem levar em conta nenhum utilitarismo da pena para ele ou para os demais integrantes da sociedade.
Hegel por sua vez, pregava que a racionalidade e a liberdade são, pois, a base do direito. Assim, o delito é a negação do direito, manifestação de uma vontade irracional, vontade particular em contraposição à vontade geral, representada no contrato social.
Estas teorias não explicam a finalidade da pena, pune-se pelo simples fato de o sujeito ter delinqüido. Segundo Francisco Carrara, seria necessária uma outra teoria que explicasse a punição estatal:
“(…)Todas essas fórmulas têm por base um princípio moral abstrato, mostrando que o delinqüente merece punição, mas não explicando porque está infligida pela autoridade social, e exclusivamente por ela. De tal modo, para se chegar a esse resultado, há necessidade de uma segunda teoria e de uma segunda demonstração, assim como a fórmula de necessidade social requer uma segunda teoria para demonstrar a razão de ser do Estado”.[29]
De acordo com as teorias retributivas é indispensável que seja aplicada a sanção penal, sob pena de renúncia ao Direito. Ambos os retribucionistas foram inspirados pelo Talião, vingança pública.
Para Roxin essa concepção se baseava em um ato de fé e, criticando essas teorias, assevera:
“As teorias da retribuição não nos serve, porque deixa na obscuridade os pressupostos da punibilidade, porque não estão comprovados as seus fundamentos e porque, como profissão de fé irracional e além do mais contestável, não é vinculante”.[30]
Nas teorias relativas a pena se impõe para que não volte a delinqüir. A necessidade de pena não se baseia na idéia de realizar a justiça, mas a função de inibir, tanto que possível, a prática de novos delitos. A função preventiva da pena divide-se em geral e especial.
Essa teoria foi desenvolvida dentro da concepção iluminista, quando da transição do Estado Absolutista para o Estado Liberal.
De acordo com a prevenção geral a ameaça da pena produz no indivíduo uma motivação para não cometer delito. Entretanto, essa teoria não leva em consideração um aspecto importante da psicologia do delinqüente: sua confiança em não ser descoberto.
Tal teoria tem como base o homem racional, que pensa que não vale a pena delinqüir, vez que será castigado – coação psicológica, sob pena de coação física.
Claus Roxin, com maestria, critica a prevenção geral, vez que o homem médio em situações normais é influenciado pela ameaça de pena, mas isso nem sempre acontece se se tomar por base os criminosos profissionais, habituais, impetuosos ocasionais. Para ele, “cada delito já é, pelo só fato de existir, uma prova contra a eficácia da prevenção geral.
Aliás, a teoria da prevenção geral leva a um defeito ético-social, vez que se pune um indivíduo em benefício de outros. É a aplicação da máxima de que os fins justificam os meios, em total afronta ao Estado Social e Democrático de Direito. Fica evidente a instrumentalização do homem delinqüente violando a dignidade humana.
Nesse sentido, verifica-se que os destinatários da norma jurídica deverão ter conhecimento dos fatores que vão desencadear um efeito preventivo geral.
Em face desse conhecimento da norma seria necessário também que os destinatários se sintam motivados em seus comportamentos, ou seja, agir conforme ou contra a norma. Assim, o conhecimento deverá ser determinante para o comportamento para poder ser uma solução do problema jurídico-penal.por outro lado, questiona-se também a idoneidade dos meios preventivos, vez que a pena intimida, mas deve ser proporcional, não se pode punir de forma desarrazoada.
Segundo Hassemer, é comum, visando a prevenção geral, agravar as penas (Fundamentos de Direito Penal, p. 387). Assim, em determinadas situações consideram-se legítimas penas extremamente rigorosas para garantir o efeito intimidatório. Aproveitando este gancho, verifica-se que a prevenção da prisão cautelar para determinadas infrações penais tem como espeque a teoria da prevenção geral.
Entretanto, do ponto de vista da evolução jurídico-penal, tal teoria apresenta-se questionável, carecendo de legitimação, segundo os fundamentos constitutivos do ordenamento jurídico.
A teoria da prevenção geral tem como defensores Bentham, Beccaria, Filangieri, Schopenhauer e Feuerbach, dentre outros.
Por outro lado, a prevenção especial se especa na ressocialização e reeducação do delinqüente, na intimidação dos que ainda não praticaram e na neutralização dos incorrigíveis. Essa corrente não buscava uma intimidação geral apenas, mas também intervir diretamente sobre os indivíduos, seguindo os ditames do Estado intervencionista.
Esta prevenção especial tem por base a periculosidade do agente. Entretanto, não são os delinqüentes mais perigosos que são levados comumente aos tribunais, são os menos hábeis, ou seja, os que calcularam mal a probabilidade de serem descobertos. Logo, tal teoria especada na periculosidade deixa o cidadão ilimitadamente ao arbítrio jurídico do Estado.
Mas a situação mais inconveniente da prevenção especial está, justamente, na ressocialização, na readaptação social, função atribuída à pena privativa de liberdade. Muñoz Conde, citando Durkheim, afirma que a criminalidade é apenas mais um comportamento da sociedade sã e que é a própria sociedade que a cria e a define. Aduz, ainda, que é correta a afirmação de que a sociedade e não o delinqüente que deveria submeter-se à ressocialização. A ressocialização presume a existência de um processo interativo e comunicativo entre indivíduo e sociedade, a cuja norma deve adaptar-se o indivíduo:
“As normas sociais não são algo imutável e permanente às quais o indivíduo deve adaptar-se obrigatoriamente, mas sim o resultado de uma correlação de forças sujeitas a influências mutáveis. Falar, portanto, de ressocialização do delinqüente sem questionar, ao tempo, o conjunto normativo a que se pretende incorporá-lo significa aceitar como perfeita a ordem social vigente sem questionar nenhuma de suas estruturas, nem mesmo aquelas mais diretamente relacionadas com o delito praticado”.[31]
Nesse sentido, aduz ainda Muñoz Conde:
“A norma penal contém uma série de expectativas de conduta legalmente determinadas, cuja frustração possibilita, sob certas condições, a aplicação de uma pena. O fim da execução dessa pena seria, por conseguinte, restabelecer, no futuro, às expectativas nelas contidas, evitando, assim, a prática de novos delitos, em outros termos, a reincidência.”[32]
É certo que colocar em prática a idéia ressocializadora é muito difícil, vez que não se pode pretender, em hipótese alguma, reeducar ou ressocializar uma pessoa para a liberdade em condições de não-liberdade.
É também importante frisar, principalmente, a questão do tratamento penitenciário – a vida no cárcere impossibilita a ressocialização e fere direitos fundamentais do apenado. Assim, o tratamento prisional distancia, em muitos aspectos, a realidade prática da idéia ressocializadora da teoria da prevenção especial.
Uma série de fatores contribuem para o fracasso do tratamento ressocializador da execução da pena. Tais como a falta de pessoal capacitado e meios adequados para tanto. Logo, o conceito de ressocialização deve ser submetido a novos debates e discussões, principalmente no que tange ao meio utilizado pelo Estado para alcançar esse fim.
Em um outro sentido caminham as teorias mistas ou unificadoras, vez que tentam unir em um único conceito os fins da pena,limitando-se a justapor os fins preventivos, especiais e gerais, reproduzindo assim as insuficiências da concepções monistas da pena.
As teoria unificadoras atribuem ao Direto Penal uma função de proteção à sociedade, e é a partir dessa base que as correntes doutrinárias se diversificam. De um lado uma corrente conservadora representada pelo Projeto Oficial do Código Penal Alemão, de 1962, que pregava que a proteção da sociedade deve ter como base, a retribuição justa, e, na determinação da pena, os fins preventivos desempenham um papel complementar, dentro da linha retributiva. Por outro lado, uma corrente progressista, com fulcro no Projeto Alternativo Alemão, de 1966, que tem como fundamento da pena a defesa da sociedade, ou seja, a proteção de bens jurídico, e a retribuição corresponde à função apenas de estabelecer o limite máximo de exigências de prevenção, dentro de um critério limitador.
Assim, dentro desta corrente, verifica-se a teoria da prevenção geral positiva fundamentadora e prevenção geral positiva limitadora.
A teoria da prevenção geral positiva fundamentadora tem como representante Welzel e Jakobs. Para Welzel, mais importante que a proteção de bens jurídicos á a garantia de vigência real dos valores de ação da atitude jurídica. A proteção de bens jurídicos corresponde a uma função de prevenção negativa. O Direito penal tem uma função ético-social ao proscrever e castigar violação de valores fundamentais, garantidora, não só dos bens jurídicos, mas, principalmente, dos valores da sociedade, vez que são mais significativos e há necessidade de sua manutenção.
Logo, para Welzel há preponderância da sociedade em face do indivíduo, uma vez que, quando o delito ocorre o direito individual já foi violado irreversivelmente, devendo-se, pois, resguardar o interesse social. Entretanto, Welzel não chegou a justificar adequadamente o direito de punir do Estado.
Jakobs, por sua vez, declara que a pena é uma necessidade, vez que é essencial para a convivência em sociedade que os valores dos grupos sejam respeitados e mantidos.
Paulo Queiroz, ao estudar a visão de Jakobs, entende que:
“A pena ou, mais precisamente, a norma penal, aparece, aí, como uma necessidade sistêmica de estabilização de expectativas sociais, cuja vigência é assegurada ante as frustrações que decorrem da violação das normas. Esse novo enfoque utiliza, enfim, a concepção luhmaniana do direito como instrumento de estabilização social, de orientação das ações e de institucionalização de expectativas”.[33]
Assim, a pena representa a reafirmação do ordenamento jurídico, sem levar em conta qualquer objetivo de prevenção especial ou geral negativa. A preocupação é com a reafirmação da norma, e não com a finalidade da pena.
Essa teoria, em verdade, não pode ser considerada como relativa ou utilitarista, sendo, evidente, uma nova versão da teoria absoluta hegeliana de caráter retributivo.
Diante de tais afirmações, verifica-se que nenhuma das teorias anteriores conseguiu explicar satisfatoriamente a necessidade da Pena. Assim, surgiram novas teorias, com vistas a solucionar este impasse. Dentre essas teorias, destacam-se as teorias ecléticos ou mistas, de Roxin e o modelo garantidor de Ferrajoli, ambas também com seus erros e acertos, conforme adverte o próprio Roxin:
“(…) Não nos podemos dar por satisfeitos com uma acumulação de possibilidade de atuação. É certo que a teoria unificadora se baseia em ter percebido corretamente que cada uma das concepções contém pontos de vista aproveitáveis que seria errôneo converter em absolutos. Mas a tentativa de sanar tais defeitos justapondo simplesmente três concepções distintas tem forçosamente de fracassar; já que a mera adição não somente destrói a lógica imanente à concepção, como aumenta o âmbito de aplicação da pena, a qual se converte assim no meio de reação apto a qualquer realização. Os efeitos de cada teoria não se suprimem em absoluto entre si, antes se multiplicam, o que não só é teoricamente inaceitável, como muito grave, do ponto de vista do Estado de Direito (…).”[34]
Assim, entende-se como dialética a teoria proposta por Roxin, vez que junta as teorias anteriores, não no sentido de soma, mas sim como uma síntese diferenciada, aplicando-se os acertos anteriores e evitando-se incidir nos mesmos erros.
Para Roxin, a pena tem caráter utilitarista, ou seja, tem uma finalidade, diferentemente do pensamento retributivo ou abstrato. Para ele, cada momento retributivo da pena deve ser analisado com suas particularidades, de modo a verificar, em cada em deles, que a idéia de finalidade de pena prevalece. Assim, faz-se necessário estabelecer qual a finalidade do estado ao aplicar a sanção penal.
Dentro desta perspectiva, aduz-se que a finalidade estatal é de dupla proteção: aos bens jurídicos essenciais e à prestação por parte dos cidadãos. Assim, prescreve que:
“(…) No Estado Moderno, junto a esta proteção de bens jurídicos previamente dados, surge a necessidade de assegurar, se necessário, através dos meios do direito penal, o cumprimento das prestações de caráter público de que depende o indivíduo no quadro da assistência social por parte do Estado. Com esta dupla função, o direito penal realiza uma das mais importantes das numerosas tarefas do Estado, na medida em que apenas a proteção dos bens jurídicos constitutivos as sociedade e a garantia das prestações públicas necessárias para a assistência possibilitam ao cidadão o livre desenvolvimento da sua personalidade, que nossa Constituição considera como pressuposto de uma condição digna”.[35]
Destarte, verifica-se uma concepção de Direito Penal Subsidiário, ou seja, a não interferência estatal, senão em situações excepcionais, vez que é a ultima ratio do controle social na tutela dos bens jurídicos mais importantes, atuando quando os demais ramos do Direito falharem.
Nesse sentido:
“O direito penal é de natureza subsidiária. Ou seja: somente podem punir lesões de bens jurídicos e as contravenções contra fins da assistência social se tal for indispensável para uma vida em comum ordenada. Onde bastem os meios do direito civil ou direito público, o direito penal deve retirar-se”.[36]
Assim, em face da subsidiariedade do Direito Penal, ao considerar a ameaça (cominação) das penas, Roxin entendeu que deve haver uma preocupação utilitarista, de prevenção geral, subsidiária e com dupla finalidade: proteção a bem jurídicos e à prestação dos cidadãos.
Logo, Roxin consegue estabelecer um critério razoável para justificativa das punições, atribuindo À pena as funções delineadas como ele próprio afirma:
“Ter-se-á que reconhecer como válido e seguro em todos os sentidos o nosso primeiro resultado parcial, ou seja, que as cominações penais se justificam, apenas e sempre, pela necessidade de proteção preventivo-geral e subsidiária de bens jurídicos e prestações”.[37]
Além disso, oferece-se uma limitação à prevenção geral, com um enfoque que se aproxima do garantismo:
“Durante o processo, não se pode submeter o particular a nenhum trato que o prive da livre determinação das suas declarações: a lavagem ao cérebro, o detector de mentiras, o soro da verdade, a hipnose, as torturas, ameaças, etc., são certamente inadmissíveis para obter confissões, já que as reações provocadas através de tais meios são manifestações da livre personalidade do argüido. Veremos que os interesses de utilidade geral chocam aqui de imediato com um limite. Numerosos delinqüentes têm se ser absolvidos, porque não é lícito empregar os meios que poderiam provar a sua culpabilidade (…) Porém, há que se pensar que durante milênios se usaram tais práticas proibidas sem a menor consideração, e que ainda hoje estão em voga em muitas partes do mundo. Por isso é necessário mencionar claramente ema teoria da pena esse pressuposto de justificação que limita formalmente a idéia de prevenção geral.”[38]
Outro fator considerável é a limitação da pena pela culpabilidade do agente:
“Daqui se retira para a justificação da pena que, embora se possa imputar a sua existência à pessoa do delinqüente, este estará obrigado em atenção à comunidade, a suportar a pena. Tal é justo e legítimo, não porque aquele tenha que suportar que outros lhe inflijam um mal devido a um imperativo categórico mas porque, como membro da comunidade, tem de responder pelos seus atos na medida de sua culpa, para a salvaguarda da ordem dessa comunidade. Deste modo, não é utilizado como meio para os fins dos outros mas, ao co-assumir a responsabilidade pelo destino, confirma-se a sua posição de cidadão com igualdade de direitos e obrigações. Quem não quiser aceitar como justificação da pena, terá de negar a existência de valores públicos e, com eles, o sentido e missão do Estado.”[39]
Entretanto, esta limitação não serve para justificar o direito de punir, vez que voltaria à concepção retributiva de pena, mas a culpabilidade serve para limitar esse direito. Assim, no que tange à aplicação da pena, verifica-se, de acordo com o pensamento roxiniano, que a função aí prevista seria de prevenção geral (limitada pelas garantis) e a especial (restringida pela culpabilidade).
Nesse sentido, na fase de execução da pena, há um propósito de prevenção geral, porém voltado à ressocialização do infrator.
Por outro lado, Roxin limita a idéia de pena:
“Não é lícito ressocializar com a ajuda de sanções-penais pessoas que não são culpadas de agressões insuportáveis contra a ordem dos bens jurídicos, por mais degeneradas e inadaptadas que sejam essas pessoas. Caso este ponto de vista seja ignorado, estaremos sob a ameaça do perigo de uma associação coletivista que oprime o livre desenvolvimento da personalidade. As conseqüências da garantia constitucional da autonomia da pessoa devem, pois, respeitar-se igualmente na execução da pena. É proibido um tratamento coativo que interfira com a estrutura da personalidade, mesmo que possua eficácia ressocializante – o que é válido tanto quanto à castração de delinqüentes sexuais, como quanto à operação cerebral que transforma contra a sua vontade o brutal desordeiro num manso e obediente sonhador”.[40]
Isto posto, tem-se que Roxin não hesitou em fundamentar e limitar o jus puniendi estatal:
“(…) Se quiséssemos consagrar numa só frase o sentido e limites do direito penal, poderíamos caracterizar a sua missão como proteção subsidiária de bens jurídicos e prestações de serviços estatal, mediante prevenção geral e especial, que salvaguarda a personalidade no quadro traçado pela medida da culpa individual.”[41]
É importante salientar, ainda, uma outra “função” da pena, que é a de incutir, nas pessoas, uma aparência de tranquilidade e de segurança. Assim, atrelada à idéia de prevenção geral, verifica-se que, para atender ao clamor público e ao sensacionalismo da imprensa, cada vez mais, tem se editado leis mais severas com o fim de se resolver o problema da segurança pública.
Trata-se de mais um erro, essa concepção só atende a iludir os cidadãos, com demonstração de força e poder do Estado, em meio à crescente criminalidade.
No Brasil, verifica-se, cada vez mais, o crescente número de leis, alterando a legislação vigente, no que tange à elevação de penas e vedação a institutos garantidores de direitos fundamentais, tais como fiança e liberdade provisória.
No que tange à essa função simbólica da pena, Juarez Tavares, leciona que:
“Se há enorme e preocupante aumento da criminalidade em tal região, a medida não será o uso de meios materiais para solucionar as causas mais próximas dessa explosão. Como seria racional, senão a elaboração de uma lei, propondo o aumento de penas de delitos que ali mais se cometem, ou a incriminação de outras condutas, que se imagina poderiam ali originar-se. Se o Estado, como poder político de gestão de recursos arrecadados da população, já não pode, através de seus órgãos puramente estatais, resolver as questões de assistência social, que constituiria seu dever; o recurso será o uso de medidas simbólica de intimidação e de persuasão, em tanto mais extensão quanto mais simbólica seja a atuação”.[42]
Diante do exposto, a idéia de ressocialização do preso, já não mais se consubstancia, desde meados do século XX. Logo, a pena privativa de liberdade, hoje, tem muito mais uma função simbólica, atendendo muito mais aos interesses sociais imediatos do que ao cumprimento de sua verdadeira função a de manter a ordem social, sem violar garantias e direitos fundamentais.
3. Garantismo e minimalismo penal – limites ao “jus puniendi” estatal
De acordo com as prescrições anteriores, a partir da perspectiva de Claus Roxin, acerca da função da pena, verifica-se que propugna-se por um processo penal estruturado na teoria garantista de Ferrajoli.
Para Ferrajoli, o Direito existe para tutelar os direitos fundamentais, explica, com maestria que:
“(…) El modelo penal garantista equivale a um sistema de minimización del poder y de maximización del saber judicial, en cuanto condiciona la validez de las decisiones a la verdad, empírica y lógicamente controlable, de sus motivaciones.”[43]
O Juízo Penal e toda atividade jurisdicional é um saber – poder, uma combinação de conhecimento e de decisão. Nesse sentido, quanto maior é o poder, menor é o saber e vice-versa.
Nos sistema garantista, o juiz passa assumir uma função de garantido, que não fica inerte ante as violações a direitos fundamentais previstos constitucionalmente.
Assim, o órgão julgador assume uma nova posição no Estado Democrático de Direito, com legitimidade constitucional, devendo tutelar o indivíduo e reparar as injustiças cometidas e absolver, quando não existirem provas plenas e legais.
Logo, diante desta concepção, a pena permanece com o seu caráter preventivo geral, mas limitado aos direitos fundamentais do indivíduo.
É nesse contexto que se enquadra o limite ao poder punitivo, em face dos drásticos efeitos da intervenção estatal especada no modelo intervencionista atual, que intensifica, cada vez mais, a sua presença na esfera particular dos indivíduos.
Logo, se faz necessário demonstrar que existem limites formais e materiais a essa atividade estatal, consubstanciados através de princípios que são diretrizes gerais de um ordenamento jurídico. Ressaltando que, entre os princípios podem haver colisões, mas não exclusões. E, de acordo com os ensinamentos de Alexy, como mandados de otimização que são, sempre podem ter incidência em casos concretos.
Assim, em um sentido jurídico, os princípios indicam uma ordenação que se irradia e imantam o sistema de normas, servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.
O Direito Penal Brasileiro deve estar especado em princípios constitucionais. Há princípios expressamente previstos em lei, enquanto outros estão implícitos no sistema normativo.
Os Princípios constitucionais enumerados na Constituição servem de interpretação para a produção legislativa ordinária, atuando como garantia direta e imediata aos cidadãos, bem como funcionando como critério de interpretação e integração do texto constitucional.
São princípios constitucionais explícitos:
a) Legalidade: refere-se ao conteúdo das normas penais incriminadoras (art. 5, XXXIX, CF, art. 1º do CP). As normas incriminadoras somente podem ser criadas por lei em sentido estrito, emanadas do poder legislativo, respeitado o procedimento Previsto na CF. “Não há crime sem lei anterior que o defina”.
b) Anterioridade: uma lei penal incriminadora somente pode ser aplicada a um fato concreto, caso tenha tido origem antes da prática da conduta para a qual se destina. As leis penais são aplicáveis para o futuro a partir da sua criação. Não retroage para atingir condutas praticadas antes da sua criação. “Não há pena sem prévia cominação legal”.
c) Retroatividade da Lei Penal Benéfica: a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu. Art. 5º, XV, CF, e art. 2º, parágrafo único, CP. Abre-se uma exceção ao princípio da anterioridade quando for para beneficiar o réu.
d) Personalidade ou responsabilidade pessoal – a punição em matéria penal, não deve ultrapassar a pessoa do delinqüente. Art. 5º XLV – “nenhuma pena passará da pessoa do condenado”.
e) Individualização da Pena – não haverá pena padronizada, dando-se a cada um o que efetivamente merece. Art. 5º, XLVI – A lei regulará a individualização da pena e adotará, dentre outras, as seguintes:
– privação ou restrição de liberdade,
– perda de bens,
– multa,
– prestação social alternativa,
– suspensão ou interdição de direitos.
f) Humanidade – não haverá penas cruéis. Art. 5º, XLVII e XLIX.
“ Não haverá penas:
– de morte, salvo em caso de guerra declarada,
– de caráter perpétuo,
– de trabalho forçado,
– de banimento
– cruéis.
São princípios constitucionais Implícitos:
a) Intervenção Mínima – (subsidiariedade)
É princípio limitador do poder punitivo estatal. O Direito penal deve ser a última opção do legislador para resolver conflitos emergentes da sociedade. O Direito penal é a ultima ratio só deve ser aplicado quando todos os demais ramos falharem.
b) Fragmentariedade – nem todas as lesões devem ser tuteladas pelo direito penal. Nem todos os bens jurídicos são bens jurídicos penais. Os Direito penal se ocupa dos bens jurídicos mais relevantes. É corolário do princípio da intervenção mínima.
c) Lesividade – as proibições penais só se justificam se atingirem direitos de terceiros.
d) Insignificância – os bens juridicamente protegido pelo direito penal devem ser relevantes, ficando afastados aqueles considerados inexpressíveis.
e) Culpabilidade – somente haverá crime quando estiverem presentes o dolo ou a culpa.
f) Taxatividade – o tipo penal incriminador deve ser bem definido, detalhado, para não gerar qualquer dúvida quanto a sua aplicação. Todas as hipóteses delitivas estão taxativamente previstas em Lei.
g) Proporcionalidade – as penas devem ser proporcionais à gravidade da infração penal. A CF estabelece as penas que a lei brasileira deve adotar, art. 5º, XLVI.
h) Vedação da dupla punição pelo mesmo fato – ninguém pode ser punido duas vezes pela prática da mesma infração penal.
Todos esses princípios enumerados integram o corpo básico do movimento de política criminal denominado de minimalista que se opõe ao Direito Penal Máximo, retributivo, especado nas teorias absolutas de pena, defendidas por Kant e Hegel.
O minimalismo não se confunde com a doutrina do sistema garantista de Ferrajoli que é o sistema penal em que a pena fica excluída da incerteza, da imprevisibilidade de sua intervenção, ou seja, que se prende a um ideal de racionalidade, condicionado exclusivamente na direção do máximo grau da liberdade do cidadão contra o arbítrio punitivo.
Assim, verifica-se que são indissociáveis os dois institutos, vez que se deve garantir aos cidadãos uma intervenção penal mínima com um número máximo de garantias.
O garantismo de Ferrajoli está especado em dez axiomas fundamentais:
a) Nulla poena sine crimine – não há pena sem crime;
b) Nullun crimen sine lege – não há crime sem lei;
c) Nulla Lex (poenalis) sine necessitate – não há lei penal sem necessidade;
d) Nulla necessitas sine injuria – não há necessidade sem ofensa ao bem jurídico;
e) Nulla injuria sine actione – não há ofensa ao bem jurídico sem conduta;
f) Nulla actio sine culpa – não há conduta penalmente relevante sem culpa, ou seja, sem dolo ou culpa;
g) Nulla culpa sine judicio – não há culpabilidade ou responsabilidade sem o devido processo criminal;
h) Nullum judicium sine accusatione – não há processo sem acusação;
i) Nulla accusatio sine probatione – não há acusação sem provas, ou seja, não se derruba a presunção de inocência sem provas válidas;
j) Nulla probatio sine defensione – não há provas sem defesa, ou seja, sem o contraditório e a ampla defesa.
Desses axiomas, verifica-se que o sistema garantista está sustentado por cinco princípios básicos, sob os quais deve estar especado o processo penal:
1º Jurisdicionalidade – Nulla poena, nulla culpa sine iudicio: 2º Inderrogabilidade do juízo: No sentido de infungibilidade e indeclinabilidade da jurisdição.
3º Separação das atividades de julgar e acusar – Nullum iudicium sine accusatione:
4º Presunção de inocência: A garantia de que será mantido o estado de inocência até o trânsito em julgado da sentença condenatória. Isso, implica em diversas conseqüências principalmente na obrigatoriedade de que a constatação do delito e a aplicação da pena será por meio de um processo com todas as garantias e através de uma sentença.
5º Contraditório – Nulla probatio sine defensione: possibilidade de confrontação da prova e comprovação da verdade, fundando-se no conflito, entre partes contrapostas: a acusação (expressão do interesse punitivo do Estado) e a defesa (expressão do interesse do acusado em ficar livre de acusações infundadas e imune a penas arbitrárias e desproporcionadas). Sendo também de fundamental importância para o controle desta atividade e de que existe prova suficiente para derrubar a presunção de inocência, o princípio da motivação de todas as decisões judiciais, pois só ele permite avaliar se a racionalidade da decisão predominou sobre o poder.
Nesse sentido, em relação ao Direito Processual Penal, que é o conjunto de princípios e normas que regulam a aplicação jurisdicional do direito penal, bem como as atividades persecutórias da Polícia, e a estruturação dos órgãos da função jurisdicional e respectivos auxiliares, o Direito Brasileiro positivou os seguintes princípios:
1. Princípio da presunção de inocência ou da não-culpabilidade – o reconhecimento da autoria de infração penal, pressupõe sentença condenatória, não transitada em julgado (art. 5º, LVII, CF). O princípio da presunção de inocência tem sido encarado como sinônimo de presunção de não-culpabilidade.
2. Princípio da Imparcialidade do Juiz – a imparcialidade é entendida como características necessária do perfil do juiz consistente em não poder ter vínculos subjetivos com o processo de molde a lhe tirar a neutralidade necessária para conduzir com isenção o processo.
3. Princípio da Igualdade Processual – Consagra o tratamento isonômico das partes no transcorrer processual, em decorrência do próprio art. 5º, caput, CF. O que deve prevalecer é a chamada desigualdade material.
4. Princípio da ampla defesa – deve ser assegurada a ampla defesa, lançando-se mão dos meios e recursos disponíveis e a ela inerentes (art. 5º, LV, CF). São duas as possibilidades:
a) defesa técnica – efetuada por profissional e obrigatória;
b) autodefesa – realizada pelo próprio imputado e depende de sua conveniência.
5. Princípio da ação, demanda ou iniciativa das partes – cabe às partes a provocação, exercendo o direito de ação, no intuito da obtenção do provimento jurisdicional. Desde a promulgação da CF/88, já não se admite o que se chama de processo judicialiforme.
6. Princípio do impulso oficial – uma vez iniciado o processo, com o recebimento da inicial acusatória, cabe ao magistrado velar para que o mesmo chegue ao seu final, marcando audiências, estipulando prazos, determinando intimações, etc.
7. Princípio da verdade real – o magistrado pauta o seu trabalho na reconstrução da verdade dos fatos, superando eventual desídia das partes na colheita probatória, como forma de exarar um provimento jurisdicional mais próximo possível do ideal de justiça.
8. Princípio da motivação das decisões – decorre do art. 93, IX da Carta Magna, asseverando que o juiz é livre para decidir, desde que o faça de forma motivada, sob pena de nulidade insanável. Trata-se de autêntica garantia fundamental, decorrendo da fundamentação da decisão judicial o alicerce necessário para a segurança jurídica do caso submetido ao judiciário.
9. Princípio da Publicidade – a publicidade dos atos processuais é a regra. O sigilo é admissível quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem, sem prejuízo do interesse público à informação (art. 5º, LX, e 93, IX, da CF) ou se da publicidade do ato puder ocorrer escândalos, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem (§ 1º, art. 792 do CPP). Deve-se distinguir a publicidade relativa às partes, ou seja, a chamada publicidade interna ou específica, e a relativa ao público em geral, ou publicidade externa. Esta última é que encontra mitigação pelas exceções postas no texto constitucional.
10. Princípio do duplo grau de jurisdição – este princípio assegura a possibilidade de revisão das decisões judiciais, através do sistema recursal, onde as decisões do juízo a quo podem ser apreciadas pelos tribunais.
Vale ressaltar que o duplo grau de jurisdição não é um enunciado normativo que incide indistintamente em todos os processos penais (v.g. processo de competência originária do STF).
11. Princípio do juiz natural – o princípio do juiz natural consagra o direito de ser processado pelo magistrado competente (art. 5º, LII da CF) e a vedação constitucional à criação de juízos ou tribunais de exceção, (art. 5º, XXXVII, CF).
12. Princípio do Promotor Natural – veda a designação arbitrária, pela chefia da Instituição, de promotor para designar causa específica. O STF, em julgamento que teve como Relatora a Ministra Ellen Gracie, contrariando julgamentos anteriores, entendeu pela inexistência do princípio do promotor natural em face da sua incompatibilidade com a indivisibilidade do MP.
13. Princípio do devido processo legal – contraditório, ampla defesa, desenvolvimento regular do processo. Verifica-se, também, aqui a questão do Acesso à Justiça (formal e substancial).
14. Princípio do Favor rei – a dúvida sempre milita em favor do acusado.
15. Princípio da razoável duração do Processo – Em 45/04, art. 5º, LXXVII – o direito à celeridade pertence tanto à vítima como ao Réu. Alterações legislativas em 2008 (L. 11.689/08 e 11.619/08).
16. Princípio da identidade física do Juiz – Em face das alterações trazidas pela reforma de 2008, consagrou-se também no Processo Penal o princípio da identidade física do juiz – o juiz da instrução é o mesmo juiz da decisão.
Assim, a soma dos princípios do minimalismo penal com os postulados do garantismo faz surgir um sistema minimalista garantista.
Destarte, como instrumento de efetivação do direito material, o Direito Processual Penal deve seguir a mesma linha, uma vez que a carência dessas garantias debilita todas as demais e, em particular a garantia do estado de inocência, do ônus da prova, do contraditório e da defesa.
Há que se destacar, ainda, que esse sistema não admite as chamadas penas processuais, tanto no que se refere ao processo em si, considerado como uma verdadeira pena, quanto no que se refere à exposição em face dos meios de comunicação de massa. Nesse contexto, ainda, deve-se inserir as prisões pré-processuais em total afronta ao princípio da inocência.
Logo, a imputação formal, indiciamento, denúncia, serve como um instrumento de culpabilidade preventiva, ratificando a idéia de função simbólica da pena, principalmente, quando tem como conseqüência as prisões provisórias e a proliferação de milhares de processos, em trâmite, geradores de status como indiciado, denunciado, processado, perigos, dentre outros.
Assim, com maestria, Aury Lopes trata essa degeneração do processo como verdadeiras penas processuais, pois confrontam violentamente com o caráter da função instrumental do processo, consubstanciando-se em uma doença do Judiciário, na qual o processo penal é utilizado como uma pena antecipada, instrumento de perseguição política, intimidação policial, gerador de estigmatização social, sob o manto de uma prevenção geral.
O grande exemplo dessa afronta aos fins processuais são as prisões cautelares, verdadeiras penas antecipadas, com verdadeiro caráter retributivo imediato.
Beccaria, em 1764, já condenava as penas públicas e infamantes. Todavia, em pleno século XXI, verifica-se que tais penas foram ressuscitadas e adaptadas à modernidade, quando se priva da liberdade, cautelarmente o acusado, antecipando-se a pena, quando, todavia, ainda o é presumidamente inocente. Tudo isso, como resposta social, função simbólica da pena, ou, para assegurar os fins do processo que, em última análise é a sua razão de ser.
4. A prisão provisória no ordenamento jurídico brasileiro
A prisão provisória, também chamada prisão sem pena, cautelar ou de caráter processual, surge no decorrer da persecução penal como medida excepcional, vez que, reza o art. 5º, inciso LVII da CF que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
A liberdade é um direito fundamental do indivíduo, logo deve ser preservado constitucionalmente. Desta forma, por ser medida que causa dano irreparável, podendo violar direitos fundamentais, as normas que a autoriza deve ser interpretada conforme a Constituição. Logo, havendo contrariedade destas normas à Constituição, deve o juiz optar por esta última.
O Código Processual de 1941 foi elaborado a partir de um juízo de antecipação de culpabilidade, conforme se verifica nos casos de prisão em flagrante, quando, então, há uma verdadeira antecipação de culpabilidade, restando ao custodiado o pedido de liberdade provisória. Logo, verifica-se que a liberdade é que é provisória e não a prisão.
Ocorre que, com a Constituição Federal de 1988, foram instituídas duas garantias: o princípio afirmativo da situação de inocência e a garantia de que toda prisão seja efetivada fundamentadamente e por ordem escrita da autoridade competente.
Assim, toda prisão antes do trânsito em julgado deve ser considerada como provisória, devendo também ser considerada como cautelar, vez que tem função de mero instrumento de acautelamento processual, devendo, pois, preencher requisitos específicos.
Entretanto, a exigência de ordem escrita e fundamentada não se aplica à prisão quando do flagrante da prática de delito, mas, posteriormente, após o cumprimento das formalidades legais, deve ser submetida ao Judiciário para que decida pela sua manutenção de forma fundamentada.
É importante salientar que a Constituição não fala em presunção de inocência, mas, sim, afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Logo, tal afirmação deve ser considerada em todas as fases do processo.
Essa exigência de fundamentação atende à concepção de pena dialética fundamentadora de Roxin, baseada no garantismo penal, uma vez que ao se impor limites à prevenção geral, levando-se em conta os direitos fundamentais do indivíduo, está se legitimando a atividade estatal, no que se refere à função do magistrado.
Desta forma, essa fundamentação, consoante se extrai do texto constitucional, vem, justamente, legitimar a atividade jurisdicional, em face do reconhecimento da situação de inocente e a necessidade de acautelamento.
O entendimento que prevalece na doutrina é de que o princípio da presunção de inocência impede a antecipação da culpabilidade do agente:
“(…) impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade, seja por situações práticas, palavras, gestos, etc., podendo-se exemplificar: a impropriedade de se manter o acusado em exposição humilhante no banco dos réus, o uso de algemas quando necessário, a divulgação abusiva de fatos e nomes de pessoas pelos meios de comunicação, a decretação ou a manutenção de prisão cautelar desnecessária, a exigência de se recolher à prisão para apela, etc.”[44]
Diante disso, uma possível culpabilidade do agente não é idônea para fundamentar a prisão provisória, vez que seu estado de inocência deve perdurar em todo o processo criminal.
Entretanto, em determinadas situações, vislumbra-se a necessidade de encarceramento cautelar com a finalidade de efetivar o processo, somente sendo justificável quando da sua imprescindibilidade.
Nesse sentido, o princípio da presunção de inocência não extirpou do ordenamento jurídico as prisões provisórias, vez que tal princípio refere-se ao mérito da causa, enquanto as cautelares à presença do fumus commissi delicti e do periculum in libertatis.
São espécies de prisões provisórias, a prisão em flagrante (art. 301 e segs. do CPP), a prisão preventiva (art. 311 s segs. o CPP), a prisão temporária Lei nº 7.960/89), as prisões decorrente de sentença penal condenatória recorrível e decorrente de pronúncia (estruturalmente revogadas pelas Leis 11.689/08, 11.690/08 e 11.719/08).
Prisão em flagrante
De acordo com o nosso Direito atual, distingue-se três modalidades ou espécies de flagrantes:
1. Flagrante em sentido próprio;
2. Flagrante em sentido impróprio, também conhecido como quase flagrante;
3. Flagrante presumido;
Diz-se flagrante no sentido próprio, quando o agente é surpreendido cometendo a infração penal ou quando acaba de cometê-la.
Por outro lado, o flagrante impróprio, segundo a lei cuida do caso em que alguém é perseguido, logo após, em situação que se faça presumir ser ele o autor da infração.
Diante desta afirmação, Eugênio Pacelli recomenda muito cuidado na interpretação desse preceito legal, pois o que se tem por presente não é a visibilidade do fato, mas apenas da fuga, o que dificulta, e muito as coisas, diante das inúmeras razões que podem justificar o afastamento suspeitoso de quem se achar em posição de ser identificado como autor do fato.
O flagrante presumido é previsto em lei como sendo a hipótese de ser o autor encontrado com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração.
Isto posto, não há que se falar em acautelamento nos casos de flagrante. Assim, a legislação anterior padecia de flagrante inconstitucionalidade, quando da manutenção da prisão em flagrante sem fundamentação legal. O mero “despacho” de recebimento do auto de prisão em flagrante, sem as devidas atenções, conduzia à ilegalidade e abuso de poder.
Com efeito, as alterações levadas a efeito pela Lei 12.403/11 se verificam a partir do encerramento da lavratura do auto de prisão em flagrante. Portanto, no mais, verificar aula específica. Encerrada a lavratura do auto de prisão em flagrante, adotam-se as seguintes providências exteriores a ele:
a) comunicação ao preso – deve ser entregue ao preso a nota de culpa. A nota de culpa é o instrumento que dá ciência ao preso sobre os motivos de sua prisão. Deve ser dada a ele no prazo de 24 horas e deve conter o motivo da prisão, o nome do condutor e das testemunhas, além da assinatura da autoridade.
b) comunicação à defensoria pública – também no prazo de 24 horas. Remete-se cópia do auto de prisão em flagrante. Essa comunicação só será necessária se o preso não indicar advogado.
c) comunicação ao Ministério Público – no mesmo prazo mencionado (24 horas), deve ser remetida cópia dos autos ao MP.
d) comunicação ao Juiz – deve ser remetida ao juiz cópia do auto de prisão em flagrante, o que deverá ser feito no prazo de 24 horas. O juiz pode tomar as seguintes decisões ao receber a cópia do auto de prisão em flagrante:
I) Se o flagrante for ilegal (seja porque o auto não narra crime, situação de flagrância, seja porque não foram observadas as formalidades da autuação) – a decisão é de relaxamento da prisão. O preso não fica vinculado ao juízo por qualquer obrigação. O relaxamento é irrevogável, sob pena de restabelecimento da ilegalidade.
II) Se o flagrante for legal, mas a prisão desnecessária (por não estarem presentes os requisitos da cautelaridade para a prisão provisória com ou sem fiança, cumulada ou não com outras medidas cautelares diversas, da prisão de acordo com os critérios do art. 282 do CPP).
III) Se o flagrante for legal e a prisão necessária (presentes os requisitos e pressupostos da prisão preventiva), o juiz converterá o flagrante em prisão preventiva.
Essa é a nova sistemática da prisão em flagrante. Hoje, portanto, a prisão em flagrante só dura 24 horas, ou seja, até a comunicação ao juiz. Depois disso, ela não se mantém, ela pode ser relaxada se ilegal, ou convertida em preventiva se for cabível e necessária, ou, ainda, pode ser substituída por liberdade provisória.
Prisão preventiva
A prisão preventiva revela a sua cautelaridade na tutela da persecução penal, objetivando impedir que eventuais condutas praticadas pelo acusado possam colocar em risco a efetividade do processo.
Em sentido estrito, trata-se de medida cautelar decretada pelo juiz durante inquérito em face da existência de pressupostos legais, para resguardar os interesses de ordem pública, ou seja, é instituto ratificador da teoria da prevenção geral.
A fundamentação da prisão preventiva está no art.312 do CPP, podendo ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
A prisão preventiva poderá ser revogada conforme o estado da causa, a previsão legal de sua revogação está no artigo 316 que dispõe que o juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no decorrer do processo, verificar a falta de motivo para que subsista.
Não há prazo para certo para a duração da prisão preventiva. Entretanto, a prisão preventiva tem a finalidade de assegurar o bom andamento da instrução criminal, não podendo esta se prolongar indefinidamente. Devendo, pois, obedecer a um critério de razoabilidade. Antigamente, mencionava-se o prazo de 81 dias, que era o somatório dos prazos previstos no CCP acerca da instrução criminal. Com os novos prazos estipulados pela Lei 11.689/2008 para o procedimento do Tribunal do Júri (90 dias) e pela Lei 11719/08 para o procedimento comum ordinário (60 dias) e sumário (30 dias), deve-se ter a mesma tolerância em função da razoabilidade.
No que se refere á questão da ordem pública, Guilherme de Souza Nucci prescreve que deve ser visualizada pelo binômio gravidade da infração somada à repercussão social. Esse posicionamento revela mais uma vez a influência da corrente fulcrada na prevenção geral em detrimento de direitos individuais fundamentais constitucionalmente reconhecidos. Entretanto, o próprio autor reconhece que o clamor público, por si só, não é bastante para fazer presente o periculum libertatis e justificar a prisão preventiva.
Malgrado a opinião do renomado jurista, percebe-se que a garantia da ordem pública só se justifica quando existir fundamento de que o agente, se mantido o seu status libertatis, vai continua a delinqüir. Entretanto, as expressões usuais de que o indivíduo é um criminoso contumaz, possuidor de uma personalidade voltada para o crime (determinismo psicológico de Lombroso), não se prestam para autorizar o confinamento. Nesse sentido, a existência de antecedentes criminais, de acordo com o STF, não é por si só, capaz de fundamentar o decreto de prisão preventiva.
Tourinho Filho, por sua vez, critica, ressaltando que “ perigosidade do réu, os espalhafatos da mídia, reiteradas divulgações pelo rádio ou televisão, tudo, absolutamente tudo, ajusta-se àquela expressão ordem pública. E a prisão preventiva, nestes casos, passa a ser uma execução sumária da pena. Neste sentido, Aury Lopes, como já explanado, conceitua o processo como verdadeira execução da pena. O réu já é condenado, antes de ser julgado, ultrapassando todas as garantias constitucionalmente previstas.
Assim, ainda, adverte Tourinho Filho:
“Quando se decreta a prisão preventiva como garantia da ordem pública, o encarceramento provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei Magna, mesmo porque a ordem pública diz tudo e não diz nada”.[45]
E vai mais longe o renomado doutrinador:
“Justificava-se a prisão preventiva, nessa hipótese, numa época totalitária, ao tempo em que a presunção de inocência não havia sido guindada à posição de cláusula pétrea da nossa Lei Fundamental. Sem embargo, já se decretou prisão preventiva para não afetar a credibilidade da justiça (RT, 768/573), para assegurar a integridade da vítima (JSTJ, 2/263), para cessar o constrangimento contra a vítima (RT, 774/683), a repulsa gerada no meio social (JSTJ, 73/84), pela periculosidade evidenciada no crime (RT, 648/347) etc. Trata-se, a nosso juízo, de decisões que afrontam a Lei Maior. Simples pretexto para a exibição de força e poder”.[46]
Rômulo Moreira, também, com muita propriedade aduz que a garantia da ordem pública é sempre inconstitucional, que tal fundamento é abstrato e não simboliza a necessidade do cárcere cautelar.
No que tange à garantia da ordem econômica, esta é uma subjacência da garantia da ordem pública.
Em relação à conveniência da instrução criminal, tutela-se a produção probatória. Entende-se que a prisão decretada por este fundamento deve atender ao devido processo legal.
Por outro lado, a garantia da aplicação da lei penal revela o caráter antigo da prisão-custódia, em época de pós-modernismo. Assim, corre-se o risco de antecipação da culpabilidade, aplicação de pena infamante e demais males decorrentes do encarceramento, sem qualquer finalidade, senão o fim único do processo que é a pena.
É importante frisar, ainda, que, nem todas as infrações penais admitem a decretação da prisão preventiva, em face da necessidade de proporcionalidade na fixação das prisões cautelares. Um exemplo é a impossibilidade de decretação da prisão preventiva nos crimes culposos e nas contravenções penais. Mesmo quando condenado, dificilmente, a um sentenciado, se aplicará a sanção privativa de liberdade.
Assim, desconsiderados os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, a prisão preventiva terá apenas caráter punitivo, o que não mais se admite no Estado Democrático de Direito que traça um novo perfil no processo penal, onde devem imperar legislações despenalizadoras, como a Lei 9.099/95 e a Lei 9.714/98, que reduzem consideravelmente a possibilidade de aplicação das penas privativas de liberdade.
Prisão temporária
É de duvidosa constitucionalidade, vez que autoriza a prisão, para depois se investigar a culpabilidade do sujeito. Visa a proteger o regular andamento da investigação criminal.
É a única que comporta prazo certo e determinado, o qual se encontra previamente previsto em lei.
Malgrado haja previsão legal para tal instituto, a Lei 7960/89, não há que se falar em constitucionalidade dessa medida, vez que ilegítima e flagrantemente contrária aos direitos fundamentais do indivíduo, principalmente no que tange ao fim da constrição temporária que é, justamente, a auto-incriminação, resquício da Idade Média, das penas de suplício, das penitências, que não alcançaram qualquer finalidade preventiva e legítima, apenas evidenciaram o seu caráter de custódia e retributivo.
Verifica-se, pois, que não há razão de existir, além de verdadeira antecipação da pena, as medidas cautelares restritivas de liberdade, uma vez que, mesmo cunhadas pelo caráter da excepcionalidade, são carregadas de conceitos fluídos e indeterminados, deixando ao arbítrio do magistrado, a motivação de sua decretação, muitas vezes contrária às prescrições constitucionais, que é o seu real fundamento de validade.
5. Alternativas à prisão cautelar à luz do garantismo e minimalismo penal
As prisões provisórias são medidas cautelares de constrição da liberdade individual em detrimento de necessidades processuais.
Conforme, já se demonstrou alhures, a pena privativa de liberdade é encarada como um mal necessário. A necessidade de sua aplicação não descaracteriza os seus efeitos nefastos. Nesse sentido, se é maléfico para o sentenciado, muito maiores serão os seus efeitos para aquele que ainda se encontra em estado de inocências, consoante os ditames constitucionais.
As Regras de Tóquio, de 1990, afirmam a convicção “de que as penas substitutivas da Prisão podem constituir um meio eficaz de tratar os delinqüentes no seio da coletividade, tanto no interesse do delinqüente, quanto no interesse da coletividade”. Afirma, ainda, que as penas restritivas de liberdade só são justificáveis do ponto de vista da segurança pública, da preservação do crime, da necessidade de sanção justa e que o objetivo ultimo da justiça penal, é a reinserção social do delinqüente”. Essas prescrições acompanham o pensamento de Roxin, no que tange à função da pena, de acordo com a teoria dialética fundamentadora.
Assim, em face dos efeitos irreversíveis do cárcere, as Regras de Tóquio firmaram, a convicção de serem as prisões provisórias o último recurso a ser adotado nos procedimentos penais, propondo medidas alternativas, sempre que possível.
Nesse sentido, verifica-se que a prisão cautelar, por privar o indivíduo de um direito fundamental, quando, ainda, não há decisão definitiva sobre a imputação criminal, deve possuir um caráter de excepcionalidade e, sempre que possível, deve ser substituída, só devendo ser utilizada quando não houver a possibilidade de adoção de outra medida menos gravosa e, na maioria das vezes, de maior eficácia.
Esse conjunto de regras nasce da repercussão do movimento minimalista garantista, ou seja, é a subsidiariedade de direito material, atrelada aos ditames dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, sendo transportado para as regras processuais – fenômeno normativo que vem, paulatinamente, ganhando força nos ordenamentos jurídicos.
No Brasil, verifica-se que o sistema punitivo preserva resquícios da conjuntura política e ideológica em que foram elaboradas as suas regras. Nesse contexto, verifica-se que até a Lei 12.403/11, a única medida alternativa à prisão custódia era a liberdade provisória, que tem como pressuposto a prisão em flagrante. Logo, o sistema processual penal brasileiro não admitia outra alternativa à prisão cautelar, senão a liberdade provisória mediante compromisso, e, para tanto, o indivíduo deveria estar custodiado.
Poderá, ainda o acusado, de acordo com a legislação processual, responder a todo o processo em regime de prisão cautelar. E, como se verificou linhas atrás, a pena de prisão não tem conseguido alcançar seu objetivo principal que é a ressocialização do condenado e a prevenção de novas infrações penais. Logo, as medidas cautelares privativas de liberdade, aplicadas durante a fase pré-processual e processual, não têm outra finalidade senão a de custódia, e atenção aos asseios populares imediatos.
É neste contexto, de preservação de direitos fundamentais, a partir de uma concepção garantista, abarcando a subsidiariedade do Direito Penal, é que se consegue inserir, no ordenamento, um Direito Processual Penal Subsidiário, abrindo-se um leque de alternativas ao juiz natural, para que, fazendo uma interpretação conforme a Constituição, e, de acordo com as peculiaridade de cada caso concreto, escolha a medida cautelar mais adequada.
Logo, as Regras de Tóquio ratificam o movimento minimalista garantista aplicáveis à persecução penal, que paulatinamente vai se estendendo pelo mundo, inclusive no Brasil, quando da aprovação do Projeto de Lei 4.208/01, que se insere dentro da Reforma do Código de Processo Penal, modificando o Título IX, que trata “Da Prisão e da Liberdade Provisória”, alterando-lhe para a seguinte epígrafe: “Da Prisão, das Medidas Cautelares e da Liberdade Provisória”, que prevê medidas cautelares e alternativas à prisão provisória.
Ainda dentro deste movimento, é importante destacar que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem trata sobre o assunto. E, no âmbito da Comunidade Européia, a Recomendação (80)11, do Conselho de Ministros, de 27 de junho de 1980, na qual se enfatiza a necessidade de reduzir-se, por razões humanitárias e sociais, o uso das prisões provisórias nos países ao mínimo compatível com os interesses da Justiça, mediante os seguintes princípios:
“1. A detenção provisória somente pode ser decretada contra os que legitimamente sejam suspeitos de haver cometido um delito e existam razões sérias para crer-se na ocorrência de perigo de fuga, de obstrução do curso da justiça ou do cometimento de infração grave;
2. Ainda que existam, esses perigos, somente justificam a prisão provisória de modo excepcional, para responder a situações particularmente graves.
3. Para decretar a prisão provisória o juiz deverá levar em consideração as peculiaridades do caso concreto, particularmente as circunstâncias relativas à natureza da infração penal, a Importância dos indícios que pesem sobre o sujeito passivo da medida, a pena suscetível de ser-lhe imposta em caso de condenação, a personalidade, os antecedentes judiciais do réu, sua situação pessoal e social e seus vínculos sociais, e, por último, o comportamento do réu, sobretudo em relação Às obrigações que lhe forem impostas em processo penal anterior.
4. A prisão provisória não deve ser ordenada se a privação da liberdade é desproporcional em relação À natureza d crime atribuído ao réu e à pena a ele correspondente.
5. Toda decisão que decreta a prisão provisória deve indicar o mais precisamente possível o seu objeto, e ser excepcionalmente motivada”.
Destarte, a Recomendação R (80) 11 ratifica a idéia de que o magistrado, antes de decretar a prisão cautelar, deve examinar se alguma medida cautelar pode ser aplicada em substituição à prisão.
Isto posto, a privação de liberdade como forma de acautelamento processual, só deve ser aplicada aos casos mais graves, quando não for possível e igualmente funcional a aplicação de uma outra media acautelatória tendente a alcançar o mesmo fim preventivo, consoante os ditames de um Direito Processual Penal Minimalista Garantista.
6. Medidas cautelares alternativas à prisão
Pretende-se, com tais medidas, ajustar o sistema processual penal, à exigências constitucionais garantistas, referentes à prisão e á liberdade provisória. Aplicam-se isolada ou cumulativamente, substituindo a prisão.
As medidas cautelares serão aplicadas com base nos seguintes critérios:
“Art.282.
I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a pratica de novas infrações penais;
II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”
Além da prisão preventiva, foi ampliado o leque de medidas cautelares, proporcionando ao juiz a escolha da providência mais adequada ao caso.
Rômulo de Andrade Moreira assevera que “no sistema acusatório é sempre perigoso deferir ao Juiz a possibilidade de ex officio, decidir acerca de uma medida cautelar de natureza criminal, pois que lembra o velho e pernicioso sistema inquisitivo”. [47]
Segundo o Art.319, com a atual redação, são medidas cautelares diversas da prisão;
1) Comparecimento periódico em juízo, em prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
2) Proibição de acessar ou frequentar determinados lugares quando deva ficar longe deles para evitar o risco de novas infrações;
3) Proibição de manter contato com pessoa determinada quando por circunstâncias relativas ao fato deva o sujeito dela permanecer distante;
4) Proibição de ausentar-se da comarca quando sua permanência seja necessária ou conveniente para investigação ou instrução;
5) Recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga se tiver residência fixa e trabalho fixo (requisitos cumulativos);
6) Suspensão do exercício de função pública ou atividade de natureza econômica ou financeira, quando houver justo receio de sua utilização para o cometimento de novas infrações penais;
7) Internação provisória do inimputável ou semi-imputável já periciado em crimes praticados com violência ou grave ameaça, desde que haja risco de reiteração criminosa;
8) Fiança para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar obstrução de seu andamento ou em caso de resistência injustificada a ordem judicial;
9) Monitoração eletrônica (tornozeleira): será necessariamente cumulada com outras medidas (dos incisos II, IV, V do art. 320), tendo por finalidade garantir a fiscalização do seu cumprimento.
10) Proibição de ausentar-se do país: será comunicada às autoridades responsáveis pela fiscalização das fronteiras. O agente será intimado para entregar seu passaporte no prazo de 24h.
Essas medidas cautelares não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativamente ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.
A nova redação do Art.283, está em conformidade os ditames garantistas e minimalistas, prescrevendo, assim, que ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.
Em relação ao art. 312 do CPP, mantém-se a prisão para garantia da instrução do processo e da execução da sentença. Entretanto, sugere-se a substituição da referência à expressão “garantia da ordem pública” e da “garantia da ordem econômica”, como motivos que autorizam a prisão preventiva, de conteúdo fluido e indeterminado, pela existência de fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, a probidade administrativa ou a ordem econômica ou financeira consideradas graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa. Além disso, acrescentada uma nova hipótese de prisão preventiva, no parágrafo único do Art.312, decorrente de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força das medidas cautelares (Art.319).
Além dessas alternativas à prisão, abre-se a possibilidade de o juiz substituir a prisão preventiva por domiciliar quando o indiciado ou acusado for maior de 80 (oitenta) anos de idade; quando for pessoa extremamente debilitada por motivo de doença grave; quando a pessoa for imprescindível aos cuidados especiais de menor de seis anos de idade ou com deficiência; ou quando se tratar de gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Em relação à prisão preventiva, esta só persistirá se existirem fundadas razões de que o indiciado ou acusado venha a criar obstáculos à instrução do processo ou à execução da sentença. Restringe-se, ainda, à possibilidade de tal cautela, aos crimes dolosos punidos com pena máxima superior a quatro anos ou, independentemente da sanção penal; quando o acusado houver definitivamente sido condenado por outro crime doloso; por fim, para garantir a execução de medidas protetivas de urgência, no âmbito da violência doméstica e familiar (art. 313).
Assim, o magistrado, tanto poderá condicionar a liberdade do acusado ao cumprimento de uma das medidas elencadas no art. 319, como poderá substituir a situação de prisão em flagrante, ou mesmo a prisão preventiva, por uma de tais medidas, que funcionarão como medida alternativa, apta a alcançar os mesmos fins, porém menos gravosa para o indivíduo, em conformidade com o que se pretende a doutrina garantista minimalista, atendendo aos ditames constitucionais.
7. Conclusão
O Direito Penal é um importante instrumento de pacificação social. O Estado se vale dos seus institutos, principalmente da pena, para a efetivação do contrato social e garantia da paz jurídica.
Não há relatos históricos acerca da evolução progressiva da prisão, entretanto, há constantes apelos à sua reforma, especada em princípios humanitários. É um instituto altamente contraditório no que tange, especialmente, às suas finalidades e forma de execução. Devendo limitar-se, sempre, àquelas de longa duração e aos condenados perigosos e de difícil recuperação, obedecendo aos princípios da proporcionalidade e individualização da pena.
Ao longo da história várias teorias tentaram explicar a finalidade da pena de prisão. Dentre estas, verifica-se as teorias absolutas ou retributivas, defendidas por Kant e Hegel, que pregavam a punição pelo simples fato da violação à norma, a pena como um fim em si mesma.
Por outro lado, as teorias relativas, que pregavam o caráter de prevenção da pena, visando a impedir a prática de novas infrações em relação aquele que já cumpriu pena e, a não delinqüência, para aquele que ainda não delinqüiu, instrumentalizando o indivíduo (prevenção geral).
Ocorre que, nenhuma dessas teorias conseguiu explicar a finalidade da pena, bem como a legitimação para a sua aplicação, vez que uma excluía a outra.
Assim, surgiu a teoria dialética unificadora de Claus Roxin, com base garantista, pregando uma dupla proteção: aos bens jurídicos essenciais e à prestação dos cidadãos. O Direito Penal è encarado como subsidiário, limitando a aplicação das penas estatais.
Roxin defende que, quando da execução da sentença condenatória, além da prevenção geral, estaria presente a idéia de reinserção social do infrator, sempre respeitando as garantias fundamentais insculpidas na Constituição Federal.
Conquanto não se declare minimalista, verifica-se que várias idéias de Roxin são perfeitamente compatíveis com tal movimento.
Verifica-se, ainda, que o cárcere não educa, nem ressocializa ninguém, ao contrário, embrutece e denigre. Os gastos com a pena privativa de liberdade poderiam ser direcionados para a educação e formação, como forma de prevenir a marginalização.
Nesse sentido, o sistema penal seleciona suas vítimas nas classes mais humildes, os seres mais vulneráveis à delinqüência, aliás, situação que perdura, desde a Revolução Industrial.
A pena de prisão deixa marcas irremediáveis, tortura-se, humilha-se, mata-se, tudo isto em total violação a direitos humanos fundamentais.
Assim, verifica-se que com a pena de prisão, o Direito Penal age nas conseqüências e não nas causas dos problemas, vez que ao combater a criminalidade, assim procede com mal muito pior: a pena.
É neste contexto que ganham relevo os movimentos garantistas e minimalistas, propondo, assim, novas sugestões para a solução dos problemas inerentes à pena privativa de liberdade.
O minimalismo propõe a diminuição da quantidade de tipos penais. O garantismo penal defende uma intervenção do magistrado no sentido de, ao interpretar a norma, proceder conforme os preceitos constitucionais, fundamento de validade.
Para que haja aplicação da pena em face de uma lesão a um bem jurídico tutelado penalmente, faz-se necessária a existência de um devido processo legal, no Processo Penal.
Destarte, há uma relação íntima entre crime, pena e processo. Desta forma, diante do atual modelo do Direito Penal Minimalista Garantista, deve-se buscar um Direito Processual Penal também Minimalista e Garantista.
Nesse sentido, verifica-se que, se a prisão com pena é um mal que deve ser excepcionado, a prisão sem pena, cautelar ou provisória, com muito mais razão deve ser combatida, pois destituída de finalidade e fundamento jurídico-constitucional.
Como se percebe, são pertinentes as alternativas à prisão como custódia, acautelamento, consoante os ditames do minimalismo e garantismo penal, em uma concepção subsidiária do Direito Processual Penal.
A Lei 12.403/11 não extirpa do sistema processual penal brasileiro a prisão cautelar, verdadeira antecipação da culpabilidade, mas, a princípio, elenca uma série de medidas alternativas de igual eficácia.
Conclui-se, portanto, que a pena de prisão está em declínio e nunca alcançou o seu apogeu. Com suas conseqüências funestas, só tende a violar, cada vez mais, o indivíduo, e instrumentalizá-lo, em detrimento da ditadura estatal. Logo, se a prisão pena não encontra fundamento de validade, apenas a necessidade, em face das incapacidades estatais, não há porque persistirem no sistema processual, as prisões provisórias, sem nenhuma finalidade, senão o próprio fim do processo penal: a aplicação da pena.
Informações Sobre o Autor
Mônica Antonieta Magalhães da Silva
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharela em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Servidora Pública – Assessora Jurídica no Tribunal de Justiça da Bahia. Professora de Direito Penal e Processual Penal na universidade Católica do Salvador