Análise do conceito de saída de mercadoria para fins de tributação de ICMS: contrapontos entre o artigo 12, I da Lei 87/96 e o artigo 155, II da CF/88

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo a análise do tratamento constitucional do Imposto sobre Operações, relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS, e o princípio da legalidade. Analisa-se a constitucionalidade ou não do art. 12, inciso I da Lei Complementar 87/96, bem como a aplicação da Súmula 166 do STJ. A metodologia utilizada foi a dialética, mostrando-se adequada na medida em que se estuda a conflitante legislação aplicável, bem como as diversas decisões acerca do tema. Realiza-se um estudo teórico acerca do princípio da legalidade frente ao conceito de saída introduzido na referida lei, bem como a previsão do imposto inserido na Constituição Federal de 1988. A respeito da incidência do ICMS na transferência de mercadorias entre diferentes estados da federação verifica-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, do Superior Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Federal, bem como a aplicação da Súmula do STJ. Analisando-se o objetivo específico deste estudo, verifica-se a inconstitucionalidade do art. 12, inc. I da lei 87/96: eis que acabou por alargar o conceito de circulação trazido pela Constituição Federal de 1988, violando assim o princípio da legalidade.

Palavras-chave: ICMS. Jurisprudência. Transferência. Troca de Titularidade.

Abstract: This work aims to analyze the constitutional treatment Brazilian state excise tax (ICMS) and the principle of legality. The main aim is to analyze the constitutionality of the Article 12, section I of the supplementary law 87/96m as well as the application of the Digest 166 of the Federal Supreme Court (FSC). We used the dialectical method, which seems suitable to this work since it studies the confliting law, as well as the several decisions taken on the theme. We carried out a theoretical study on the principle of legality toward the concept of output presented in the law, as well as the forecast tax included in the Constitution of 1988. Despite the ICMS incidence in products transfered between different states of the country, we analyze the jurisprudence of the Court of Justice of the State of Rio Grande do Sul, of the Superior Court, of the Federal Supreme Court, as well as the application of the Digest of the FSC. By analyzing the specific objective of this study, we verify the unconstitutionality of the Article 12, section I of the Law 87/96. It has broadened the concept of circulation brought by the Constitution of 1998, violating the principle of legality.

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Keywords: Brazilian state excise tax (ICMS). Jurisprudence. Transfer. Change of Ownership.

Sumário: Introdução. 1. ICMS: Histórico e Conceituação. 2. Competência Tributária e o Princípio da legalidade. 3. Visão Crítica Acerca do Conceito de Saída de Mercadoria na Lei Complementar 87/96. 4. O Conceito de Saída e a Necessidade de Troca de Titularidade para Fins de Incidência de ICMS. 5. Análise da Jurisprudência do STJ e do STF e a Aplicação da Súmula 166 do STJ. Conclusão. Referências.

 INTRODUÇÃO

O presente trabalho analisa o tratamento constitucional do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, bem como a constitucionalidade ou não do art. 12, inciso I da Lei Complementar 87/96 frente ao conceito de saída introduzido na Constituição Federal de 1988 e da Súmula 166 do STJ.

Analisa-se a constitucionalidade do art. 12, inciso I da referida Lei Complementar na medida em que a lei acabou alargando o conceito de circulação trazido na Constituição Federal, fazendo com que a incidência do imposto se desse na simples saída física de mercadorias.Para isso, o trabalho dividiu-se em duas partes: o tratamento tributário e a segunda parte trata do conceito de saída tratado na Lei Complementar 87/96.

Em seguida, analisa-se a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, e dos Tribunais Superiores brasileiros, como Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, bem como a aplicação da Súmula 166 do STJ, a fim de melhor analisar o tratamento do tema em tela.

A justificativa do tema se dá visto que o contribuinte necessita conhecer os seus direitos, sendo que muitas vezes acabam sendo violados pelo legislador, que, com o intuito de obter uma maior arrecadação, acaba infringindo até mesmo a Constituição Federal.

O método de abordagem utilizado foi o dialético, uma vez que se analisará o conceito de circulação tratado na legislação aplicável, bem como a constitucionalidade do art. 12, inciso I da Lei 87/96.Os métodos de procedimento utilizados no trabalho foram o histórico e o estudo de caso.

1 ICMS: HISTÓRICO E CONCEITUAÇÃO

O imposto sobre circulação de mercadorias foi instituído pela Emenda Constitucional nº 18/65, o qual substituiu o antigo Imposto de Vendas e Consignações (IVC). De acordo com Aliomar Baleeiro (2003), do ponto de vista econômico o ICM é o mesmo IVC, o qual concorria com cerca de ¾ partes da receita tributária dos Estados-Membros. Dizia-se que só diferia do imposto de consumo e do imposto de indústrias e profissões sobre comerciantes e industriais, pelo nomen juris, tendo em conta que os três tratavam da introdução da mercadoria no circuito comercial.

 O Imposto sobre Operações, relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços – ICMS, previsto no artigo 155 da Constituição Federal de 1988, é um imposto de competência Estadual e Distrital.

O ICMS de longe é o imposto que mais gera renda aos Estados. No Rio Grande do Sul, de acordo com dados extraídos do site da Secretaria da Fazenda do Estado do Rio Grande do Sul, o estado arrecadou R$ 21.378.208.630,36 no ano de 2012 e até o mês de fevereiro de 2013 já ultrapassa o montante de R$ 3.846.136.276,20.

A Constituição Federal estabelece inúmeros princípios aplicáveis ao imposto, dentre eles o de ser não-cumulativo, a regra encontra-se insculpida no art. 155, II, § 2º.

O referido imposto, não cumulativo, poderá ser seletivo em razão da essencialidade dos produtos, ou seja, quanto maior a essencialidade do produto, menor a tributação, de acordo com a regra inserida no art. 155, § 2, inc. III: “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”. Da regra exposta, percebe-se que de acordo com a diversidade dos produtos e dos serviços, estes estarão sujeitos a diferentes cargas fiscais.

Ao tratar do princípio da seletividade Marco Aurélio Greco e Anna Paola Zonar (1997) apregoam a carga tributária será dimensionada de modo a onerar mais os produtos de menor essencialidade, os compreendidos como supérfluos e desonerar os de primeira necessidade da população.

Embora a Constituição Federal não tenha descrito expressamente o sujeito passivo da obrigação tributária, sabe-se que o comerciante, o produtor, o industrial são os contribuintes do ICMS.

A hipótese de incidência do ICMS é a ocorrência de operação de circulação de mercadorias envolvendo negócio econômico entre diferentes sujeitos. Ocorre que o imposto em questão ocasiona diversas discussões no âmbito de incidência, o que se passa a tratar.

Ao tempo da Constituição Federal de 1967, o imposto estava previsto no art. 24, inc. II na Carta Magna, a qual trazia a seguinte redação: “Art. 24. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas a circulação de mercadorias, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos, na forma do art. 22, § 6º, realizadas por produtores, industriais e comerciantes”.

Em 1968 com a redação dada pelo Ato Complementar nº 40 o imposto novamente foi alterado: “Art. 24. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II – operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes”.

Posteriormente, com a edição da Emenda 23, de 1983 o imposto passou a estar previsto no art. 23, inc. II, alterando a previsão para:

Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, imposto que não será cumulativo e do qual se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado. A isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 1983)

Em tal época, o Decreto-Lei Federal 406/68 de 31 de dezembro de 1968 estabelecia as normas gerais aplicáveis ao imposto de circulação de mercadorias (ICM), e sobre serviços de qualquer natureza. O referido Decreto- lei trazia a seguinte redação:

“Art. 1º O imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias tem como fato gerador:

I-A saída de mercadorias de estabelecimento comercial, industrial ou produtor;

§ 1º Equipara-se à saída a transmissão da propriedade de mercadoria, quando esta não transitar pelo estabelecimento do transmitente.”

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O legislador em 1968 já havia alargado a definição do fato gerador prevista na Constituição Federal ao estabelecer que “a saída a qualquer título, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular” ensejava fato gerador.

Com vista o exposto, importante tratar do princípio da legalidade, vez este se mostra como um importante limitador ao poder de tributar do fisco, se mostrando como verdadeira garantia aos contribuintes.

2 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

O artigo 24, inciso I da Constituição Federal de 1988 estabelece a competência da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislarem concorrentemente sobre Direito Tributário.

Destaca-se o conceito de competência tributária de Roque Antônio Carrazza (2002):

“Competência tributária é a possibilidade jurídica de criar, “in abstracto” , tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disto, temos que exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributos”. (CARRAZZA, 2002, p. 24)

Observa ainda o mesmo autor CARRAZA, (2002) que a criação de tributos é tarefa exclusivamente legislativa, sendo que a arrecadação se relaciona com o exercício da função administrativa. Assim, o exercício da competência tributária é uma das manifestações do exercício da função legislativa, a qual decorre da Constituição. Desta forma, em síntese, criar tributos é legislar, assim como arrecadá-los é administrar. Em razão da vigência do princípio da legalidade, os tributos devem ser criados ‘in abstrato” através de lei.

O princípio da legalidade encontra-se consagrado no art. 5º, inc. II da Constituição Federal de 1988, e se mostra como um dos princípios mais importantes do Estado de Direito, o qual dispõe que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. No sistema tributário brasileiro, o princípio da legalidade encontra-se previsto expressamente no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal “Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I- exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.

De acordo com o princípio da legalidade, o tributo deve nascer somente de lei, não se admitindo a sua instituição através do Poder Executivo. O referido princípio também foi consagrado no artigo 97 do Código Tributário Constitucional, onde nos incisos I e II exige-se que a instituição, extinção, majoração, bem como redução de tributos sejam feitas somente através de lei.

Preceitua Marciano Seabra de Godoi (2008):

“A lei que estabelece a exigência ou o aumento do tributo não pode ser lacônica nem genérica. O art. 97 do Código Tributário nacional, detalhando ou desdobrando a norma do referido art. 150, I da Constituição, estabelece que a própria lei (e não um ato infralegal que atue por delegação do legislador) deve definir o sujeito passivo e o fato gerador do tributo, bem como fixar sua forma de cálculo (geralmente estabelecendo bases de cálculos e alíquotas)”. (GODOI, 2008, p.72)

Na lição de Domingues (2008) a igualdade e a legalidade representam dois grandes princípios do Estado de Direito, sendo que a igualdade (princípio material) exprime a ideia de Justiça, enquanto que a legalidade (princípio formal) traz a exigência do autoconhecimento através da representação política dos cidadãos destinatários das ações estatais, assim, a legalidade se designa a realizar a Igualdade e somente nessa perspectiva encontra justificativa.

Ensina Marilene Talarico Martins Rodrigues (2002):

“De fato se no exercício da ação de tributar o Estado retira uma parcela do patrimônio de cada um, a inviolabilidade dos direitos individuais concernentes à segurança e à propriedade, e mesmo à liberdade, somente poderá ser garantida se essa ação tributária obedecer aos limites rígidos estabelecidos em lei.” (RODRIGUES, 2002, p.86)

Neste sentido, de acordo com o princípio da constitucionalidade das leis, todas as normas devem estar em consonância com a Constituição Federal, respeitando os princípios e as garantias constitucionais previstos na lei material, pois caso contrário não terão condições de aplicabilidade.

3 VISÃO CRÍTICA ACERCA DO CONCEITO DE SAÍDA DE MERCADORIA NA LEI COMPLEMENTAR 87/96

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o ICMS está previsto no art. 155, inc. II, o qual dispõe:

“Art. 155 – Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e prestações se iniciem do exterior.” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

Ocorre que, em 16 de dezembro de 1988 em manifesta contradição ao disposto no artigo 155, inc. II da CF/88 foi publicado o Convênio ICM 66/88. Esta norma regulava a matéria, estabelecendo em seu art. 2º, o fato gerador do imposto: Art. 2º Ocorre o fato gerador do imposto: V- na saída de mercadoria, a qualquer título, de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”.

Percebe-se que novamente, após a edição da Constituição Federal de 1988, o legislador ampliou o fato gerador, determinando que a hipótese de incidência se daria na simples saída de mercadorias para estabelecimentos do mesmo contribuinte (saída física).

A fim de solucionar a controvérsia, no ano de 1996, o Superior Tribunal de Justiça buscando a uniformidade de decisões editou a Súmula 166 a qual estabelece: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Neste sentido, importante colacionar os precedentes jurisprudenciais que levaram à elaboração da súmula acima transcrita: Recurso Especial nº 32.203-4, julgado em 06/03/1995, Ministro Presidente Demócrito Reinaldo, Recurso Especial nº 36.060-9, julgado em 10/08/1994, Ministro Relator Humberto Gomes de Barros, Ministro Presidente Demócrito Reinaldo, Recurso Especial nº 9.933-0, julgado em 07 de outubro de 1992, Ministro Presidente e Relator Antônio de Pádua Ribeiro.

Da leitura das decisões que levaram à edição da Súmula 166 do STJ, percebe-se que a discussão se dava em razão da leitura do texto inserido no art. 23, inc. II da Constituição Federal de 1967, a qual determinava que a hipótese de incidência se dava no momento da transferência de titularidade, ou seja, do negócio jurídico, e da leitura do Decreto 406/68 que já havia ampliado o fato gerador do imposto.

Ocorre que em 1996, após a edição da Súmula 166 do STJ, foi editada a lei 87/96 – Lei Kandir, que revogou o convênio 66/88, a qual também estabeleceu situação diversa da prevista na Constituição Federal para incidência do imposto.

A referida lei, em seu art. 12, inc. I estabelece ser fato imponível de ICMS o fato da mercadoria sair do estabelecimento do contribuinte ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular: “Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: I – da saída de mercadoria de estabelecimento de contribuinte, ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular.” Neste sentido, percebe-se que novamente o legislador acabou por ampliar o âmbito da incidência do imposto inserido na Constituição Federal.

Porém, no ano de 2010, a questão foi novamente suscitada, decidindo a Primeira Seção de Julgamento do STJ através do Recurso Representativo da Controvérsia (Resp 1125133) pela inocorrência de fato gerador na simples transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma empresa, o que será analisado posteriormente.

4 O CONCEITO DE SAÍDA E A NECESSIDADE DE TROCA DE TITULARIDADE PARA FINS DE INCIDÊNCIA DE ICMS

Tratando-se da questão da saída da mercadoria, de acordo com a regra matriz do ICMS inserida na Constituição Federal, percebe-se que para que haja incidência do imposto é necessário que estejam presentes os requisitos previstos na legislação maior.

Assim, o autor ensina que mercadoria não é qualquer bem móvel, mas tão só aquele que se submete a mercancia. Neste sentido, pode-se afirmar que toda mercadoria é bem móvel, porém, nem todo bem móvel é mercadoria. Assim, só o bem móvel que se destina à prática de operações mercantis é que assume a qualidade de mercadorias. (CARRAZA, ICMS, 2009). Sobre o conceito de circulação que se extrai da Constituição Federal afirma Carraza 2011, p. 39: “A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade de mercadoria Sem mudança da titularidade da mercadoras, não há falar em tributação por meio de ICMS”.

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Denota-se com isso que o conceito de circulação tratado na Carta Magna deve ser visto em um conjunto, ou seja, analisado em ligação com o termo operações daí se entendendo a troca de titularidade.

Isso demonstra que para que um bem seja considerado mercadoria ele deve ser destinado ao comércio. Da regra matriz do ICMS o que se percebe é que para que haja incidência do imposto é necessária a ocorrência de operações com mercadorias, no tocante operações pressupõe-se a troca de titularidade.

Nos dizeres de Roque Antonio Carraza (2011) a remessa de mercadoria de um estabelecimento para outro, de uma mesma empresa, configura simples transporte e, por isso mesmo, não incide ICMS. De fato, nela não há transmissão de mercadoria e, por via de consequência, circulação jurídica. Só haverá circulação jurídica, quando uma operação for realizada entre duas pessoas distintas.

A respeito disto, Melo (2000), utiliza a doutrina de Arnoldo Wald o qual apregoa que: “somente ocorre a circulação quando a mercadoria é transferida, passando de um patrimônio para outro, qualquer que seja a motivação jurídica. (MELO, 2000, p. 27)

Sendo assim, a saída por si só, não está estabelecida na Carta Constitucional como hipótese de incidência de ICMS, razão pela qual não constitui situação exclusiva e fundamental para a compreensão do tributo, visto que é necessário ser antecedida da realização de negócio mercantil.

Adverte o mesmo autor (MELLO, 2000) que são inconstitucionais os incisos V e VI do art. 2º do Convênio ICM 66/88 e a parte final do art. 12, I da LC-87/96, que preveem a ocorrência de fatos geradores do imposto nas saídas de mercadorias, de um para outro estabelecimento do mesmo titular (saída física), inclusive quando localizado na mesma área ou em área contígua. Devido ao fato de inexistir mutação patrimonial não materializa o ICMS por não tipificar a realização de “operações jurídicas”, mas simples circulações físicas que não significam relevância para o Direito. (2000, p. 28)

Também, conforme apregoa Barreto (1995), ver no ICMS um imposto sobre circulação ou sobre mercadorias é como se estivéssemos ignorando a Constituição Federal, pois da sua leitura percebe-se que o cerne da hipótese de incidência está no termo “operação” assim descrito na Carta Magna. Assim, Soares (2000), utiliza os ensinamentos de Alcides Jorge Costa:

“Operação relativa a circulação de mercadorias é, pois, um ato jurídico, no sentido de ato material ou não negocial que consiste na imediata realização de uma vontade, no caso a de promover  a circulação de mercadorias para levá-las da fonte de produção ao consumo e que (…) em conclusão , a operação a que se refere o artigo 23, II da Constituição é qualquer negócio jurídico ou ato material, que seja relativo a circulação de mercadorias”. (COSTA apud SOARES, 2000, p. 15)

Neste sentido, percebe-se que para que haja circulação de mercadorias, nos termos da previsão expressa na Constituição Federal, é necessário falar em transferência de domínio, pressupondo mudança de titularidade efetuada por um negócio jurídico entre partes distintas.

José Eduardo Soares de Melo (2000) utiliza para tanto a doutrina de Carvalho de Mendonça, ao tratar do tema:

“As mercadorias, passando por diversos intermediários no seu percurso entre os produtores e os consumidores, constituem objeto de variados e sucessivos contratos. Na cadeia dessas transações dá-se uma série continuado de transferência da propriedade ou posse das mercadorias. Eis o que se diz circulação de mercadorias”. (MELO, 2000, p.16)

Da leitura supra, verifica-se que apesar dos autores terem tratado de transferências realizadas no mesmo estado, o entendimento é embasado no fato de que não havendo mudança de titularidade não ocorre fato gerador do referido imposto.

Diante do exposto, percebe-se que o legislador com o intuito de aumentar o valor arrecadado acabou por alterar o âmbito de incidência do imposto trazido pela Constituição Federal infringindo a regra insculpida no art. 110 do Código Tributário Nacional, a qual estabelece:

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e normas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

Nesta linha de raciocínio tem-se que o legislador ao alargar a hipótese de incidência do ICMS, o fez com o claro intuito de aumentar a incidência do referido imposto, de modo a permitir que ele incida sobre a simples circulação de mercadoria, entendida como mero deslocamento físico.

5 ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E DO STF E A APLICAÇÃO DA SÚMULA 166 DO STJ

Após o estudo do tratamento da incidência do imposto, sua hipótese de incidência, de forma específica busca-se analisar a forma como o Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, bem como o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, posiciona-se acerca do tema.

Inicia-se pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal demonstrando com isso, que a discussão é bastante antiga, conforme se verifica de uma decisão do Pleno do ano de 1987:

“EMENTA: Representação. Inconstitucionalidade do art. 9º do decreto nº 11.222, de 05/02/1986, do Estado da Paraíba.

Ao declarar estabelecimento autônomo para autorizar a incidência de ICM estabelecimentos – engenhos, sítios e demais divisões fundiárias – da mesma usina – unidade econômica – contrariou o art. 23, II, da CF, pois taxa o simples deslocamento físico de insumos destinados à composição do produto final da mesma empresa. Representação procedente.” (Representação 1.355-3 presidente Rafael Mayer, julgado em 12 de março de 1987, D. J. 10/04/87, Ementário nº 1456-1)

No recurso acima, deram provimento unânime a fim de declarar a inconstitucionalidade do art. 9 º do decreto 11.222 de 5 de fevereiro de 1986, o qual considerava “estabelecimentos autônomos para fins de incidência do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, os engenhos, sítios e demais divisões fundiárias, mesmo que pertencentes a mesma usina”.

Como se pode observar o decreto contrariava o disposto no artigo 22, inc. II da Constituição de 1967, vigente à época, o qual desde aquela época já determinava a incidência do imposto em operações em que ocorriam a troca de titularidade e não em simples circulações físicas.

“EMENTA: Imposto de circulação de mercadorias – Cooperativas de consumo. A incidência do ICM tem por pressuposto a circulação que pressupõe, economicamente, a transferência de propriedade ou posse da mercadoria.

No caso das cooperativas de consumo, não ocorre circulação, vez que a saída de mercadorias aos seus associados, ou cooperados não incorra transferência de propriedade, eis que essas mercadorias já lhe pertencem. Recurso Extraordinário não conhecido”. (Recurso Extraordinário nº 72.413, julgado em 14/12/1972)

O julgado acima transcrito foi julgado com base no argumento de que a circulação pressupõe economicamente a transferência de propriedade, o que inocorria no caso das cooperativas de consumo, vez que as mercadorias saiam da cooperativa aos associados, ou cooperados, e não caracterizavam com isso a transferência de propriedade visto que as mercadorias já lhe pertenciam.

“EMENTA: – IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS – DESLOCAMENTO DE COISAS – INCIDÊNCIA – ARTIGO 23, INCISO II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ANTERIOR. O simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não gera direito à cobrança de ICM. O emprego da expressão "operações", bem como a designação do imposto, no que consagrado o vocábulo "mercadoria", são conducentes à premissa de que deve haver o envolvimento de ato mercantil e este não ocorre quando o produtor simplesmente movimenta frangos, de um estabelecimento a outro, para simples pesagem.(AI 131941 AgR, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 09/04/1991, DJ 19-04-1991 PP-00932 EMENT VOL-01569-04 PP-00682)”

No acórdão acima transcrito foi decidido pela improcedência do inconformismo do Estado de São Paulo, inadmitindo com isso, a configuração de incidência do ICMS, o simples transporte de frangos de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte, sendo que o objetivo foi o de simples pesagem, tendo em conta a capacidade superior de pesagem da balança do segundo estabelecimento.

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SAÍDA FÍSICA DE BENS DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DE MESMA TITULARIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DO ICMS. PRECEDENTES DA CORTE. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência da Corte é no sentido de que o mero deslocamento físico de bens entre estabelecimentos, sem que haja transferência efetiva de titularidade, não caracteriza operação de circulação de mercadorias sujeita à incidência do ICMS. II – Recurso protelatório. Aplicação de multa. III – Agravo regimental improvido.(AI 693714 AgR, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 30/06/2009, DJe-157 DIVULG 20-08-2009 PUBLIC 21-08-2009 EMENT VOL-02370-13 PP-02783)”

Na decisão acima se deu pelo entendimento de que a saída física, ou seja, o mero deslocamento, não enseja tributação de ICMS.

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. ICMS. SIMPLES DESLOCAMENTO DE MERCADORIAS SEM TRANSFERÊNCIA DE TITULARIDADE. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Não incide ICMS sobre o deslocamento de mercadoria de um estabelecimento para outro da mesma empresa, sem a transferência da titularidade. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 682680 AgR, Relator(a):  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 20/05/2008, DJe-102 DIVULG 05-06-2008 PUBLIC 06-06-2008 EMENT VOL-02322-08 PP-01557)”

A turma por unanimidade negou provimento ao recurso com base no argumento de que não incide ICMS na transferência de mercadorias da mesma empresa.

Mister se faz transcrever os precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTARIO. ICM. TRANSFERENCIAS DE MERCADORIAS DA FILIAL PARA A MATRIZ E VICE-VERSA.

I- O SIMPLES DESLOCAMENTO DA MERCADORIA PELO SEU PROPRIETARIO, SEM IMPLICAR CIRCULAÇÃO ECONOMICA OU JURIDICA, NÃO LEGITIMA A INCIDENCIA DO ICM.

II- INOCORRENCIA DE OFENSA AO ART. 6., PAR-2., DO DECRETO-LEI N. 406/68.

III- RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. (REsp 9.933/SP, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/10/1992, DJ 26/10/1992, p. 19028)”

A Fazenda do Estado de São Paulo interpôs recurso o qual por unanimidade foi negado o provimento com base no entendimento de que é indevido a exigência de recolhimento de ICM, em hipótese de mero deslocamento físico de mercadoria, como ocorre na transferência de mercadoria entre matriz e filial.

O acórdão acima proferido consolida o entendimento de que não incide ICMS na operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, por não se constituir fato gerador do imposto à ausência de ato de mercância, consoante disposição da súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça.

“TRIBUTARIO. ICM. TRANSFERENCIA DE MERCADORIAS. ESTABELECIMENTOS DA MESMA FIRMA. JURISPRUDENCIA ATUAL.

1. CONSOANTE A JURISPRUDENCIA MAIS RECENTE DAS DUAS TURMAS INTEGRANTES DA 1A. SEÇÃO DESTE TRIBUNAL, A TRANSFERENCIA DE MERCADORIAS ENTRE ESTABELECIMENTOS DA MESMA EMPRESA, NA MESMA LOCALIDADE, NÃO TIPIFICA CIRCULAÇÃO ECONOMICA OU JURIDICA CARACTERIZADORA DE FATO GERADOR DO ICM.

2. EMBARGOS DE DIVERGENCIA REJEITADOS PARA MANTER A DECISÃO EMBARGADA. (EREsp 36.060/MG, Rel. Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 05/12/1995, DJ 25/03/1996, p. 8538)”

No julgado acima, foi decidido por unanimidade em dar provimento ao recurso, entendendo que o deslocamento de mercadoria para estabelecimento do mesmo contribuinte, não configura circulação econômica, em ordem a ensejar imposição tributária relativa ao ICMS.

“TRIBUTARIO – ICM – TRANSFERENCIA DE MERCADORIA DA FABRICA PARA AS LOJAS – DECRETO-LEI 406 / 1968 (ART. 1., I, E 2., PARAGRAFO 6.).

1. O SIMPLES DESLOCAMENTO DA MERCADORIA DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO, DO MESMO CONTRIBUINTE, SEM TIPIFICAR ATO DE MERCANCIA, NÃO LEGITIMA A INCIDENCIA DO ICM.

2. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

3. RECURSO PROVIDO.” (REsp 32.203/RJ, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/03/1995, DJ 27/03/1995, p. 7138)

Na decisão acima transcrita foi arguido ofensa ao disposto no art. 23, inciso II da Constituição Federal de 1967, sendo que a transferência ocorrida no caso em tela era da fábrica até a loja do mesmo proprietário, razão pela qual não foi considerado fato gerador do imposto tendo em conta a ausência de tipificação de ato mercantil.

Desse modo, não se constituindo operação econômica tributável a transferência dos produtos acabados às lojas que suportam o respectivo encargo tributário, descabe a exigência fiscal aprisionada á multicitada operação. A incidência estaria legitimada pela legalidade, caso o primeiro estabelecimento agisse autonomamente comercializando os produtos da sua fabricação.

Assim, a turma por unanimidade deu provimento ao recurso, entendendo que no caso em tela inocorreu hipótese de incidência de ICM.

“TRIBUTÁRIO. ICMS. DESLOCAMENTO DE MERCADORIA DE UM ESTABELECIMENTO PARA OUTRO DO MESMO CONTRIBUINTE. NÃO INCIDÊNCIA DA EXAÇÃO. SÚMULA 166/STJ. RECURSO REPETITIVO JULGADO.

1. A jurisprudência pacífica deste Sodalício é no sentido de que não incide ICMS na operação de transferência de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, por não constituir fato gerador do imposto, consoante disposto no enunciado da Súmula 166/STJ.

2. Entendimento ratificado pela Primeira Seção desta Corte, ao julgar o REsp 1.125.133/SP, mediante a aplicação da sistemática prevista no art. 543-C do CPC (recursos repetitivos).

3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag 1142437/ES, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/10/2010, DJe 05/11/2010)

O entendimento foi no sentido de que na ausência de circulação jurídica inexiste hipótese de incidência do referido imposto.

Neste sentido, mister transcrever a ementa do Recurso Representativo da Controvérsia, o qual foi julgado na data de 25 de agosto de 2010, reconhecendo a inexistência de fato gerador de ICMS a simples remessa de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte (circulação física):

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C, DO CPC. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA ENTRE ESTABELECIMENTOS DE UMA MESMA EMPRESA. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR PELA INEXISTÊNCIA DE ATO DE MERCANCIA. SÚMULA 166/STJ.

DESLOCAMENTO DE BENS DO ATIVO FIXO. UBI EADEM RATIO, IBI EADEM LEGIS DISPOSITIO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. […]

5. "Este tributo, como vemos, incide sobre a realização de operações relativas à circulação de mercadorias. A lei que veicular sua hipótese de incidência só será válida se descrever uma operação relativa à circulação de mercadorias.

É bom esclarecermos, desde logo, que tal circulação só pode ser jurídica (e não meramente física). A circulação jurídica pressupõe a transferência (de uma pessoa para outra) da posse ou da propriedade da mercadoria. Sem mudança de titularidade da mercadoria, não há falar em tributação por meio de ICMS. […]

8.  Recurso especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008.” (REsp 1125133/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 10/09/2010)

Trata-se de Recurso Representativo da Controvérsia, sujeito ao procedimento do art. 543 – C do Código de Processo Civil, no qual foi decidido que a circulação de mercadorias versada no texto constitucional refere-se a circulação jurídica, a qual pressupõe ato de mercancia, onde existe a finalidade de obter lucro, bem como troca de titularidade.

Recentemente, após a publicação do Recurso Representativo da Controvérsia acima citado, o Superior Tribunal de Justiça novamente necessitou manifestar-se a respeito da matéria em julgamento de Recurso Especial interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul:

“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO. AMEAÇA CONCRETA. CABIMENTO. ICMS. TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA DE MATRIZ PARA FILIAL DA MESMA EMPRESA. SÚMULA 166/STJ. RECURSO REPETITIVO RESP 1.125.133/SP.

A natureza da operação é a de transferência de produtos entre “estabelecimentos” da mesma propriedade, ou seja, não há circulação de mercadorias, muito menos transferência de titularidade do bem, requisito este necessário à caracterização do imposto, conforme determina a súmula 166 do STJ. Incidência da súmula 83 do STJ.”(AgRG no Agravo em Recurso Especial Nº 69.931/RS, Rel. Ministro Humberto Martins,  julgado em 07 de fevereiro de 2012).

Para tanto, citou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a fim de demonstrar que o entendimento é uníssono no mesmo sentido. Assim confirmou-se a vigência da Súmula 166 do STJ.

Com isso, não se espera esgotar o assunto tratado, mas sim contribuir com o presente trabalho, a fim de demonstrar que a discussão tratada não é recente e que ainda merece muita reflexão tendo em vista a importância do tema.

CONCLUSÃO

O presente trabalho se propôs a realizar um estudo preponderantemente teórico, fazendo uma análise do conceito trazido pela Constituição Federal de 1988 a respeito do Imposto sobre Operações Relativas a Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços, a fim de verificar a constitucionalidade ou não do art. 12, inc. II da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir).

Num primeiro momento faz um estudo acerca do histórico do ICMS, de seu conceito, bem como da competência tributária e do princípio da legalidade; já o segundo capítulo, faz uma análise crítica acerca do conceito de saída trazido pela lei complementar 87/96, realiza uma análise da jurisprudência do TJ, STJ e STF, bem como acerca da aplicação da Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça.

Importante se faz, em um primeiro momento, refletir acerca da competência tributária, tendo em conta que esta foi estabelecida na Constituição Federal, bem como do princípio da legalidade abarcado no sistema tributário brasileiro. Assim, faz-se necessário um estudo acerca do âmbito de sua incidência com base no princípio da legalidade, buscando a efetiva justiça fiscal.

No terceiro item faz-se uma analise crítica acerca do conceito de saída trazido pelo art. 12, inc. II, lei complementar 87/96, sendo que o legislador acabou por alargar o conceito de saída introduzido na Constituição Federal de 1988, visto que esta, ao determinar a incidência do imposto, referiu que a incidência se daria nas operações, e em se tratando de operações tem-se a necessidade de uma relação jurídica entre dois sujeitos, não a mera saída física como restou estabelecido na lei complementar.

Diante da ampliação do conceito de circulação trazido no art. 12, inciso II da Lei Complementar 87/96 é que se iniciou uma série de discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do âmbito de incidência do ICMS.

Demonstra-se a necessidade da troca de titularidade para ensejar a tributação, não sendo capaz de ensejar fato oponível de tributação a simples saída física, ou seja, a transferência de mercadorias de matriz para filial, sendo necessário o negócio jurídico.

Sendo assim, a saída meramente física de um bem não é capaz de ensejar a cobrança do imposto de circulação de mercadorias. Destarte, como consta no próprio texto constitucional, somente a existência de uma operação que faça circular algo entre sujeitos distintos com ato de mercancia é fato ensejador do imposto.

No tópico seguinte, analisa-se a jurisprudência do STJ e STF, assim como a aplicação da Súmula 166 do STJ.

Ao analisar as decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, constata-se que a discussão é bastante antiga, tendo decisões julgadas da década de 70, as quais já tratavam da mesma discussão, visto que o art. 23 da Constituição anterior já estabelecia a incidência de ICMS em operações e não meramente sobre circulações físicas.

Nota-se que a Súmula 166 do Superior Tribunal de Justiça esteve presente em todas as decisões explanadas, mostrando-se que ainda encontra-se em vigência, sobretudo no fato de que foi utilizada como forma de embasar o Recurso Repetitivo que se passa a tratar.

Analisa-se o recurso representativo da controvérsia, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, o qual decidiu pela inocorrência de fato gerador de ICMS a simples transferência de mercadorias entre empresas do mesmo contribuinte. A decisão é de suma importância, pois tornou uníssono o posicionamento do STJ, sendo assim, as decisões que restaram suspensas até o julgamento do recurso, após o julgamento deste, foram julgadas com base no entendimento exposto no recurso repetitivo.

A decisão, apesar de não vincular o Fisco, poderia fazer com que este deixasse de arrecadar, contribuindo para que não houvesse mais demandas com a mesma discussão, evitando o gasto público com processos judiciais, se, administrativamente, reconhecesse a aplicação da Súmula e regulamentasse a matéria, colaborando com isso para o desafogamento do judiciário.

Conclui-se, com o presente trabalho, que o legislador, ao editar a Lei Kandir, não preocupou-se em suprir a inconstitucionalidade que já havia sido instaurada, sendo assim, não poderia ser aplicado o pelo judiciário o art. 12, inc. II da referida lei, por ferir fatalmente a Constituição Federal, devendo esta lei ser objeto de uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade.

 

Referências
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Informações Sobre o Autor

Bruna Hundertmarch

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Advogada


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