Anistia é “véu de eterno esquecimento…”


Amadeu de Almeida Weinmann, recentemente empossado na Academia Brasileira de Direito Penal, contribui com o debate sobre a lei de anistia, assim se posicionando: “…Ernesto Geisel, assumindo a Presidência da República em 1974 trazia a todos os brasileiros a promessa de fazer uma “lenta, segura e gradual” distensão política.


No entanto, e contraditoriamente, é no seu governo que ocorrem duas mortes: a do jornalista Vlamidir Herzog e a do operário Manoel Fiel Filho. Registrou-se, também, o assassinato de dirigentes do Partido Comunista do Brasil no episódio que ficou conhecido como “Chacina da Lapa”. É, no seu governo que se editou o pacote de abril, e no qual se continuaram as cassações de mandatos políticos. As eleições continuavam indiretas, para a Presidência da República, Govern adores de Estados e Senadores, bem como aos Prefeitos das capitais.


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À época, na Câmara dos Deputados, a oposição obteve considerável maioria. Isso deu coragem à sociedade civil para se organizar e resistir. Assim é que foi criado o Movimento Feminista pela Anistia. A Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Brasileira de Imprensa e a Igreja Católica se posicionam em favor da democratização ampla e total. O movimento estudantil e operário sai às ruas. Surgem, em 1978, os primeiros Comitês Brasileiros de Anistia, congregando os opositores da ditadura, com apoio decisivo de diversos parlamentares.


É realizado em São Paulo o 1º Congresso Nacional da Anistia, com a presença e participação de milhares de pessoas, lutando pela “Anistia, ampla, geral e irrestrita”. Ampla, porque deveria alcançar os atos de todos os punidos com base nos Atos Institucionais, geral e irrestrita porque não deveriam impor qualquer condição aos seus beneficiários, inclusive com a ausênci a de exame de mérito dos atos por eles praticados. Findo o governo Geisel, assume a Presidência o general João Batista Figueiredo. Isso em 1979. O Regime Militar sequer admitia a possibilidade de anistia, e sugere o indulto para os presos políticos, o que não foi aceito por ninguém.


Começa a distensão. Os atos, nas ruas e no Congresso Nacional, se engrandecem. Com o apoio de parlamentares, dos Comitês de Anistia e de parcelas da opinião pública, partem em luta pública por uma anistia ampla, geral e irrestrita. Há a famosa greve dos presos políticos, com uma importância enorme para o desenrolar dos fatos. Dura perto de um mês.


O presidente João Figueiredo se compromete, então, a revisar os inquéritos e processos de cassações e condenações dos presos políticos. Em agosto de 1979 encaminha ao Congresso Nacional, um novo projeto de anistia composto de 15 artigos, diz em seu artigo nº 1: “É concedida anistia a todos quanto, no período compreendido entre 2 de setembr o de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da administração direta e indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário.


Aos militares e representantes sindicais punidos com fundamento em atos institucionais e complementares e outros diplomas legais”. O artigo era composto de três parágrafos. Um deles dizia: “Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal”. Não era o que se queria e nem o que se pedia, e sim, o que se podia admitir para a época. Dizia-se que era o arrombamento das portas por onde entraria a plena e total democracia. Por isso, o projeto foi aprovado e promulgado no dia 28 de agosto de 1979. São soltos, então, os presos políticos e retornam ao país os exilados. Volta a reinar a paz, sem qu e se perca de vista o sonho da anistia ampla, geral e irrestrita.


Em 1985, depois de duas décadas, tem início o ciclo dos governos civis. É eleito Tancredo Neves que, morrendo antes mesmo de sua posse, dá lugar a seu vice-presidente, José Sarney. Em novembro do mesmo ano, através da Emenda Constitucional de nº 26, é concedia a anistia que, pelo seu art. 4º, demonstrava que o destino era a “todos os servidores públicos da Administração Direta e Indireta e Militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares. “Seu parágrafo 1º acrescentava: “É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais”. Veio a Constituição de 1988 que, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, determinava, pelo seu artigo 8º: “É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18 de 15/12/1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864 de 12/9/1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividades previstas nas leis, regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos”.


Foram essas leis, que ampliaram a anistia concedida em 1979, ensejando diversas ações indenizatórias, algumas delas milionárias até. Somente em 1996 é que foi aprovada a Lei 9.140/96 que concedida indenizações às famílias dos des aparecidos políticos, parcela esquecida na legislação anterior. No entanto, ficara restrita aos Estados de São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Treze anos depois da promulgação da Constituição é que, através da Medida Provisória nº 2.151/01, foi regulamentado o artigo 8º, das Disposições Constitucionais Transitórias. Constituía-se de cinco capítulos e de vinte e dois artigos.


O período abrangido pelos efeitos da anistia é mais amplo, pois que, de 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988. Dava poderes ao Ministro da Justiça a formar uma Comissão Especial para examinar os direitos civis e indenização aos anistiados.Como nunca antes, a legislação do esquecimento foi tão generosa e altruísta. E sendo a anistia uma via de mão dupla, o ato de anistia, faz esquecer, obrigatoriamente, os atos que geraram as razões da existência de anistiados.


Conclusão: As sucessivas Leis e Medidas Provisórias que dispõem sobre a anistia, têm como anistiados todo s aqueles que, de qualquer forma praticaram atos políticos, desde a promulgação da Constituição Federal de 1946, até a de 1988. Sendo a anistia um ato eminentemente político, tanto que inscrita no capítulo dedicado ao poder Congressual, e não do Poder Judiciário e nem ao do Executivo, tem caráter amplo, irrecusável é de per se, irrevogável. Até porque, os maiores prejudicados com a revogação da lei benéfica, seriam aqueles que teriam sido o alvo principal da lei, pois que, ficariam, sem dúvida, desnudos de sua veste protetora.


E assim sendo, sob o risco de terem que ver suas atitudes examinadas pelo Poder Judiciário. Sendo, portanto, a anistia, segundo Ruy Barbosa, “o véu de eterno esquecimento”, e de Barbalho a “núncia de paz e conselheira de concórdia, parece antes, do céu prudente aviso, que expediente de homens”, não há como se alterar o ato de benemerência postulado pelo povo e dado pelo Estado, pena de se estar demonstrando, através de casuísmos, a existência da quilo que, paradoxal e ironicamente, Mao Tsé-Tung denominou de “a ditadura democrática.”


Aguardamos o envio de novos posicionamentos a respeito do tema que contribuirá para o deslinde da questão no Judiciário.



Informações Sobre o Autor

Elias Mattar Assad

Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas


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