Antígona: a mãe da individualização do direito

Resumo: O texto visa projetar a importância histórica da peça Antígona de Sófocles no direito contemporâneo. Aborda dois pontos principais: a concepção de antinomia e a construção do entendimento moderno sobre direito individual.

Palavras chave: Antígona; lei divina; lei humana; antinomia; história do direito.

Abstract: A text about the historic matter of tragic play Antígone, from Sophocles, in contemporary rights. Abort two principals points: antinomy’s concept and construct of modern knowledge about individual right.

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Key words: Antígone, divine law; human law; antinomy; right’s history.

Sumário: I. Intróito; II.Os valores antinômicos; III.Entendendo o solucionamento de Sófocles; IV.A importância na história do Direito; V.Apontamentos conclusivos.

I. Intróito

A peça Antígona é uma representação teatral dos valores humanos contraditórios, característica inerente às tragédias gregas, porém tem como exclusividade a ambientalização na esfera da coletividade, tratando-se assim de um drama não só individual mas sobretudo social.

Escrita por Sófocles, dito por alguns como o melhor dramaturgo clássico[1], finalizando a hexalogia[2] de Édipo[3], ou o ciclo de Édipo, relata o final da família dos Labdácias.

A peça foi apresentada pela primeira vez, provavelmente nos idos de 441 a.C., no Teatro Grego em Atenas, na competição das Grandes Dionísias ou Dionizadas, evento sobretudo religioso, realizado anualmente, sempre no início da primavera grega (março).

A história passa na cidade de Tebas[4]. O prólogo é a batalha dos sucessores do trono de Édipo, Polinices e Etéocles, na ágora tebana localizada no frontispício do palácio real. Etéocles não tendo honrado sua promessa de revezamento anual do trono com seu irmão Polinices, sofre deste uma tentativa de sublevação, através da expedição armada que ficou conhecida como “Sete contra Tebas”[5]. Nome da eexpedição alusivo às sete portas que guarneciam a cidade, sendo que em cada uma delas houve uma batalha diferente entre os chefes de cada exército.

Na luta pelo poder, a batalha da sétima porta foi travado num combate homem a homem, entre Polinices e Etéocles. Nesta guerra de espada contra espada, a comoriência tem um dos seus primeiros exemplos[6].

É erigido à coroa, Creonte, tio de ambos os falecidos. Este decide pelo enterro com honrarias de Etécocles, e, por meio de um decreto[7], interdita qualquer tebano sepultar ou chorar o corpo de Polinices, ficando assim este insepulto.

II. Os valores antinômicos

A Antígona acreditava que a obediência ao dever familiar–religioso atemporal, segundo o qual toda família tinha o dever de enterrar piedosamente os parentes, fora erigida ao patamar de norma social, ou seja um direito individual dela[8]. Imbuída desta crença, Antígona tenta demonstrar bravamente a transcendência do direito individual dela ao poder efêmero de um Rei.

A atemporalidade deste dever familiar-religioso de sepultar os parentes, é nos dada por Fustel de Coulanges que elucida que o culto aos mortos, que engloba o sepultamento e a atribuição de poderes divinos aos familiares, talvez seja a origem do próprio sentimento humano de religiosidade[9]. E ainda que o elo forte da família antiga não era o nascimento, e, sim o culto de seus mortos[10], ou seja, a religião não era só o todo da base da organização da sociedade antiga, mas tinha o condão dos laços humanos mais íntimos[11].

Antígona protagoniza o enfrentamento em face dos valores preconceituosos instituídos pela sociedade tebana[12]. Primeiro luta para cumprir com o seu dever religioso, demonstrado nas contraposições às falas de Ismene, e como conseqüência, adquire uma consciência liberal de tangibilidade do edito real, evidenciada nas falas de contraposição a Creonte.

Já o filho de Meceneu, em sua primeira fala, como em um ato de posse, quer demonstrar uma legitima autoconsciência do poder[13]. Protagonista que personifica o valor da possibilidade do governante sobrepujar a trajetória da idealização dos valores sociais, neste caso iniciado no campo religioso, à consolidação em normas descritivas de direitos individuais.

A peça desenvolve em um espiral entrelaçado destes valores, num plano ético jurídico-religioso, de suspense incrível, com a capacidade narrativa de remeter a platéia à uma simbiose de simpatia e empatia pelos protagonistas (Antígona e Creonte).

Um dado importante, trazido por Jean-Pierre Varnant e Pierre Vidal-Naquet, é que na verdade Creonte e Antígona buscam em suas idealizações significados diferentes para uma mesma palavra: nómos. A ambigüidade traduz, então, a tensão entre certos valores, ou seja, os sentidos da palavra nómos, inconciliáveis a despeito de sua homonímia[14].

III. Entendendo o solucionamento de Sófocles

A solução desta antinomia significativa da palavra nómos, de ser divino ou ser humano, não está superada até hoje. A grande maioria dos interpretes de modo simplístico traduz a palavra como LEI, porém ao saber de Henrique Cairus no pensamento de Sófocles realmente existe esta dicotomia, mas parece ainda só considerar lídimo o significado que remonta aos Deuses[15].

Bem coloca a Gilda Naécia Maciel de Barros que na verdade o significado desenvolve ao longo da história grega, que no primeiro momento os significados realmente se confundem, e, após há um rompimento, tendo como continuidade o significado de lei não escrita[16].

Na peça a antinomia essencial identificável realmente é entre a Lei dos Deuses e a Lei do Homem, podendo ser vista como uma das primeiras antinomias jurídicas relatadas na História.

Porém, por mais que nos deslumbrássemos, Sófocles, como religioso que o era, apresenta o solucionamento da antinomia por meio do sentimento religioso, e não por meio de uma idealização da tangibilidade do poder estatal por uma humana racionalidade jurídica.

Assim o poder do Estado, forma de poder organizada pelo homem, sucumbe ao poder dos Deuses, ou seja, o mundo divino prevalece ao mundo dos homens como bem disse Maria do Socorro da Silva Jatobá[17].

A idéia central é a antinomia: se uma só mulher pode questionar o Estado ou o Estado é inquestionável contra esta individualidade (privado versus público), ou seja, se Creonte deve escutar Antígona. Em outro plano mais aprofundado se a coletividade pode controlar o poder (público versus público[18]), ou seja, se Creonte deve escutar o Coro[19]. O que prevalece ao final não é esta temporalidade do poder humano (individualidade, Estado ou coletividade), e sim a conformidade deste com o poder atemporal, o divino.

Não que todas as outras antinomias não possam ser suscitadas através do texto da peça, mas querer erigir-las ao ponto central é algo cientificamente impossível. A neutralidade interpretativa não demonstra o que queremos ver, mas sim o que é nos dado a ver. Não é a distorção do texto que deve caber em nossa idéia, e, sim a distorção de nossa idéia que deve caber no ideal do texto.

IV. A importância na história do Direito

Os jusnaturalistas que problematizam o dever-familiar religioso de Antígona como direito natural do homem, intrinsecamente enaltecendo o poder dos oprimidos e não dos opressores. Vislumbram assim um direito inerente do homem (o da liberdade), provindo da sua própria natureza, independente de atos normativos, como por exemplo fez Paulo Ferreira da Cunha[20].

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As antinomias travadas na peça são de toda ordem. Ao longo dos tempos cada um, de cada modo, tentou interpretar, inclusive a psique dos personagens, o embate dos interesses apresentados na peça do Sófocles, conforme George Steiner, tem neste emaranhado de plurisignificações subjetivas, em cada tempo, seguido um caminho próprio[21].

A primeira importância da peça ao direito é a inicialização, e conseqüente universalização, da idéia de antinomia jurídica. Neste aspecto ganha importância histórica pois podemos enxergar o embrião dos critérios solucionadores (hierárquico e cronológico) das antinomias. Existe a construção de patamares normativos, o do divino e do humano, e, o tempo como critério, mas precisamente a atemporalidade da Lei-divina como forma de solucionamento do conflito normativo.

Ao tratar a solução de uma antinomia jurídica, Sófocles, também, através do mais sagrado dos sentimentos humanos da época (a religião) visualiza a matriz da individualidade humana em face do Estado-Cidade: o de ser livre[22].

Alexandre de Moraes já destacou que a idéia defendida por Antígona[23] deve ser encarada como uma fonte histórica da evolução dos direitos do homem. A questão fundamental é: Antígona representa no mundo ocidental a mãe da individualização do direito, pois na antiguidade não havia sequer a idéia de direitos individuais.

As pessoas eram subjugadas em tudo, tudo mesmo, até na inversão dos sentimentos naturais[24], à vontade do Estado-Cidade. Assim tudo decorria das crenças religiosas, reinando estas sobre a inteligência e as vontades[25].

A peça ao mesmo tempo em que inova no pensamento antigo, individualizando o direito, ratifica a imutabilidade do direito, existente até então. O direito sagrado não cedia, não era revogado, era supremo ao tempo[26], este foi o respeito enaltecido por Sófocles, como já dito, homem extramente religioso, que concedida aos Deuses, e somente a estes, o poder de ditar Leis. O pensamento sófocleano fazia questão de enaltecer o respeito a esta imutabilidade, como o fez, por exemplo, em versos da peça Édipo Rei, quando conceitua as Leis: “há um poderoso deus latentes nelas, eterno, imune ao perpassar do tempo.”[27]

A imutabilidade, ou seja, a impossibilidade de revogação normativa era princípio absoluto na sistematicidade jurídica. Sendo assim até o surgimento das codificações antigas, como por exemplo, as Doze Tábuas que afirmava: “aquilo que os sufrágios do povo ordenaram por último, essa é a lei.”[28], e, o próprio Sólon desejou, quando muito, que as leis elaboradas por ele fossem observadas durante cem anos[29].

V.Apontamentos conclusivos

Assim Sófocles fez a história do mundo ocidental não sendo mais um poeta trágico sentimentalista, e sim um grande ativista político poético, como bem ressaltou Friedrich Nietzche[30], revolucionou o pensar dos antigos, erigindo a individualização do homem à norma superior, construindo a subjetividade de direito, através do único meio possível existente: a religião. Inverteu o papel de cidadão até então existente de fazer o que o Estado-individuo manda para o bem da coletividade, para mandar o Estado-coletivo fazer o bem da individualidade..

Por outro lado esta vanguardista inversão da cidadania é concebida através do enaltecimento da atemporalidade e da divindade da Lei. A individualização sófocleana do direito, por mais paradoxal que seja hoje esta idéia, não foi construída numa diretriz: o homem reconhece o direito ao próprio homem; mas sim, os Deuses concebem o bem da individualidade humana.

Notas:

[1] Sófocles escreveu 123 peças, 20 destas ganharam o prêmio de melhor , e, todas as outras tiveram a segunda colocação nos Festivais de Dionísio. In: Sir Hugh Lloyd-Jones (ed.) Sophocles. Ajax. Electra. Oedipus Tyrannus, Harvard University Press, 1994.

 [2] Sófocles escreveu além das conhecidas (Édipo Rei, Édipo Colono e Antígona) outras três peças sobre a família dos Labdácias, ou seja sobre Édipo, mas até o momento a existência é somente comprovada por referências, ainda não tendo sido achado os originais.

 [3] Filho de Laio, que ordenou a perfuração dos seus pés e que fosse abandonado para morrer no monte Citéron na tentativa de fugir da maldição do oráculo de morrer pela mão de seu filho em razão de seu amor homossexual com Crísipo. A criança sobrevive pela compaixão do pastor executante, o qual daria-lhe o nome ao menino de Édipo (Oidípus=pés inchados), que mata seu pai sem o saber que o era, decifra o enigma da Esfinge, salvando Tebas, e vê obrigado a casar com Jocasta (viúva do Rei Laio), sem saber que era sua mãe,  tornando-se o Rei de Tebas, tendo com ela quatro filhos:  Etéocles, Ismênia, Antígona e Polinices. In: Márioa da Gama Kury, A triologia tebana / Sófocles. 11 ed. RJ: Jorge Zahar ed.,2004. p.8-9.

 [4] É a última peça da Trilogia Tebana de Sófocles (a conhecida), as outras são: Édipo Rei e Édipo em Colono.

 [5] Evento que é relatado em drama satírico de Ésquilo (conjuntamente com Sófocles e Eurípedes formam a tríade dos poetas trágicos mais importantes da antiguidade). A peça faz parte da tetralogia: Laio, Édipo, Sete Contra Tebas, e a Esfinge.

 [6] A simultaneidade das mortes é interpretada nos versos 165,166,167 e 196 de Antígona, e, sobretudo na maldição lançada por Édipo nos versos 1617-1620 de Édipo em Colono. Clara também está no verso 636 da tragédia Sete Contra Tebas, de Ésquilo.

[7] Na peça também denominado de edito, prevê que Etéocles, morto lutando pela pátria, desça cercado de honras marcias ao túmulo e leve para o seu repouso eterno tudo que só aos mortos mais ilustres se oferece; mas ao irmão …,Polinices,…, quanto a ele foi ditado que cidadão algum se atreva a distingui-los com ritos fúnebres ou comiseração; fique insepulto o seu cadáver (versos 225 – 235), e, impõe ao transgressor a pena de apedrejamento até a morte perante o povo todo (versos 40 e 41).

[8] Antígona representa no pensamento de Sófocles a responsabilidade no cumprimento dos deveres familiares. Primeiro não abandona o Pai (Édipo em Colono), e, segundo leva as últimas conseqüências as suplicas de seu irmão Polinices (versos 1664-1667 em Édipo em Colono).

 [9] “Esta religião dos mortos parece ter sido a mais antiga entre os homens. Antes de conceber e de adorar Indra ou Zeus, o homem adorou os seus mortos; teve medo deles e dirigiu-lhes preces. Parece ser essa a origem do sentimento religioso. Foi talvez diante da morte que o homem, pela primeira vez, teve a idéia do sobrenatural e quis abarcar mais do que seus olhos humanos podiam lhe mostrar. A morte foi pois o seu primeiro mistério, colocando-o no caminho de outros mistérios. Elevou o seu pensamento do visível para o invisível, do transitório para o eterno, do humano para o divino.” In: Cidade Antiga. Trad. Jean Melville. São Paulo: Ed. Martin Claret.  2005. p.26.

 [10] “O que unia os membros da família antiga era algo mais poderoso que o nascimento, o sentimento ou a força física: e esse poder se encontra na religião do lar e dos antepassados. A religião fez com que a família formasse um só corpo nesta e na outra vida. A família antiga seria, pois, uma associação religiosa, mais que associação natural.” Ob. cit. p.45.

 [11] “Quando a cidade começou a escrever as leis, achou esse direito já estabelecido, vivendo enraizado nos costumes, fortalecido pela unânime adesão. A cidade aceitou-o, não podendo agir de outro modo e não ousando modifica-lo senão bem mais tarde. O antigo direito não é obra de um legislador: pelo contrário, impôs-se ao legislador. Seu berço está na família. Nasceu ali espontaneamente, formado pelos antigos princípios que a constituíram. Decorreu das crenças religiosas universalmente aceitas na idade primitiva desses povos e reinando sobre a inteligência e as vontades.” Ob.cit. p.93.

 [12] Nas falas de Ismene e Creonte, como deuteragonistas da peça, são postos os valores para serem contrapostas por Antígona, temos: o machismo (e não nos esqueçamos de que somos mulheres e, por conseguinte, não poderemos enfrentar, só nós, os homens – Ismene/versos 68,69 e 70), (Não me governará jamais mulher alguma enquanto eu conservar a vida. Se fosse inevitável, mal menor seria cair vencido por um homem, escapando à triste fama de mais fraco que as mulheres! – Creonte/versos 599-600, e, 771-773; o autoritarismo (Enfim, somos mandadas por mais poderosos e só nos resta obedecer a essas ordens e até a outras inda mais desoladoras – Ismene/versos 71,72 e 73), (Devo mandar em Tebas com a vontade alheia? – Creonte/verso 836); a alienação política (Não fujo a ela; sou assim por natureza; não quero opor-me a todos os concidadãos – Ismene/versos 87 e 88), (Não devem as cidade ser de quem as rege? – Creonte/verso838).

 [13] “Não é possível conhecer perfeitamente um homem e o que vai no fundo de sua alma, seus sentimentos e seus pensamentos mesmos, antes de o vermos no exercício do poder, senhor das leis. Se alguém, sendo o supremo guia do Estado, não se inclina pelas decisões melhores e, ao contrário, por algum receio mantém cerrados os seus lábios, considero-o e sempre o considerarei a mais ignóbil das criaturas; e se qualquer um tiver mais consideração por um de seus amigos que pela pátria, esse homem eu desprezarei ” (versos 199 – 210).

[14] “Na boca de diversas personagens, as mesmas palavras tomam sentidos deferentes ou opostos, porque seu valor semântico não é o mesmo na língua religiosa, jurídica, política, comum. Assim, para Antígona, nómos designa o contrário daquilo que Creonte, nas circunstâncias em que está colocado, chama também nómos. Para a jovem a palavra significa: regra religiosa; para Creonte: decreto promulgado pelo Chefe de Estado. E, de fato, o campo semântico de nómos é bastante extenso para cobrir, entre outros, um e outro sentido. A ambigüidade traduz, então, a tensão entre certos valores sentidos como inconciliáveis a despeito de sua homonímia” .In: Mito e Tragédia na Grécia Antiga. Tradução de Anna Lia de Almeida Prado, Filomena Yoshie Hirata, Maria da Conceição M. Cavalcante, Bertha Halpem Gurovitz e Helio Gurovitz. São Paulo: Editora Perspectiva. 1999. p.74

[15] “Contudo, os ânimos enchem-se de coragem ecdótica e acadêmica quando o termo é nómos, que, dessarte, pode ser encontrado facilmente seguido do termo “lei”, entre parênteses. A proposta é simples: nómos é o termo pelo qual os gregos, que herdamos como modelos mais remotos, designavam o que hoje é a lei. (…) Sófocles parecia estar convicto de que há dois nómos, um que vem dos deuses e outro que vem da sociedade humana. E parece ainda só considerar lídimo o primeiro, como vemos na Antígona e na bela estrofe coral de Édipo Rei (863-71)… O que faz os gregos pensarem esse nómos como algo que se opõe a phýsis? A figura usada pelo poeta trágico nesses versos propõe o tempo como o grande vértice da oposição. A phýsis passa, e o nómos permanece. (…)Sófocles parece requerer para o nómos um estatuto divino, aproximando-o, agora sim, desse vasto conceito de uma lei fundada sobre uma espécie de direito natural. O que não se pode deixar jamais de considerar é que esse poeta trágico acredita na complementaridade do novo e do velho modo de relacionar-se com os deuses.”  In: Influência: Arte: Debates: Cultura: Direito: Oriente. São Paulo: Uninove, 2004.

[16] “Dessa perspectiva, caberia distinguir dois momentos – no primeiro, a lei não escrita funda a ordem humana ou a completa, e esta é, de certa forma, um reflexo daquela, e entre ambas a relação é de continuidade. Testemunhos dessa fase encontram-se em Hesíodo (Erga 276), nos círculos órficos (fr. 64), em Ésquilo (Suplicantes v. 673); em Heráclito, (fr. 114; Do Regime I, 11). Num segundo momento dá-se uma solução de continuidade, a ruptura e oposição, com superioridade para a lei não escrita, que aparece fundamentada na religião ou na moral. Ilustrações desse estágio encontram-se em Sófocles – Rei Édipo, Ájax e sobretudo Antígona (450 et sqs), em Xenofonte, Memoráveis IV, 4, 19, entre outros. Um ponto seria comum a ambos os momentos: de origem divina ou não, as leis não escritas apresentam-se com maior amplitude do que as leis escritas. Diferenciam-se sempre dos costumes, daquelas leis comuns marcadas pela relatividade uma vez que se destinam a um determinado grupo social.” In: Agraphoi Nomoi. Disponível em: http://www.hottopos.com/notand3/agrafoi.htm#1. Acessado em 27 de dezembro de 2.006.

[17] “Quando Creonte proíbe, em nome da pátria, que seja concedido ao cadáver de Polinices os rituais funerários que lhe é devido e erige uma lei, um nómos para legitimar uma decisão pessoal à qual emprestou um caráter coletivo, atrai contra si não apenas as ações de Antígona como também a cólera dos deuses, principalmente de Hades e Dioniso. A hybris de Creonte conduz à hybris de Antígona. Impelida pela phylia à família, esta desafiará e desobedecerá as ordens de Creonte em nome do nómos e da Dike divinas. Está marcada, desse modo, a oposição entre o público e o privado, cria-se uma tensão entre o oíkos e a cidade, entre o mundo divino e o mundo dos homens, entre o tempo dos deuses e o tempo dos homens. In: Sócrates e Antígona: os desobedientes. Cadernos de Atas da ANPOF. Disponível em: http://www.puc-rio.br/parcerias/sbp/pdf/12-socorro.pdf. Acessado em 27 de dezembro de 2.006.

[18] Neste plano a antinomia é tratada no que entendemos hoje como direito público. Nas falas de Hêmom (versos 785/795 e no diálogo ápice de enfrentamento com Creonte versos 836/839 ) são reveladas o que Tebas pensa, e posteriormente confirmadas na última estrofe da peça pelo Coro (que tem como papel neste caso expressar o pensamento dos cidadãos).

 [19] “Agora, o coro ganhou uma nova posição: a força natural dos antagonismos se legitima e torna-se em Sófocles e Ésquilo, a partir do impetuoso coto dionisíaco, o “espectador idealizado”, o sereno representante do ponto de vista geral.” In: Friedrich Nietzche. Introdução á tragédia de Sófocles; apresentação à edição brasileira, tradução do alemão e notas Ernani Chaves. RJ: Jorge Zahar Ed. 2006. p.62.

 [20] “Tenho para mim que essa preocupação pela Justiça e essa sintonia com ditames mais altos que a mera engenharia legal ao sabor dos ventos da efémera política, essa preocupação é o critério verdadeiramente definitório do jusnaturalismo e do jusnaturalista. Antígonas sempre clamarão por Leis mais altas que os decretos arbitrários dos ditadores Creontes. O jusnaturalista está ao lado daquelas; o positivista cumpre as ordens destes. Cientificamente, Antígona não prova nada. Mas todos sentimos com o coração quem está certo.” In: Problemas do Direito Natural. Disponível em: http://www.hottopos.com/videtur14/paulo.htm. Acessado em 27 de dezembro de 2.006.

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 [21] “Imprimindo-se na nossa semântica, na gramática fundamental das nossas percepções e declarações [sobre a justiça e a lei], a sintaxe de Antígona e Creonte e o mito em que eles se nos revelam são “universais concretos” que se transformam ao longo dos tempos.” In: Antígona, trad. Miguel Serras Pereira, Lisboa: Relógio D’Água. 1995. p.168.

 [22] Sobre a liberdade dos antigos: “É portanto erro singular, entre todos os erros humanos, acreditar que nas cidades antigas o homem gozava de liberdade, pois não tinha sequer idéia do que fosse isso. Ele não julgava possível que houvessem direitos em face da cidade e de seus deuses.” In: Fustel de Coulanges. Ob.cit. p.252.

[23] “A origem dos direitos individuais do homem pode ser apontada no antigo Egito e Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C., onde já eram previstos alguns mecanismos para a proteção individual em relação ao Estado. O Código de Hammurabi (1690 a.C.) talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo, igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes. A influência filosófico-religiosa nos direitos do homem pôde ser sentida com a propagação das idéias de BUDA, basicamente sobre a igualdade de todos os homens (500 a.C). Posteriormente, já de forma mais coordenada, surgem na Grécia vários estudos sobre a necessidade da igualdade e liberdade do homem, destacando-se as previsões de participação política dos cidadãos (democracia direta de Péricles); a crença na existência de um direito natural anterior e superior às leis escritas, definida no pensamento dos sofistas e estóicos (por exemplo, na obra Antígona – 441 a.C -, Sófocles defende a existência de normas não escritas e imutáveis, superiores aos direitos escritos pelo homem). Contudo, foi o Direito romano quem estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais. A Lei das doze tábuas pode ser considerada a origem dos textos escritos consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção dos direitos do cidadão.” In: Direitos Humanos Fundamentais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 24-25.

[24] Tendo Fustel de Coulanges intitulado o capítulo XVIII do Livro Terceiro assim: Da onipotência do Estado; os antigos não conheceram a liberdade individual. No qual cita vários exemplos da subjugação total das pessoas ao Estado, como: “Na história de Esparta há um fato muito admirado por Plutarco e Rousseau. Esparta acabava de sofrer a derrota de Leuctra, na qual muitos dos seus cidadãos haviam perecido. A essa notícia, os pais dos mortos tinham de mostrar alegria em público. Assim, a mãe que sabia que seu filho havia esacapado ao desastre e que iria revê-lo demonstrar pesar e chorava. E aquela que sabia que nunca mais voltaria a ver seu filho, mostrava alegria e percorria os templos agradecendo aos deuses. Avaliamos por isso qual fosse o poder do Estado que ordenava a inversão dos sentimentos naturais e era obedecido!” In: Ob.cit. p.249-250.

 [25] “Quando a cidade começou a escrever suas leis, achou esse direito já estabelecido, vivendo enraizado nos costumes, fortalecido pela unânime adesão. A cidade aceitou-o, não podendo agir de outro modo e não ousando modifica-lo senão bem mais tarde. O antigo direito não é obra de um legislador: pelo contrário, impôs-se ao legislador. Seu berço está na família. Nasceu ali espontaneamente, formado pelos antigos princípios que a constituíram. Decorreu das crenças religiosas universalmente aceitas na idade primitiva desses povos e reinando sobre as inteligências e as vontades.” In: Fustel de Coulanges. Ob.cit. p.93

 [26] “Em princípio, por ser divina, a lei era imutável. Devemos notar que nunca se revogam as leis. Podiam se fazer leis novas, mas as antigas subsistiam sempre, por mais contradição que houvesse.” In: Fustel de Coulanges. Ob.cit. p.209.

[27] “Seja-me concedido pelos fados compartilhar da própria santidade não só em todas as minhas palavras como em minhas ações, sem exceção, moldadas sempre nas sublimes leis originárias do alto céu divino. Somente o céu gerou as santas lei; não poderia a condição dos homens, simples mortais, falíveis, produzi-las. Jamais o oblívio as adormecerá; há um poderoso deus latente neles, eterno, imune ao perpassar do tempo.” Édipo Rei, Sófocles, versos 1029 – 1040.

 [28] Tito Lívio, VII, 17; IX, 33, 34.

 [29] Plutarco, Sólon, 25.

 [30] “Sófocles não é poeta da perfeita harmonia entre o divino e humano: submissão e resignação incondicionais, eis a sua doutrina.” Ob.cit. p.71.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Bruno José Ricci Boaventura

 

Advogado militante em Cuiabá em direito público, sócio-gerente da Boaventura Advogados Associados S/C; Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores do Ensino Público de Mato Grosso – SINTEP/MT; Assessor Jurídico da Presidência da Câmara Municipal de Campo Novo do Parecis/MT e Associações ligadas a radiodifusão comunitária. Especialista em Direito do Estado, com ênfase em Constitucional, pela Escola Superior de Direito de Mato Grosso.

 


 

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