Resumo: O artigo analisa a aplicação do CDC aos contratos
bancários, partindo da premissa de um direito privado constitucionalizado.
Aborda a opinião de diversos autores que defendem a plena aplicação do Código,
e que rebatem os poucos argumentos da doutrina contrária. Discorre também sobre
a inviabilidade da ADIn n° 2591, que recentemente argüiu no STF a
inconstitucionalidade da aplicação do CDC aos contratos bancários.
1.
Introdução do tema;
Numa análise rápida, de aparência,
dos contratos bancários e do Código de Defesa do Consumidor, pode-se já
perceber que os contratos bancários devem se submeter às disposições
consumistas cogentes. Aliás, absurda seria interpretação que conduzisse ao
oposto, numa área da economia em que se vê tamanha desproporção de forças entre
as partes contratantes.
Contudo, as instituições financeiras
têm, reiteradamente, demonstrado o propósito e afastar dos contratos bancários
a incidência das normas de proteção ao consumidor. Em face das constantes
investidas, não é demais, nunca, repisar e tornar a demonstrar o que é até
mesmo evidente para a grande maioria da doutrina pátria.
Nisso, não se pretende uma análise
que esgote o assunto, mas apenas traçar em linhas gerais as posições da
doutrina, inclusive quanto à inconstitucionalidade do Código de Defesa do
Consumidor, argüida perante o Supremo Tribunal Federal na ADIn n° 2591.
Cumpre observar que as conclusões de
uma abordagem científica dependem, em muito, das premissas do trabalho, que não
podem ser outras que não a constitucionalização e repersonalização do Direito
Privado.
2.
Premissas: constitucionalização e repersonalização do Direito Privado;
Os fenômenos tão propagados por
civilistas de vanguarda, da fragmentação e constitucionalização do Direito
Civil, alcançam todo o direito privado, embora nos ramos comercial e bancário
os autores não tenham dado tanto relevo ao assunto. O Direito Privado hoje está
fragmentado, e a sua unidade e coerência conduzem à Constituição, base de sua
validade e fundamento de sua interpretação.
Luiz Edson Fachin[1]
destaca que a Constituição Federal de 1.988 operou uma inversão ao erigir como
fundamento da República a dignidade da pessoa humana, impondo ao Direito
Privado o abandono da postura patrimonialista herdada do século XIX e na qual
se inspirou o Código Civil pátrio. Nessa repersonalização se submete o
patrimônio à pessoa: aquele se legitima enquanto meio de realização desta.
O novo panorama constitucionalizado do direito
privado atingiu em cheio os contratos, como notou Paulo Nalin na sua tese
intitulada “Conceito Pós-Moderno de Contrato: em Busca de sua Formulação na
Perspectiva Civil-Constitucional”.[2]
Destaca o autor a superação do sistema codificado do contrato do Código Civil[3],
com seu desenvolvimento teórico assentado no século XIX, baseado na vontade
individual dos contratantes, o que não encontra mais ressonância na realidade
fática.[4]
Nesse sentido, afirma o autor:
“Há de se perseguir um mais amplo favorecimento da
pessoa humana nas relações jurídicas e, especialmente, nas contratuais; conforme
reafirmado nesta tese, a vontade contratual deixou de ser o núcleo do contrato,
cedendo espaço a outros valores jurídicos, institutos, fundados na Carta. O
paradigma da autonomia da vontade, em detrimento da tutela da pessoa na sua
dimensão contratante, talvez até possa encontrar legitimidade no espaço do
Código Civil, pois do homem em si não se ocupa, mas sempre estará em
descompasso com a Constituição. Isso é observado com grande destaque nas
relações jurídicas contratuais, em que a vontade surge como mero papel de
impulso, quando não, completamente inexistente, no âmbito das relações de
adesão e do contrato obrigatório, ambas conseqüências da massificação
negocial”.[5]
A Constituição Federal de 1988 rompeu com a noção
do contrato das obsoletas codificações privadas, operando uma transmutação do
significado do comportamento contratual, do individual para o coletivo. A
Constituição não é mera diretiva ao legislador, mas norma vinculante que se
aplica diretamente nas relações interprivadas e cujo destinatário é também o
juiz. E os primeiros artigos da Carta Magna, sem dúvida, elegeram a dignidade
da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, e a
erradicação da pobreza como valores fundamentais a serem perseguidos.
Não se derrogam os valores patrimoniais. Mas são
submetidos aos existenciais. Neste sentido leciona Paulo Nalin, ressaltando a
ampla extensão da diretriz constitucional:
“A aplicação do comando constitucional não está a
depender desta ou daquela localização do contrato, neste ou naquele ordenamento
infraconstitucional. Seja de consumo, civil ou comercial, a relação de crédito
sempre estará nucleada no seu titular e não no crédito. O homem[6],
ao menos enquanto perdurar o comando expresso do art. 1°, inc. III, associado
ao art. 170, caput [7],
todos da Carta, se posiciona no centro das atenções. A leitura do contrato,
assim vista, não ignora sua função econômica[8],
mas antes de se averiguar da realização da causa (econômica) do contrato, terá
que se indagar se aquela relação em apreço levou em conta a dignidade dos
contratantes. A interpretação constitucional do contrato transita do ter para o
ser”.[9]
Todo esforço na abordagem dos temas do Direito
Privado deve conter, pois, um esforço pela despatrimonialização e repersonalização
dos diplomas sob exame, em consonância com o que estatuem os arts. 1o,
3o e 170, caput, da
Constituição Federal.
A própria Constituição Federal já previu a defesa
do consumidor, em seu art. 5°, XXXII, o qual determina que “o Estado promoverá,
na forma da lei, a defesa do consumidor”. De tão grande a importância dessa
defesa, o poder constituinte originário determinou, no art. 48 do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias, urgência na elaboração do Código de
Defesa do Consumidor.
A proteção a que se refere o art. 5° da
Constituição deve ser interpretada em conjunto com o art. 1°, III, 170, caput, e com a função social do
contrato. Na tutela do consumidor o que a Constituição quer tutelar é a
dignidade da pessoa do consumidor, e não diretamente seu patrimônio, que é
tutelado reflexamente.
Por outro lado, todo contrato se destina a circular
riquezas, sendo que a operação que ele engendra é a do trânsito das
propriedades. Mas essa circulação de propriedade se subordina, como todo o
restante da ordem econômica, à dignidade da pessoa humana, como determina o
art. 170 da Carta Máxima. E a tutela dessa dignidade, no panorama contratual, é
a tutela da boa fé objetiva, já que a vontade encontra papel mitigado na grande
maioria dos contratos celebrados hoje em dia, que são adesivos.
O presente artigo parte do
pressuposto que as taxas de juros, nos patamares praticados hoje, contrariam a
função social do contrato de mútuo bancário. Quebram o princípio da justiça
contratual, com base na equidade. E não somente isto, mas muitas práticas
bancárias, no afoito lucrativo, são abusivas. Ou seja, fogem à postura de
lisura e lealdade entre partes, o que é imperativo do princípio da boa fé
objetiva. Fogem, também, muitas vezes, ao dever de informação e transparência,
inerentes ao mesmo princípio. O contrato tem razão de ser no interesse da
coletividade e da produção, mas desde que isso seja alcançado com observância
da dignidade de todas as partes contratantes. E para a tutela do consumidor,
parte mais fraca da relação, nos termos em que a Constituição exige, é
imprescindível a incidência de normas que o tutelem.
3.
Aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Contratos Bancários
É oportuno e interessante, inicialmente, pinçar
alguns artigos do CDC que revelam peculiar interesse na abordagem:
“Art. 2° Consumidor é toda pessoa
física ou jurídica que adquire e utiliza produto ou serviço como destinatário
final.
Parágrafo único. Equipara-se a
consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo
nas relações de consumo.
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa
física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os
entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços:
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel
ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade
fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista.
Art. 17 Para os efeitos desta Seção,
equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Art. 29 Para os fins deste Capítulo
e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou
não, expostas às práticas nele previstas.
Art. 52 No fornecimento de produtos
ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao
consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e
adequadamente sobre:
I – preço do produto ou serviço em
moeda corrente nacional;
II – montante de juros de mora e
taxa efetiva anual de juros;
III – acréscimos legalmente
previstos;
IV – número e periodicidade das
prestações;
V – soma total a pagar, com e sem
financiamento.
§ 1° As multas de mora decorrentes
do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois
por cento do valor da prestação.
§ 2° É assegurada ao consumidor a
liquidação antecipada do débito, total ou parcialmente, mediante redução
proporcional dos juros e demais acréscimos”.
Em face da clareza do texto legal,
rara é a posição na doutrina que entenda que o CDC não se aplica às operações
bancárias. Mais comum é a divergência entre a posição que sustenta a aplicação
total a todas as operações, e posições que sustentam a aplicação total a
algumas operações e a não aplicação, ou aplicação parcial, a outras operações.
A divergência funda-se a partir do conceito de consumidor, ou mais exatamente
(como se observará), a partir “dos conceitos” de consumidor.[10]
Newton De Lucca se dedicou ao estudo
da aplicação do Código de Defesa do Consumidor às atividades bancárias,
proferindo diversas palestras preciosas sobre o assunto pelo país.[11]
Quando de sua participação no Simpósio de Direito Bancário, que teve lugar em
Curitiba no ano de 1999, o autor proferiu palestra sobre a aplicação do Código
de Defesa do Consumidor aos contratos bancários.[12]
Na ocasião, teceu brilhantemente um resumo da questão. O banco, diante da
definição do art. 3°, é fornecedor, não restando a menor dúvida. O § 2° deste
artigo define o “serviço”, incluindo “as de natureza bancária, financeira, de
crédito”.
Diante desse texto expresso,
prosseguiu o palestrante, os bancos, através de sua famosa entidade de classe,
a Federação Brasileira das Associações dos Bancos, encomendaram quatro
pareceres de grandes comercialistas brasileiros, os quais fizeram interpretação
que leva à seguinte conclusão: se o legislador diz que o serviço bancário está
incluído, o resto não está, e o banco não faz só serviços, mas também
operações. Isto baseando-se em normas do Banco Central que realizam esta
distinção, bem como no art. 38 da lei n° 4.595/64, que afirma: “As instituições financeiras conservarão
sigilo em suas ‘operações ativas e passivas e serviços prestados.’” Mas tal
interpretação, segundo a qual a inclusão dos serviços exclui as operações, é
inadmissível, é dar passo muito além do devido, contrariando a interpretação
sistemática e constitucional do § 2°, do art. 3°, do diploma do consumo.
Afirma o eminente jurista citado que
esse primeiro e falho argumento aparece normalmente amparado por um segundo,
sustentado por Arnodo Wald, e pelo qual se afirma que o tomador do banco não
seria consumidor, porque quem toma dinheiro emprestado não o usa como
destinatário final, pois só seria destinatário final o tomador do mútuo que
fosse colecionador de moedas. A construção é interessante, afirma De Lucca, mas
não prospera diante de uma análise mais profunda do contexto e origem do
Direito do Consumidor. E mesmo frente à definição de consumidor do Código. Além
disso o dinheiro é, segundo o Código Civil, um bem juridicamente consumível.
Assim leciona no artigo “A Aplicação do Código de Defesa do Consumidor à
Atividade Bancária”:
“Diz-nos a respeito o grande Clóvis
Beviláqua: ‘A distinção funda-se numa consideração econômico-jurídica. Há
coisas que se destinam ao simples uso, outras ao consumo do homem. Das
primeiras tiramos utilidades, sem lhes destruir a substância; as segundas
destroem-se, imediatamente, à medida que se utilizam, ou aplicam.
As coisas consumíveis ou o são de
fato, naturalmente, como os gêneros alimentares, ou, juridicamente, como o dinheiro e as coisas destinadas à alienação…’
[13]
Prossegue o autor enfatizando, na
palestra referida, que não há só um conceito de consumidor no CDC. Deste modo o
termo “consumidor” é plurívoco, polissêmico. Há quatro conceitos de consumidor
no CDC. Há o do caput do art. 2°, e
mais três, por equiparação: o do § único do art. 2°, o do art. 17, e o do art.
29.
Mas o CDC não se aplica sempre, no
todo, consoante o grande pensador e poeta De Lucca. A relação jurídica de
consumo pressupõe numa ponta da linha o fornecedor, e o banco sempre o é, irremediavelmente.
Mas na outra ponta é necessário haver um consumidor. E vários clientes dos
bancos não se enquadram no conceito de consumidor como destinatário final, do
art. 2° do CDC.[14]
Isto não veda, contudo, que se enquadrem nos demais conceitos de consumidor do
Código, por equiparação, e neste caso sempre a relação entre cliente e banco há
de ser regida pelo diploma do consumidor.[15]
Mantendo entendimento muito
semelhante ao do mestre De Lucca, Rodrigues Alves[16]
fulmina as considerações de Arnoldo Wald. Parte o autor da “ratio essendi” do
CDC. Nas relações jurídicas entre os clientes e os bancos há, a princípio, uma
inequívoca desigualdade entre os figurantes. Os clientes têm conhecimento
técnico inferior quanto às operações bancárias em relação aos bancos, além de
normalmente serem economicamente mais fracos. Se não bastasse, tem o cliente
muitas vezes uma necessidade de contratar, o que exclui qualquer consideração
quanto à liberdade contratual. Por outro lado a liberdade de estipular o
conteúdo do contrato, suas cláusulas, normalmente sucumbe diante de cláusulas
unilateralmente predispostas.[17]
Daí, surge a necessidade de um
mecanismo, imprescindível, a reduzir estas desigualdades sócio-jurídicas
profundas, de tutela do juridicamente mais fraco[18],
tutela essa que se evidencia no CDC tanto no âmbito do direito material quanto
do processual. Posto isso “[…] o Direito do Consumidor caracteriza-se como
Direito especial, destinado a corrigir os chamados ‘efeitos perversos’ da
sociedade de consumo[19], restabelecendo uma igualdade jurídica que
deve compensar a desigualdade econômica, com o fito de manter o equilíbrio
entre as prestações dos figurantes do negócio jurídico.”[20]
Não obstante a explícita referência
do § 2° do art. 3° aos serviços bancários, Arnoldo Wald sustenta que o CDC tem
sua incidência circunscrita às atividades bancárias que consubstanciem
obrigações de fazer, excluindo-se todas as obrigações de dar. “O raciocínio é engenhoso, mas parte de
premissa equivocada e, por isso, chega a conclusão inaceitável”[21],
afirma Rodrigues Alves. Entende Wald que a especialidade do direito do
consumidor não pode substituir a especialidade do direito bancário, já que lei
nova de disposições gerais ou especiais a par de lei especial preexistente não
revoga esta. Mas a invocação da regra do sobredireito não tem pertinência, já
que não há em nosso direito lei a tratar especificamente dessas atividades
bancárias, já que a lei n° 4.595/64 (LRB) não o faz.
Rodrigues Alves rebate também a
argumentação de Wald pela qual o único destinatário final de dinheiro ou
crédito seria o colecionador de moedas. O bem que circula não é a moeda que
corporifica o valor, mas o valor corporificado na moeda. O posicionamento de
Wald levaria ao absurdo hermenêutico de se considerar consumidor o que guarda o
dinheiro do mútuo mas não o que dele se vale para consumo de bens
imprescindíveis à satisfação de suas necessidades básicas vitais.
No primeiro conceito de consumidor,
estreito, do art. 2°, a destinação final está a implicar sua não transferência
a outra esfera jurídica que não a do consumidor. Não é consumidor, neste
prisma, se não se utiliza do produto ou do serviço (por exemplo, se adquire o
bem e revende). Ainda, afirma o autor que “A
destinação final a que se reporta a lei pode ser presumida.”[22]
Se é pessoa física que não desenvolve atividade comercial que obtém o bem,
presume-se que foi destinada ao seu consumo final, havendo então relação de
consumo. Também pode haver consumo ainda que como profissional atue o
consumidor, sendo destinatário final do bem, objeto este à satisfação de suas
necessidades.
Se é pessoa jurídica que não
desenvolve atividade comercial, presume-se que o consumo seja para fins
profissionais e sociais, decorrentes da estrutura e finalidade da empresa. Ou
mesmo se for pessoa jurídica comercial se dá a presunção, configurando-se a
destinação final quando o bem serve a uso de seus sócios ou funcionários.
E, em qualquer desses casos
relatados, o fato de que o que adentra a esfera patrimonial ser o dinheiro não
pré-exclui a relação de consumo.
Além disso, observa também Rodrigues
Alves que “Na explicitação do conceito de
consumidor há, vê-se, pluralidade de conceitos, o de ser ele consumidor final e
também o de inserir-se ele em relação que há de ser de consumo.”[23]
Daí não se dever buscar nos estritos limites do art. 2° a conceituação taxativa
de relação de consumo. Os outros conceitos são ditos “por equiparação”, seja o
do art. 17, seja o do art. 29. Há também previsão expressa para as práticas de
fornecimento de produtos e serviços que envolvam outorga de crédito ou
concessão de financiamento ao consumidor, no art. 52. Deste modo, a exclusão do
dinheiro, ou do crédito, que pretendeu Wald, não deve ser acolhida.
O que o consumidor adquire, em
verdade, não é o papel-moeda, mas o valor imaterial que nele se corporifica, e
que para a lei também é produto, diante do amplo conceito deste que a lei
estatui. Daí ter a jurisprudência afirmado que o produto do banco é o dinheiro
ou o crédito, bem juridicamente consumível.
O banco é perfeitamente enquadrável
como fornecedor, também, diante do conceito do CDC amplo de fornecedor. Há,
pois, relação de consumo entre banco e cliente, que é inclusive consagrada pelo
art. 52 do CDC, que alude a “crédito ao consumidor”, estando estes sob a proteção
da lei especial. A exegese que lhe deu Wald não deve ser acolhida, entendendo
que as obrigações do art. 52 se dirigem exclusivamente ao fornecedor de
produtos ou serviços que não é instituição financeira. A lei não distingue
entre fornecedores que são, e que não são, instituições financeiras. E onde a
lei não discrimina não é dado ao intérprete discriminar.
Veja-se o que Rodrigues Alves,
ainda, observa:
“Essa exegese restritiva, em se
considerando a ‘ratio legis’ e a ‘occasio legis’, desconsidera as razões que
levaram à expressa indicação dessa responsabilidade objetiva, que outro fim não
tem senão a busca da redução das desigualdades que se verificam
aprioristicamente no suporte fático.
Se na sociedade capitalista de
consumo há grupos financeiros poderosos, que agem com insofismável
superioridade fática, ora sob o prisma econômico, ora sob o enfoque técnico, é
ineliminável a tentativa da minoração dessa causa de desequilíbrio, com a
outorga ao menos favorecido de tutela que o dote de mecanismos possibilitem, em
última análise, o exercício pleno do verdadeiro acesso ao Poder Judiciário.
Se o texto da lei cogita de crédito
ao consumidor, e se uma das operações tipicamente bancárias é ‘e.g.’ o mútuo,
ou é a abertura de crédito, não se vê nenhuma razão plausível a que se
extromita do suporte fático de incidência dessas normas protetivas as operações
bancárias, para nelas manter-se somente as instituições de outra modalidade”.[24]
Deste modo, mesmo que o CDC não
receba aplicação absoluta, ele mesmo serve à exclusão da interpretação
restritiva. Entende-se que a opção de política legislativa de incluir,
expressamente, o tratamento dos serviços bancários, teve preocupação com a
exclusão da exegese que levaria à não aplicação do diploma legal a este ramo de
atividades de grande movimentação de consumo, o ramo das atividades bancárias.
Conclui o autor que, não obstante a
incidência “a priori” das normas de consumo, há hipóteses em que não se dará
tal incidência. Rodrigues Alves afirma, então, com precisão, que “Tal ocorrerá [a não incidência] nos casos em que o cliente ou o figurante
do negócio jurídico bancário não for o destinatário final desses produtos ou
serviços, ou ainda nas hipóteses casuísticas em que não se componha suportes
fáticos à incidência das regras jurídicas dos arts. 17 e 29 do Código de
Proteção ao Consumidor.” [25]
Antônio Carlos Efing, em sua obra
“Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor”,
conclui de modo semelhante, afirmando ser o CDC aplicável a pessoas físicas e
jurídicas, quando se caracterizem como “destinatário final”. Mas também
considera, na linha dos argumentos dos autores anteriores, “[…] que o CDC não
contempla em seu texto somente a conceituação do consumidor destinatário final
(art. 2°, ‘caput’) […]”[26] [27]
Segundo Arnaldo Rizzardo “Não há dúvida quanto `a aplicação do Código
de Defesa do Consumidor, introduzido pela Lei 8078, de 11.09.1990, aos
contratos bancários.”[28] Rizzardo cita Nelson Nery Júnior, o
qual aborda quais relações de crédito revelam relação de consumo à luz do
conceito de consumidor do art. 2°: “‘Havendo
outorga do dinheiro ou do crédito para que o devedor o utilize como
destinatário final, há relação de consumo que enseja a aplicação dos
dispositivos do CDC. Caso o devedor tome dinheiro ou crédito emprestado ao
banco para repassá-lo, não será destinatário final, e portanto não há que se
falar em relação de consumo.’”[29] [30]
Entende Ulhoa Coelho, também a
partir do conceito de consumidor do art. 2°, que “As operações creditícias oferecidas pelas instituições financeiras ao
mercado de consumo estão sujeitas à disciplina do Código de Defesa do
Consumidor (CDC, arts. 3°, § 2°, e 52). É necessário, contudo, ter-se presente
o exato âmbito de incidência dessa legislação.[…]. Se o empresário apenas intermedeia o crédito, a sua relação como o
banco não se caracteriza, juridicamente, como consumo, incidindo na hipótese,
portanto, apenas o direito comercial.”[31]
Portanto, percebe-se que, em nível
infraconstitucional, é quase pacífica a doutrina acerca da aplicação do Código
às atividades bancárias. De regra entendem os autores que, se for o caso de se
enquadrar o cliente no conceito de consumidor do art. 2°, só será consumidor
quando tomar o serviço ou crédito como destinatário final. Já se for o caso de
se enquadrar nos outros conceitos de consumidor, ditos “por equiparação”,
presentes no Código, sempre a atividade bancária será regulada pelas normas de
consumo.
E o Superior Tribunal de Justiça,
como Corte Máxima em nível de direito infraconstitucional, seguindo a doutrina,
pacificou seu entendimento no sentido de que a atividade bancária é, sim,
regida pelo Código de Defesa do Consumidor. Tendo isso em vista, as
instituições financeiras buscaram amparo para sua pretensão (de ver excluídas
as suas operações da incidência das normas consumistas) no ordenamento
constitucional.
4.
Inconstitucionalidade do Código de Defesa do Consumidor?
A Confederação Nacional do Sistema
Financeiro, recentemente, ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade em
relação à incidência do Código de Defesa do Consumidor sobre contratos e
serviços bancários, de financeiras, administradoras de cartão de crédito e
seguradoras (ADIn ° 2591).
Tratar-se-ia de controle de
constitucionalidade formal, pois o Código de Defesa do Consumidor é uma norma
ordinária, e o Sistema Financeiro Nacional deveria ser regulado por lei
complementar, consoante preceito do art. 192 da Carta Política brasileira.
Esse argumento não é completamente
novo. Newton De Lucca[32]
já notara, em 1999, que havia um novo argumento, engenhoso, para excluir a
incidência do CDC aos contratos bancários. Referia-se o autor ao argumento
invocado na ADIn. Assim explanou o argumento: a lei n° 4.595/64, lei ordinária
de início, no vácuo da lei complementar que exige o art. 192 da CF, foi
recepcionada, no nosso ordenamento jurídico, da CF 88, com o status de lei complementar, já que lei
ordinária não pode versar assuntos de lei complementar. A distinção entre lei
ordinária e complementar não é hierárquica, mas de competência, de matéria,
aparecendo a lei complementar para as matérias que a Constituição lhe reserva.
Daí, argumenta-se que o CDC invadiu a esfera constitucionalmente reservada à
lei complementar.
Mas De Lucca discordava já desse
raciocínio. A lei ordinária pode incidir sempre que não há reserva
constitucional de que sua matéria deve ser tratada por lei complementar. A lei
deve ser aplicada segundo seu sentido razoável. Como se entender que o CDC, lei
ordinária, não se aplica, enquanto outras leis ordinárias, como a própria lei
n° 6.404/76 que regula as sociedades por ações (sendo o banco obrigatoriamente
desta espécie), ou a lei que disciplina a matéria de imposto sobre a renda,
aplicam-se? Acaso um banco já discordou da incidência da Lei das Sociedades por
Ações?
A mesma lógica deveria ser usada para
todas as leis ordinárias há tanto aplicadas. Já havia pronunciamentos do STF,
afinal, reconhecendo a aplicação do CDC às relações bancárias, mas em questões
setoriais. Concluiu De Lucca, a respeito da questão, no seu artigo “A Aplicação
do Código de Defesa do Consumidor à Atividade Bancária”, afirmando: “Prefiro encerrar dizendo, pura e
simplesmente, que há sempre, em nossas vidas, o visível – que, às vezes, não se
quer ver – e o invisível – que só se vê porque se deseja fazê-lo – sendo tudo,
na ordem das coisas, uma questão de ‘saper vedere’, como dizia Leonardo…”[33]
No julgamento da ADIn a Procuradoria
da República opinou no sentido de que se declarasse a “inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da expressão ‘inclusive
as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária’, inscrita no
art. 3°, § 2°, da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do
Consumidor –, para, mediante interpretação conforme a Constituição, afastar a
exegese que inclua naquela norma do Código de Defesa do Consumidor ‘o custo das
operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por
instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na
economia, de modo a preservar a competência constitucional da lei complementar
do Sistema Financeiro Nacional’, incumbência atribuída ao Conselho Monetário
Nacional e ao Banco Central do Brasil, nos termos dos arts. 164, § 2°, e 192,
da Constituição da República”.
O Ministro Carlos Velloso, Relator,
proferiu voto no sentido de que não há conflito entre as normas do Código do
Consumo e as que regulam o Sistema Financeiro, devendo o primeiro ser aplicado
às atividades bancárias. Apenas a fixação em 12% ao ano das taxas de juros
estaria excluída dessa situação, pois é matéria a ser regulada por lei
complementar, conforme decidido na ADIn n° 4-7/DF. O segundo voto, do Ministro
Néri da Silveira, decidiu pela improcedência da ADIn n° 2591, pois se não há
conflito entre o Código e o art. 192, da Constituição, não há que se falar em
inconstitucionalidade. Após isso, pediu vista dos autos o
Ministro Nelson Jobim, para apreciação do tema, estando ainda pendente o
julgamento da ação.
5.
Contribuição pessoal
A questão de saber se o art. 192 da
Constituição Federal, que determina a regulação do Sistema Financeiro por lei
complementar, afasta ou não as normas do Código do Consumidor é, em verdade,
uma questão de resolver aparente antinomia entre normas jurídicas. A lei
complementar a que se reporta o art. 192, em verdade, já existe. Hoje vige a
Lei de Reforma Bancária (n° 4.595/64), que ocupa o lugar da lei complementar do
art. 192 da Constituição. Há duas espécies jurídicas (Direito Bancário e do
Consumidor) que incidem sobre uma mesma realidade (contratos bancários), e se
deve tecnicamente resolver qual espécie jurídica deve preponderar, em havendo
conflito.
É descabido cogitar que a regulação
do Sistema Financeiro Nacional afasta as normas do consumidor. Apenas o que há
é dois diplomas normativos que incidem sobre uma mesma situação fática. O
contrato bancário tem uma regulação pelo Direito Bancário, Civil, Comercial, e
isso não significa a inconstitucionalidade do Direito Civil ou Comercial. Bem
como é regulado também pelo Direito do Consumidor. Coloca-se ao intérprete o
problema de que regulação, de qual esfera jurídica, deve preponderar no caso de
conflitos.
Com base no critério da
especialidade, observa-se que ao contrato bancário aplicam-se as normas de
Direito Bancário (composto, dentre outras fontes, pela Lei de Reforma Bancária,
que já fora chamado de “Código Bancário”), primordialmente. Subsidiariamente,
as normas de Direito Comercial, naquilo que não forem derrogadas pelas normas
de Direito Bancário. A partir deste produto alcançado, aplicar-se-ão, então, as
normas de Direito Civil subsidiariamente, naquilo que não derrogado, porque
este é geral em relação àqueles. E onde entra o Direito do Consumidor?
O Direito do Consumidor também é um
direito especial. E é especial em relação ao Direito Bancário, pois como
estudado, as normas do consumo não incidem sobre todos os contratos bancários,
mas somente sobre aqueles em que se configura relação de consumo. Mas a
recíproca é verdadeira: o Direito Bancário é também especial em relação ao
Direito do Consumidor, porque as normas bancárias não incidem sobre todas as
relações de consumo, mas somente sobre as relações de consumo que são
bancárias.
Portanto, quando surge conflito
entre normas de Direito do Consumidor e normas de Direito Bancário, está-se
diante de um conflito entre normas igualmente especiais, não sendo solvida a
antinomia mediante a simples aplicação do critério da especialidade. E a
questão poderia, sim, ser solvida por três outros caminhos.
O primeiro caminho, e mais simples,
seria a aplicação do critério cronológico, a partir da insuficiência do
critério da especialidade e da inaplicabilidade do critério hierárquico. As
normas do consumo seriam normas que vieram atender à evolução social, oriundas
da necessidade emergente de tutela do consumidor, derrogando todas as normas
anteriores que com elas conflitem. Prevaleceriam, pois, as normas do Direito do
Consumidor.
O segundo caminho seria a solução a
partir do fundamento do critério da especialidade. A simples cronologia, com
fundamento na evolução social, poderia se revelar critério insuficiente perante
o princípio da igualdade, que preceitua o tratamento desigual dos desiguais.
Então, de qualquer modo, deveria prevalecer uma solução oriunda do princípio
igualitário, base do critério da especialidade, e não da mera cronologia.
Deste modo, colocar-se-ia a seguinte
questão: qual distinção, de qual norma, vem atender em maior plenitude o
princípio da igualdade? Sabe-se que o Direito do Consumidor proveio da
necessidade de tutela do mais fraco ante ao mais forte. Faz parte da tendência
no sentido do dirigismo contratual que o Estado imprimiu após a Segunda Guerra
Mundial. O consumidor sofre grandes restrições em sua liberdade de contratar e
de estipular o conteúdo do contrato. É menos conhecedor das técnicas que o
fornecedor domina. É mais fraco economicamente. E a intervenção é dever
estatal, como frisa Gonçalves Neto: “É
dever do Estado, portanto, interferir na vontade dos contraentes sempre que se
lhe deparem situações de inferioridade de uma parte em relação à outra, pois a
isso obriga o princípio constitucional da isonomia.”[34]
Frente à superioridade do
fornecedor, e dos abusos destes frente aos consumidores, veio como resposta uma
acentuação do caráter social do contrato, que deve funcionar para a produção social
e, acima de tudo, promover a dignidade da pessoa humana. Ainda hoje a prática
revela constantes abusos por parte dos bancos.[35] [36]
Deste modo, torna-se evidente a resposta à questão formulada: as normas de
consumo atendem mais às necessidades estampadas pelas diferenças existentes
entre os diferentes, ou seja, são mais conformes ao princípio da isonomia, de
sede constitucional. Assim, o segundo caminho também conduz à prevalência das
normas do consumo.
O terceiro caminho parte de uma
leitura constitucional dos direitos do consumidor e bancário. Como postulado
firmado no início do artigo, deve-se proceder uma “re-leitura”, uma leitura
segundo a Constituição de 1988, de todo o Direito Privado. O princípio da
dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil,
conforme dita o art. 1° da Carta Magna brasileira, operou uma inversão na base
do Direito Privado. Promoveu uma repersonalização deste, que passou a atender
em primeiro lugar os anseios humanos e só em segundo lugar os patrimoniais,
invertendo a hierarquia estabelecida nos Códigos tradicionais.
A Constituição Federal, em seu art.
5°, XXXII, elevou o Direito do Consumidor à categoria dos direitos
fundamentais, consagrando-o como cláusula pétrea. É um direito da pessoa[37]
que, em vista da repersonalização e constitucionalização do Direito Privado,
não pode ceder frente às notas exclusivamente patrimoniais do Direito Bancário.
Portanto, por este terceiro caminho, novamente prevalecem as normas de consumo
frente às bancárias.
E nem se queira argumentar que o
art. 192 tem igual sede constitucional. Este artigo se submete à ordem
econômica constitucional, que no art. 170 afirma ter por base o primado da
dignidade da pessoa humana. Submete-se, também, aos direitos fundamentais
firmados no art. 5°, dentre eles o direito do consumidor à proteção de sua
posição fragilizada. Além disso, os princípios e normas constitucionais devem
ser harmonizados e interpretados sistematicamente, em conjunto, pelo que cede o
art. 192 ante a defesa constitucional do consumidor.
6.
Conclusão
Com base nas considerações
efetuadas, pode-se concluir que o Código de Defesa do Consumidor incide, sim,
de regra, sobre os contratos bancários, salvo posicionamentos isolados. Já que
as instituições de crédito sempre se enquadram na categoria jurídica de
fornecedor, para ver se à relação jurídica serão aplicadas as normas de consumo
se deve apreciar se o cliente, no caso concreto, enquadra-se em algum dos
conceitos de consumidor do Código.
O diploma do consumo possui mais de
um conceito de consumidor. Pelos artigos 17 e 29, que estabelecem conceitos de
consumidor ditos “por equiparação”, é consumidor toda a pessoa que se submete
aos eventos ou práticas previstos no Código. Assim, o cliente sempre será
consumidor quando sujeito a tais eventos e práticas, para efeito de aplicação
dos capítulos do Código a que se referem os dois dispositivos. Deste modo tais
artigos já garantem a incidência de grande parte diploma legal do consumo sobre
todas as atividades bancárias, dentro destas os contratos bancários.
Já a aplicação do início do Código
aos contratos bancários fica subordinada ao conceito de consumidor constante no
art. 2° da lei. Para grande parte dos autores, o enquadramento do cliente como
consumidor, neste caso, dependerá de no caso concreto o cliente fruir a
atividade bancária (produto ou serviço) como destinatário final. Se o cliente
assim se enquadrar sua relação será integralmente regida pela legislação do
consumidor.
Em recente ADIn a Associação dos Bancos pretendeu a exclusão da
incidência das normas do consumo sobre as atividades bancárias, com base na
inconstitucionalidade formal do Código do Consumidor, que não poderia tratar de
normas bancárias em face do art. 192 da Constituição, uma vez que este reserva
a matéria à lei complementar.
A Lei de Reforma Bancária regula o
Sistema Financeiro Nacional, e foi recepcionada pela Constituição com status de lei complementar, preenchendo
o vácuo normativo do art. 192. Contudo, ela não afasta a incidência das normas
de Direito do Consumidor. Os dois diplomas incidem sobre a mesma realidade
fática dos contratos bancários, o que dá ensejo a uma antinomia aparente, a ser
solvida pelos critérios cronológico, da especialidade e de constitucionalização
do Direito Privado.
Qualquer que seja o critério que se
adote, deve prevalecer o Direito do Consumidor, regendo as relações com
prioridade sobre o Direito Bancário. Pelo primeiro critério, cronológico, mais
fraco, a legislação consumista é posterior. Pelo segundo, da especialidade, a
isonomia conduz à incidência das normas do consumidor, que atendem melhor à
real desigualdade entre partes contratantes. Pelo terceiro, constitucional, de
repersonalização e constitucionalização do Direito Privado, que é ponto de
partida da análise, deve imperar, sem dúvida, a incidência do Código do
Consumidor, já que ele atende melhor aos reclamos da dignidade da pessoa
humana, do que a legislação bancária de cunho patrimonialista.
Notas:
[1] FACHIN, Luiz
Edson. RUZIK, Carlos Eduardo Pianovski. Um Projeto de Código Civil na contramão
da Constituição. Revista Trimestral de
Direito Civil, São Paulo, n. 4, p. 243-263, 2.000, p.244-246.
[2] NALIN, Paulo
Roberto Ribeiro. Conceito pós-moderno de
contrato: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional.
Curitiba, 2.000. Tese (Doutorado em Direito das Relações Sociais) – Setor de
Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná.
[3] E também do
Código Comercial, pois a realidade fática sobre que atua sempre invoca
subsidiariamente o Código Civil. Além disto, a Constituição operou sobre todo o
Direito Privado, não cabendo restrições.
[4] Afirma o
autor, na ob. cit., p. 1, que há “[…]
uma desconexão entre o discurso que
insiste em sustentar um contrato nucleado na vontade dos sujeitos (liberdade
contratual), sem a devida atenção para o fato de que esta manifestação de
vontade é, quiçá, o dado menos significativo na composição do contrato
contemporâneo.”
[5] Idem, ibidem, p. 79-80.
[6] Não o “homem
econômico”, mas o “homem existencial”, como ressalta o autor, na ob. cit., p.
259.
[7] Reza o caput do art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:”. E a respeito
desta disposição afirma Paulo Nalin na ob. cit., p. 257: “O texto é claro: só se atribui legalidade à livre iniciativa dos
titulares da relação, desde que voltada a assegurar a digna existência de todos
(titulares diretos ou não da relação jurídica – planos intrínseco e extrínseco
da função social do contrato) e, em conformidade com a justiça social.”
[8] No mesmo
sentido o autor expõe na ob. cit., às fls. 264-265, que há uma renovação dos
propósitos do contrato contemporâneo, “[…] sem que com isso se sustente a superação do
conteúdo econômico do negócio, mesmo que, minimamente, retratado. E nem poderia
ser diferente, pois não se está a tratar do contrato à luz de uma economia
planificada, mas sim, em livre mercado, não obstante funcionalizado.”
[9] Idem, ibidem, p. 262.
[10] Waldirio
Bulgarelli, assim, na sua palestra transformada no artigo “O Direito do
Consumidor e os contratos financeiros”, retrata as inúmeras questões que podem
surgir acerca da aplicação do CDC aos contratos bancários, oferecendo uma série
de questões à discussão, numa provocação, mas sem oferecer soluções ou
respostas. (BULGARELLI, Waldírio. O Direito do Consumidor e os contratos
financeiros. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, São Paulo, n. 94, p.
126-129, 1994).
[11] Como retrata
em palestra transfomada em artigo “A Aplicação do Código do Consumidor à
Atividade Bancária”, p. 16: “Já terei
perdido a conta, por certo, do número de vezes em que me manifestei sobre esse
tema em oportunidades anteriores.” Por sinal, neste artigo podem ser
verificados grande parte dos argumentos que o autor expôs no Seminário que em
seguida será citado no corpo do trabalho (LUCCA, Newton De. A aplicação do
Código do Consumidor à atividade bancária. Cadernos
do Ministério Público do Paraná, v. 2, n. 6, p. 16-22, jul. 1.999). Outra
palestra sua, anterior, foi transformada em texto resumido, intitulado “O
Código de Defesa do Consumidor: Discussões Sobre seu Âmbito de Aplicação”, na
qual o autor sustenta o mesmo que propugnou nas ocasiões posteriores, mas de
modo mais resumido pois julgava que a questão não suscitaria maiores dúvidas
(LUCCA, Newton De. O Código de Defesa do Consumidor: discussões sobre seu
âmbito de aplicação. Revista de Direito
Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 85, p. 81-89, 1.992).
[12] LUCCA, Newton
De. A interpretação judicial dos
contratos bancários (O Código do Consumidor e sua aplicação na atividade
bancária). Palestra proferida na Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, 22
out. 1.999.
[13] LUCCA, Newton
De. A aplicação do Código do Consumidor à Atividade Bancária, ob. cit., p. 18.
[14]
Para De Lucca, foi um deslize não se distinguir bens de produção e de consumo
para facilitar a definição do que é relação de consumo. Na falta, a doutrina
tenta buscar critérios, e estes não são pacíficos, havendo vários de diversos
doutrinadores. É uma zona extremamente nebulosa, cinzenta. Dentro deste
contexto, vê-se ora uma aplicação mais abrangente, ora uma mais restrita, ora
uma não aplicação, do CDC aos contratos bancários. Conforme sublinha o autor no
seu artigo citado “A aplicação do Código do Consumidor à Atividade Bancária”,
p. 20, “A prevalecer a teoria finalista –
que nos parece claramente a mais acertada em matéria do Direito do Consumidor –
o aspecto teleológico da proteção do consumidor se sobrepõe aos demais. Quer
isso dizer que os empresários, salvo raras exceções, não se acham albergados
pela legislação tutelar, não obstante a definição de ‘consumidor’, constante do
‘caput’ do art. 2° do CDC que, com a expressão ‘pessoa jurídica’, contemplou a
possibilidade de os empresários, quando destinatários finais, serem também
abrangidos pela proteção.”
[15]
Por exemplo, não se enquadra como destinatário final um empresário que desconta
duplicatas e não pretende um consumo, mas um insumo. E não se enquadra como
serviço mas sim operação ativa o contrato de mútuo celebrado pelo tomador. Mas
e se ele pratica um contrato de adesão? Ou se é submetido a uma propaganda
enganosa do banco afirmando taxa inferior à real? Ou, como ilustrou De Lucca na
palestra, e pode ser constatado no seu artigo “A Aplicação do CDC à Atividade
Bancária”, citado, p. 19: “Ou, numa
hipótese ainda mais absurda, poderia o contrato celebrado por um Banco
estabelecer que o pagamento, na hipótese de atraso, por parte do mutuário,
seria feito obrigatoriamente de joelhos diante do gerente da agência[…]?” Há, para estes casos os três
conceitos de equiparação, que levariam a se aplicar o CDC.
[16] ALVES, Vilson
Rodrigues. Responsabilidade civil dos
estabelecimentos bancários, Bookseller, Campinas, 1.996, p. 90-100.
[17] Assinala
Hapner: “Se é que há algum consenso em
sede de direito dos consumidores, pode-se dizer que a existência de um poder
econômico ditando os rumos das relações de mercado é um destes pontos comuns,
levando à opinião quase unânime dos autores de que o consumidor é sempre a
parte mais fraca da relação de consumo, posto que manipulado e influenciado,
direta ou indiretamente, pelas fontes que exercitam o poder.” (HAPNER,
Carlos Eduardo Manfredini. Direito do Consumo
– aspectos de Direito Privado. Dissertação apresentada ao Curso de
Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do
Paraná, Curitiba, 1.989, p.24)
[18] A esse
respeito leciona com precisão Hapner, ob. cit., p. 27, após analisar o poder
econômico a partir das notórias lições de Galbraith em sua obra “Anatomia do
Poder”: “Este tipo de raciocínio leva à
absoluta necessidade de que qualquer análise que se faça em termos de direitos
dos consumidores venha precedida da interpretação econômica do fenômeno.
Ignorar essa circunstância pode significar a construção de um ordenamento
jurídico completamente ineficiente aos fins a que se destina”.
[19] Coloca
Rodrigues Alves em nota (n° 286), ob. cit., a pertinência de se fazer alusão
aos mecanismos da sociedade de consumo, os quais faticamente se apresentam
similares aos vícios de vontade, em hipóteses de mesmo coação: a moda, a
publicidade, o marketing, a forma agressiva de encaminhamento de ofertas e
serviços, aliadas à situação individual dos consumidores.
[20] ALVES, Vilson
Rodrigues. Ob. cit., p. 91.
[21] Idem, ibidem, p. 90.
[22] Idem, ibidem, p. 93.
[23] Idem, ibidem, p. 94.
[24] Idem, Ibidem, p. 97.
[25] Idem, ibidem, p. 99.
[26] EFING,
Antônio Carlos. Contratos e
procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor, Revista
dos Tribunais,São Paulo, 1.999, p. 51.
[27] Sua
conclusão, na ob. cit., p. 51-52, merece destaque: “‘Em se tratando de consumidor pessoa física e ocorrendo uma prestação
de serviços bancários, onde figurem, de um lado, na qualidade de fornecedor, um
determinado banco comercial, e, de outro lado, na qualidade de consumidor, uma
pessoa física qualquer, que contrate objetivando uma destinação final,
parece-nos evidente que essa relação jurídica se caracterizará como relação de
consumo’ (Maria Antonieta Zanardo Donato).
Assim, como já
dito anteriormente, ‘ao
verificar-se a inclusão ou não de determinada pessoa jurídica na qualidade de
consumidora dos produtos e serviços fornecidos pelos bancos e outras entidades
financeiras, (é preciso) investigar a finalidade daquele negócio jurídico – se
na qualidade de consumidor ou não – e, a partir de então, perquirir-se acerca
de sua vulnerabilidade. Assim, se o contrato bancário efetivado pela pessoa
jurídica tiver sido realizado buscando o alcance de uma atividade
intermediária, não há que se falar em relação de consumo. Se, entretanto, o
contrato houver sido realizado buscando-se alcançar uma atividade
intermediária, não há que se falar em relação de consumo. Anote-se, entretanto,
que raríssimos serão os litígios envolvendo entidades financeiras, securitárias
ou bancárias em que se aplicará o conceito de consumidor contido neste
dispositivo legal (art. 2° do CDC), eis que os conflitos advindos dessa espécie
de relação jurídica certamente apresentar-se-ão circunscritos à proteção
contratual, às práticas comerciais e à publicidade enganosa, quando então
deverá ser aplicado o conceito exarado pelo art. 29 do CDC’ (Maria Antonieta
Zanardo Donato).
Dessa forma, a
conceituação do consumidor de serviços ou produtos oferecidos pelos bancos está
associada a sua exposição às práticas abusivas lançadas pelas instituições
financeiras, não sendo necessária a configuração de vulnerabilidade do
consumidor diante do fornecedor.
Assim,
entendemos que, mesmo não sendo facilmente perceptível a relação de consumo
havida entre cliente consumidor e o banco fornecedor, já que na maioria das
vezes devemos constatar a ocorrência da prática abusiva, há que se conferir ao
consumidor a proteção outorgada pelo CDC.”
[28] RIZZARDO,
Arnaldo. Contratos de crédito bancário, 3
ed., Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997, p. 24-25.
[29] Idem, ibidem, p. 24.
[30]
Rizzardo, na ob. cit., p. 24-26, ressalta alguns dispositivos do CDC
especialmente aplicáveis aos contratos bancários. Tendo em consideração que os
contratos bancários são normalmente de adesão, proliferando neles cláusulas
abusivas e leoninas, destaca a importância do princípio da transparência, do
art. 4°, CDC, colocando-se tudo de modo limpo, inteligível, sem subterfúgios,
de acordo com a boa fé e equidade, engendrados estes como princípios pelo art.
51, IV. As cláusulas abusivas são fulminadas com nulidade, tendo expressão
tanto as que conferem vantagens exageradas, excessivas (art. 6°, IV, V, art.
39, V, art. 51, § 1°), como as que impõem prestação exagerada (art. 51, § 1°,
III). O art. 46 retira a obrigatoriedade do cumprimento de contrato em que não
se deu oportunidade de conhecimento prévio do conteúdo, ou quando é realizado
de modo que dificulte a compreensão do sentido e alcance, proibindo-se,
destarte, cláusulas com complexos cálculos, ou que impliquem métodos como a
Tabela Price, o Método Hamburguês (desconhecidos, desvendáveis somente por
especialistas). Semelhantemente estabelece o art. 54, § 3°, com referência aos
contratos de adesão. O art. 52 impõe outras normas, com relação ao mútuo, como
informação sobre juros de mora, taxa efetiva anual de juros, e acréscimos
legalmente previstos. O § 2° do artigo vem facultar a liquidação antecipada,
com direito a abatimento dos juros e encargos. O art. 51, I, determina nula a
cláusula que implica renúncia de direito. Isso em mera exemplificação,
demonstradora do estreito vínculo entre os Direitos Bancário e do Consumidor.
[31] COELHO, Fábio
Ulhoa. Manual de Direito Comercial,
4 ed., Saraiva, São Paulo, 1.993, p. 431.
[32] LUCCA, Newton
De. A interpretação judicial dos
contratos bancários (O Código do Consumidor e sua aplicação na atividade
bancária). Palestra proferida na Faculdade de Direito da UFPR, Curitiba, 22
out. 1.999.
[33] LUCCA, Newton
De. A aplicação do Código do Consumidor à Atividade Bancária, ob. cit., p. 22.
[34] SIMPÓSIO
SOBRE AS CONDIÇÕES GERAIS DOS CONTRATOS BANCÁRIOS E A ORDEM PÚBLICA E ECONÔMICA
(1. : 1988 : Curitiba). GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Notas sobre os contratos bancários. Juruá, p. 47-53, 1.998, p. 49.
[35] Reforça a
idéia Covello quando afirma que “A
simples leitura dos formulários de contrato bancário revela a existência de
condições leoninas acobertadas pelo manto da legalidade, como a conhecida
cláusula de outorga de procuração do cliente ao próprio banco para que este
possa emitir cambial a fim de cobrar a dívida de maneira mais rápida e eficaz
mediante execução”, e que “[…] a intervenção do Estado na contratação
bancária tem-se mostrado ineficaz, porque as autoridades monetárias estão mais
preocupadas com as taxas de juros e com as garantias contratuais, deixando os
Bancos à vontade para a estipulação de condições gerais potestativas.”
(COVELLO, Sérgio Carlos. Contratos
bancários, 3 ed., Editora Universitária de Direito, São Paulo, 1.999, p.
56.
[36] Dê-se o
exemplo, a título de ilustração, do mútuo, especialmente pertinente ao
trabalho, que traz Rizzardo, na sua obra “Contratos de crédito bancário”, ob.
cit., p. 20-22, citando várias vezes Luiz Zenum Junqueira: “Cláusulas como as seguintes refletem toda a distância entre as partes
e a unilateralidade na determinação das condições: ‘no vencimento normal ou
antecipado do título […] ficará o
devedor constituído em mora de pleno direito, passando então a incidir sobre o
débito, do decurso de inadimplência até o efetivo pagamento, os seguintes
encargos: a) Atualização monetária de acordo com a acumulação da taxa das
Letras do Banco Central – taxa fiscal – ocorrida no período, ou outro índice de
atualização que venha a ser estabelecido pelo Governo Federal em sua
substituição; b) A taxa efetiva mensal de juros vigorante no início de cada
mês, correspondente à maior taxa permitida pelo Banco Central do Brasil para
operações de crédito com recursos próprios, que esteja sendo praticada no
mercado financeiro pelo Banco […]
Estes juros incidirão sobre o valor do débito após realizada a atualização
indicada na letra ‘a’ supra; c) juros moratórios de 10% sobre o montante do
débito; d) multa de 10% sobre o montante do débito.’
[…] Estampa-se o seguinte
quadro, descrito pelo citado articulista: ‘não se cuida de dificuldades
surgidas no curso de um contrato de empréstimo bancário, muito menos de
modificações operadas pela desastrada inflação, velha e revelha, antiqüíssima,
mas do desrespeito e da infidelidade do credor, já no momento mesmo da
celebração do ‘contrato’, ávido pela exploração consciente da desgraça alheia,
rompendo-se, no seu nascedouro, a noção de boa-fé e dos bons costumes.’ “
[37] Escreve o
ilustre professor Carlos Eduardo Manfredini Hapner: “A bem da verdade, a ereção da proteção do consumidor à categoria de
princípio constitucional pode ser tida como conseqüência e decorrência direta
das conquistas sociais do cidadão comum. Não seria demais incluir a proteção do
consumidor, desde seu aspecto privatístico, como um dos direitos da
personalidade. A esse propósito muitos já se referiram, valendo a lembrança do
ensinamento do espanhol EDUARDO POLO: ‘(…) o problema do consumidor é, levado
a suas últimas conseqüências, o problema do indivíduo e sua proteção não é
senão a proteção da pessoa.” (HAPNER, Carlos Eduardo Manfredini. Ob. cit.,
p. 10).
Informações Sobre o Autor
Deltan Martinazzo Dallagnol
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná e Procurador da República em exercício na Procuradoria da República no Estado do Paraná.