Apontamentos acerca das obrigações naturais

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Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar as obrigações naturais, com um breve histórico acerca da matéria abordando assuntos específicos demonstraremos sua importância real para o Direito Civil moderno. Para tanto, usufruiremos da contribuição de autores renomados no ramo do Direito Civil, além de entendimentos jurisprudenciais.

Palavras-chave: Obrigação Natural; Prescrição; Direito Civil.

Abstract: This article aims to analyze the natural obligations under various optics, so, we will do a brief history about the matter, and addressing specific issues, demonstrate its real importance for the modern civil law. To do so, it uses the contribution of renowned authors in the field of civil law and jurisprudential understandings.

Keywords: Natural Obligation; Prescription; Civil Law.

Sumário: Introdução. 1.Conceito. 2. Aspecto Histórico. 3. Natureza jurídica. 4. Obrigações Naturais no Direito Brasileiro. 5. Obrigação Civil x Obrigação Natural. 6. Efeitos da Obrigação Natural. 7. Análise Jurisprudencial. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

As obrigações naturais são motivo para inúmeras discussões acerca de seu conceito e demais delineações. O principal motivo de toda essa polêmica, se dá em razão do pequeno alcance que tem o poder judiciário brasileiro em questões que envolvem obrigações dessa natureza.

O presente trabalho pretende abordar as considerações mais relevantes que devem ser feitas acerca de tema tão controverso que é a obrigação natural. Utilizando-se de obras escritas por renomados juristas, como Sílvio de Salvo Venosa, Carlos Roberto Gonçalves, Caio Mário da Silva Pereira, dentre outros, bem como do reconhecidíssimo trabalho feito por Sérgio Carlos Covello, em sua memorável obra, direcionada apenas ao assunto desta breve construção temática, fez-se uma análise daqueles que são considerados, num consenso entre as referências analisadas, como os principais tópicos desta modalidade de obrigação.

De forma preliminar, analisou-se o conceito, para que se ter a noção exata do que estaria sendo tratado no resto do trabalho. Após, fez-se um breve relato sobre a sua origem histórica, onde se constatou como era de se esperar, seu nascimento no Direito Romano. Em seguida, foi feita uma construção acerca da natureza jurídica destas obrigações, que é tema polêmico dentro desta espécie de obrigação já tão controversa.  Por fim, passou-se a elucidação sobre os seus resultados no Direito Brasileiro, tendo como base a caracterização feita nos códigos civis de 1916 e 2002, para posteriormente fazer a diferenciação entre as obrigações naturais e civis. Ainda, tratando do Direito Nacional, elaborou-se uma caracterização dos efeitos que as obrigações naturais possuem no nosso ordenamento jurídico, caracterização esta que ficou melhor delineada com as jurisprudências juntadas ao final do trabalho, tendo em vista que, embora não se possa exigir o adimplemento das obrigações naturais por vias judiciais, foi possível encontrar alguns casos em nosso sistema judiciário.

1. Conceito

As obrigações naturais tem sua principal característica na inexigibilidade jurídica de seu adimplemento. Esta espécie de obrigação é considerada como obrigação de fato, e não de direito, uma vez que a dívida não existe para o mundo do direito, embora já possa ter existido (como em caso de prescrição). A existência do débito é inconteste, no entanto não há meios judiciais de cobrá-lo. Daí surge o termo “obrigações incompletas” ao qual refere-se o ilustre doutrinador Sílvio de Salvo Venosa. Pode se dizer que os casos que geram obrigações naturais não foram, por alguma razão legislativa, equiparadas às obrigações civis (ver comparação no tópico 5), ou, como antes referido, já foram obrigações civis, porém tornaram-se naturais pela transcorrência do prazo prescricional.

Como referido anteriormente, devido à existência do débito, não há que se negar que seja justo seu pagamento, embora a responsabilidade jurídica não mais exerça força sobre o devedor. Assim, não pode se afirmar que a obrigação, por ser natural, é inexistente: ela apenas não pode ser cobrada judicialmente. No entanto, quando adimplida, esta obrigação retorna ao mundo do direito, para que este pagamento receba a devida tutela do Estado, através do soluti retentio, que nada mais é do que direito do credor de reter o pagamento espontâneo feito pelo devedor. Sobre as obrigações naturais, afirma o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves que:

“(…) é relação de fato sui generis, porque, mediante certas condições, como o pagamento espontâneo por parte do devedor, vem a ser atraída para a órbita jurídica, porém, para um único efeito, a soluti retentio. (…)” (GONÇALVES, 2011, pág. 180)

Alguns doutrinadores falam também daquelas obrigações que são exigíveis pelo fato da vida, ou pelo convívio social. Atitudes banais, como cumprimentar os amigos e conhecidos e até mesmo tratá-los de forma cortês, são consideradas como tipos de obrigação natural, uma vez que se encaixam perfeitamente no conceito dessa modalidade de obrigação, pois presume-se o seu cumprimento, sendo este legítimo e plenamente admissível; porém, não há como reclamá-las em juízo. Fazem parte do mesmo patamar dos direitos morais e sociais, onde a lei não pode exercer sua força coercitiva, não passando apenas de deveres de manutenção da ordem moral. Em síntese, pode-se afirmar que a obrigação natural se trata de uma espécie de obrigação em que não cabe ação judicial para a sua cobrança, o que não a torna inexistente; pode ser exemplificada através das dívidas de jogo, as dívidas prescritas e até mesmo o dever de cumprimentar alguém da vizinhança.

2. Aspecto Histórico

A ideia de obrigação natural não é contemporânea. Por certa influência da filosofia grega, o Direito Romano, em meados do século I d.C, passa a aceitar princípios do direito natural. Fundadas na equidade, as obrigações naturais em Roma geravam um vínculo entre credor e devedor, mas sem estabelecer sanção para obrigar o pagamento da prestação.

Assim, surgiam os chamados pactus nus, acordos de vontade que não revestiam as formalidades legais dos contratos. Em sua origem, o contrato presumia um elemento subjetivo e um objetivo. O subjetivo seria a vontade, enquanto o objetivo a formalidade. Deste modo, o simples encontro de vontades não gerava uma ação e sim uma exceção, ou seja, a parte podia cumprir o pacto espontaneamente, e esse cumprimento era pagamento irretratável.

Por certas vezes no Direito Romano, confundia-se obrigação natural e obrigação civil, surgindo duas classes de obrigações naturais, como bem explica Venosa;

“Acentua-se, também, que a obrigação natural tinha o mesmo fundamento da obrigação civil. Idênticos fatos davam nascimento ora à obrigação natural, ora à obrigação civil e, em muitos casos, uma obrigação civil degenerava em obrigação natural, desde que para ela faltasse a ação. Distinguiam-se, então, duas classes de obrigações naturais: as que nunca tiveram o direito de ação e as que perderam a ação que detinham anteriormente.” (VENOSA, 2005, pág. 27)

As mais significativas obrigações naturais do Direito Romano eram adquiridas por escravos, já que estes eram considerados patrimônios de seus patrões por não terem liberdade ou personalidade jurídica. Os escravos eram livres por natureza e costumavam praticar atos jurídicos no próprio interesse, porém, só podiam realizar negócios jurídicos em nome de seu senhor, não podiam contrair obrigação civil, mas, podiam obrigar-se naturalmente. Enfim, após vários séculos desde o surgimento das obrigações naturais, diversos códigos pelo mundo ainda se inspiram no Direito Romano para aprimorar suas leis, inclusive o Brasil, que até o código de 1916, basicamente se utilizava apenas de subsídios da lei Romana.

3. Natureza Jurídica

É tema controverso na doutrina brasileira a noção de natureza jurídica das obrigações naturais. A fundamentação da existência da obrigação natural pode ser feita a partir de um simples exigir moral, que nada mais é do que o direito pertinente a uma coletividade ou a um indivíduo de reclamar certas condutas dos outros componentes do meio em que se vive. Dessas condutas pode se usar como exemplo mais palpável o pagamento de dívidas prescritas, nas quais é inegável a existência do débito, mas o credor, por sua inércia, perdeu seu direito de cobrar através da máquina do judiciário, tendo somente a consciência do devedor como garantia do adimplemento. Assim, constata-se que, pelo seu mero caráter moral, não se pode exigir o cumprimento destas obrigações por vias judiciais, ou seja, não há sanção, punição ou condenação para o seu descumprimento. Nas palavras de Arnaldo Rizzardo, “(…) este direito está desacompanhado de ação para a tutela judicial, com a qual se conseguiria impor a conduta recomendada (…)”. (RIZZARDO, 2011, pág. 60)

No entanto, ainda cabe uma abordagem mais ampla da natureza jurídica do tema, que considera existente a proteção jurídica à obrigação natural, ainda que incompleta. Essa incompletude se deve à tardia tutela concedida à modalidade, que recebe a guarida do direito apenas após o pagamento, através do direito conferido ao credor de reter o pagamento efetuado de forma voluntária, ou seja, apenas no momento em que a obrigação se extingue. Essa espécie de obrigação nasce sem a garantia jurídica de seu cumprimento, e, se não cumprida espontaneamente, nada se pode fazer para que ocorra o adimplemento, pois este se trata de mero dever moral. Nesse sentido, Venosa diz o que segue:

“(…) a juridicidade da obrigação natural só surge no momento de seu cumprimento. Antes do cumprimento, a obrigação natural encontra-se dormente, como mero dever moral. No momento de ápice, que é o cumprimento, é que ressalta a face jurídica da obrigação. (…)” (VENOSA, 2005, pág. 33)

Há ainda uma abordagem que considera a obrigação natural como mera espécie da obrigação civil, tendo apenas como diferença entre estas a possibilidade de cobrança pelas vias judiciais das obrigações civis, procedimento impossível de ocorrer quando se trata das obrigações tratadas nesta breve construção temática. Porém, a diferenciação estre estas modalidades de obrigação será melhor abordada em tópico posterior.

4. Obrigações Naturais no Direito Brasileiro

O instituto da obrigação natural surge pela primeira vez no direito brasileiro no Código Civil de 1916. Até então, o que tínhamos era baseado no Direito Romano. Tal instituto estava elencado no Art. 970 do já referido Código Civil de 1916, em que se contemplava a irrepetibilidade do que se pagou para cumprir obrigação natural: “Art. 970 – Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação natural.”.

Já no Código Civil atual, as referências às obrigações naturais estão elencadas nos artigos 882: “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.” e 564 III: “Não se revogam por ingratidão: III – as que se fizerem em cumprimento de obrigação natural.” O artigo 882 corresponde ao artigo 970 do código de 1916, apenas modificando o “ou cumprir obrigação natural” por “ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.” Já o Art. 564, III permanece com a denominação tradicional da obrigação natural.

Outra referência ao código de 1916 são os juros convencionados, melhor explicado nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves:

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“O código de 1916, não autorizava a repetição, a titulo de indébito, dos juros pagos, que não houvessem sido estipulados, como estatuía o art. 1.263 do referido diploma: “O mutuário que pagar juros não estipulados, não os poderá reaver, nem imputar no capital”. Esse dispositivo não foi reproduzido no novo Código civil. Mas o art. 591 deste diploma dispõe que, “destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”. Conseguintemente, apenas nos empréstimos sem fins econômicos, que hoje são comuns, o pagamento voluntário de juros não convencionados constituirá obrigação natural.” (GONÇALVES, 2011, pág. 184)

     Assim, os artigos 814: “As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento; mas não se pode recobrar a quantia, que voluntariamente se pagou, salvo se foi ganha por dolo, ou se o perdente é menor ou interdito.” e o artigo 882, já referido anteriormente, são os únicos casos de obrigações naturais típicas no novo Código Civil.

     O art. 882 trata das dívidas prescritas, as quais são originariamente civis, porém, por força da prescrição, tornam-se naturais. São as chamadas obrigações civis degeneradas.

     Nos casos do art. 814, deve-se ficar claro que, mesmo que a perda no jogo tenha sido configurada em jogo lícito, constituirá obrigação natural, e neste caso, o ganhador não poderá exigir seu pagamento, sendo assim, o perdedor deve ao ganhador, porém, não há pretensão de ação contra aquele. Vale lembrar ainda que não poderá exigir reembolso do que se emprestou para o jogo ou aposta se este empréstimo tiver sido efetuado no ato de apostar ou jogar, caso o empréstimo tenha sido dado para o pagamento das dívidas de jogo, poderá ser cobrado.

     Para concluir, deve-se ressaltar que em hipóteses de obrigações naturais atípicas, ou seja, nos casos em que as obrigações naturais não estejam especificadas em nosso ordenamento, é necessário que se estenda tal instituto a todas as situações análogas às diretamente regulamentadas em lei, não as confundindo com obrigações morais ou até mesmo com obrigações nulas.

5. Obrigação Civil x Obrigação Natural

Para facilitar a compreensão desta diferenciação, se faz necessária a demonstração de uma abordagem pouco específica, porém esclarecedora, da relação entre essas duas modalidades de obrigação (civil e natural), feita pelo doutrinador Caio Mário:

“Procedemos à análise da obrigação (…), nos seus três elementos – sujeito, objeto e vínculo jurídico. Normalmente, estão todos presentes. E a obrigação, assim integrada de seus fatores fundamentais, classifica-se de civil: um sujeito ativo, credor, e um sujeito passivo, devedor; objeto, a prestação; e estabelecendo o liame entre os sujeitos, ao mesmo tempo que contém o tegumento de garantia, o vínculo jurídico, que faculta ao réus credendi mobilizar o aparelho do Estado, para perseguir a prestação, com projeção no patrimônio de réus debendi”. (PEREIRA, 2012, pág. 27-28)

Diante do acima exposto, percebe-se quais os requisitos que devem ser preenchidos para que a obrigação seja considerada civil: sujeitos (ativo e passivo), objeto (prestação) e vínculo jurídico. No entanto, inúmeros juristas se perguntam o que ocorre quando a obrigação perder o vínculo jurídico, ou seja, a relação jurídica que garante ao credor o direito de cobrar do devedor a dívida. Esta questão foi respondida com a criação da categoria de obrigação que é analisada no presente trabalho: a obrigação natural. Note-se que o principal fator diferenciador entre estas duas modalidades de obrigação é justamente aquele que mais caracteriza a obrigação natural. A quebra ou inexistência do vínculo jurídico, mesmo que existente o débito, é o ponto chave da obrigação natural. Para que se entenda melhor, passa-se a analisar um clássico exemplo de obrigação natural, perante os requisitos que constituem a obrigação civil: a dívida de jogo.

a) Sujeitos – divide-se em ativo (credor) e passivo (devedor):

– ativo: aquele que vence o jogo, aposta, etc;

– passivo: aquele que perde.

b) Objeto: a prestação. Neste caso trata-se daquilo que foi apostado (dinheiro, bem, etc.);

c) Vínculo Jurídico: não existe, já que não se pode cobrar dívida de jogo judicialmente. Só terá existência no mundo jurídico se feito o seu pagamento espontâneo, gerando o soluti retentio.

Deve-se destacar ainda os casos em que se deu a prescrição. Neste caso, trata-se de obrigação natural que já foi obrigação civil, ou seja, já possuiu vínculo jurídico. No entanto, com a decorrência do prazo prescricional sem que fosse exigido o adimplemento, esta perde a qualidade de obrigação civil e passa a ser tratada como mera obrigação natural. Deste caso, depreende-se claro exemplo de obrigação em que o sujeito tem o dever moral de pagar, mas não tem a responsabilidade sobre o que ocorrer a partir do inadimplemento desta obrigação.

6. Efeitos da Obrigação Natural

Correntes distintas versam acerca dos efeitos da obrigação natural, enquanto alguns doutrinadores afirmam que o efeito por ela produzido é apenas de irrepetibilidade do pagamento, outros sustentam que ela produz todos os efeitos das obrigações civis exceto a coercibilidade.

No direito brasileiro, a obrigação natural tem alguns efeitos principais, como a validade do pagamento e a irrepetibilidade do pagamento, porém, a doutrina tem admitido alguns efeitos secundários destas obrigações como aborda Carlos Roberto Gonçalves:

“O fato de o parágrafo único do art 1.477 do Código de 1916, correspondente ao §1° do art. 814 do novo diploma, não permitir que as dividas de jogo e aposta sejam reconhecidas, novadas ou objeto de fiança, sem estender a proibição a todas as obrigações naturais te levado a doutrina a admitir a existência de efeitos secundários nas obrigações naturais, quando a lei não os vede”. (GONÇALVES, pág. 188, 2011)

Deste modo, há uma grande discussão acerca da possibilidade de novação nas obrigações naturais, já que, alguns doutrinadores acreditam na impossibilidade da novação por seu pagamento não poder ser exigido compulsoriamente, porém, para outra parte da doutrina, existe tal possibilidade, pois a “falta de exigibilidade da obrigação natural não é obstáculo para a novação, pois a obrigação natural ganha substrato jurídico no momento de seu cumprimento.” (GONÇALVES, 2011, pág 188)

Outro ponto relevante, se refere a compensação de obrigação natural, que se dá entre pessoas que são ao mesmo tempo credor e devedor, neste caso, não é admitido pela doutrina, pois efetua-se a compensação em dividas exigíveis, e as obrigações naturais caracterizam-se pela inexigibilidade conduzindo a extinção das obrigações cujo os credores são, ao mesmo tempo, devedores um dos outros. Segundo autores, porém, a única forma de compensação inválida seria a de compensação legal, podendo existir, porém, a compensação convencional, em que há um acordo de vontades Por fim, vale lembrar que a obrigação natural não comporta fiança, por ser de natureza acessória, e nem penhor ou outro direito real.

7. Análise Jurisprudencial

Jurisprudência nº 1: Dívida de jogo

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. POSSE E PROPRIEDADE. CAUTELAR DE BUSCA E APREENSÃO. DÍVIDA DE JOGO. OBRIGAÇÃO NATURAL. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. AUSÊNCIA DE DOLO ENTRE AS PARTES. INÉPCIA DA INICIAL. EXTINÇÃO MANTIDA. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70013442132, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 27/06/2006)

O caso trata de uma aposta feita por dois cidadãos da cidade de São Francisco de Assis. Estes apostaram um carro de marca FIAT Palio EX, ano 1999, de propriedade do autor, no pleito eleitoral da cidade. O autor disse que o candidato de seu partido venceria a eleição municipal, enquanto o réu, por sua vez, apostou no candidato do partido de sua preferência, tendo o último vencido a aposta. Desta feita, o ora autor entregou o objeto da aposta ao requerido.

Ocorre que a lisura do pleito veio a ser questionada judicialmente, o que fez com que ficasse acertado o cancelamento da aposta, até que se desse por certo o resultado das eleições. No entanto, o ora demandado não se prestou a entregar o automóvel de volta ao requerente, motivo pelo qual este ajuizou a ação.

No entanto, já em 1º grau, foi extinto o processo, dada a inépcia da inicial, visto que o demandante veio a juízo requerer a devolução de dívida derivada de obrigação natural paga voluntariamente. Valeram-se aqui os magistrados do instituto do soluti retentio, além, é claro, de não poder ser avaliada a questão de mérito quando esta versa sobre essa modalidade de obrigação, para negar de forma unânime o recurso pleiteado pelo autor.

Jurisprudência nº 2: Dívida prescrita

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. AÇÃO DE COBRANÇA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. IPTU. RESSARCIMENTO. DESCABIMENTO. DÍVIDA PRESCRITA. OBRIGAÇÃO NATURAL. Inviável acolher pleito de ressarcimento de imposto pago pelos autores, cuja responsabilidade era da ré, na medida em que essa dívida foi paga depois de operada a prescrição. A dívida prescrita, por se constituir em obrigação natural, é inexigível, não havendo, por isso, direito de ressarcimento por seu pagamento indevido, ainda que inequívoca a responsabilidade do real devedor. Inteligência do art. 882 do Código Civil. DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO DO NOME DOS PROMITENTES COMPRADORES EM DÍVIDA ATIVA. CULPA DA PROMITENTE VENDEDORA EVIDENCIADA. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. Evidenciado que o nome dos autores foi inscrito indevidamente em dívida ativa por débito tributário que deveria ter sido solvido pela ré, quando ainda não prescrita a dívida, a qual descumpriu com a obrigação contratual de quitar todos os impostos pendentes sobre o imóvel prometido vender, impositivo reconhecer o dever de indenizar. Abalo moral sobejamente demonstrado pela prova carreada. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70018695411, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 05/04/2007)

A ação trata de cobrança de dívida da parte ré para com parte autora, juntamente com indenização por danos morais. A parte demandante afirma ter pago dívida que era de responsabilidade da parte requerida. Pleiteou a requerente a restituição desses valores. Ocorre que a dívida a que se refere a parte autora encontrava-se prescrita, o que não obrigava nenhuma das partes ao pagamento. No entanto, diante do pagamento, não há que se falar em ação para restituição de valores, uma vez que é direito do credor reter o pagamento de dívida prescrita, assim como de qualquer tipo de obrigação natural, sem poder o devedor ajuizar ação para tentar recuperar o valor despendido. Configurou-se no presente caso, como visto no anterior, o instituto do soluti retentio, característico das obrigações naturais.

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Ainda há que se fazer uma breve ressalva, observando mais detalhadamente o caso em tela, nota-se que o recurso recebeu parcial provimento, visto que o pedido também continha indenização por danos morais, que foi entendida como procedente pelos ilustres magistrados. No entanto, em relação à ação de cobrança, foi negada a pretensão do autor, baseada nos fundamentos da legislação brasileira em relação à obrigação natural.

Considerações Finais

Para finalizar, é importante que se destaque a significância das obrigações naturais e de seu cumprimento, que, analisando-se sobre seus diversos aspectos, possui grandes resultados. Exemplo disto se dá quando se fala em obrigação natural como mero dever moral. Embora não se exija o cumprimento de forma judicial destas obrigações, é devido o seu adimplemento. O direito não abarca tudo aquilo que é correto ou necessário para o bom convívio ou para a construção de uma sociedade ideal, embora sua existência se dê em decorrência desses ideais. Assim, pode se afirmar que o cumprimento de obrigação natural, sendo apenas uma atitude corriqueira, como ter a devida cortesia no trato com alguém, ou até mesmo o cumprimento de uma dívida que já prescreveu, faz parte da construção do bom convívio entre os iguais. Embora possa se considerar tais afirmações um tanto exageradas, há que se admitir que algumas pequenas atitudes como as mencionadas, refletem em todos um sentimento de justiça (que como se sabe, não se pode confundir com direito), mesmo que o direito lhes dê pouca guarida.

Portanto, com base no exposto, contando com a contribuição doutrinária e jurisprudencial, além, é claro, daquilo que se pode compreender do estudo feito, é de suma importância, tanto para o Direito Brasileiro, quanto para as pessoas, no sentido geral, saber o verdadeiro impacto que tem essa modalidade de obrigação, a partir do seu cumprimento, que pode refletir em toda a coletividade de forma relevante, eis que se cumpra com aquilo que é devido e necessário, de forma justa.

 

Referências
COVELLO, Sério Carlos. A Obrigação Natural. São Paulo: Parma, 1996.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro v.2: Teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2010.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações 8ª Ed.. Sao Paulo: Saraiva, 2011.
PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2012.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Teoria Geral das obrigações e Teoria Geral dos Contratos. São Paulo: Atlas, 2005.

Informações Sobre os Autores

Rodrigo da Silva Soares

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande. Pós-graduado em Direito Público

Heverton Luiz Botelho

Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Rio Grande – FURG

Filipe Bento Leães

Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Rio Grande

Andreia Lesxistão Nunes

Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Rio Grande – FURG


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