Arbitragem: Um meio de acesso à ordem jurídica justa

Resumo: O Poder Judiciário encontra-se sobrecarregado pelos inúmeros processos ajuizados, mostrando-se, muitas vezes, incapaz de conferir efetividade à atividade jurisdicional a que se propõe. A demora nas decisões emanadas nos Tribunais passa a ser um obstáculo ao acesso à justiça, bem como ao acesso a uma ordem jurídica justa. Desperta, desse modo, a sociedade civil, para a utilização de meios alternativos de pacificação social, tomando vulto a consciência de que a pacificação deve ser eficiente, senão por responsabilidade estatal, por outros meios extrajudiciais de solução de conflitos. Neste cenário, a arbitragem surge como meio célere, válido e eficaz de resolução de desavenças de natureza patrimonial e disponível, viável entre pessoas capazes, contribuindo para o descongestionamento do Poder Judiciário, com questões que possam ser resolvidas sem a necessidade do penoso percurso do processo estatal litigioso. A alternativa representa uma proposta promissora para a redução da crise do sistema jurídico, com a diminuição do volume de processos e a possibilidade de conferir resposta efetiva e satisfatória ao direito material das partes.


Palavras-chave: Efetividade. Ordem jurídica justa. Arbitragem. Jurisdição não-estatal. Vantagens e peculiaridades.


Sumário: 1. Introdução. 2. Da arbitragem como uma alternativa eficaz à crise do sistema jurídico. 3. Do caráter jurisdicional da arbitragem. 4. Da evolução histórica do instituto da arbitragem. 5. Dos principais aspectos conceituais e estruturais da arbitragem. 6. Da convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral – peculiaridades e características. 7. Da abordagem de alguns aspectos relevantes sobre arbitragem: constitucionalidade e ampliação do acesso à justiça. 8. Da necessidade da adaptação da sociedade à cultura dos meios extrajudiciais de solução de conflitos. 9. Considerações finais.  Bibliografia


1. INTRODUÇÃO


Não é de hoje que o processo vem se caracterizando como instrumento moroso, inábil à prestação de uma justiça célere e eficaz, a ponto de, já, em sua época, RUI BARBOSA ter proferido a célebre frase: A justiça atrasada não é Justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade (apud GOMES, Victor André Liuizzi. O princípio da efetividade e o contraditório. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5789. Acesso em:12/05/2010) .


De fato, o tempo é inimigo da função pacificadora, escopo social da jurisdição. De nada adiantaria o deferimento de uma tutela muito tempo após o seu requerimento, sem utilidade prática alguma à parte que teve o seu direito violado. Busca-se efetividade na resposta judicial: a necessidade de um sistema processual capaz de servir de maneira eficiente à sociedade, aproximando-o dos legítimos objetivos que justificam sua existência, com a eliminação de conflitos e a difusão da paz social.


O processo deve ser encarado não apenas como mero instrumento a serviço da jurisdição, mas, sobretudo, a serviço da sociedade, como meio de acesso à ordem jurídica justa.


O acesso à jurisdição integra a categoria dos direitos fundamentais e não significa apenas possibilitar que os litígios sejam levados ao conhecimento do Poder Judiciário através das petições. Significa, sobretudo, que será dada uma solução ao caso concreto e que a decisão seja útil para a parte que a postula. Nas palavras de WAMBIER (2003, p. 63):


“(…) o direito de acesso à justiça, erigido à dignidade de garantia constitucional, quer dizer bem mais do que a possibilidade de se obterem provimentos ‘formais’, isto é, decisões judiciais dotadas apenas potencialmente da aptidão de operar transformações no mundo real. Quando se fala em direito de acesso à justiça, o que se quer dizer é direito de acesso à efetiva tutela jurisdicional”.


Como corolário, a insatisfação social pela não efetividade na solução dos problemas levados ao Judiciário, resulta na sensação de cerceamento do exercício da plena cidadania e no descrédito do regime democrático. O brocardo justiça tarda é justiça falha é corroborado por GAMA (2002, p. 21), que explana: A justiça tardia não é outra coisa senão a maior das injustiças.


Neste cenário, a Lei de Arbitragem veio com este escopo: oferecer soluções para o desafogamento do Judiciário, cumprindo o desiderato do comando constitucional previsto no art. 5.º, LXXVIII, como forma de garantir a celeridade e efetividade ao direito reivindicado pela parte.


Neste sentido, discorrem BULOS e FURTADO (1997, p. 11-12):


“A presteza e a celeridade do trabalho jurisdicional nunca foram tão exigidas como agora e o juízo arbitral poderá evitar desgastes pela demora na solução dos litígios, o que muitas vezes provoca um desestímulo para aqueles que pretendem obter uma resposta do Judiciário.” (grifos nossos)


Ao discorrerem sobre o instituto da arbitragem, CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER (1999, p. 26) observam:


“Abrem-se os olhos agora, todavia, para essas modalidades de soluções não-jurisdicionais dos conflitos, tratados como meios alternativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falhado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista”. (grifos nossos)


Como bem esclarecem tais autores (1999, p. 26), sendo o processo necessariamente formal, demanda tempo e … o tempo é inimigo da efetividade da função pacificadora. A permanência de situações indefinidas constitui, como já foi dito, fator de angústia e infelicidade pessoal. E, mais adiante, acrescentam: O ideal seria a pronta solução dos conflitos, tão logo apresentados pelo juiz. Mas como isso não é possível, eis aí a demora na solução dos conflitos como causa de enfraquecimento do sistema.


Outrossim, a duração excessiva do processo judicial provoca, dentre outras conseqüências, a erosão da prova, o retardamento da reparação do dano, o atraso na proteção contra ameaças a direitos, o aumento do custo econômico do sistema e o seu descrédito como instrumento eficaz de pacificação social, de forma que não se pode deixar de considerar que a celeridade constitui-se numa vertente importante da efetividade do direito.


Como bem observam CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER (1999, p. 26), … o elevado custo do processo tem-se revelado óbice ao acesso à justiça através do processo estatal. O processo civil tem-se mostrado um instrumento caro, seja pela necessidade de antecipação das custas ao Estado (preparo), seja pelos honorários advocatícios, seja pelo custo muitas vezes elevado das perícias. Tudo isso concorre para estreitar o livre acesso ao Judiciário, frustrando a plenitude do cumprimento da missão pacificadora do processo. E, por fim, concluem (1999, p. 26):


“Essas e outras dificuldades têm conduzido os processualistas modernos a excogitar novos meios para a solução de conflitos. Trata-se dos meios alternativos de que se cuida no presente item, representados particularmente pela conciliação e pelo arbitramento”. (grifos nossos)


2. DA ARBITRAGEM COMO UMA ALTERNATIVA EFICAZ À CRISE DO SISTEMA JURÍDICO.


A boa doutrina sempre frisou a necessidade da interdisciplinaridade entre o direito processual e o material. 


CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO (1999, p. 131) observam que, ao criar a jurisdição no quadro de suas instituições, visou o Estado garantir que as normas de direito substancial contidas no ordenamento jurídico efetivamente conduzissem aos resultados enunciados. Através da tutela jurisdicional, procurou o Estado a realização do direito material, buscando fazer com que se atinjam, em cada caso concreto, os objetivos das normas de direito substancial – escopo jurídico da jurisdição. Em outras palavras, o escopo da jurisdição é a atuação (cumprimento, realização) das normas de direito substancial (direito objetivo).


Discorrendo sobre o tema, MARINONI (2008, p. 405) expõe que o processo deixou de ser um simples instrumento voltado à atuação da lei, para também passar a ser um instrumento preocupado com a proteção dos direitos, na medida em que o juiz, no Estado constitucional, além de atribuir significado ao caso concreto, compreende a lei na dimensão dos direitos fundamentais. E mais adiante, acrescenta: Por identidade de razões, o processo deve ser aplicado conforme as tutelas prometidas pelo direito material e segundo as necessidades do caso concreto (2008, p. 418).


Ocorre que o escopo principal do processo, como meio ou instrumento para a efetivação da ordem jurídica justa, resta atualmente frustrado, diante da crise que assola o Judiciário, com a demora, por vezes inevitável, da prestação jurisdicional. O sistema jurisdicional brasileiro já não atende às necessidades de seus usuários e aplicadores. Se por um lado, reconhece-se a necessidade do processo se afirmar como um mecanismo de realização efetiva das pretensões reivindicadas, por outro, agrava-se sensivelmente a deficiência e, em alguns casos, ineficácia do sistema jurídico.


Pois, uma tutela jurisdicional efetiva é aquela que confere às partes a realização do direito material, com o menor dispêndio de tempo possível, sem desrespeitar as garantias constitucionais tuteladas pelo Estado Democrático de Direito. E mais, que essa concretização atenda, na medida do possível, a pretensão daquele que demanda, exatamente nos termos de seu pedido. O que, insofismavelmente, não tem ocorrido com certa freqüência no âmbito da jurisdição estatal.


Neste cenário, apresenta-se a arbitragem, regulada na ordem jurídica nacional pela Lei n.º 9.307/96, uma nova dimensão frente ao anseio da sociedade na busca de mecanismos que promovam a justa resolução dos conflitos. Aludido instituto encontra-se intimamente relacionado com o pleno acesso à ordem jurídica justa, a efetividade do direito e a pacificação dos conflitos, escopos da jurisdição.


3. DO CARÁTER JURISDICIONAL DA ARBITRAGEM


Um tema a ser destacado diz respeito ao embate teórico quanto à natureza do instituto da arbitragem. Grande parte da doutrina a qual me filio, tem entendido que a tutela jurisdicional não se restringe apenas à tutela estatal, conferida pelo Poder Judiciário, mediante um processo institucionalizado.


É exercício da jurisdição também a conferida pelos meios alternativos extrajudiciais de resolução de conflitos, como a arbitragem por exemplo, que pacifica o litígio, mediante a decisão de um árbitro, escolhidos pelas próprias partes, e investido por lei de poderes específicos que conferem legitimidade à sua decisão.  


Corroborando aludido entendimento, DIDIER afirma que (2007, p. 72) prevalece, atualmente, na doutrina o entendimento de que: A arbitragem, no Brasil, não é equivalente jurisdicional: é propriamente jurisdição, sem qualquer diferença, a não ser que é privada e o juiz é escolhido pelos litigantes.


E mais adiante, referindo-se à concepção de ser ou não a atividade jurisdicional monopólio do Estado, arremata:


“Com a remodelação da arbitragem no direito brasileiro, essa característica perdeu o prestígio, tendo em vista que, atualmente, prevalece a concepção de que a arbitragem é atividade jurisdicional, com a diferença apenas quanto ao elemento confiança, que preside a arbitragem, estando ausente na jurisdição estatal, cujo órgão não pode ser escolhido pelas partes e cuja sentença lhes será imposta de forma coativa. A sentença arbitral, lembre-se, prescindi de homologação pelo Estado-juiz para que possa ser executada”. (DIDIER, 2007, p. 73) (grifos nossos)


Prevalece doutrinariamente, portanto, a natureza jurisdicional híbrida do instituto: inicialmente possui origem contratual, vez que advém de convenção arbitral na qual prevalece a autonomia da vontade; mas a atividade desenvolvida na solução do litígio se dará de forma ordenada a fazer justiça, tendo, pois, natureza pública, agindo como substituta da jurisdição, com atuação limitada pelos parâmetros legais.


THEODORO JÚNIOR (1999) expõe que … o que fez a Lei n. 9.307 foi instituir terminantemente a jurisdicionalização da arbitragem no Brasil, à medida que lhe atribuiu natureza jurisdicional-contratual decorrente de seu caráter volitivo privado.


É, no dizer de CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER (1999, p. 21), uma espécie de heterocomposição, que, historicamente, era atribuída aos sacerdotes ou anciãos, ipsis litteris:


“Essa interferência, em geral, era confiada aos sacerdotes, cujas ligações com as divindades garantiam soluções acertadas, de acordo com a vontade dos deuses; ou aos anciãos, que conheciam os costumes do grupo social integrado pelos interessados. E a decisão do árbitro pautava-se pelos padrões acolhidos pela convicção coletiva, inclusive pelos costumes.”


Por sua vez, FIGUEIRA JÚNIOR (1999, p. 110) observa que o direito processual civil precisa retomar a sua dimensão social, adequando-se historicamente à realidade e necessidade dos novos tempos, a começar pelo rompimento do mito do monopólio estatal da jurisdição, sem que isso importe, de maneira alguma, em enfraquecimento do Judiciário, ou na inafastabilidade do controle jurisdicional.


Cabe ressalvar que a arbitragem não veio substituir a jurisdição estatal. Apresenta-se, sim, nas hipóteses em que a lei a permite, como uma alternativa a mais conferida às partes, resolvendo conflitos sociais mediante uma pacificação mais célere, e não menos segura e eficaz. O juízo estatal passa contar com o auxílio do juízo arbitral na solução de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis, uma vez que a justiça passa a ser buscada também no âmbito privado, através da arbitragem, constituída a partir da manifestação volitiva das partes capazes.


Para FIGUEIRA JÚNIOR (1999, p. 109), a Lei n.º 9.307/96 não representa apenas um novo sistema processual, mas uma verdadeira revolução na cultura jurídica, colocando lado a lado a jurisdição estatal e privada, à escolha do jurisdicionado, segundo o que lhe parecer mais conveniente, eficaz e adequado, considerando a natureza e as peculiaridades do conflito a ser dirimido.   


4. DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO INSTITUTO DA ARBITRAGEM


No Brasil, historicamente, a arbitragem foi introduzida através das Ordenações Filipinas, via colonização portuguesa, sendo adotada pela Constituição do Império (1824) na modalidade privada nas causas cíveis e penais, com possibilidade de execução de sentenças sem recursos, se as partes assim convencionassem (BULOS e FURTADO, 1997, p. 13-15).


Mas, foi através da legislação atinente ao Direito Comercial que o juízo arbitral ganhou destaque na legislação infraconstitucional. Inicialmente pelo Código Comercial de 1850, que instituiu juízo arbitral obrigatório para assuntos comerciais em determinados procedimentos e estabeleceu valor de promessa à cláusula promissória. Posteriormente, na seara cível, o Código de 1916 regulou em maiores detalhes o juízo arbitral, prevendo que pessoas capazes de contratar poderiam firmar compromisso de resolução de conflitos jurídicos que versassem sobre direito patrimonial disponível mediante Tribunal Arbitral. No aspecto processual, a arbitragem ganhou, no Código de Processo Civil de 1939, título específico para sua regulamentação, sendo esse tratamento ampliado pelo Código de 1973.


Em sede constitucional, apenas a Constituição Republicana de 1967, com a Emenda nº 1 de 1969, dispôs sobre a utilização de arbitragem nos conflitos internacionais. Atualmente, a Constituição de 1988, estabelece no art. 4.º, VII que a República Federativa do Brasil reger-se-á, nas suas relações internacionais, pelos princípios de solução pacífica dos conflitos, dentre os quais se situa a arbitragem.


Com o advento da Lei n.º 9.307/96 (Larb), a arbitragem passou a ser por ela integralmente regulada, tanto em seu aspecto material quanto formal. A nova lei, nos seus 44 (quarenta e quatro) artigos organizados em sete capítulos, prescreve disposições gerais sobre a matéria, determina regras sobre a convenção de arbitragem e seus respectivos efeitos, bem como regula questões atinentes aos árbitros, ao procedimento da arbitragem e à homologação e execução das sentenças arbitrais.


5. DOS PRINCIPAIS ASPECTOS CONCEITUAIS E ESTRUTURAIS DA ARBITRAGEM


Por arbitragem, entende-se o processo fundado no acordo de vontade das partes que atribuem ao árbitro a função de julgar definitivamente, substituindo e afastando a jurisdição estatal (MUNIZ, 2006). Neste diapasão, a autora (2006, p. 40) conceitua a arbitragem … como procedimento jurisdicional privado para a solução de conflitos, instituído com base contratual, mas de força legal, com procedimento, leis e juízes próprios estabelecidos pelas partes, e que subtrai o litígio da jurisdição estatal.


Segundo BULOS e FURTADO (1997, p. 21-22), tem-se a arbitragem quando, surgido o conflito de interesses entre os particulares, estes convergem suas vontades no sentido de nomear um terceiro, com o objetivo de oferecer solução ao litígio, suscetível de apreciação por este, que não o juiz estatal, comprometendo-se os figurantes, previamente, a acatar sua decisão.


Sendo assim, o juízo arbitral, nos casos em que a lei o permite, consistem em meio legal de solução de conflitos mediante a qual os conflitantes buscam em uma terceira pessoa de sua confiança, que não integra os quadros do Judiciário, a solução amigável e imparcial do litígio. Esta forma extrajudicial de composição de litígios só pode ocorrer entre pessoas maiores e capazes, e apenas quando a controvérsia girar em torno de bens patrimoniais e disponíveis. A sentença arbitral é considerada título executivo judicial, nos termos do art. 275-N, IV do Código de Processo Civil, e produz, entre as partes, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário, sendo desnecessária a sua homologação judicial para que possa ser executada.


A arbitragem possui a vantagem de conferir às partes resposta mais célere à controvérsia levada a seu crivo, além da decisão ser baseada em alta capacitação técnica. O árbitro decide o litígio em termos imparciais e eqüidistantes, assegurado o contraditório de argumentos, a ampla defesa, a produção de provas e chegando-se a uma solução aceita pelas partes.


Pode o(s) árbitro(s) ser escolhido pelas partes, dentre pessoas que conheçam os aspectos técnicos, legais e sociais da celeuma a ser submetida à arbitragem, o que substitui, com vantagem, o processo judicial, pois o magistrado deverá, na maioria das vezes, socorrer-se de peritos, aumentando a morosidade e o custo da demanda. É importante ressaltar que o árbitro está submetido aos comandos legais, devendo a sentença arbitral, cujo prazo é previamente estipulado pelas partes, estar em perfeita consonância com os princípios embasadores do Estado de Direito.


O foro preferencial e a finalidade específica da arbitragem seriam outros aspectos vantajosos na escolha deste meio alternativo de resolução de conflitos, especialmente em se tratando de conflitos resultantes de relações comerciais e internacionais, em que há necessidade de conhecimentos técnicos específicos atinentes à matéria em discussão. 


No Brasil, a arbitragem pode ser constituída por meio de um negócio jurídico denominado convenção de arbitragem que, na forma do art. 3.º da Lei n.º 9.307/96 (Lei de Arbitragem – Larb), compreende tanto a cláusula compromissória, como o compromisso arbitral.


6. DA CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM: CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA E COMPROMISSO ARBITRAL – PECULIARIDADES E CARACTERÍSTICAS  


Através da convenção de arbitragem podem as partes conferir a terceiros a solução do litígio, determinando o procedimento a ser adotado na resolução das questões pertinentes, bem como os parâmetros a serem utilizados na solução do conflito. A convenção de arbitragem, por sua vez, pode ser representada através da cláusula compromissória ou do compromisso arbitral.


Por cláusula compromissória entende-se a convenção em que as partes assentem que as divergências oriundas de certo negócio jurídico serão resolvidas pela arbitragem, prévia e abstratamente, afastando a jurisdição estatal. As partes capazes determinam previamente que, em caso de ocorrência de litígio sobre determinado negócio jurídico, a sua resolução dar-se-á pela arbitragem (DIDIER, 2007, p. 71).


Já, o compromisso arbitral trata-se do acordo de vontades para submeter uma controvérsia específica, já existente, ao crivo do juízo arbitral, onde as partes renunciam à atividade jurisdicional estatal (DIDIER, 2007, p. 71).


Importante destacar que, enquanto na cláusula compromissória as partes submetem ao julgamento do árbitro conflitos futuros, no compromisso arbitral as partes submetem ao julgamento do árbitro uma controvérsia atual.


Outrossim, consoante prescreve a Lei de Arbitragem – n.° 9.307/96, o compromisso arbitral pode ser de duas espécies: a) judicial, referindo-se à controvérsia já ajuizada perante o Poder Judiciário, celebrando-se, então, por termo nos autos, perante o juízo ou Tribunal por onde correr a demanda, nos termos dos artigos 851 e 661, § 2.° do Código Civil, art. 38 do Código de Processo Civil e, sobretudo, o art. 9.°, § 1.° da Lei n.° 9.307/96. Feito o compromisso, cessarão as funções do juiz togado, decidindo o(s) árbitro(s); b) extrajudicial, não havendo causa ajuizada, celebrar-se-á compromisso arbitral por escritura pública ou particular, assinada pelas partes e por duas testemunhas, nos termos do art. 851 do Código Civil e art. 9.°, § 2.° Lei n.° 9.307/96 (DINIZ, 2002, p. 531).


A lei traz, ainda, as principais informações que o compromisso arbitral deverá conter, como: qualificação das partes e dos árbitros, a indicação da matéria que será objeto de arbitragem, bem como do lugar em que será proferida a sentença arbitral. Dispõe também a lei sobre a possibilidade do compromisso conter: o local onde se desenvolverá a arbitragem, a autorização para que o(s) árbitro(s) julgue por equidade, a indicação das leis ou regras corporativas aplicáveis à arbitragem, a declaração de responsabilidade pelo pagamento de honorários e demais despesas com a arbitragem, bem como a própria fixação dos honorários do(s) árbitro(s).


Quanto ao procedimento a ser utilizado na arbitragem, podem as partes determinar ser ad hoc ou institucionalizada. Na primeira modalidade, as partes estabelecem através de convenção arbitral, de modo detalhado, a regulamentação para o juízo arbitral. Na segunda, ocorre a adesão pelas partes aos preceitos de algum órgão ou entidade arbitral já constituído, que regerá o procedimento determinando árbitro pertencente ao seu quadro institucional.


No âmbito territorial das relações desenvolvidas, o critério qualificador da nacionalidade da arbitragem, adotado pela Lei n.º 9.307/96, é do local da prolação da sentença. Portanto, é considerada arbitragem nacional, segundo a legislação pátria, aquela cuja sentença seja proferida em território brasileiro, e internacional a proferida em solo estrangeiro. Neste diapasão, esclarece MUNIZ (2006) esclarece:


“… esse dispositivo reforça a posição adotada pela nova lei de privilegiar o princípio da autonomia da vontade, permitindo às partes optar pelas normas materiais e processuais que melhor lhes convierem, pelos locais em que se desenvolverá o procedimento, assim como, pelo local em que deve ser proferida a decisão, escolhendo, assim, a nacionalidade da arbitragem.”


Dentre as diversas características inerentes ao juízo arbitral, destacam-se: a) a possibilidade de escolha da norma de direito material a ser aplicada ao caso, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública, nos termos do art. 2.º, § 1.º Larb; poderão, ainda, as partes convencionar que o julgamento na arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio, nos termos do art. 2.º, § 2.º  Larb; b) a desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral, com atribuição dos mesmos efeitos dos julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário, conforme dispõe o art. 31 Larb, valendo, inclusive, como título executivo, se a decisão for condenatória; ressalva-se, entretanto, consoante esclarece DIDIER (2007, p. 71) que: o árbitro pode decidir, mas não tem poder para tomar nenhuma providência executiva; também não é possível a concessão de provimentos de urgência, que exigem atividade executiva para serem implementados (art. 22, 4.º, Larb); c) a possibilidade de reconhecimento e execução de sentenças arbitrais produzidas no exterior (art. 34 e seguintes da Larb).


7. ABORDAGEM DE ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES SOBRE ARBITRAGEM: CONSTITUCIONALIDADE E AMPLIAÇÃO DO ACESSO À JUSTICA


É importante destacar que a convenção de arbitragem não representa ofensa ao princípio constitucional do direito de ação. Isto porque a melhor interpretação a ser dada ao princípio do acesso à Justiça é a que o entende como acesso a ordem jurídica justa.


DIDIER (2007, p. 71) observa que … não há vício algum de inconstitucionalidade na instituição da arbitragem. Trata-se de opção, não compulsória, conferida a pessoas capazes para solucionar problemas relacionados a direitos disponíveis.


Outrossim, consoante acrescenta MUNIZ (2006, p. 40), somente os direitos disponíveis podem ser objeto de convenção de arbitragem, razão porque as partes, quando o celebram, estão abrindo mão da faculdade de fazerem uso da jurisdição estatal, optando pela jurisdição arbitral.


De fato, a arbitragem pode versar apenas sobre direitos patrimoniais disponíveis, seara em que prevalece o princípio da autonomia da vontade, da liberdade contratual. Em tais questões, podem as partes livremente dispor, independentemente da participação do Estado. Como corolário, a opção pela justiça privada na solução da lide não ofende o princípio do juiz natural, garantidor do estado de Direito, nem há renúncia ao direito de ação. Nesse sentido NERY (2002, p. 93) dispõe que … as partes apenas estão transferindo, deslocando a jurisdição que, é exercida por órgão estatal, para um destinatário privado.


A arbitragem não veio para violar dispositivos constitucionais. Pelo contrário, deve ser entendida como um meio de se assegurar direitos constitucionalmente garantidos, como o direito de à ordem jurídica justa, revelando-se, inequivocamente, numa ampliação do acesso à justiça.


A importância da arbitragem, conforme esclarece FIGUEIRA JÚNIOR (1999, p.143-145), reside em ser mais um instrumento institucionalmente legítimo, colocado no sistema para a busca da solução de conflitos de ordem interna ou externa, que serão conhecidos por profissionais especializados na matéria, objeto da controvérsia.


Não ocorre o estreitamento do canal de acesso à justiça, mas sim, sua ampliação, pois o juízo arbitral representa uma alternativa a mais colocada à disposição das partes na busca da solução de seus conflitos. Caberá exclusivamente às partes, quando capazes, sopesarem os prós e os contras entre a justiça estatal e a privada e optar pela a que parecer-lhes mais conveniente, útil e adequada para a resolução dos litígios de natureza patrimonial disponível.


Neste diapasão, FIGUEIRA JÚNIOR (1999, p. 111) ressalva que a ampliação do uso da arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos não representa, de maneira alguma, o enfraquecimento do Poder Judiciário. Pelo contrário, diante da facultatividade concedida aos jurisdicionados para buscarem a solução de suas desavenças por meio da jurisdição estatal ou arbitral, tende o Estado-juiz a fortalecer-se gradativamente, à medida que for necessariamente provocado.


Por fim, DIDIER (2007, p. 71-72) acrescenta a existência da possibilidade do controle judicial da sentença arbitral, mas apenas em relação à sua validade, ipsis litteris: Não se trata de revogar ou modificar a sentença arbitral quanto ao seu mérito, por entendê-la injusta ou por errônea apreciação da prova pelos árbitros, senão de pedir sua anulação por vícios formais.


8. DA NECESSIDADE DA ADAPTAÇÃO DA SOCIEDADE À CULTURA DOS MEIOS EXTRAJUDICIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS


Um importante aspecto a ser suscitado, diz respeito à constatação da escassa aplicação do instituto da arbitragem na ordem jurídica brasileira, como meio de resolução de litígios internos. De fato, constata-se que a arbitragem, comumente utilizada em diversos países e no plano internacional, é de pouca aplicabilidade no Brasil, quando se trata de conflitos entre nacionais (CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, 1999, p. 25). Isso se deve ao fato de que os brasileiros estão impregnados pela cultura da jurisdição estatal, cujas raízes provêm de um Estado paternalista. E a aceitação da arbitragem demanda tempo.


Uma forma de amenizar esse quadro é pela informação e pela própria prática do instituto. Os advogados, por exemplo, devem se adequar às novas exigências da atualidade e aproveitarem as facilidades e conveniências da constituição do juízo arbitral.


Para tanto, a mentalidade social precisa se adaptar à nova conjuntura e às novas exigências factuais. Isso porque não é suficiente a ampliação do acesso à justiça. Torna-se imprescindível que tenhamos, acima de tudo, uma justiça de resultados, a ser alcançada através da socialização do processo (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999, p. 111).


Consoante observa SANTOS (2001, p. 87-88): a expressão segundo a qual o hábito é ‘uma segunda natureza’ contém muito de verdade porque, com o tempo, determinados comportamentos habituais tornam-se naturais. E, por esse motivo, o autor esclarece ser válida a expectativa de que, com o passar do tempo, a sociedade habitue-se a recorrer à arbitragem, encarando-a como valorização do exercício do livre arbítrio das partes, que podem, livremente, optar por um entre dois procedimentos de solução de controvérsia: um estatal e outro privado. E acrescenta:


“A opinião pública, acomodada a certo quadro institucional, necessita de tempo para aceitar a mudança dessa realidade, acostumando-se com o novo, reconhecendo-o como um valor, e assim assumindo-o como um bom critério para o exercício da liberdade de optar.”


A Lei n.º 9.307/96 não representa apenas um novo sistema processual, mas uma verdadeira revolução na cultura jurídica, colocando lado a lado a jurisdição estatal e a privada, à escolha do jurisdicionado. Essa nova forma de prestação jurisdicional, não-estatal, significa antes de tudo um avanço legislativo que deve refletir numa nova mentalidade social, na busca de formas alternativas de solução de controvérsias, que culminem na pacificação célere e satisfatória dos conflitos sociais (FIGUEIRA JÚNIOR, 1999, p. 109-111).


9. CONSIDERAÇÕES FINAIS


O clamor pela maior rapidez e efetividade na solução dos conflitos sociais culminou, em nosso ordenamento jurídico, com o advento da Lei n.º 9.307/96, que dispõe integralmente sobre arbitragem, tanto no aspecto formal quanto material. O imenso fluxo de processos e a conseqüente demora na entrega da prestação jurisdicional fizeram com que o legislador despertasse para a necessidade de buscar novas formas de resolução de conflito.


Como corolário, visando desafogar o Poder Judiciário, a Lei n.º 9.307/96 criou um procedimento extrajudicial, que proporcionasse às partes capazes a liberdade de escolher um terceiro imparcial e qualificado para avaliar as contendas, de natureza patrimonial disponível, e que fosse efetivamente mais célere que o habitual procedimento da estrutura jurídico-processual. Um meio eficaz e satisfatório de resolução de contendas, mas não, por isso, menos legítimo que o proferido no âmbito da jurisdição estatal.


Trata-se, em última análise, de um mecanismo hábil à ampliação do acesso à ordem jurídica justa, um novo instrumento de democratização da justiça colocado à disposição dos jurisdicionados. Não há, de forma alguma, restrição do acesso à justiça, mas sim ampliação, representando uma alternativa a mais conferida às partes, na busca da solução de seus conflitos. Somente a estas caberão optar pelo meio que lhes parecer mais adequado, útil e eficaz, após sopesarem os prós e os contras entre a justiça proferida na esfera estatal e a proveniente da seara arbitral.


 


Bibliografia

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

BULOS, Uadi Lammêgo e FURTADO, Paulo. Lei da arbitragem comentada: breves comentários à Lei n. 9.307, de 23-9-1996. São Paulo: Saraiva, 1997.

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Informações Sobre o Autor

Maria Beatriz Espirito Santo Mardegan

Advogada, formada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, pós-graduada em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Norte do Paraná, pós- graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Estadual de Londrina e mestranda em Direito Negocial – Direito Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina


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