Armação de navios: A figura jurídica do “non-vessel operating common carrier” – nvocc

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A temática relativa ao “Non-Vessel Operating Common Carrier”, usualmente designado pela sigla NVOCC, é um dos temas mais polêmicos no direito marítimo, essencialmente no que tange ao conceito, enquadramento jurídico e responsabilidades.


Deflui da análise estritamente semântica da expressão traduzida, NVOCC significaria “transportador comum não operador de navio”.


O primeiro reconhecimento normativo da figura do NVOCC ocorreu nos EUA, com o “Shipping Act n 4”, reconhecendo a figura do NVOCC para o tráfego da Costa Leste Norte Americana.  Nos EUA, as atividades de NVOCC são regulamentadas e suas Tarifas de Fretes registradas pela Comissão Marítima Federal dos EUA.


No Brasil, não há uma legislação específica para o NVOCC. Evidencia-se apenas uma Resolução da antiga e extinta SUNAMAM (Superintendência Nacional da Marinha Mercante, atual DMM), de n° 9.068 de 04/03/1986 reconhecendo a existência legal e regulamentando as atividades do NVOCC principalmente no intercâmbio comercial entre os EUA e o Brasil.


A Resolução SUNAMAN define o NVOCC, data vênia, em equivocada tradução do termo, como o “operador de transporte não-armador”. Realisticamente, a correta expressão inglesa relativa à tradução de “operador de transporte não-armador” seria “Non-Vessel Operating Common Carrier”. Todavia, na busca pela coerência exegética e hermenêutica, reitera-se que a sigla NVOCC encerra a expressão “Non-Vessel Operating Common Carrier” cuja tradução correta é “transportador comum não operador de navio”.


Na aferição concreta, inobstante a evidente tradução que permeia a expressão, evidências empíricas atestam que a referência e enquadramento jurídico do NVOCC no Brasil, não se atrelam somente à situação de “transportador comum não operador de navio”, provavelmente advindas de interpretações equivocadas da Resolução SUNAMAN supra. No mundo “shipping”, é usual a referência do NVOCC como afretador, transportador, armador-operador, armador-virtual, operador de navio, “freight forwarders” e agente consolidador a título de sinonímia.


Abalizadas as ressalvas e inobstante respeitáveis argumentos e posições em contrário, há que se propugnar pela diferenciação e exata conceituação, natureza e tipificação jurídica do NVOCC.


Evidenciado o paradoxo, primeiramente, há que se evidenciar se é possível enquadrar juridicamente o NVOCC como transportador marítimo e como armador do navio. 


Conceitualmente, o transportador (“carrier”) é a parte contratada no contrato de transporte com o embarcador (“shipper”) e que executa pessoalmente o contrato ou repassa a execução do transporte a outro transportador – o transportador executor. 


O armador (“owner”) é o sujeito que detém a gestão náutica do navio, ou seja, o sujeito que em seu nome e sob sua responsabilidade, apresta a embarcação com fins comerciais, pondo-a ou não a navegar por sua conta. A gestão náutica (gn) refere-se ao equipamento e à armação do navio, aos salários da tripulação, à manutenção do navio, ao custo de reparos e aos seguros. A gestão náutica (GN) refere-se ao equipamento e armação do navio, salários da tripulação, manutenção do navio, custo de reparos e seguros.


Da análise dos conceitos de transportador e armador emana a exegese de ser o NVOCC, efetivamente o transportador (“carrier”). Todavia, como o NVOCC não possui frota própria, deverá operacionalizar o transporte através de navios fretados ou, como é mais usual, de fretamento de espaços do navios (“slot charter”). Contratualmente, denomina-se “Slot Charter” o fretamento parcial do navio por viagem (VCP) e tem como referência o transporte de containeres.


Nas hipóteses de fretamento TCP e VCP, o NVOCC será o afretador, mas não vai executar efetivamente ao transporte nem arma o navio. Nestes contratos, o navio continua sendo operacionalizado pelo fretador que, em ambas as hipóteses de TCP e VCP, é o armador-fretador e transportador executor. 


Note-se, portanto, que o NVOCC até poderia ser o transportador executor e também armador-afretador na hipótese de um fretamento do navio em BCP. Todavia, é hipótese consideravelmente improvável face da peculiaridade da própria atuação dos NVOCC´S com cargas em pequena quantidade. Salvo esta específica hipótese, estaria descartada o enquadramento do NVOCC como armador, ainda que “virtual”.


O Agente Consolidador é o agente de carga que, reunindo em um mesmo despacho cargas separadas, se encarrega de tratar do embarque das mercadorias, vistoria dos produtos, desembaraços alfandegários, programação de embarque, preparação de documentos de embarque e sua legalização, arquitetando o transporte e o engajamento do espaço em veículo transportador. O consolidador pode reunir, em um mesmo despacho, cargas separadas e se encarregar do embarque das mercadorias, vistoria dos produtos, desembaraços alfandegários, programação de embarque, preparação de documentos de embarque e sua legalização, arquitetando o transporte e o engajamento do espaço no navio.


Em tais operações consolidadas, o NVOCC recebe do transportador executor um BL, em seu nome, referente à carga entregue para transporte. Efetivamente, se evindencia que o NVOCC é o embarcador perante o armador, em lugar do próprio dono da carga, como ocorre normalmente. Sequencialmente, o NVOCC emite o seu próprio BL, representando a carga recebida, e que é entregue ao dono (ou donos) da (a) carga (s).


Ainda em regra, o NVOCC, assume as responsabilidades da movimentação da carga(s), de ponto a ponto, emitindo obrigatoriamente a documentação apropriada na qualidade de usuário de navios de terceiros.


Na hipótese vertente, perante o embarcador o NVOCC continua sendo o transportador. Consequentemente, enquanto o NVOCC é responsável, em regra, como transportador contratante perante o embarcador pelas cargas recebidas para o transporte, o transportador-executor o é pela carga recebida do NVOCC e pela efetiva entrega ao destinatário.


O “freight forwarder” é um agentes transitário de carga que coordena e organiza o transporte de cargas de terceiros, atuando por conta e ordem do embarcador (“shipper”). Não se confunde, portanto com a função do NVOCC que atua como transportador contratante. O agente de carga geralmente é o mandatário de NVOCC estrangeiro.


O operador de navio (“ship operator”) é uma empresa prestadora de serviço, especializada em proceder à operacionalidade do navio, tanto nos aspectos relativos à gestão náutica ou técnica (operador técnico) ou comercial (operador comercial).  O operador técnico opera na atividade de suprimento do navio com itens operacionais. O operador comercial operacionaliza o transporte. Destarte, poderá o armador delegar a parte operacional da comercialização do navio ao Operador Comercial que procederá a operacionalização comercial do navio em troca de comissão ou taxa fixa. Poderá a figura do operador decorrer ainda da existência de vários contratos de sublocação e de fretamento e respectiva transferência da operacionalização náutica e comercial do navio.


Nos termos da própria análise terminológica, NVOCC significa “Non-Vessel Operating Common Carrier” transportador comum não operador de navio. Evidentemente, atribuir ao NVOCC o conceito de operador contraria, per se, sua própria essência terminológica.


Inobstante tal consideração, no Brasil, nos termos da Resolução no 9.068, de 01/04/86, da extinta SUNAMAM o NVOCC é conceituado como um “operador” que assume todas as responsabilidades da movimentação da carga de ponto a ponto, emitindo documentação apropriada e utilizando navios de terceiros, na qualidade de usuário. A exegese que emana do dispositivo legal em questão, ampararia possível enquadramento, ainda que equivocado ou incompatível, do NVOCC como operador de transporte e não como operador de navio na acepção ampla, mas especificamente como operador comercial.


Encerrando a temática, referencia-se, por oportuno, no que tange ao enquadramento do NVOCC como armador-virtual, destaca-se, “a priori”, que o termo não encontra precedentes jurisprudenciais e doutrinários. Em regra, esta terminologia é usada comercialmente, sem enquadramento jurídico específico. Indevidas, portanto, nesta ótica de entendimento estrito que ora se apresenta, a referência terminológica do NVOCC comumente atrelada à figura do armador.


Na esteira da exegese, no que concerne a ser o NVOCC designado “armador”, infere-se que o NVOCC não pode ser consagrado juridicamente de forma genérica como armador. Para enquadramento jurídico de NVOCC como armador há que se tecer algumas considerações sobre a hipótese de fretamentos de navios.


 O contrato de fretamento marítimo é o contrato pelo qual o contrato de fretamento é aquele uma das partes contratantes (fretador) disponibiliza um navio, ou parte dele, para fins de navegação marítima a outra parte contratante (afretador), mediante retribuição pecuniária denominada “hire”. O fretamento de navios comporta três espécies contratuais distintas: fretamento a casco nu (“Bareboat Charter Party” – BCP); fretamento por viagem (“Voyage Charter Party” – VCP) e fretamento por tempo (“Time Charter Party”– TCP).


Nos contratos BCP o afretador assume a gestão náutica (GN) do navio, ou seja, no BCP o armador é o afretador (“disponent owner”). Nos demais contratos VCP e TCP a gestão náutica permanece como o fretador.


Resta evidenciado, portanto, somente na hipótese de o NVOCC afretar um navio em BCP poderá se enquadrar como armador visto que assumirá a GN do navio.


No TCP, no VCP e no “Slot Charter”, formula contratual mais usual, o NVOCC não pode ser juridicamente enquadrável como armador. Juridicamente, é incorreta tal sinonímia que importa, por conseguinte, problemática concernente ao enquadramento legal e respectivas responsabilidades por avarias e danos a carga dentre outras questões envolvendo o transporte marítimo de mercadorias.


Em suma, há que se consolidar portanto que o NVOCC, indubitavelmente é o transportador contratante e poderá atuar, ademais, como agente consolidador. A “contrario sensu”, inobstante entendimentos e posicionamentos que propugnam em contrário, propugna-se que o NVOCC não é operador de navios, “freight forwarder”. Ademais, consoante conceitos anteriormente sedimentados, é juridicamente incorreta, nesta ótica de entendimento estrito que ora se apresenta, a referência terminológica ampla e irrestrita do NVOCC como armador de navios.



Informações Sobre o Autor

Eliane M. Octaviano Martins

Autora do Curso de Direito Marítimo, vol I e II (Editora Manole). Mestre pela UNESP e Doutora pela USP. Professora do Curso de Mestrado em Direito e Coordenadora do curso de pós graduação em Direito Marítimo e Portuário da Universidade Catolica de Santos – UNISANTOS