As agências reguladoras no Brasil e a regulamentação no setor de saúde

Resumo: O modelo de Estado empresário baseado na intervenção direta na economia foi substituído a partir dos anos 1990 pelo modelo de Estado regulador cuja intervenção ocorre por meio indireto. A função regulatória está ligada ao Poder Executivo, no exercício do poder de polícia administrativa, na intervenção do Estado na ordem econômica, e na prestação dos serviços públicos. Tem por escopo garantir a eficiência do serviço, proteger o administrado e defender a concorrência. Para tanto, optou-se por exercer a função reguladora por meio de entidades reguladoras independentes. As agências reguladoras são autarquias de natureza especial, criadas por lei, com o objetivo de regulamentar e fiscalizar a prestação de bens e serviços considerados de relevância publica. A legislação atribui às agências reguladoras poderes para regular, emitir normas, controlar e fiscalizar os serviços públicos delegados. O regime jurídico especial atribuído às agências reguladoras consiste na imputação de uma maior independência e autonomia administrativa e financeira perante o Poder Executivo. Esse regime, por sua vez tem por objetivo preservar as agências de interferências indevidas, até mesmo por parte do Estado e seus agentes. Por este motivo, procurou-se definir uma autêntica discricionariedade, com preponderância de juízos técnicos sobre as valorações políticas. Em 2000, com a criação da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar ocorreu os primeiros passos no processo de regulação das operadoras de planos de saúde. A Agência nasceu com o objetivo de efetivar todas as previsões trazidas pela Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), e de ajudar a dificultar práticas lesivas aos consumidores e, ainda, estimular comportamentos que reduzam os conflitos e promovam a estabilidade do setor.

Palavras-chave: Regulação. Agências Reguladoras. Poder Normativo. Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Abstract: The model based businessman in direct state intervention in the economy was replaced from 1990 by the regulatory state model whose intervention occurs by indirect means. The regulatory function is linked to the executive branch, in the exercise of administrative police, the state intervention in the economic order, and the provision of public services. Seeks to guarantee the efficiency of the service, protect and defend the run competition. For this, we chose to perform the regulatory function through independent regulators. Regulatory agencies are authorities of a special nature, created by law in order to regulate and oversee the provision of goods and services considered to be of public importance. The law grants powers to regulators to regulate, issue regulations, control and supervise the delegates utilities. The special legal regime attributed to regulatory agencies is the attribution of greater independence and financial and administrative autonomy from the executive branch. This system, in turn aims to preserve the agencies from undue interference, even by the state and its agents. For this reason, we sought to define an authentic discretion, with a preponderance of technical judgments about the political valuations. In 2000, with the creation of the ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar was the first steps in the regulation of the health insurance providers. The Agency was founded with the goal of effecting all predictions introduced by Law 9.656 / 98 (Law on Health Insurance), and help hinder practices harmful to consumers and also encourage behaviors that reduce conflict and promote stability sector.

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Keywords: Regulatory. Regulatory Agencies. Normative power. National Health Agency.

Sumário: Introdução. 1.As Agências reguladoras. 1.1. As agências reguladoras no Brasil. 1.1.1 Origem. 1.1.2. Natureza Jurídica. 1.1.3. Características. 1.1.4. Constitucionalidade das Agências Reguladoras no Brasil. 1.2 Poder Normativo das Agências Reguladoras 2. Regulação no Setor de Saúde. 2.1 ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar. 2.1.1 Competência da ANS. 2.1.2. Fiscalização das Operadoras de Saúde Suplementar no Brasil. 2.1.2.1. Instrumentos de Fiscalização. 3.Considerações Finais. 4. Referências Bibliográficas.

Introdução

A partir da década de 90 do século XX , houve uma redefinição do papel do Estado brasileiro que se tornou menos produtor e mais regulador. Optou-se pelo modelo de regulação setorial, sob o argumento de que, em prol da eficiência, a prestação dos serviços públicos passaria a ser realizada pela iniciativa privada.

Contudo, tendo em vista o interesse público, o Estado continuaria exercendo o controle e a fiscalização desses serviços, por meio da atuação de entidades dotadas de maior celeridade na implementação de políticas públicas em razão de sua estrutura especializada.

O art. 174 da Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercerá as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Coube ao Estado promover e regular o desenvolvimento e não ser o responsável direto pela produção de bens e serviços. Para tanto, fez-se imperiosa a criação de entidades que realizassem a supervisão das atividades e serviços que foram transferidos ao setor privado.

A regulação no ordenamento jurídico pátrio é realizada pelas agências reguladoras. A função é executar as políticas do Estado de orientação e planejamento da economia, com objetivo de dar maior eficiência ao mercado por meio de intervenção direta nas decisões dos setores econômicos.

As agências reguladoras são autarquias de regime especial, criadas por lei e dotadas de poder de fiscalização e poder regulamentar. Caracterizam-se pela independência em face do Poder Executivo, por não se submeter a controle hierárquico. Emanam normas que regulamentam a matéria de sua competência e decidem litígios.

A autonomia desses entes robustece-se com as seguintes características: (i) independência política de seus diretores, que possuem estabilidade diferenciada, mandatos não coincidentes com o mandato do Chefe do Executivo e por prazo determinado; (ii) independência técnica decisória, na qual devem predominar motivações fundamentadas em decisões técnicas; (iii) independência normativa, para o exercício da competência reguladora dos setores a seu cargo; (iv) independência orçamentária e financeira ampliada, com recursos próprios.

O foco deste trabalho é analisar, sem esgotar o tema, os principais aspectos que definem as agências reguladoras.

Especificando o tema, foi escolhida a regulação da saúde, representada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS. Tal autarquia regulatória, vinculada ao Ministério da Saúde, foi criada pela Lei nº 9.961, de janeiro de 2000, pela necessidade de regulamentação dos planos de saúde privados. E tem como objetivo a regulação, o controle e a fiscalização das atividades e serviços privados médico-hospitalar ou odontológico prestados por operadoras de planos de saúde.

A Agência se diferencia das outras agências reguladoras, pois o setor de saúde suplementar não foi privatizado. Não existia qualquer tipo de intervenção do Poder Público até a promulgação da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde), que dispõe sobre a prestação de serviço e funcionamento das operadoras de planos privados de assistência à saúde.

1. AS AGÊNCIAS REGULADORAS

1.1. – As Agências Reguladoras no Brasil

1.1.1. – Origem

A compreensão da origem das agências reguladoras implica no entendimento das modificações nas concepções quanto ao papel do Estado ocorridas no final do século XX.

A redefinição do papel do Estado acarretou intensas transformações na Administração Pública que passou a adotar os princípios da desburocratização e descentralização como balizadores de suas ações.

As experiências de desregulação nos Estados Unidos, e de desestatização na Europa transformaram-se em projetos de Reforma do Estado que se espalhou por vários países, inclusive no Brasil.

Implantou-se a administração pública gerencial, que constituiu um afugentamento do sistema burocrático tradicional, conservando-se alguns de seus princípios essenciais. O foco da administração gerencial é a satisfação do indivíduo, devendo o Poder Público assegurar a maior eficiência e qualidade dos serviços públicos.

Houve uma redefinição da função do Estado perante o cenário econômico e político. O Estado passa de intervencionista para subsidiário, aproximando-se da sociedade, uma vez que a sociedade passa a participar ativamente da realização do interesse público. Há, pois, uma delegação social.

A discussão sobre as agências reguladoras no Brasil ocorreu em 1995, por ocasião da elaboração do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. O Plano objetivava a descentralização da prestação de serviços e o fortalecimento do núcleo estratégico do Estado.

Nesse período de diminuição da intervenção do Estado na economia, efetivou-se o Programa Nacional de Desestatização (PND), instituído pela Lei 8.031/1990, substituída pela Lei 9.491/1997, que criou regras e diretrizes para o processo de privatização das empresas estatais.

O PND buscou maior eficiência, afastando a burocracia, com o escopo de tornar o Estado mais gerencial. Dentre seus objetivos, o artigo 1º da referida Lei, dispõe:

“Art. 1º O Programa Nacional de Desestatização – PND tem como objetivos fundamentais:

 I – reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público;

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II – contribuir para a reestruturação econômica do setor público, especialmente através da melhoria do perfil e da redução da dívida pública líquida;

III – permitir a retomada de investimentos nas empresas e atividades que vierem a ser transferidas à iniciativa privada;

IV – contribuir para a reestruturação econômica do setor privado, especialmente para a modernização da infra-estrutura e do parque industrial do País, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia, inclusive através da concessão de crédito;

V – permitir que a Administração Pública concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja fundamental para a consecução das prioridades nacionais;

VI – contribuir para o fortalecimento do mercado de capitais, através do acréscimo da oferta de valores mobiliários e da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa”.

O estabelecimento desse novo ambiente na administração pública brasileira teve como resultado a alteração na forma de desempenho do Estado que passou a atuar indiretamente no setor de infraestrutura.

A redução da participação estatal na economia ordenava, concomitantemente, o fortalecimento das instituições encarregadas de estabelecer políticas públicas e de regular os setores desestatizados.

O Estado não exerce mais certas atividades, contudo, conserva, ainda, suas titularidades. Transfere-se somente o direito de execução das atividades pelo particular. O Estado controla tais atividades e as fiscaliza para a conservação da supremacia do interesse público e das garantias fundamentais.

A ampliação do poder do Estado sobre a atividade privada exigiu instrumentos jurídicos e materiais compatíveis com necessidades que antes eram inexistentes. Desta feita, para regular esses serviços e atividades foram instituídos órgãos reguladores, conforme se pode extrair dos artigos 21, XI e 174 da CF/88 [1].

Foram criadas, assim, as agências reguladoras, entidades com função de controle, que regulam e fiscalizam um setor com eficiência e qualidade, definindo normas a serem observadas pelos agentes regulados, com respeito à livre concorrência e ao combate do abuso do poder econômico para garantir investimentos, equilíbrio dos contratos e a execução das políticas públicas.

Atualmente o governo federal conta com dez agências reguladoras, como exemplos: a ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, criada pela lei 9.427/1996 e a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações, Lei 9.472/1997, ANP – Agência Nacional do Petróleo, Lei 9.478/1997, ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar, Lei 9.961/2000, ANA – Agência Nacional de Águas, Lei 9.984/2000.

 1.1.2. – Natureza Jurídica

As agências reguladoras são pessoas jurídicas de Direito Público, parte da Administração Pública Indireta, sob a forma de autarquias de regime jurídico especial, dotadas de características próprias e caracterizadas por sua autonomia em relação ao Poder Público. São criadas por leis específicas, nos termos do artigo 37, inciso XIX da CF/88[2].

Marçal Justen Filho define as agências reguladoras como

“autarquia especial, criada por lei para intervenção estatal no domínio econômico, dotada de competência para regulação de setor específico, inclusive com poderes de natureza regulamentar e para arbitramento de conflitos entre particulares e sujeita a regime jurídico que assegure autonomia em face da Administração direta” [3].

1.1.3. – Características

As agências reguladoras podem ser criadas nas esferas federal, estadual ou municipal, pois a competência para instituí-las decorre da titularidade do serviço público ou da previsão constitucional. Desta forma, as agências reguladoras podem ser classificadas em agências federais, estaduais e municipais de acordo com o ente federado instituidor.

As agências podem adotar dois tipos de modelos, de acordo com o objeto da regulação: unissetorial (uma agência é criada para regular cada setor específico) e multissetorial (existe apenas uma agência que regula vários serviços públicos).

Mais uma característica das agências reguladoras é a sua especialidade técnica. Essas entidades foram idealizadas como entes administrativos técnicos, especializados, impenetráveis às imposições e oscilações do processo político. A expertise e a especialidade propiciam as condições de se decidir pela melhor decisão dentro das especificidades do setor regulado, legitimando, desta maneira, a função reguladora.

Outra característica das agências é a gestão colegiada. Com um órgão diretor colegiado, as decisões são tomadas pela composição dos votos dos membros, repartindo a responsabilidade e conferindo maior discussão, o que colabora para que exista maior legitimidade e imparcialidade. Assim, agências possuem imparcialidade e neutralidade no desempenho de suas funções e insubordinação hierárquica ao Governo.

As agências têm um regime jurídico especial, que passa por uma autonomia reforçada. Essa autonomia é normativa, administrativa e financeira. Essas são três características básicas de todas as agências reguladoras.

A autonomia política-administrativa se dá em relação ao Ente central, tendo em vista dois fundamentos: despolitização e necessidade de celeridade na regulação[4].

A autonomia administrativa da agência é fundamentada em duas particularidades:

i)      Estabilidade reforçada dos dirigentes das agências reguladoras; 

ii)    Impossibilidade do recurso hierárquico impróprio.

A estabilidade reforçada dos dirigentes está disposta na Lei nº 9.986/2000[5], que trata do regime de pessoal das agências reguladoras. A nomeação dos dirigentes não será de maneira livre ou ad nutum. O chefe do Poder Executivo indica uma pessoa de reputação ilibada e de conhecimento técnico no setor que será regulado. Após, o indicado passa por uma sabatina no Senado Federal, que aprova ou não. Se aprovado, será nomeado pelo Chefe do Executivo para o exercício de um mandato. Após a nomeação, o dirigente somente poderá ser exonerado se cometer falta grave comprovada mediante processo administrativo em que haja o devido processo legal.

A outra particularidade da autonomia administrativa das agências reguladoras é a impossibilidade de seus atos serem revistos por recurso hierárquico impróprio. Este, por sua vez, é um recurso que é interposto para conhecimento e julgamento por autoridade exógena à agência reguladora. Ou seja, a autoridade que não pertence à autarquia regulatória que proferiria a decisão recorrida.

O recurso hierárquico impróprio é uma exceção à autonomia da entidade administrativa, e somente pode ser determinado pela lei de criação da autarquia especial.

No entanto, a doutrina majoritária discorre que não é possível o recurso hierárquico impróprio contra as decisões das agências reguladoras. Na visão tradicional, só há hierarquia dentro do mesmo ente administrativo. A hierarquia é uma característica interna das entidades administrativas e, por isso, não existiria hierarquia entre entidades administrativas diversas, pois o que existe entre entes diversos é a chamada vinculação.

Portanto, não há a possibilidade da interposição do recurso hierárquico impróprio, porque este minimizaria a autonomia da entidade administrativa que profere a decisão recorrida. Ao se admitir o recurso hierárquico impróprio, admitir-se-ia que uma entidade externa reveja a decisão proferida pela agência reguladora. Haveria, neste caso, um controle externo.

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Em âmbito federal não há lei criadora de agência reguladora que tenha previsto a interposição do recurso hierárquico impróprio. Por isso, não cabe recurso hierárquico impróprio para esses entes federais.

Caso algum interessado discorde de ato ou decisão proferidos no âmbito da agência reguladora, deverá se socorrer no Poder Judiciário.

Outro traço característico das agências reguladoras é a sua autonomia financeira. Entende-se que os entes regulatórios possuem recursos financeiros suficientes para exercerem suas atividades. As agências podem cobrar as chamadas taxas regulatórias do setor regulado.

 Mais uma demonstração dessa autonomia financeira é a possibilidade das agências elaborarem o próprio orçamento e apresentarem ao Ministério respectivo ao qual são vinculados, para que seja incluído nos projetos de leis orçamentárias. Esta tarefa demonstra o controle com planejamento das receitas e despesas.

A característica mais importante das agências reguladoras é a sua autonomia normativa. O poder normativo se efetiva por meio dos decretos regulamentares. Os principais fundamentos dessa autonomia são: (i) a existência de uma delegação legislativa; (ii) deslegalização; (iii) princípio da eficiência; (iv) decretos autônomos; e, (v) flexibilidade obtida com a norma regulamentadora.

Sobre a autonomia normativa discorre o doutrinador Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

“Com efeito, está na atribuição de uma competência normativa reguladora a chave para operar em setores e matérias em que devem predominar as escolhas técnicas, distanciadas e isoladas das disputas partidárias e dos complexos debates congressuais, pois essas, distintamente, são métodos mais apropriados às escolhas político-administrativas, que deverão, por sua vez, se prolongar em novas escolhas administrativas, sejam elas concretas ou abstratas, para orientar a ação executiva dos órgãos burocráticos da Administração direta”[6].

Vê-se, deste modo, que a autonomia das agências reguladoras é um elemento crucial para construir a sua definição.

1.1.4. Constitucionalidade das agências reguladoras no Brasil

Com as transformações na organização do Estado e na ordem econômica introduzidas por emendas constitucionais, passou-se a ter previsão na CF/88 de entidades reguladoras para os setores de telecomunicações e petróleo[7].

Essas modificações autorizaram a criação, pelo legislador infraconstitucional, de agências reguladoras nos setores de telecomunicações e petróleo. Também ensejaram a criação de outras autarquias reguladoras independentes nas áreas de energia elétrica, transportes, saúde, meio ambiente, saneamento e cinema.

Sobre o tema existe a controvérsia quanto à constitucionalidade ou não da agência reguladora que não tem a sua instituição estabelecida diretamente na Constituição Federal.

A partir desse aspecto, parte da doutrina começou a defender a tese de que as únicas agências reguladoras admitidas seriam àquelas previstas na Constituição Federal, sendo que a criação de outras autarquias regulatórias atentaria ao preceito do princípio constitucional da legalidade e do princípio da segurança jurídica.

Todavia, há quem discorde de tal entendimento, como, por exemplo, Marçal Justen Filho, considerado um dos maiores doutrinadores em Direito Regulatório. Para este doutrinador, é irrelevante que haja a previsão constitucional explícita, pois se para se criar uma agência reguladora fosse necessária a previsão constitucional explícita, as únicas agências admitidas em nosso ordenamento seriam a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações e a ANP – Agência Nacional do Petróleo. E, por consequência tornar-se-ia inadmissível a existência de outras. E mais, para o referido autor:

“as duas entidades previstas constitucionalmente não são meras autarquias, mas podem ser configuradas como figuras dotadas de outros caracteres. Autarquias seriam as demais figuras criadas legislativamente, sem previsão constitucional. Já aquelas com assento constitucional seriam entidades supralegais, às quais se assegurariam atributos jurídicos excepcionais” [8].

1.2. Poder normativo das agências reguladoras

O poder regulamentar é a prerrogativa dos Chefes do Poder Executivo de expedirem atos normativos com o objetivo de conferir maior exequibilidade a uma lei[9].

Há alguns casos, porém, em que a Constituição autoriza a produção de atos que emanam diretamente do mandamento constitucional e, por isso, têm natureza primária. Nessas situações, não existe outro ato legislativo que paira entre a Constituição e o ato de regulamentação como ocorre tradicionalmente com o poder regulamentar[10].

O poder normativo das autarquias regulatórias deriva da conexão existente entre a entidade que regulamenta e a atividade a ser regulamentada.

Sobre esse poder, há discussão na doutrina administrativista sobre se as agências reguladoras possuem ou não o poder normativo. Não há, contudo, consenso sobre o assunto.

Essa controvérsia pode ser demonstrada por meio de duas posições doutrinárias:

– A primeira corrente admite o poder normativo das agências reguladoras, uma vez que esse poder normativo foi estabelecido pela legislação criadora das agências.

O fundamento para esse entendimento é a tese da deslegalização ou delegificação.

Pela referida técnica, o legislador transfere o tratamento de determinado assunto do domínio da lei, passando-o para a competência da agência reguladora, isto é para o domínio do regulamento.

Então, a matéria que era tratada por lei, passará a ser tratada por ato administrativo. Desta forma, a entidade administrativa pode regulamentar o setor, por meio de normas.

Para essa corrente, a deslegalização tem guarida constitucional, sendo, inclusive, contemplada na Carta. Cita-se como exemplos o art. 96, inciso I, alínea “a”, que desloca do Poder Legislativo para o Poder Judiciário o dispor sobre a competência e funcionamento de seus respectivos órgãos; o art. 207, caput, que desloca do Poder Legislativo para as universidades o dispor sobre matérias didáticos-científicas; e o art. 217, inciso I, que desloca do Poder Legislativo para entidades desportivas, dirigentes e associações, o dispor sobre suas organizações e funcionamento. [11]

A corrente ainda cita outros argumentos: (i) a deslegalização provém de lei votada e aprovada pelo Congresso Nacional; (ii) os dirigentes das agências reguladoras, são aprovados após sabatina pelo Senado Federal; e (iii) as regulações devem ser antecedidas de audiência pública, dando maior legitimidade aos atos emanados pelas agências reguladoras .[12]

– A segunda corrente considera inconstitucional o poder normativo amplo às agências reguladoras. Ou seja, nega poderes normativos às agências, e, também, nega a tese da deslegalização.

Essa corrente se fundamenta nas leis que criaram as agências reguladoras. Estas trouxeram apenas princípios genéricos que devem ser observados pela agência. O legislador não transferiu sua competência para o administrador público. Não pode haver a chamada delegação legislativa em branco ou delegação legislativa inominada, pois que esta violaria dois princípios constitucionais: o princípio da legalidade e o princípio da separação de poderes.

Para a segunda corrente, o poder normativo das agências reguladoras é o mesmo poder normativo que qualquer outra entidade administrativa possui, isto é, um poder normativo limitado, que deve estar circunscrito aos seus agentes e as suas atividades internas.

Em contra-argumento a segunda corrente, a primeira corrente diz que não há a delegação legislativa em branco, pois a delegação em branco ou inominada pressupõe uma delegação sem nenhum parâmetro ou critério, e isso não teria acontecido nas leis das agências. Ocorreu o que se chama de delegation with standards, delegação com parâmetros. Existem parâmetros delineados na legislação das agências que irão nortear a confecção das normas a serem editadas pelas autarquias regulatórias.

Para corroborar o entendimento da primeira corrente, o Supremo Tribunal Federal (STF), em ação direta de inconstitucionalidade, entendeu ser constitucional o poder normativo das agências reguladoras, desde que previstos standards e mesmo que presentes genericamente na lei instituidora da autarquia regulatória[13].

Assim, entende-se que a competência das agências reguladoras de editarem normas não pode ser encarada como uma usurpação da função legislativa, pois para acompanhar os novos padrões da sociedade é preciso que exista a confecção mais ágil de normas diretas para tratar de assuntos específicos.

Apesar de o ato normativo da agência reguladora não se apresentar como lei em sentido formal, ele se afigura como lei em sentido material, porquanto disciplina situações jurídicas de forma genérica e abstrata.

Nesse aspecto, hão de existir limites ao exercício de tal poder normativo. Se o ato regulatório for perpetrado sem respeito ao procedimento previsto na lei que criou e disciplinou a agência reguladora, ou sem a observância da análise de impacto regulatório e da consulta popular, estará viciado, tendo em vista que a ele carecerá legitimidade na atuação regulatória, principalmente para estabelecer os interesses a serem ponderados.

2. Regulação no Setor de Saúde

A concretização do direito fundamental à saúde é uma das maiores dificuldade sobre os problemas sociais enfrentados pelo Brasil.

A preocupação com a saúde vem esculpida na Constituição Federal de 1988, que tratou do assunto criando uma seção inteira, com cinco dispositivos voltados à questão sanitária. Embora a existência de direitos e garantias e de vasta normatização, o sistema público de saúde, no Brasil, é ineficiente.

A assistência à saúde pode ser dividida em dois sistemas: sistema público e sistema privado. Nos termos do artigo 195, §1º da CF/88, o Sistema Único de Saúde – SUS será financiado com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. O sistema privado de saúde está calcado no princípio da livre iniciativa, sendo seu financiamento proveniente da remuneração paga pelos particulares.

A previsão do sistema de saúde suplementar está prevista na CF/88, em seu artigo 199, in verbis:

“Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

§ 2º – É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

§ 3º – É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei.

§ 4º – A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”.

Esse dispositivo é um permissivo constitucional para o desenvolvimento do setor de saúde suplementar por agentes privados, e, ainda, confirma a escolha, por parte do constituinte, de não monopolizar o sistema de saúde. Forma-se, assim, o chamado sistema de saúde suplementar.

A prestação de saúde privada é feita por médicos, odontólogos, laboratórios, clínicas, hospitais. E ela pode ser contratada de forma direta, ou por intermédio de planos privados de assistência à saúde.

O ingresso ao sistema privado é livre para todos aqueles que se dispuserem a arcar com o preço do serviço. É um sistema contraprestacional, de responsabilidade direta dos contratantes dos serviços.

O contrato de plano de saúde tem por base a mutualidade, visto que os pagamentos realizados pelos consumidores financiam a prestação de saúde para aqueles que necessitarem de atendimento à saúde.

A saúde suplementar é uma área controlada pelo Estado, por meio da legislação regulamentar, por ter caráter público. De acordo com o artigo 197 da CF/88, cabe ao Poder Público dispor sobre a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de saúde. Como exemplos dessas legislações regulamentares têm-se as Leis nºs 9.656/98, 9.961/00, 10.185/2001 e 10.850/2004.

Tais normas são imperativas e limitam a liberdade dos agentes privados que atuam no financiamento privado da assistência à saúde.

À época que a Lei nº 9.656/98 entrou em vigor, já existia um segmento econômico, em plena atividade, de planos de saúde. As relações entre operadoras de planos de saúde e consumidores, não obstante estejam subordinadas ao Código de Defesa do Consumidor e à CF/88, careciam de regulamentação específica até a publicação da Lei nº 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde – LPS).

Consoante se extrai do art. 1º da Lei nº 9.656/98, estão submetidas ao aludido diploma legal todas as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos privados de assistência à saúde.[14]Sendo assim, o primeiro requisito a ser observado para se aferir quem está afeto à legislação de saúde suplementar é saber se se trata de pessoa jurídica de direito privado. O segundo requisito consiste em saber se tal pessoa opera planos privados de assistência à saúde.

Após o advento da citada lei muitas práticas exercidas pelas operadoras de planos de saúde passaram a ser restringidas ou até mesmo proibidas. A lei previu, por exemplo, que os planos de saúde deveriam fornecer a cobertura sem imposição de limite financeiro, em dispositivo que claramente protege os beneficiários perante práticas tidas como abusivas[15].

Da mesma forma, a lei limitou os procedimentos que poderiam ser excluídos da cobertura dos planos de saúde[16]; proibiu o reajuste de mensalidade para beneficiários com 60 anos ou mais, que contribuíram para o plano de saúde por mais de dez anos[17]; estabeleceu prazos de carência[18], entre outras disposições.

Assim, para que atue no mercado de planos de saúde, a operadora de plano de saúde deverá cumprir o que dispõe a Lei nº 9.656/98 e se abster de praticar qualquer ato que viole os seus artigos.

No ano de 2000, foi publicada a Lei nº 9.961, que criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, agência reguladora federal incumbida de fiscalizar, regulamentar e monitorar o mercado de saúde suplementar.

A Lei nº 10.185/2001 promoveu a equiparação dos seguros de saúde aos planos privados de assistência à saúde, subordinando-os à Lei nº 9.656/98 e à regulação da ANS.

A Lei nº 10.850/2004 atribuiu à ANS competência para a instituição de programas de incentivo à adaptação de contratos “antigos” de planos de saúde (aqueles firmados até 02 de janeiro de 1999), com o intuito de promover o acesso dos consumidores atrelados a esses tipos de contratos às garantias e direitos definidos na Lei nº 9.656/98.

2.1. ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar

A regulação da saúde suplementar não resultou de processos de desestatização. Resultou da necessidade de se intervir no mercado que atua em uma atividade considerada de relevância pública.

Neste sentido, a ANS iniciou o processo de regulação no setor. A Lei 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia de natureza especial, vinculada ao Ministério da Saúde.

A ANS tem como finalidade institucional:

“A ANS terá por finalidade institucional promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, regulando as operadoras setoriais, inclusive quanto suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no País”[19].

A referida Agência foi criada com o objetivo de garantir aos consumidores de planos de assistência à saúde os serviços contratados, assim como regular, normatizar, controlar e fiscalizar a prestação de planos e seguros privados de assistência à saúde.

A Agência é subordinada às diretrizes fixadas pelo Conselho de Saúde Suplementar – Consu, órgão colegiado criado pelo artigo 35-A da Lei 9.656/98 composto pelo Ministro de Estado da Casa Civil, Ministro de Estado da Saúde, da Fazenda, da Justiça e do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Tal órgão integra a estrutura regimental do Ministério da Saúde, e tem por competência estabelecer e supervisionar a execução de políticas e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar; aprovar o contrato de gestão da ANS; supervisionar e acompanhar as ações e o funcionamento da ANS; deliberar sobre a criação de câmaras técnicas, de caráter consultivo, de forma a subsidiar suas decisões.

O Consu, ainda fixa diretrizes gerais sobre: (i) aspectos econômicos-financeiros; (ii) normas de contabilidade, atuariais e estatísticas; (iii) parâmetros quanto ao capital e ao patrimônio líquido mínimos, bem assim quanto às formas de sua subscrição e realização quando se tratar de sociedade anônima; (iv) critérios de constituição de garantias de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, consistentes em bens, móveis ou imóveis, ou fundos especiais ou seguros garantidores; (v) criação de fundo, contratação de seguro garantidor ou outros instrumentos que julgar adequados, com o objetivo de proteger o consumidor de planos privados de assistência à saúde em caso de insolvência de empresas operadoras.[20]

A direção da ANS é exercida por uma diretoria colegiada, integrada por cinco diretores, sendo um deles o diretor-presidente. Os diretores serão brasileiros, indicados e nomeados pelo Presidente da República, após aprovação prévia pelo Senado Federal. Somente perderão seus mandatos em caso de condenação penal transitada em julgado, condenação em processo administrativo, acumulação ilegal de cargos ou descumprimento não justificado de objetivos e metas estabelecidos no contrato de gestão.

A agência está organizada em cinco áreas:[21]

– Diretoria de normas e habilitação das operadoras: responsável pela regulamentação, registro e monitoramento do funcionamento das operadoras, inclusive dos processos de regime especial e liquidação extrajudicial;

– Diretoria de normas e habilitação de produtos: responsável pela regulamentação, registro e monitoramento dos planos, inclusive as autorizações de reajustes de contratos;

– Diretoria de fiscalização: responsável por todo o processo de fiscalização tanto dos aspectos econômicos-financeiros, quanto dos aspectos médico-assistenciais, além do apoio ao consumidor e articulação com os órgãos de defesa do consumidor;

– Diretoria de desenvolvimento setorial: responsável pelo ressarcimento ao SUS e pelo desenvolvimento de instrumentos que viabilizem a melhoria de qualidade e o aumento da competitividade do setor; e

– Diretoria de gestão: responsável pelo sistema de gerenciamento da ANS, o que envolve recursos financeiros, recursos humanos, suprimentos, informática e informação.

A ANS goza de autonomia administrativa e financeira. Possui orçamento próprio composto pela Taxa de Saúde Suplementar – TSS, multas administrativas e multas mora.

2.1.1. Competências da ANS

As competências organizacionais da ANS são[22]:

(i) Regulação da saúde suplementar: conjunto de políticas e diretrizes gerais, ações normatizadoras e indutoras, que objetivam à defesa do interesse público e à sustentabilidade do mercado de assistência suplementar à saúde.

(ii) Qualificação da saúde suplementar: conjunto de políticas, diretrizes e ações que buscam a qualificação do setor, em relação ao mercado regulado; qualificação das operadoras, nas dimensões atenção à saúde, econômico-financeira, estrutura e operação;

(iii) Articulação Institucional: conjunto de políticas, diretrizes gerais e ações que aperfeiçoem as relações institucionais internas e externas viabilizando a efetividade do processo regulatório.

Sobre as competências legais da ANS, a Lei 9.961/2000, em seu art. 4º dispõe que cabe à Agência propor políticas e diretrizes gerais ao Consu para a regulação do setor de saúde suplementar; estabelecer as características gerais dos instrumentos contratuais utilizados na atividade das operadoras; fixar critérios para os procedimentos de credenciamento e descredenciamento de prestadores de serviço às operadoras; estabelecer parâmetros e indicadores de qualidade e de cobertura em assistência à saúde para os serviços próprios e de terceiros oferecidos pelas operadoras; estabelecer normas para ressarcimento ao Sistema Único de Saúde – SUS, estabelecer normas relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde, normatizar os conceitos de doença e lesão preexistentes, estabelecer normas, rotinas e procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde, autorizar o registro dos planos privados de assistência à saúde, dentre outros[23].

A ANS intensificou sua atuação com o objetivo de sanear o setor da saúde suplementar. Por isso, a autarquia tem se destacado em razão da numerosa quantidade de resoluções, instruções, súmulas e normatizações que a autarquia tem expedido.

No âmbito de regulação de preços foram implantadas normas para reajustes e definidos mecanismos de acompanhamento da variação dos preços, com objetivo de formular uma política de controle, na busca da sustentabilidade do mercado.

Na seara da assistência, foram regulamentados temas para a garantia de qualidade da atenção à saúde, como a atualização do rol de procedimentos de alta complexidade para a aplicação de cobertura parcial temporária.

No campo econômico-financeiro, a Agência classificou as operadoras de saúde segundo suas peculiaridades. Estabeleceu a exigência de plano padrão, de envio de informações periódicas, de publicação de balanços.

Também foi regulamentado e implantado o sistema de ressarcimento ao SUS, que deve ser ressarcido pelos procedimentos com cobertura contratual prestados aos consumidores de planos privados de assistência à saúde.

2.1.2. Fiscalização das operadoras de saúde suplementar no Brasil

Diversas são as medidas adotadas pela ANS para tornar o setor de saúde suplementar mais justo, competitivo e cristalino, bem como mais seguro para os consumidores. Para ajudar em tal tarefa, a ANS conta com em sua estrutura com a Diretoria de fiscalização – DIFIS, que possui as seguintes atribuições[24]:

“Promover a articulação com o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC); realizar a fiscalização da assistência suplementar à saúde; promover ações educativas para o consumo no setor de planos de saúde e a integração com órgãos e entidades integrantes do SNDC e da sociedade civil organizada; gerenciar a Central de Relacionamento, inclusive o Disque-ANS, para receber, analisar e encaminhar respostas a consultas e denúncias; instaurar e conduzir o processo administrativo de apuração de infrações e aplicação de sanções por descumprimento da legislação de saúde suplementar; promover a mediação ativa dos interesses para produzir consenso na solução de casos de conflito; desenvolver e manter, em articulação com as demais diretorias, sistema de informações sobre demandas de consumidores/beneficiários e a atividade de fiscalização; e definir as operadoras de planos de saúde a serem fiscalizadas.”

A fiscalização realizada pela ANS pode ser dar de duas formas: a fiscalização direta e a fiscalização indireta.

A fiscalização direta pode ocorrer: de forma planejada, com fiscalização permanente, com a verificação do cumprimento da legislação; ou de forma descentralizada, onde há participação da sociedade na denúncia de infrações cometidas à luz da legislação regente.

A fiscalização direta é exercida por dois programas: cidadania ativa e olho vivo.

O programa cidadania ativa conta com a participação do consumidor, que faz denúncias à Agência. Pela dinâmica de tal programa, o consumidor atua como parceiro das atividades de controle e fiscalização e melhoria do setor. A partir dessa participação, desencadeiam-se os procedimentos que vão do esclarecimento sobre a consulta trazida até a própria autuação da operadora, quando uma infração à norma é constatada. Assim, além de fomentar a participação cidadão na defesa de seus direitos, o programa também tem função saneadora, focado na mudança de comportamento da operadora de saúde, trazendo melhorias para os serviços prestados.

O programa olho vivo é um modelo inovador da ação fiscalizadora, porquanto é uma fiscalização proativa e realizada de forma continuada, com vistas à crescente adequação das operadoras aos dispositivos estabelecidos pela legislação.

O programa tem função preventiva e pedagógica, onde se espera a mudança nas condutas das operadoras de saúde em face de uma maior responsabilização.

A fiscalização indireta é exercida por meio do acompanhamento e do monitoramento das operadoras, embasada em dados de sistemas de informações e no cruzamento de informações.

Os instrumentos da fiscalização indireta são: (i) planos de recuperação; (ii) regimes especiais, tais como direção fiscal, direção técnica e liquidação extrajudicial; (iv) alienação compulsória de carteira; e (v) leilão.

Os planos de recuperação são exigidos pela Agência quando a operadora apresenta problemas econômico-financeiros e precisa de ajuda para restabelecer o equilíbrio.

Sobre os regimes especiais: a direção fiscal é decretada quando a ANS constata graves irregularidades econômico-financeiras das operadoras; a direção técnica é determinada quando a operadora de saúde põe em risco a continuidade e/ou a qualidade do atendimento ao beneficiário; já a liquidação extrajudicial é determinada quando a operadora não consegue se recuperar financeiramente, sendo transformada em falência ou insolvência civil, conforme sua organização societária.

A alienação compulsória da carteira é decretada com o fito de garantir a continuidade de atendimento aos beneficiários, quando a operadora não demonstra capacidade de recuperação. Caso a alienação compulsória não se realize, determina-se o leilão da carteira, na busca por outras operadoras de saúde que possam absorver os novos beneficiários.

2.1.2.1 Instrumentos de fiscalização

Os instrumentos de fiscalização da ANS podem ser classificados em : punitivos e consensuais.

Os instrumentos de fiscalização punitivos são a regra geral para os processos administrativos inaugurados em consequência de denúncias que tenham produzido lesão aos direitos dos beneficiários. São aplicações de penalidades que podem ser: (i) advertência; (ii) multa pecuniária; (iii) suspensão do exercício do cargo; (iv) inabilitação para exercício do cargo; (v) cancelamento de autorização; e, (vi) alienação de carteira.

Os instrumentos de fiscalização consensuais possibilitam o ajustamento da conduta. Caracteriza-se principalmente pelo Termo de Ajuste de Conduta – TCAC, previsto artigo 29 e parágrafos da Lei nº 9.656/98 e artigo 4º, inciso XXXIX, da Lei nº 9.961/2000, in verbis:

“Art. 29.  As infrações serão apuradas mediante processo administrativo que tenha por base o auto de infração, a representação ou a denúncia positiva dos fatos irregulares, cabendo à ANS dispor sobre normas para instauração, recursos e seus efeitos, instâncias e prazos.    

§ 1º O processo administrativo, antes de aplicada a penalidade, poderá, a título excepcional, ser suspenso, pela ANS, se a operadora ou prestadora de serviço assinar termo de compromisso de ajuste de conduta, perante a diretoria colegiada, que terá eficácia de título executivo extrajudicial, obrigando-se a:    

I – cessar a prática de atividades ou atos objetos da apuração; e     

II – corrigir as irregularidades, inclusive indenizando os prejuízos delas decorrentes.    

§ 2º O termo de compromisso de ajuste de conduta conterá, necessariamente, as seguintes cláusulas:   

I – obrigações do compromissário de fazer cessar a prática objeto da apuração, no prazo estabelecido;    

II – valor da multa a ser imposta no caso de descumprimento, não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais) e não superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) de acordo com o porte econômico da operadora ou da prestadora de serviço.     

§ 3º A assinatura do termo de compromisso de ajuste de conduta não importa confissão do compromissário quanto à matéria de fato, nem reconhecimento de ilicitude da conduta em apuração.     

§ 4º O descumprimento do termo de compromisso de ajuste de conduta, sem prejuízo da aplicação da multa a que se refere o inciso II do § 2o, acarreta a revogação da suspensão do processo.     

§ 5º Cumpridas as obrigações assumidas no termo de compromisso de ajuste de conduta, será extinto o processo.

§ 6º Suspende-se a prescrição durante a vigência do termo de compromisso de ajuste de conduta.

§ 7º Não poderá ser firmado termo de compromisso de ajuste de conduta quando tiver havido descumprimento de outro termo de compromisso de ajuste de conduta nos termos desta Lei, dentro do prazo de dois anos.

§ 8º O termo de compromisso de ajuste de conduta deverá ser publicado no Diário Oficial da União.     

§ 9º A ANS regulamentará a aplicação do disposto nos §§ 1o a 7o deste artigo.

Art. 4º Compete à ANS:(…)

XXXIX – celebrar, nas condições que estabelecer, termo de compromisso de ajuste de conduta e termo de compromisso e fiscalizar os seus cumprimentos;”

O TCAC visa obter dos agentes regulados o cumprimento da obrigação definida pela lei através de um procedimento que prioriza o diálogo, o comprometimento e o consenso.

Celebrado o TCAC, a ANS suspende o processo administrativo sancionador, onde seria aplicada a penalidade, e abre a possibilidade de ver concretizado o interesse público aspirado com o implemento da obrigação original.

O TCAC é utilizado em processos administrativos decorrentes da ação fiscalizatória proativa da ANS, no Programa Olho Vivo e da ação de monitoramento.

Tal instrumento tem relativa importância, especialmente para o incremento da eficiência, redução do abuso de poder, aceitação da decisão administrativa pelo do setor regulado; melhoramento do atendimento aos interesses envolvidos; elevação do senso de responsabilidade dos administrados sobre a coisa pública; e para garantia de maior aceitabilidade social.

3. Considerações Finais

As agências reguladoras brasileiras nasceram após a Reforma do aparelho estatal, em um contexto de privatização dos serviços públicos e de fiscalização de tais serviços por meio da regulação.

As agências desempenham papel importante no equilíbrio entre os interesses dos consumidores, dos concessionários de serviços públicos e do Estado, com o intento de proteger de determinado segmento econômico.

A finalidade das agências reguladoras é a estabelecimento de uma regulação independente, neutra e imparcial, apolítica e técnica. A independência é necessária, uma vez que garante a imparcialidade e neutralidade da entidade em relação aos diferentes interesses regulados.

Essa independência pode se ser dividida em diversos aspectos: a) ausência de vínculo hierárquico com a pessoa administrativa central; b) autonomia administrativa; c) possibilidade de decidir as questões controversas postas à sua apreciação; d) autonomia normativa; e, e) autonomia financeira.

Nesse fim, a legislação infraconstitucional confere às agências reguladoras poderes para regular, expedir normas de caráter secundário, controlar e fiscalizar as atividades econômicas em sentido estrito em prol do interesse público, e aplicar sanções.

Na área da saúde suplementar, o setor somente foi devidamente regulamentado a partir da publicação da Lei nº 9.656/98, que regulamentou os planos de saúde, editando normas e regulamentações.

A criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar, pela Lei nº 9.961/2000, ocorreu apenas dois anos após a entrada em vigor da LSP.

A ANS possui como objetivo efetivar todas as previsões trazidas pela LPS, bem como centralizar as competências regulatórias e de fiscalização do setor de saúde suplementar, bem como controlar e punir os agentes controlados.

O controle é realizado, principalmente, por meio de informações prestadas pelas operadoras de saúde, e a fiscalização ocorre de forma ativa, com intervenções quando existem irregularidades que coloquem em risco os beneficiários e os prestadores de serviço.

A Agência regula o setor: (i) disciplinando critérios de ingresso, operação e saída do setor de saúde suplementar; (ii) utilizando instrumentos para o equilíbrio econômico-financeiro das operadoras; (iii) aplicando penalidades por descumprimento da lei e regulação; (iv) estabelecendo procedimentos para controle e adequação de preços, entre outros.

O que se percebe é que a regulação com propriedade é uma das funções primordiais da ANS, pois, por meio dela é possível que o setor de saúde suplementar seja seguro e qualificado, sendo os benefícios dessa regulação o Estado, o beneficiário direto, e o agente regulado.

 

Referências
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BRASIL. Lei 9.986 de18 de julho de 2000. Dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 julho. 2000. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9986.htm>.
BRASIL. Lei 10.185 de 12 de fevereiro de 2001. Dispõe sobre a especialização das sociedades seguradoras em planos privados de assistência à saúde e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 fev. 2001. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10185.htm>.
BRASIL. Lei 10.850 de 25 de março de 2004. Atribui competências à Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e fixa as diretrizes a serem observadas na definição de normas para implantação de programas especiais de incentivo à adaptação de contratos anteriores à Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 26 mar. 2004. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.850.htm>.
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Notas:
[1] Art. 21 da CRFB: Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)
Art. 174 da CRFB: Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

[2] Art. 37, XIX da CRFB: Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. 1ªed. São Paulo: Dialética, 2002. p. 344.

[4] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 1ª ed. São Paulo: Método, 2013. p. 94.

[5] Art. 5º da Lei 9.968/2000.

[6] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. São Paulo: Renovar, 2003. p. 117.

[7] Art. 21, inciso XI e Art. 177, §2º, inciso III, da CF/88.

[8] JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 392/393.

[9]CF/88. “Art. 84: Compete privativamente ao Presidente da República: IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;”

[10] CARVALHO F., José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009. p. 53.

[11] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Op. cit., p. 121/123.

[12] WILLEMAN, Flávio de Araújo. Responsabilidade civil das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2011. p. 151.

[13] ADI nº 1.668 MC/DF. MEDIDA CAUTELAR NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento:  20/08/1998. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação DJ 16-04-2004

[14] Artigo 1º da Lei 9.656/98 “Art. 1º Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)”.

[15] Artigo 1º, inciso I, da Lei 9.656/98.

[16] Artigo 10, incisos I a X, da Lei 9.656/98.

[17] Artigo 15, parágrafo único, da Lei 9.656/98.

[18] Artigo 12, inciso V, da Lei 9.656/98.

[19] Artigo 3º da Lei 9.961/2000.

[20]Artigo 35-A da Lei nº 9.656/98.

[21] GREGORI, Maria Stella. A saúde suplementar no contexto do Estado regulador brasileiro. Revista Direito do Consumidor, ano 15, n. 59, p.121.

[23] Como exemplos, o artigo 4º, inciso III da Lei nº 9.961/00 dispõe que compete à ANS elaborar o rol de procedimentos e eventos em saúde, que constituirão referência básica para os fins disposto na Lei 9.656/98 e suas excepcionalidades; o inciso XVIII estabelece a competência da ANS para expedir normas e padrões para o envio de informações de natureza econômico-financeira pelas operadoras, com vistas à homologação de reajustes e revisões;


Informações Sobre o Autor

Juliana Vieira Bernat de Souza

Advogada Pública na Agência Nacional de Saúde Suplementar formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro


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