As distinções entre o modelo de controle difuso (EUA) e concentrado (Europa) de constitucionalidade

É consabido que o sistema jurídico brasileiro adota uma forma mista de controle judiciário de constitucionalidade das leis e atos normativos, combinando o modelo difuso-incidental (concreto) com o concentrado-principal (abstrato). O primeiro, com raízes fincadas no common law; o segundo, no civil law.


O modelo de controle difuso, também denominado de sistema norte-americano de controle, verifica-se quando todos os órgãos do Poder Judiciário, Juízes e Tribunais, puderem realizar o controle de constitucionalidade.


Segundo relata Alexandre de Moraes1:


“A idéia do controle de constitucionalidade realizado por todos os órgãos do Poder Judiciário nasceu do caso Madison versus Marbury (1803), em que o Juiz Marshall da Suprema Corte Americana afirmou que é própria da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E ao fazê-lo, em caso de contradição entre a legislação e a Constituição, o tribunal deve aplicar esta última por ser superior a qualquer lei ordinária do Poder Legislativo.”


No Brasil, a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade existe desde a primeira Constituição republicana de 1891.


Destaque-se que, no Brasil, o sistema difuso caracteriza-se, via de regra, pelo controle via de exceção, vale dizer, em um caso concreto, onde o pronunciamento acerca da compatibilidade com o texto constitucional dá-se de forma incidental, prejudicialmente ao exame de mérito.


Abro parênteses, aqui, apenas para enfatizar que nem sempre a associação do controle concreto com o difuso e do concentrado com o abstrato é pertinente. Insto porque na Argüição de Preceito Fundamental é possível a análise de caso concreto, conquanto seja sempre ajuizada no Supremo Tribunal Federal, vale dizer, controle concentrado.


Se sairmos do Brasil, aí que essa equiparação fica mais equivocada porquanto na maioria dos países europeus, há controle concreto, mas não há controle difuso. É o caso da Alemanha, Espanha, Itália, Áustria.


Agora, no Brasil, podemos dizer que quase sempre o controle concentrado é abstrato, não existindo em nosso sistema o controle abstrato difuso, vez que ao juiz não é dado decidir em tese se a Lei é inconstitucional ou não.


Repisando-se, no controle difuso pede-se algo ao juízo, fundamentando-se na inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, ou seja, a alegação de inconstitucionalidade será a causa de pedir processual. O controle difuso tem, pois, como objetivo resolver um conflito intersubjetivo, pelo que produz apenas efeitos endoprocessuais (inter partes), ou seja, apenas dentro do processo onde a constitucionalidade ou inconstitucionalidade foi reconhecida.


Via de regra, o pronunciamento judicial no controle difuso produz, quanto ao aspecto temporal, efeito ex tunc, vale dizer, retroativo, vez que declara o ato inquinado de inconstitucionalidade como nulo.


Neste sentido doutrina de Alexandre de Moraes2:


“Declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, desfaz-se, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica (…)”


Enfatize-se, contudo que, no sistema difuso, por expressa previsão constitucional (art. 52, X), na hipótese de decisão de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal, os efeitos do julgado podem ser modulados por resolução proveniente do Senado Federal, passando a ter efeitos erga omnes, porém ex nunc.


Destaco, ainda, que a par do art. 52, X da CF/88, o Supremo Tribunal Federal tem modulado os efeitos de suas decisões no controle difuso, seja para atribuir efeito ex nunc ou erga omnes (abstrativização do recurso extraordinário), em casos em que a adota a técnica de ponderação de interesses[1].


Passando à análise do modelo concentrado, também denominado sistema austríaco ou europeu, este tem por apanágio o fato que o controle de constitucionalidade se reserva apenas há uma instância, um único órgão que pode estar dentro ou fora da estrutura do Poder Judiciário.


Surgiu na Áustria, em 1920, pela criação de Hans Kelsen, tendo sido introduzido no Brasil pela Emenda Constitucional n. 16/65.


A doutrina alemã chama o controle concentrado de processo objetivo, ou seja, aquele que não tem por finalidade a tutela de direitos de interesses concretos, sendo o fim do processo é a proteção da higidez do ordenamento jurídico. Sob o ponto de vista material não existem partes. As partes são apenas no sentido puramente formal.


Neste modelo, o que se busca saber, é se a lei ou ato normativo é inconstitucional ou não, manifestando-se o órgão constitucional de forma específica sobre o aludido objeto.


No Brasil, declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo Federal e Estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional juntamente com todas as conseqüências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos.


Colaciono, por pertinente, lição de Pedro Lenza3:


“De modo geral, a decisão no controle de constitucionalidade produzirá efeitos contra todos, ou seja, erga omnes e também terá efeito retroativo, ex tunc, retirando do ordenamento jurídico o ato normativo ou lei incompatível com a Constituição. Trata-se, portanto, de ato nulo.”


Frise-se, entretanto que, tal qual no controle difuso, o controle concentrado comporta a modulação de efeitos, havendo inclusive, quanto ao aspecto temporal, previsão legal no art. 27 da Lei n. 9868/99 que dispõe que: “Ao declarar inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”


 


Referências Bibliográficas

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 8ª ed. rev. São Paulo: Editora Método, 2005.

 

Notas:

[1] V. Inf. STF, 334:1, dez. 2003, Rcl 239 1, rel. para o acórdão Min. Joaquim Barbosa.

1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 635.

2  MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 639.

3 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 8ª ed. rev. São Paulo: Editora Método, 2005, p. 123.


Informações Sobre o Autor

Alan Saldanha Luck

Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG


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