Resumo: A partir do século XX, após os efeitos desastrosos das duas grandes Guerras Mundiais e em meio a Guerra Fria, resultou em um movimento acelerado de internacionalização dos direitos humanos, tornando o meio ambiente alvo da proteção jurídica, e, em consequência, o surgimento do Direito Internacional do Meio Ambiente, cujas bases principiológicas se encontram no Direito Internacional. Em sintética análise, pretende-se na primeira seção do presente trabalho delinear a evolução histórica do Direito Internacional do Meio Ambiente, estudar as fontes formais conforme o artigo 38 da CIJ e os axiomas normativos do Direito Internacional que incidem nas normas ambientais. Na segunda seção será abordado os aspectos próprios das normas ambientais que resultam em ações diferenciadas no plano normativo internacional, e ainda a existência de uma nova engenharia normativa para a eficiência do direito internacional ambiental e a busca constante de novas fórmulas jurídicas para a proteção internacional do meio ambiente.
Palavras-chave: Direito Internacional do Meio Ambiente. Fontes formais. Axiomas normativos do Direito Internacional. Nova engenharia normativa.
Abstract: From the twentieth century, after the disastrous effects of the two great World Wars and in the midst of the Cold War resulted in an accelerated internationalization of human rights, making the target of legal protection environment, and consequently, the emergence of International Environmental Law, principles whose bases are in International Law. Synthetic analysis, it is intended in the first section of this paper outlines the historical evolution of the International Environmental Law, studying the formal sources according to Article 38 of the ICJ and the normative axioms of international law that focus on environmental standards. In the second section the specific aspects of environmental standards that result in different actions in the international regulatory plan, and even the existence of a new engineering rules for the efficiency of international environmental law and the constant search for new legal formulas will be covered for international protection environment.
Keywords: International Environmental Law. Formal sources. Normative axioms of International Law. New engineering rules.
Sumário: Introdução. 1. O Direito Internacional do Meio Ambiente e suas fontes formais. 1.1. A evolução do direito internacional do meio ambiente. 1.1.1. Fontes conforme o artigo 38 da Corte Internacional de Justiça. 1.1.2. O enfoque principiológico dos tratados internacionais de proteção do meio ambiente. 1.2. A cristalização de regras jurídicas internacionais sobre as normas ambientais. 1.2.1. O meio ambiente como objeto de direito internacional. 1.2.2. Os axiomas normativos do Jus cogens, da obrigação Erga omnes e da norma Soft Law. 2. Os reflexos da proteção ambiental na legislação internacional. 2.1. O caráter transfronteiriço ambiental e o desiderato do desenvolvimento sustentável. 2.1.1. O direito ao meio ambiente como um direito humano. 2.1.2. A defesa de um ambiente sadio transgeracional. 2.2. A necessidade de uma nova engenharia normativa para a eficiência do direito internacional ambiental. 2.2.1. O conceito de Convenção-Quadro e os Umbrella Treaties. 2.2.2. Aplicabilidade de novas fórmulas jurídicas relativas à proteção do meio ambiente. Conclusão. Referências.
Introdução
Foi a partir do século XX, após os efeitos desastrosos das duas grandes Guerras Mundiais e em meio a Guerra Fria, que o meio ambiente se tornou alvo da proteção jurídica. Pretendia-se restabelecer as condições normais de um ambiente sadio já que iniciava a conscientização de que estava intimamente ligado com a própria existência humana.
Esta posição se tornou visível com os movimentos de internacionalização dos direitos humanos dado o caráter da universalidade e indivisibilidade desses direitos, os quais passaram a considerar o ambiente saudável como requisito indispensável para ter uma vida com dignidade.
O Direito Internacional passou ao estabelecer relações entre Estados, passou a reconhecer a atuação das Organizações Intergovernamentais, como a Organização das Nações Unidas, fundadas para a defesa e proteção do meio ambiente, surgindo um complexo normativo e, em conseqüência, o reconhecimento do Direito Internacional do Meio Ambiente.
Na doutrina há quem defenda que não se trata de um direito autônomo, mas, sim, uma especialidade do Direito Internacional, muito embora, todos concordam com a evidência do meio ambiente ser objeto jurídico de proteção de normas internacionais, gerando direitos e deveres a todos impostos, incidindo em responsabilidades para os Estados que, provocarem danos ambientais, isso tudo, em razão do caráter transfronteiriço e transgeracional, que estudaremos mais adiante.
Motivo pelo qual o Direito Internacional do Meio Ambiente possui suas bases principiológicas no Diretio Internacional, e apesar de possuir princípios específicos, como o usuário-pagador, e de certos princípios gerais não valer, como o princípio da reciprocidade para as sanções ao descumprimento das obrigações ambientais, o Direito Internacional do Meio Ambiente utiliza as fontes do artigo 38 da Corte Internacional de Justiça – CIJ para balizar a aplicação das normas ambientais.
Neste sentido, em sintética análise, pretende-se, na primeira seção do presente trabalho, delinear a evolução histórica do Direito Internacional do Meio Ambiente, estudar as fontes conforme o artigo 38 da CIJ e os axiomas normativos do Direito Internacional que incidem nas normas ambientais. Na segunda seção, será abordado os aspectos próprios das normas ambientais que resultam em ações diferenciadas no plano normativo internacional, e ainda a existência de uma nova engenharia normativa para a eficiência do direito internacional ambiental e a busca constante de novas fórmulas jurídicas para a proteção internacional do meio ambiente.
1. O Direito Internacional do Meio Ambiente e suas fontes formais
O Direito Internacional é conhecido por disciplinar as relações entre Estados, criando normas a serem por eles cumpridos. Inicialmente, como salienta, Valério de Oliveira Mazzuoli[1] não havia na Antiguidade Clássica um Direito Internacional determinado, e, sim, um “Direito que se aplicava às relações entre cidades vizinhas, de língua comum, da mesma raça e com a mesma religião, passando somente a ser considerado como ciência autônoma e sistematizada principalmente a partir dos tratados de Westifália […], concluídos em 24 de outubro de 1648, […] demarcou-se então a nova era do Direito Internacional Público, que a partir daí passaria a ser conhecido como ramo autônomo do Direito moderno”.
O sistema westifaliano, como tratado por José Augusto Lindgren Alves[2], “tinha como único sujeito de direito o Estado soberano e como axiomas a soberania, a autodeterminação, a igualdade entre as Partes Contratantes e a reciprocidade entre os Estados no cumprimento das obrigações”. Todavia, a relativização do Estado como único sujeito de Direito Internacional ocorreu a partir do século XX, após os resultados catastróficos resultantes da Revolução Industrial e da 1º e 2º Guerra Mundial, onde emergiu uma nova visão para a proteção do ser humano e também do meio ambiente.
Dentro dessa premissa, será apresentada nesta seção um breve histórico sobre o direito internacional do meio ambiente, considerando suas fontes e princípios, além de analisar os axiomas normativos próprios do Direito Internacional, cristalizados diante da proteção ambiental como a força imperativa Jus cogens, a obrigação Erga omnes e a norma Soft law.
1.1. A evolução do direito internacional do meio ambiente
Desde a criação humana não resta dúvida que o homem possui íntima relação com o a natureza, inicialmente, extraía dela o seu sustento, passando a posteriori explorá-la para produzir riquezas. Apesar de haver inúmeros históricos na Antiguidade sobre a existência de normas jurídicas entre Estados para regular atividades que envolvia a utilização da biosfera, como ensina Guido Fernando Silva Soares[3], tratavam – se de “mera proteção de indivíduos, sem qualquer preocupação com a espécie, e muito menos, com as relações entre elas e o meio ambiente. e, consequentemente, com a vida humana, no conjunto da biosfera”.
Mas, foi em uma época marcada pela mutilação humana e destruição ambiental, reflexos das duas grandes Guerras Mundiais, e, ainda, em meio ao auge da Guerra Fria, que ocorreu a primeira manifestação formal do Direito Internacional do Meio Ambiente. De acordo com Guido Soares[4], foi no Caso da Fundição Trail “resolvida definitivamente em 11-3-1941, por um tribunal arbitral, tratava-se de uma reclamação apresentada pelos EUA contra o Canadá, devido a ocorrências danosas de poluição transfronteiriça suportada por pessoas, animais e bens situados no EUA […]”.
A partir daí, iniciou um processo de inquietação com as questões ambientais, atentando-se para o valor inegável do meio ambiente para a própria existência humana. A doutrina do Prof. Alexandre Kiss, citado por Guido Soares[5], ensina que o marco regulatório para a emergência do Direito Internacional do Meio Ambiente ocorreu nos anos 60 em razão da “a) a abertura das discussões nos foros diplomáticos internacionais […]; b) a democratização das relações internacionais […]; c) a situação catastrófica em que o mundo se encontrava […]; d) a ocorrência de catástrofes ambientais […]”.
Tudo isso, aliada à ascensão política da Organização das Nações Unidas – ONU e das Organizações Não Governamentais – ONGs, e ao afloramento de assuntos referentes ao meio ambiente como a poluição trasnfronteiriça de rios, lagos, mares e oceanos, a utilização de energia nuclear, dentre outros, resultaram na necessidade social de combater os desastres ambientais e, consequentemente, a necessidade de produzir normas internacionais para assegurar o novo anseio de um meio ambiente humano protegido.
De outra sorte, Valério de Oliveira Mazzuoli[6] leciona que o direito fundamental ao meio ambiente despontou na esfera internacional por meio da Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, adotada em Estocolmo pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humanos, no período de 5 a 16 de junho de 1972, e “abriu espaço para que esses temas, antes afetos ao domínio exclusivo e absoluto dos Estados, pudessem passar a ser tratados dentro de uma perspectiva global, notadamente ligada à proteção internacional dos direitos humanos”.
O caráter imperativo de proteção ambiental, bem como as melhorias, a cooperação internacional, o aspecto transgeracional, a necessidade de política, de conscientização e de responsabilidade ambiental, foram representados em diversas normas internacionais, contudo, a idéia de desenvolvimento sustentável foi apresentada, primeiramente, no Relatório Brundtland, em 1987, o qual buscou conciliar os problemas ambientais com a economia de mercado.
Foi nesse contexto que a Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada de 1º a 12 de junho de 1992, conhecida como ECO/92, considerou, notoriamente, o aspecto do desenvolvimento econômico pautado na sustentabilidade. José Cretella Neto[7] enfatiza que as “Conferências de Estocolmo e do Rio são consideradas marcos fundamentais para o desenvolvimento Internacional do Meio Ambiente”.
Ao contrário, as demais Conferências realizadas pela comunidade internacional não demonstraram avanços significativos para as questões ambientais, resultando em singelos acordos. São elas: a Conferência de Johannesburgo, de 26 de agosto a 04 de setembro de 2002, a Conferência de Copenhagen, de abril a maio de 2003, a Conferência de Nagoya, de 19 a 29 de outubro de 2010 e a Conferência Rio + 20, de 20 a 22 de junho de 2012[8].
Guido Soares[9], define com propriedade a evolução do Direito Internacional do Meio Ambiente ao relatar que se trata de “um novo conteúdo mandatório, para obrigar os Estados a comportamentos positivos, expressos em termos de cooperação […]”, tais obrigações não se resumem em apenas não fazer, mas, também obriga ações que visam proteger o meio ambiente, além de atribuir responsabilidades em casos de danos ambientais.
Embora não seja objeto de estudo no momento, em que pese as discussões doutrinárias sobre o Meio Ambiente como especialidade ou como objeto autônomo de direito, o fato é que para o Direito Internacional o Meio Ambiente exige tratamento sistematizado, pois, possui relação intrínseca com a vida humana, motivo pelo qual impõe obrigações de cooperação entre os Estados, regras de natureza proibitiva e regras positivas de proteção ambiental, necessárias para a defesa de um bem coletivo pertencente a todos, inclusive a futuras gerações.
1.1.1. Fontes conforme o artigo 38 da Corte Internacional de Justiça
O conhecimento das fontes apresenta relevância para o estudioso e aplicador do Direito visto que permite a correta aplicabilidade das regras jurídicas, assim, Carlos Roberto Pellegrino[10] define que “fonte de direito é o processo originário de criação das normas jurídicas, destinadas a regular as relações entre os sujeitos de direito”.
As fontes são dispostas como formais ou materiais, na lição de Pelegrino[11] são “fontes materiais todos os elementos que concorrem para a formação das regras do direito internacional, estimados em conjunto, independentemente de sua origem, tais como a necessidade de uma regra da vida social, de ordem moral, convicção comum etc”, deve-se nas fontes materiais considerar as necessidades reais dos Estados, a fim de gerar normas que representem a vontade estatal na relação de reciprocidade.
Já as fontes formais é a positivação da própria norma, para Valério Mazzuoli[12] são “fontes formais do Direito os métodos ou processos de criação das normas jurídicas, as diversas técnicas que permitem considerar uma norma como pertencente ao mundo jurídico, vinculando os atores para os quais se destinam”, compondo, portanto, o conjunto de regras da ordem jurídica internacional.
Feitas essas considerações, propomos a estudar as fontes formais do Direito Internacional previstas no artigo 38, da Corte Internacional de Justiça – CIJ, aplicadas na íntegra ao se tratar da internacionalização do Direito do Meio Ambiente. Antes, contudo, é relevante esclarecer que o artigo 38 é um rol exemplificativo de fontes e prevê ainda meios auxiliares para amparar as decisões da Corte, como as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações. Esses meios auxiliares, como ensina Mazzuoli[13] “não são fontes de direito como tal, constituindo-se validamente, entretanto, como meio de auxílio a definir o direito aplicável”.
O artigo em comento, ao dispor a sequência das fontes formais não pretendeu hierarquizá-las, como salienta Ian Brownlie[14] “as alíneas não foram ordenadas de modo a representar uma hierarquia. Porém, o legislador pretendeu dar – lhes uma ordem, tendo mesmo a palavra "sucessivamente" sido utilizada num dos projectos”. Nesse sentido, apesar da não hierarquização das fontes e meios auxiliares, Mazzuoli[15] ressalta que se a norma costumeira não for de jus cogens, “os tribunais internacionais dão preferência às disposições específicas, de caráter obrigatório, dos tratados internacionais vigentes entre as partes, sobre as normas internacionais costumeiras e sobre os princípios gerais do direito”.
Há de falar ainda que a Corte Internacional de Justiça pode decidir os casos submetidos a sua jurisdição utilizando a equidade, os atos unilaterais estatais, as decisões das organizações internacionais, e até mesmo compromissos assumidos entre os Estados por meio de acordos não imperativos como as normas Soft law, que estudaremos a diante. Vejamos, então, o rol das fontes do artigo 38 da CIJ:
a) Convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes:
O próprio Estatuto da Corte Internacional de Justiça estabelece o caráter de regras expressas reconhecidas pelos Estados litigantes aqui intitulados genericamente por tratados[16]. Tal fato se justifica em razão das diversas nomenclaturas que os atos solenes entre Estados recebem ao serem firmados, como Convenção, Pacto, Acordo, Declaração, Estatuto, Gentlemen´s agreemente, dentre outros.
A convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, é um dos textos normativos mais relevantes para o Direito Internacional Público, pois disciplina com afinco a matéria dos tratados internacionais, inclusive, conceituando, no art. 2º, alínea a, que tratado “designa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular”.
A doutrina e a jurisprudência não são uniformes quanto as classificações dos tratados, que ora se classificam pelo número de Estados-Partes como bilaterais ou multilaterais, ora pela especificidade ou generalidade dos assuntos como gerais ou especiais, ora pelo âmbito territorial como universais, regionais ou locais. A esse respeito, Guido Fernando Silva Soares[17] assevera que “o que importa notar no Direito Internacional do Meio ambiente é a existência de denominação particular de certos tratados internacionais, que refoge à tipicidade tradicional, como a Convenção Quadro sobre Modificação do Clima” (grifo do autor), a qual estudaremos adiante.
Como dito anteriormente, embora haja doutrinariamente a preferência pela aplicação inicial dos tratados dentre as demais fontes, por apresentar um processo de elaboração mais complexo, a exemplo do Brasil que para a entrada em vigor é necessário a assinatura, ratificação e promulgação pelo chefe do Executivo, e, também a aprovação pelo Poder Legislativo, Carlos Roberto Pellegrino[18] traduz a vontade do artigo 38 ao dizer que “é possível considerar a superioridade de uma regra em relação à outra em razão do seu objetivo ou seu fim, não pelas condições que envolvem o seu aparecimento no mundo jurídico”.
b) Costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito:
O costume internacional é a forma mais antiga de relações entre os Estados, e segundo Valério Mazzuoli[19] foi “a primeira fonte do Direito Internacional a aparecer e ganhar vida, tendo reinado incontestável até o século XVII, a partir de quando (após os Tratados de Westfália, que puseram termo à Guerra dos Trinta Anos) as convenções internacionais passaram a ganhar especial relevo no cenário internacional […]”.
Apesar do aumento das codificações dos costumes, não há dúvidas que o artigo 38 da CIJ continua a atestar a relevância no cenário internacional, pois para os costumes independe de formalidades como ser Estado-Parte, ou de haver denúncia, possuindo, na maior parte das vezes, um caráter de Jus cogens. A definição de costume internacional encontra exposta no próprio artigo em comento ao referir “como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito”.
Os costumes, para assim serem considerados, necessitam demonstrar a sua generalidade, constância e uniformidade. A habitualidade da prática de um costume demanda maior esforço de comprovação, mas pode ser vista no direito internacional como aceito de forma global ou universal (atinge toda esfera internacional), regional ou particular (atinge alguns Estados e organizações internacionais) ou local (atinge dois Estados ou organizações internacionais). Os costumes apresentam na lição de Pellegrino[20] um elemento material que “manifesta-se a partir do comportamento frequente, repetido e uniforme”, e um elemento psicológico refletido na “convicção de que esta prática se tornou obrigatória pela virtude de uma regra de direito”.
Como bem explica Mazuoli[21], o tratado pode derrogar o costume, assim como o costume pode tornar o tratado em desuso, devido a não hierarquização entre eles, podendo ainda, nos casos de conflitos entre costumes serem utilizados o tradicional critério da especialidade e cronológico, com especial atenção quando se tratar de costume de jus cogens caso em que aplicará o critério hierárquico, prevalecendo tal costume em detrimento de uma convenção ou outro costume que não tenha a imperatividade de Jus cogens. Esse doutrinador elucida ainda que está pacificada a não aplicabilidade da teoria Objetor persistente, sendo, portando, incabível um Estado invocar que o costume não se aplica em razão da sua oposição desde a formação costumeira, sendo dispensável o aceite unânime dos Estados internacionais.
c) os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas:
Sem adentrarmos à discussão travada em razão do termo nações civilizadas que para muitos significa expressão discriminatória já que civilizadas se referiam apenas ao eixo europeu, os princípios gerais de direito são aqueles que pela relevância da sua observância nas relações pactuadas entre os Estados são aceitos pela sociedade internacional como fundamentais.
Nesse sentido, Ian Brownlie[22] afirma que “em muitos casos, estes princípios têm origem na prática dos Estados. Contudo, são em primeiro lugar, abstrações de um conjunto de regras e são aceites desde há tanto tempo, e de uma forma tão generalizada, que deixam de estar directamente ligados à práticas dos Estados”, integrando, dessa forma, os preceitos estipulados pela sociedade internacional, detendo, em alguns casos, o caráter normativo de Jus cogens.
Dentre os princípios gerais de direito mais citados estão a boa-fé, o livre consentimento, a pacta sunt servanda, a proteção da confiança, o direito adquirido, o respeito à coisa julgada. Todavia, dada a importância dos princípios gerais como fonte do Direito Internacional, a Assembléia Geral das Nações Unidas emitiu, na sessão XXV, a Resolução 2.625[23], de 24 de outubro de 1970, codificando os princípios do direito internacional para as relações amistosas e de cooperação entre os Estados, como exemplo a responsabilidade de reparação integral do prejuízo, o enriquecimento ilícito, a segurança jurídica, etc.
d) Sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito:
Tratada como meio auxiliar no intuito de contribuir para aplicação das normas jurídicas, as decisões judiciárias são reiterados julgamentos no mesmo sentido, realizados, conforme Guido Soares[24] por “tribunais judiciários com competência geral e jurisdição universal”, como a Corte Internacional de Justiça, o Tribunal Penal Internacional e a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
A ressalva feita ao artigo 59 esclarece que “a decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes”, assim, como as decisões criam direito para as partes litigantes, acabam por servir como jurisprudências que auxiliam a interpretação normativa para casos concretos em outros julgamentos.
De igual forma, a doutrina de juristas mais qualificados das diferentes nações também é tratada como meio auxiliar, e geralmente estão representados em estudos acadêmicos e trabalhos de instituições internacionais, como exemplos de doutrinas, José Cretella Neto[25] cita os colóquios da Academia de Direito Internacional da Haia – La Protection de l'Environnement et le Droit International e L'Avenir du Droit International -, os trabalhos da Comissão de Direito Internacional – CDI, do Institut de Droit International – IDI, e da International Law Association – ILA.
O artigo 38 ainda prevê a aplicabilidade da equidade ao estabelecer que “a presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem”, destarte, Valério Mazzuoli[26] explica que a equidade “nada mais é do que a aplicação a um caso concreto das idéias e princípios de justiça, a fim de preencher as lacunas das normas vigentes”.
Para a Corte decidir em determinado caso concreto conforme seu entendimento, as vezes por falta de previsão legal, as vezes contrariando a própria lei, deve haver o consentimento das partes, não se tratando, portanto, a equidade de uma norma, mas um método de solução do caso concreto, a exemplo, da arbitragem.
Como dito inicialmente, o artigo 38 não é taxativo, a doutrina aceita pacificamente outras fontes do Direito Internacional como os atos unilaterais estatais que se refere a manifestação pública da vontade de um Estado em contrair uma obrigação jurídica, podendo ser de forma expressa ou tácita.
As decisões das organizações internacionais também são consideradas fontes, e representam as decisões institucionais das quais os Estados-Partes estão vinculados, e, por isso, reconhecem os deveres e as obrigações emitidas, sejam na forma de resoluções, declarações, decisões, diretrizes, recomendações, dentre outras. Mazzuoli[27] “alerta que da mesma forma que os atos unilaterais dos Estados, também é necessário que aqueles provindos de tais organizações sejam internacionais”, a exemplo das decisões da Organização Internacional do Trabalho – OIT, do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, etc.
1.1.2. O enfoque principiológico dos tratados internacionais de proteção do meio ambiente
O reconhecimento do Direito Internacional como disciplina autônoma e sistematizada, apresenta, como dito alhures, princípios consolidados pela sociedade internacional, por exemplo a boa-fé e a pacta sunt servanda, além daqueles princípios estabelecidos na Declaração relativa aos Princípios do Direito Internacional que regem as relações amistosas e a cooperação entre Estados, por meio da a Resolução 2.625, de 1970.
Com presteza, José Cretella Neto[28] aponta que os princípios gerais do Direito Internacional servem como fonte do Direito Internacional do Meio Ambiente, respeitadas as suas especificidades, podendo haver princípios absolutamente inaplicáveis, como o da reciprocidade, pois “se um Estado violar normas ambientais internacionais – emitindo poluentes […] – os Estados afetados não poderão retaliar em espécie, poluindo o Estado que primeiro violou as normas”, cabendo, neste caso, indenizações em caráter compensatório.
Os tratados internacionais ambientais utilizam princípios específicos admitidos pela doutrina ambientalista como: do usuário pagador; do poluidor pagador; da prevenção e da precaução; da avaliação do impacto ambiental das intervenções humanas, do direito a uma vida saudável, da vedação do uso da força para resolução de litígios em matéria ambiental; da vedação ao uso da propriedade sem levar em conta a poluição gerada e que pode ser transmitida aos demais Estados; da cooperação internacional; da informação; da intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente; da indisponibilidade do interesse público na proteção do meio ambiente; da responsabilidade comum, mas diferenciada, etc.
Cabe ressaltar, que os próprios tratados internacionais podem estabelecer outros princípios de caráter obrigatório como os previstos na Declaração de Estocolmo de 1972, a exemplo da melhoria do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, ou na Declaração do Rio de 1992, como o desenvolvimento sustentável (já consolidado), ou ainda de caráter flexível da Soft law, a exemplo do Plano de Ação, conhecido como Agenda 21, também da Declaração do Rio de 1992, diante das intenções adotadas entre os Estados para a proteção do meio ambiente.
1.2. A cristalização de regras jurídicas internacionais sobre as normas ambientais
A necessidade de proteger o meio ambiente aflorou após a a constatação das violações aos direitos humanos e ao meio ambiente provenientes das guerras, sendo, paulatinamente, agregada à vida e a dignidade da pessoa humana a necessidade de haver um ambiente sadio e com qualidade. É nesse momento que a sociedade internacional volta -se para as questões ambientais, considerando não apenas a proteção do indivíduo, mas, também a preocupação com a proteção e preservação da biosfera, despontando um direito internacional para o meio ambiente.
A Declaração de Estocolmo de 1972 consolidou o Direito Internacional do Meio Ambiente, positivando a proteção ambiental, pois, para Guido Soares[29] teve “a mesma relevância para o Direito Internacional e para a Diplomacia dos Estados que teve a Declaração Universal dos Direitos do Homem […]. Na verdade, ambas as Declarações tem exercido o papel de verdadeiros guias e parâmetros na definição dos princípios mínimos […]”.
É sobre esse prisma que na atualidade o meio ambiente é tratado como um objeto de direito internacional, cujos axiomas próprios do Direito Internacional são aplicados diretamente nos Tratados ambientais, criando políticas e normas próprias ao ponto de possuir uma atenção especial, e, portanto, tratamento específico, resultando no que chamamos de Direito Internacional do Meio Ambiente.
1.2.1. O meio ambiente como objeto de direito internacional
O contexto histórico pós-guerra sinaliza que foi em meados do século XX que o primeiro caso de cunho efetivamente ambiental despontou no cenário internacional, envolvendo a poluição transfronteiriça entre os Estados Unidos e o Canadá, o caso conhecido da Fundição Trail, em 1941.
No mesmo cenário, emergia a consciência social de que algo deveria ser feito para combater os efeitos perversos contra o ser humano e o meio ambiente. O surgimento de diversas Organizações não Governamentais – ONG´s, voltadas para a preservação do meio ambiente, como o Greenpeace, fundado em 1971, no Canadá, os diversos tratados internacionais multilaterais, como a Convenção Internacional sobre a responsabilidade civil pelos danos devidos a poluição por óleo, em 1969, em Bruxelas, e o empenho da Organização das Nações Unidas ao provocar a Conferência em Estocolmo, em 1972, propiciaram o início de um Direito Internacional do Meio Ambiente.
A Declaração de Estocolmo de 1972, positivou princípios e normas específicas ambientais, enfatizou o planejamento racional e o desenvolvimento econômico, mas, sobretudo, reconheceu a necessidade do ser humano em ter condições de vida com dignidade e bem-estar, pautada em um ambiente sadio.
A Conferência de Estocolmo aprovou a Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano, criando o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – PNUMA, aprovou ainda uma resolução sobre teste nucleares e um Plano de Ação para o Meio Ambiente. Nessa acepção, José Cretella Neto[30] afirma que os diversos instrumentos convencionais refletiram em ”normas e princípios, já em 1982, podiam ser considerados como fazendo parte do corpo jus do Direito Internaciona”..
A preocupação em proteger o meio ambiente, bem como a adesão aos princípios e normas ambientais internacionais, difundiram no âmbito internos dos Estados, a exemplo, da Constituição Federal brasileira de 1988, artigo 225, que estabeleceu uma ampla proteção normativa ao meio ambiente, reconhecendo, inclusive, o caráter fundamental do ambiente sadio para a vida humana. José Afonso da Silva[31] ensina que o bem jurídico defeso na Constituinte brasileira de 1988 é um bem indisponível e de uso comum do povo “dotados de um regime jurídico especial, enquanto essenciais à sadia qualidade de vida e vinculados, assim, a um fim de interesse coletivo”.
Diante dessa análise, pode-se notar a consagração do Direito Internacional do Meio Ambiente na esfera internacional e nacional. Várias outras Declarações Internacionais de cunho ambiental foram aprovadas, com merecido destaque à Declaração sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento – ECO/92, que pautada no Relatório Brundtland, de 1987, reafirmou os preceitos da Declaração de Estocolmo e estabeleceu o desenvolvimento sustentável e a cooperação dos Estados para conciliar a proteção ambiental com a economia de mercado.
Durante a realização da ECO/92 foram adotadas significativas normas e ações ambientais como a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, a Convenção sobre a Diversidade Biológica, a Agenda 21, a Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração de Princípios sobre as Florestas, a fixação de temas para as próximas reuniões, e a criação da Comissão para o Desenvolvimento sustentável.
Nos dias atuais, o Direito Internacional do Meio Ambiente almeja o desenvolvimento sustentável, exigindo a cooperação entre os Estados e a responsabilidade de todos em zelar e proteger o meio ambiente. Percebe – se a ampliação dos destinatários de tais obrigações como os Estados Soberanos e as organizações internacionais intergovernamentais, havendo ainda, esporadicamente, a possibilidade de figurar como destinatário a pessoa humana e a pessoa jurídica, quando estiverem sob a jurisdição de um Estado.
1.2.2 Os axiomas normativos da obrigação Erga omnes, da norma Jus cogens, e da Soft Law
O Direito Internacional desenvolveu em razão das atividades que extrapolaram os limites territoriais estatais, como explica Valério Mazzuoli[32] “o Direito vai deixando de somente regular questões internas para também disciplinar atividades que transcendem os limites físicos dos Estados, criando um conjunto de normas com aptidão para realizar esse mister”.
Das múltiplas relações entre Estados e Organizações Intergovernamentais surgem as convenções específicas do meio ambiente, as quais utilizam modelos de obrigações jurídicas próprias do Direito Internacional, incidindo como possíveis fontes no momento de orientar, interpretar e valorar uma norma, são as obrigações Erga omnes, as normas de Jus cogens e as Soft law .
As obrigações Erga omnes são aquelas impostas a todos, independente de manifestação de vontade, tal como acontece na Declaração de Estocolmo de 1972 em que o meio ambiente é visto como um direito fundamental para a existência humana, estando inserida no rol dos Direitos Internacionais Humanos, implicando em direitos, obrigações e deveres que estendem indistintamente a todos. Nesse sentido, José Augusto Lindgren Alves[33] defende que “dada a importância dos direitos em causa, pode-se considerar que todos os Estados têm interesse jurídico na proteção desses direitos: as obrigações de que se trata são obrigações erga omnes”.
As obrigações erga omnes são válidas na esfera universal, sendo, portanto, possível dizer que emanam de costumes, já que se fossem provenientes de tratados valeriam somente entre as partes. É relevante ressaltar que não se pode confundir com as normas de Jus cogens, por não possuir o peso da imperatividade e inderrogabilidade, já que se fala em universalidade e não em hierarquia.
Por sua vez, a norma de Jus cogens possui caráter obrigatório, a todos impostos e caráter imperativo, não sendo possível a derrogação pelas partes, cabendo, apenas a lei de mesma natureza modificá-la. Tal conceito encontra expresso na Convenção de Viena de 1969, artigo 53, onde “é nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. […] nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza”.
Para Valério Mazzuoli[34], a previsão de normas de Jus cogens tem como finalidade limitar a autonomia da vontade dos Estados, além de “estabelecer uma regra imperativa que impossibilita a utilização de critérios da especialidade e cronológico de solução de antinomias nos conflitos entre jus cogens e quaisquer tratados, dando lugar apenas à solução hierárquica em favor de normas jus cogens”.
Já a Soft law não são normas propriamente ditas, mas acabam por sinalizar a possibilidade de se tornar norma, isso porque a Soft law é um entendimento recente do Direito Internacional adaptada a conjectura da modernidade em que os avanços científicos e tecnológicos surgem rapidamente, necessitando de respostas céleres em contraposição ao processo rígido e formal de formação e celebração dos tratados.
Sem maiores discussões, a doutrina tem compreendido a Soft law como uma oposição às normas cogentes da Hard law, pois, tratam-se da aplicação de um direito flexível, plástico, suave, moldável, representado, por exemplo, pelos Executive agreements, que não necessita de ratificação dos Estados, ou os Gentlemen´s agreements, os acordos de cavalheiros, ou os Non-binding, uma espécie de estagnação dos acordos para futuros debates, dentre outros.
Embora a Soft law não tenha caráter obrigatório, acaba por produzir efeitos, direcionando as ações dos Estados, assim, José Cretella Neto[35] entende que os “Estados se veem obrigados a agir de boa-fé ao procurarem executar os enunciados contidos nas declarações, transformando-as em instrumentos jurídicos”.
O Direito Internacional do Meio Ambiente é um exemplo nítido da utilização desses modelos de obrigações jurídicas, como relata Valério Mazzuoli de Oliveira[36] “enquanto determinadas regras ambientais podem ser tidas como de caráter erga omnes, e, portanto, de imposição geral para todos, outras não passam de diretrizes ou programas de ação enquadráveis apenas no conceito de soft law”, podendo, ilustrativamente, citar a Declaração de Estocolmo como um texto normativo de obrigação Erga omnes e de norma Jus cogens, enquanto a Agenda 21, conhecida por Plano de Ação, adotada na Conferencia das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento como recomendações Soft law.
2. Os reflexos da proteção ambiental na legislação internacional
A legislação internacional sofreu grande modificação em seus contornos em razão da força trazida principalmente pelas normas de Direitos Humanos que mudaram o pensamento social, repercutindo em novos comportamentos da política e da economia.
A Declaração dos Direitos Humanos de 1948, a Convenção de Estocolmo de 1972, a Convenção sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1990, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos de 1993, dentre outras, foram construídas, segundo José Augusto Lindgren Alves[37] “desde 1945 pela Nações Unidas e por determinadas organizações regionais, que erigiram com os direitos humanos, pouco a pouco, um ramos novo no Direito Internacional, assim como uma intrincada arquitetura de instrumentos e mecanismos destinados a protegê-los”.
Sob esse prisma, analisar-se-á nesta seção o novo enfoque do Direito Internacional agora marcado pela especificidade de princípios e normas ambientais, e ainda a necessidade de desenvolver nova engenharia normativa para tornar cada vez mais eficiente o Direito Internacional do Meio Ambiente.
2.1. O caráter transfronteiriço ambiental e o desiderato do desenvolvimento sustentável
O caráter transfronteiriço das questões ambientais foi o ponto primordial que fomentou um dos primeiros entraves entre Estados, o conhecido caso da Fundição Trail, em 1941. Foi resolvido por um tribunal arbitral em que os Estados Unidos representou em desfavor do Canadá por sofrer as consequências da liberação de dióxido de carbono de um empresa particular.
O caso se referia especificamente a poluição levada pelo ar à dimensões inimagináveis, embora seja esta uma característica comum dos danos ambientais tidos como transfronteiriços, ocasionados, de igual forma, pela poluição das águas em geral, da liberação de gazes que provocam o aquecimento global, dos efeitos de utilização de substâncias agrotóxicas, das consequências das usinas nucleares, dentre outros.
Guido Soares[38] trata do aspecto transfronteiriço como um fenômeno que “exigia uma regulamentação em âmbito internacional, em razão de sua própria natureza: um Estado, por maior que fosse seu zelo em proteger o meio ambiente nacional, com legislação doméstica adequada, passaria a ter de suportar a poluição gerada no território de outros Estados […]”, apresentando uma situação não apenas de injustiça social, mas, de saúde pública.
O fato de não respeitar limites territoriais físicos e nem políticos torna o aspecto transfronteiriço relevante para a legislação internacional, assim, representada na Declaração de Estolcomo de 1972, artigo 21, em que os Estados ao explorar seus recursos possuem “a obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o meio ambiente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional”.
Esse princípio foi de igual forma repetido na Declaração sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992, no artigo 2º, significando que o desenvolvimento econômico é tão importante quanto a preservação ambiental, surgindo uma nova postura para a sociedade global, a do desenvolvimento sustentável considerando a vida humana saudável.
Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer[39] interpretam o desenvolvimento sustentável como “além de uma mera harmonização entre a economia e a ecologia, incluindo valores morais relacionados à solidariedade […] deve estar vinculado a uma melhoria substancial (e qualitativa e não apenas quantitativa em termos de crescimento econômico) da qualidade de vida”, firmando, também, o caráter da universalidade dos bens ambientais.
Pode-se afirmar que o desiderato do desenvolvimento sustentável marcou o pensamento da sociedade moderna, tendo como instrumento convencional inicial a Declaração sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento de 1992. Muito embora, perceba-se que as convenções posteriores vêm sofrendo severos embates diplomáticos, principalmente entre os Estados desenvolvidos e os emergentes, até mesmo porque parece algo paradoxal a exploração de recursos naturais em razão da economia e a sustentabilidade necessária à preservação ambiental.
2.1.1. O direito ao meio ambiente como um direito humano
Os diversos Tratados Internacionais que versam sobre Direitos Humanos, os quais se inserem os direitos ambientais, objetivam a valorização do ser humano a partir do momento em que se tornou visível a degradação das garantias de existência da espécie humana. Flávia Piovesan[40] relata que “os seres humanos se tornam supérfluos e descartáveis, no momento em que vige a lógica da destruição, em que cruelmente se abole o valor da pessoa humana […]”, tornando imprescindível a reconstrução de direitos que valorizem a pessoa.
Pautada na necessidade de mudança da sociedade totalitarista para uma sociedade sustentável, destaca a nova concepção de um direito internacional com especificidades ambientais voltada para a conscientização de que o meio ambiente é fator primordial para a existência humana. José Afonso da Silva[41] esclarece, porém, que “o objeto de direito de todos não é o meio ambiente em si, não é qualquer meio ambiente. O que é objeto do direito é o meio ambiente qualificado”.
Tal acepção foi positivada, inicialmente, na Declaração de Estocolmo sobre o Ambiente Humano de 1972, artigo 1º, em que “os dois aspectos do meio ambiente humano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem-estar do homem e para o gozo dos direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à vida mesma”, qualificando o meio ambiente como aquele que incide sobre as condições de vida.
Percebe-se a cristalização do meio ambiente como um direito humano fundamental, e, assim, alcançando a esfera internacional como remonta Flávia Piovesan[42] “a violação dos direitos humanos não pode ser concebida como questão doméstica do Estado, e sim como problema de relevância internacional”.
As características da concepção contemporânea de direitos humanos, marcadas pela universalidade, indivisibilidade e interdependência, obrigam os Estados a respeitarem esses direitos, dispondo Ian Brownlie[43] sobre a necessidade, por exemplo, das Nações Unidas impor obrigações de Direitos Humanos aos Estados e, em consequência, o provável “dever colectivo dos Estados membros de adoptar medidas responsáveis de forma a criar padrões de vida razoáveis tanto para a suas próprias populações como para as populações de outros Estados”.
Em razão disso, Peter Häberle[44] afirma surgir o chamado paradigma de escalonamento de textos, significando que os Estados passam a integralizar internamente os direitos fundamentais, ou seja, os constituintes copiam, no bom sentido da palavra, um dos outros, e, com isso, fazem progredir literalmente os direitos fundamentais, isto é, incorporam ao mesmo tempo, em seus textos, a realidade dos direitos fundamentais. Peter Häberle[45] ensina ainda que os direitos fundamentais[46] orientam valorativamente, criando um sistema de valores, a exemplo dos direitos ambientais.
2.1.2. A defesa de um ambiente sadio transgeracional
Assim como o caráter trasfronteiriço em que as questões ambientais não obedecem limites territoriais estatais, gerando a obrigação de cooperação dos Estados para não causar danos que atingem outros Estados, o caráter transgeracional significa que o ambiente sadio é direito de todos, inclusive das futuras gerações, estabelecendo a necessidade ainda maior da presente geração zelar pelas saudáveis condições ambientais, já que as futuras gerações sequer possuem esta possibilidade, por questões óbvias, já que ainda não existem.
José Cretella Neto[47] alega que o Direito Internacional do Meio Ambiente não se preocupa apenas com a manutenção da paz como no Direito Internacional, mas, trata-se de um direito que visa a salubridade do planeta, de maneira a gerar “a obrigação de proteger o interesse comum da Humanidade, ou seja, ultrapassa-se a noção dos interesses individuais dos Estados, para defender interesses coletivos”, os quais transcendem as gerações.
Partindo desse pressuposto, é possível afirmar que o meio ambiente dever ser equitativamente distribuído entre as gerações e as espécies humanas e os demais seres vivos, motivo pelo qual existe as limitações para as ações dos Estados e dos indivíduos, fundadas na defesa e proteção dos direitos humanos. Como explica, Gilmar Ferreira Mendes[48] “quanto mais for o âmbito de proteção de um direito fundamental, tanto mais se afigura possível qualificar qualquer ato do Estado como restrição”.
Nesse diapasão, Flávia Piovesan[49] ensina que foi a partir do século XX que houve a manifestação doutrinária em relativizar a soberania estatal a fim de afirmar que não se trata de “um princípio absoluto, mas deve ser sujeita a certas limitações em prol dos direitos humanos”.
Em consequência das limitações surgiram as responsabilidades dos Estados e dos indivíduos que causam danos ambientais, como ressalta Guido Soares[50] “o termo responsabilidade não é inequívoco, mas analógico […]. Quer tanto significar uma obrigação de fazer, não fazer ou de dar, quanto uma obrigação específica de reparar um dano”, seja este já ocorrido ou eventual.
São vários os momentos que aparecem nos tratados internacionais as diversas modalidades de responsabilidades dos Estados, a exemplo, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, no princípio 2º, onde prevê a responsabilidade de assegurar que atividades não causem danos ao meio ambiente de outros Estados; no princípio 7º, prevê para os países desenvolvidos a responsabilidade internacional de buscar o desenvolvimento sustentável; já no princípio 13, prevê a responsabilidade e à indenização por efeitos adversos dos danos ambientais causados.
Portanto, nota-se que o caráter transgeracional específico do direito ambiental, por se tratar de direito de solidariedade e estar inserido no rol de direitos humanos, gera tanto a criação de direito para as presentes e futuras gerações de um meio ambiente saudável, como também a limitação à soberania estatal, criando responsabilidades e prevendo indenizações aos danos ambientais, sejam eles causados ou na iminência de ocorrer.
2.2. A necessidade de uma “nova engenharia normativa” para a eficiência do direito internacional ambiental
A eficácia e efetividade[51] das normas ambientais é, indubitavelmente, fator relevante para a sociedade internacional. Como vimos, há inúmeras normas que visam a defesa e a proteção do meio ambiente, porém, dada a importância do caráter econômico que move as relações estatais, bem como o desiderato do desenvolvimento econômico interno dos países, não é tarefa fácil conciliar as questões ambientais com o desenvolvimento econômico, colocando em risco a eficácia e a efetividade das normas ambientais assinadas e ratificadas pelos Estados-Partes dos tratados internacionais.
Em razão disso, os tratados internacionais despontam a necessidade de desenvolver novos mecanismos que viabilizam a construção e a prática de normas, de maneira a superar as formas procedimentais clássicas dos tratados, que levaria muito tempo desde a sua elaboração, assinatura, aprovação e ratificação, fatores estes que dificultam as constantes mudanças nas relações políticas/ sociais internacionais.
Nesse cenário, aparece a expectativa de uma nova engenharia normativa capaz de modificar a natureza rígida e formal da negociação convencional, de acordo com Guido Soares[52], “trata-se de uma realidade que começa a tomar corpo no Direito Internacional do Meio Ambiente, constituindo-se, portanto, uma das manifestações do fenômeno que temos denominado uma nova engenharia normativa".
São exemplos dessa nova engenharia normativa a criação de Tratados-Quadros e os Umbrella Treaties, os quais permitem uma remodelagem dos tratados, possibilitando que normas internacionais possam ser criadas no sentido amplo e após a ratificação possam sofrer novas intervenções normativas para regulamentá-las de maneira especifica, ou até mesmo a confecção de outras normas com respaldo nas normas já existentes.
Aceita-se também as normas de Soft law, que assumem o caráter mais flexível para a formação de normas como a Executive agreement, que dispensa a ratificação dos Estados que já assinaram o Tratado, ou o Gentlemen´s agreement, servindo de possibilidade para a estagnação da norma para futuros debates.
As normas Soft law, como dito anteriormente, assumem um papel orientativo e interpretativo para os Estados, significando um avanço de entendimento e de validade moral. Além do mais, figura ainda a probabilidade de no futuro consolidar como normas Hard law. Um exemplo bastante comum de normas Soft law é a Agenda 21, adotada na Convenção do sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, que visa nortear as ações dos Estados em questões ambientais.
Portanto, os novos procedimentos normativos denominados nova engenharia normativa, conforme Guido Soares[53], busca “evitar, a todo custo, é o recurso ao procedimento formal das emendas aos tratados internacionais, que, além de dificultoso, traz problemas de interpretação do ato de emenda, em face do texto emendado”, proporcionando uma dinamicidade das normas às necessidades atuais.
2.2.1. O conceito de Convenção-Quadro e de Umbrella Treaties
A Convenção-Quadro revela uma alternativa utilizada pelo Direito Internacional do Meio Ambiente para acompanhar as necessidades ambientais que alteram frequentemente na sociedade internacional, influenciando diretamente as relações entre Estados. Trata-se da possibilidade de elaborar novas normas ou regulamentar especificamente as normas já existentes, fora do formalismo e da demora própria dos tratados clássicos.
José Cretella Neto[54] assevera que a Convenção-Quadro é uma técnica que consiste em “adotar, no texto da convenção multilateral, formulações relativamente vagas e gerais, contendo grandes linhas orientativas e obrigações cujo conteúdo deva ser posteriormente estabelecido, instituindo mecanismos refinados e precisos […]”, assim, as normas especiais poderiam ser criadas por órgãos técnicos e decisórios para suprir as omissões e lacunas existentes.
Vale ressaltar, que a autonomia desses órgãos criados pela Convenção-Quadro os capacitam para futuras deliberações, permitindo um procedimento de negociações. Guido Soares[55] explica que buscou-se instituir “um tipo de convenção que traça, como uma grande moldura, os limites normativos, ou espaço normativo, dentro dos quais os órgãos instituídos pela Convenção, no exercício de suas atribuições normais, pudessem preencher, com normas especiais […]”, os quais podem ser de detalhamento, esclarecimento, ou ainda normas novas.
A Convenção-Quadro estabelece um órgão legislativo, como a Conferência das Partes Contratantes – COPs, incumbida pelos Estados-Partes de normatizar posteriormente o tratado, o qual institui também obrigações gerais que devem ser obedecidas no momento das normatizações posteriores. Contudo, os novos tratados resultantes da Convenção-Quadro devem conter os mesmos assuntos propostos anteriormente e as mesmas partes.
Conclui-se, portanto, que as leis-quadro são leis amplas e indefinidas que estabelecem uma espécie de moldura onde pode haver normas complementares desde que não extrapolem os limites estabelecidos. Um exemplo é a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima de 1992, que foi complementada pelo Protocolo de Quioto em 2005, o qual manteve os níveis de emissão de gases que provocam o efeito estufa previstos na Convenção e estabeleceu a possibilidade de alterar os níveis dos gases e ainda incluir novas substâncias no Protocolo, conforme vai ocorrendo o desenvolvimento econômico e em consequência a ampliação das emissões de gazes pelas indústrias.
Já o Umbrella Treaties possui ficticiamente a semelhança de uma guarda-chuva, onde há um tratado amplo que abriga outros tratados em complementação ao maior. É ainda menos formal que a Convenção-Quadro, pois, não existem órgãos legisladores, sendo os próprios Estados que legislam. Outra facilidade do Umbrella Treaties é que nem as partes contratantes e nem os assuntos precisam ser os mesmos do tratado maior, além de que no tratado maior possui amplo conteúdo material, sendo dispensado as solenidades habituais para os novos tratados.
Assim, Guido Soares[56] ensina que os “Umbrella Treaties são tratados amplos que abrigam outros atos internacionais menos solenes e firmados em complementação àquele, ou melhor dito, numa ficção de que haveria uma continuidade dos procedimentos de negociação, sem necessidades das solenidades que cercaram a adoção daquele”. Um exemplo conhecido de Umbrella Treaties é a Convenção das Nações Unidas de Montego Bay sobre o Direito do Mar de 1982, que é o tratado maior que incide como guarda chuva na Convenção Internacional para Prevenção da Poluição por Navios – MARPOL de 1973, e seu Protocolo, de 1978.
Tanto a Convenção-Quadro como o Umbrella Treaties distinguem dos tradicionais tratados pela facilidade de elaborar normas de maneira mais rápida, já que não necessitam ser alterados por emendas que levam muito tempo e ainda exaustivas negociações, que na visão de Cretella Neto[57] essas espécies de tratados preocupam em “estabelecer mecanismos que assegurem negociações continuadas e a adoção de novos padrões, à medida que a ciência avança ou as condições do planeta se deterioram quanto a algum aspecto […]” carecendo de medidas urgentes que visam combater os efeitos maléficos ocasionados pelas mudanças sociais, econômicas ou políticas, a exemplo dos danos ambientais causados em razão do desenvolvimento econômico.
2.2.2. Aplicabilidade de novas “fórmulas jurídicas” relativas à proteção do meio ambiente
Cresce a cada dia a necessidade de novas fórmulas jurídicas que almejam o desenvolvimento sustentável como suposta solução para o avanço econômico dos Estados e a proteção e preservação ambiental.
É justamente essa visão dinâmica e moderna da conjectura atual do direito internacional do meio ambiente, visto como direito humanos, que pode ocorrer conflitos normativos no ordenamento interno dos Estados, pois, de um lado os Estados assumem compromissos nas relações internacionais, por outro os Estados criam obrigações internas para seu povo.
Valério Mazzuoli[58] ensina que o “objetivo de um tratado internacional é o de justamente incidir sobre situações que deverão ser observadas no plano do ordenamento jurídico interno dos Estados”. Tal fato acaba por gerar, em algumas situações, conflitos de direitos, ficando mais sério quando o conflito ocorre na seara dos direitos humanos.
A Convenção de Viena de 1969, admitiu a prevalência da teoria monista internacionalista (artigo 27) e a imperatividade Jus cogens da Convenção de Viena de 1969 (artigo 53) para solução de antinomias entre os tratados sucessivos, considerando, portanto, o valor hierárquico superior dos tratados.
Ocorre que os critérios tradicionais para solução das antinomias entre os tratados comuns (aqueles que não versam sobre direitos humanos) como o hierárquico (lex superior derogat legi inferior), o cronológico (lex posterior derogat legi priori) e o da especialidade (lex generalis non derogat leges speciali) não são suficientes para solucionar conflitos entre direitos humanos, os quais possuem características de essencialidade, universalidade, indivisibilidade e interdependência.
A monossolução dos critérios tradicionais, ou ainda, a exclusão de uma norma face a prevalência de outra, dão lugar a um entendimento mais aberto onde as normas de direitos humanos possam conviver, dialogar, transigir, complementar entre si, já que estão dispostas em um sistema jurídico uno, em que deva prevalecer a norma mais benéfica, atendendo ao princípio pro homine.
Neste sentido, Claudia Lima Marques[59], ao citar Erik Jayme, afirma que “estas fontes todas não mais se excluem, ou não mais se revogam mutuamente; ao contrário, elas ‘falam’ umas às outras e os juízes são levados a coordenar estas fontes ‘escutando’ o que as fontes ‘dizem’” (grifo do autor).
Não se pode olvidar que o grande fundamento do diálogo das fontes é o princípio pro homine, de onde justifica a aplicação da norma mais favorável, pouco importando a hierarquia da norma prevalecente ou ainda a sua origem. Mazzuoli[60] leciona que “o princípio pro homine, em outras palavras, garante ao ser humano a aplicação da norma que, no caso concreto, melhor o proteja, levando em conta a força expansiva dos direitos humanos, o respeito do conteúdo essencial desses direitos e a ponderação de bens, valores e interesses”.
Destarte, é possível incluir o diálogo das fontes no rol de novas “fórmulas jurídicas” capaz de realizar a defesa e a proteção do meio ambiente, já que se trata de um direito humano necessário para a sadia qualidade de vida, e, para tanto, diante de quaisquer conflitos no caso concreto prevalecerá a norma mais benéfica ao indivíduo, sem que isso signifique a exclusão da norma do ordenamento jurídico.
Outra fórmula jurídica que desponta na atualidade é a norma Soft law que demonstra a preocupação com que a sociedade internacional encara as questões ambientais, de maneira a criar mecanismos normativos flexíveis que tendem a buscar respostas rápidas para os Estados, além de delinear um pensamento e orientar as ações estatais, também sinalizam a futura postura normativa para a concretização de uma norma Hard law, caso seja interessante para as relações internacionais e internas dos Estados.
Nesse sentido, percebe – se ainda que as Convenções-Quadro e os Umbrella Treaties pertencem ao conjunto de fórmulas jurídicas que buscam tornar eficazes as normas ambientais de modo que as mudanças sociais e políticas podem refletir nos textos normativos de acordo com que eles ocorrem, acompanhando os avanços tecnológicos e também os danos causados em razão do desenvolvimento econômico dos países, proporcionando uma norma ambiental atualizada e célere, livre dos entraves burocráticos próprios do procedimento formal dos tratados.
A participação de Organizações Não Governamentais – ONGs, a exemplo da União Internacional para a Conservação da Natureza e seus Recursos – IUCN, de 1948 e o Geenpeace, de 1971, podem ser tratadas como manifestação de nova fórmula jurídica, visto que referem-se a organizações que produzem estudos científicos relevantes que seriam úteis para a sociedade internacional, produzindo interessantes parcerias com a sociedade internacional, composta pelos Estados e Organizações Intergovernamentais.
José Cretella Neto[61] externa preocupação com a congestão de tratados em razão do crescente número de convenções internacionais do meio ambiente e defende a condensação de “diversas convenções existentes sobre temas correlatos, e proceder a um sistema de unificação normativa sistematizado da proteção ambiental, de modo a deduzir o número de tratados, conferindo-lhes, simultaneamente, maior eficácia”.
Todavia, com devido respeito, não há ainda convicção suficiente para corroborar com a unificação normativa de dispositivos ambientais, principalmente, em razão da dinamicidade das questões ambientais e suas constantes alterações provenientes das condutas sociais e políticas que demandam ações rápidas e com incidência concreta, já que o tratado exige compromisso expresso dos Estados, e, portanto, não se fala em produção normativa repetitiva dada a necessidade específica de estabelecer normas para a defesa ou proteção em cada caso.
Pelo exposto, percebe-se que as fórmulas jurídicas são mecanismos que vão surgindo devido a dinamicidade das relações sociais e políticas, bem como o avanço da ciência e da tecnologia, que influenciam diretamente na necessidade de proteger e defender o ambiente de danos ambientais, decorrentes, em especial, da exploração econômica necessária para o crescimento dos Estados.
Conclusão
O Direito Internacional do Meio Ambiente está consolidado no ordenamento jurídico dada a importância máxima do direito ao meio ambiente como um direito fundamental, adotada no plano internacional pela Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, em 1972.
Embora considere os princípios adotados no artigo 38 da Corte Internacional da Justiça, possui princípios próprios e ainda normas de Jus cogens e obrigações Erga omnes. Em razão da relevância do meio ambiente saudável para a própria existência humana, demonstra características especiais como o caráter transfronteiriço e transgeracional, que geram direitos e deveres a todos impostos, em especial, as responsabilidades dos Estados em casos de danos ambientais.
As rápidas transformações científicas, tecnológicas e também o desiderato do desenvolvimento econômico, e, possíveis efeitos danosos ao meio ambiente, exigem modificações das ações do Direito Internacional, a exemplo, da flexibilidade de normas como a Soft Law, em que criam normas interpretativas e orientativas sem a imperatividade comum da Hard law, mas, que exige o comprometimento moral dos Estados, e, assim, acaba por gerar efeitos para a efetividade das normas ambientais, a exemplo da Agenda 21, da Convenção sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992.
Percebe – se que o Direito Internacional se propôs a criar tipos de tratados com abrandamento das formalidades, como a Convenção-Quadro e os Umbrella Treaties, de maneira a dispensar os procedimentos pesados e longos que demandam árduas negociações entre Estados, para tratados que permitem uma ampla proteção ambiental, menos formais, e que possibilitam negociações continuadas, e, assim, o acompanhamento das mudanças mundiais e adequação imediata das normatizações ambientais.
A busca constante por novas fórmulas jurídicas de proteção internacional do meio ambiente consolida o caráter dinâmico do Direito Internacional Ambiental, de forma a permitir a aplicação de mecanismos que conciliam o processo normativo internacional e as necessidades sócio, político e científico/tecnológico que assolam o almejado desenvolvimento sustentável dos Estados, a exemplo da aplicação dos diálogos das fontes para a prevalência do princípio pro homine, da utilização crescente de normas Soft law e da Convenção-Quadro e Umbrella Treaties, da maior participação de Organizações Não Governamentais no processo legislativo internacional, além do fortalecimento das Organizações Intergovernamentais.
Pelo exposto, nota-se que evolução da Sociedade implica em constantes mudanças das relações sociais e Estatais, sendo importante as revisões das formas de adoção de tratados de maneira a acompanhar a dinamicidade apresentada no Direito Internacional do Meio Ambiente, incidindo, inclusive, sobre alterações dos aspectos formais com relação as próprias fontes do Direito no intuito de obter normas ambientais consagradas pela sua eficácia e efetividade.
Informações Sobre o Autor
Jane de Sousa Melo
Graduada em direito pela Universidade de Cuiabá UNIC especialista em Direito Processual Civil em Direito Público em Política de Segurança Pública e Direitos Humanos. Mestranda em Direito Agroambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT