Resumo: O contraditório e a ampla defesa como garantias constitucionais serão tratados no presente artigo, e a sua aplicação no processo administrativo tributário federal brasileiro, sob a ótica do Decreto 70.235, de 1972, que regula os referidos procedimentos, como mecanismo de atendimento aos preceitos constitucionais garantidores do acesso do cidadão contribuinte aos instrumentos contestatórios à atividade estatal. Neste sentido, serão apresentadas características gerais do modelo adotado, suas limitações e ritos processuais correspondentes.
Sumário: 1.Introdução. 2.O contraditório e a ampla defesa na Constituição de 1988. 3. O contraditório e a ampla defesa no processo administrativo fiscal. 3.1 Dos órgãos julgadores. 3.2 Da impossibilidade de discussão simultânea nas esferas judiciais e administrativas. 3.3 Da apreciação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. 4. Conclusão.
1. Introdução
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, consagrou ao longo do seu texto, e expressamente no artigo 5o, LV, a garantia aos brasileiros e estrangeiros residentes no país, com natureza de cláusula pétrea, o exercício do contraditório e da ampla defesa não apenas no sentido de possibilitar as partes a manifestação em processos judiciais e administrativos, mas, principalmente como uma pretensão à tutela jurídica, nas palavras de Gilmar Mendes[1].
Convergindo a este entendimento, segue o ensinamento de José Afonso da Silva[2], quando baseia o processo legal, outra garantia constitucional, em três outros princípios: o acesso a justiça, o contraditório e a plenitude de defesa (ou ampla defesa).
Assim, a todo o ordenamento jurídico pátrio, por mandamento constitucional, obriga-se o respeito a tais garantias, nos diversos cenários que envolvam relações entre entidades físicas ou jurídicas, envolvam ou não o Estado como parte litigante.
No Direito Tributário esta premissa não poderia ser negligenciada, dada a necessidade, ademais, que o agente público tem de respeitar demais princípios do Direito Administrativo como: da legalidade objetiva, da busca pela verdade material, do devido processo legal, da motivação dos atos administrativos, da segurança jurídica, entre tantos outros.
Desta forma, o exercício do contraditório e da ampla defesa é garantia constitucional e pode ser invocada basicamente em duas searas, a judicial e administrativa. Pelo interesse presente, trataremos especificamente desta garantia no âmbito do contencioso administrativo tributário, ao qual é dado genericamente o nome de Processo Administrativo Fiscal, regulado sobretudo pelo Decreto 70.235, de 6 de março de 1972.
Esta é a ferramenta administrativa posta a disposição do contribuinte para que seja avaliado se os pressupostos substantivos e formais que determinam a relação jurídico-tributária foram respeitados na atividade de administração tributária, observados os limites de atuação que caracterizam a atividade julgadora administrativa tendo em vista que o Brasil adota o modelo unificado de jurisdição, reservando ao Poder Judiciário, competências exclusivas na solução definitiva de lides jurídicas. O que não significa que os conflitos de interesses não possam ser dirimidos através de instância administrativa. Não se retira da Administração o poder de decidir, configurando coisa julgada administrativa a decisão que não pode mais ser revista neste âmbito de julgamento, servindo, assim, como mais uma etapa para o exercício do contraditório e da ampla defesa.
2.O contraditório e a ampla defesa na Constituição de 1988
O princípio do contraditório e da ampla defesa encontra sua guarida máxima na Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, em seu art. 5o , inciso LV, e é também identificado pela expressão latina audiatur et altera pars , que significa “ouça-se também a outra parte”.
Trata-se de corolário do principio do devido processo legal, segundo qual o ato praticado por autoridade, para ser considerado válido, eficaz e completo, deve seguir todas as etapas previstas em lei[3], sendo caracterizado pela possibilidade de resposta e a utilização de todos os meios em Direito Admitidos.
A Constituição da República teve a preocupação, destaque-se, de expressar tal garantia como válida não apenas aos processos sob a jurisdição judicial, mas também aqueles tramitados em esferas administrativas.
Isto porque o processo administrativo é um instituto próprio e essencial ao estado democrático de direito e a sua aplicabilidade deve sempre decorrer de com respeito aos preceitos inseridos na Constituição da República, que estabelece os meios e princípios com os quais devem corresponder todas as suas etapas. O intuito primordial do contraditório em procedimentos administrativos é o de permitir que ocorra participação plena do cidadão, administrado, servidor ou contribuinte, e que se construa um controle de abusos, apresentação de fatos, provas e pertinente julgamento.
No meio processual, o princípio em comento se manifesta na possibilidade que os litigantes têm de requerer a produção de provas e de participarem da sua realização, assim como também de se pronunciarem a respeito de seu resultado, seja em processos ou procedimentos judiciais, extrajudiciais, administrativo, de vínculo laboral, associativo ou comercial, garantido a qualquer parte afetada por decisão de órgão superior.
Apesar de possuírem relação semântica interdependente, doutrinadores costumam individualizar as definições de cada um dos termos, se referindo ao contraditório como “a garantia constitucional que assegura a ampla defesa ao acusado, proporcionando a este o exercício pleno de seu direito de defesa, conforme ensina J. Canuto Mendes de Almeida[4], que grifamos:
"A verdade atingida pela justiça pública não pode e não deve valer em juízo sem que haja oportunidade de defesa do indiciado. é preciso que seja o julgamento precedido de atos inequívocos de comunicação ao réu: de que vai acusado; dos termos precisos dessa acusação; e de seus fundamentos de fato (provas) e de direito. Necessário também é que essa comunicação seja feita a tempo de possibilitar a contrariedade: nisso está o prazo para conhecimento exato dos fundamentos probatórios e legais da imputação e para oposição da contrariedade e seus fundamentos de fato (provas) e de direito."
A ampla defesa, por sua vez, é a possibilidade que o acusado tem, já gozando do direito ao contraditório, de lançar mão a todas as possibilidades de exercício pleno do seu direito de defesa, possibilitando-o trazer ao processo os elementos que julgar necessários ao esclarecimento da verdade.
É da lavra de Vicente Greco Filho[5] a afirmação de que a ampla defesa é constituída a partir de cinco fundamentos: "a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contraprova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função é essencial á Administração da Justiça (art. 133 [CF/88]); e e) poder recorrer da decisão desfavorável".
Em resumo então, pode-se concluir que enquanto o contraditório é a oportunidade garantida ao acusado de defender-se contra o que lhe é imputado, a ampla defesa é, propriamente dito, o usufruto desta garantia, através das ferramentas permitidas em direito.
Uma sem a outra perderia o sentido, vez que ao passo que o contraditório é requisito para ampla defesa, aquele não faria sentido se a esta não fosse ofertadas as prerrogativas necessárias a melhor prestação do serviço jurisdicional, lato senso, uma vez que neste artigo ao nos referirmos a estas garantias constitucionais, sempre o faremos, quando genericamente, aos conflitos julgados tanto no âmbito do processo administrativo quanto no judiciário.
3.O contraditório e a ampla defesa no Processo Administrativo Fiscal
3.1 Dos órgãos julgadores
Atualmente a Administração Pública aplica o Direito Tributário em consonância com as regras estabelecidas pelo Processo Administrativo Fiscal, regulado pelo Decreto 70.235/72, estatuído a partir do Decreto-Lei 822/69, que delegou competência ao Poder Executivo de legislar sobre processo fiscal. Subsidiariamente aplica-se também o que está determinado pela norma geral do Processo Administrativo, a Lei nº 9.784/99.
O Decreto 70.235/72 surge assim, com a finalidade de regular o processo administrativo relativo à determinação e à exigência de créditos tributários federais, de empréstimos compulsórios e de consulta. Em decorrência da mencionada delegação de competência, atualmente a jurisprudência brasileira tem conferido a este Decreto o status de lei.
Um dos seu grandes méritos foi o de unificar a legislação processual tributária, uma vez que cada tributo trazia regras processuais específicas para sua cobrança, o que dificultava o sistema de administração tributária, com variedade de formas, prazos e procedimentos específicos, gerando uma série de legislações processuais específicas de complicada assimilação. Ainda assim, deixou vários procedimentos típicos da atividade tributária a margem da regulação, como os procedimentos relativos à penalidade, repetição de indébito, perdimento de mercadoria, entre outros, restando, para muitos, insuficiente para atingir o fim a que se propunha.
Não obstante as carências destacadas, reservou atenção a respeito do contraditório e da ampla defesa, ao estabelecer os caminhos postos a disposição do contribuinte para o exercício das citadas garantias constitucionais.
Constituído o crédito tributário ou aperfeiçoado o ato administrativo que produz efeitos jurídicos, pode o contribuinte comportar-se de uma entre as três formas possíveis: inconformar-se e manifestar impugnação (ou manifestação de inconformidade, de acordo com a decisão reclamada) tempestiva da exigência; conformar-se e efetuar a extinção da exigência através de uma das formas previstas no Código Tributário Nacional – CTN ou se omitir, o que caracteriza a revelia, quando não há nem a extinção e nem a realização de qualquer ato que importe na suspensão da exigibilidade do crédito.
Ao inconformar-se e apresentar impugnação, o contribuinte estará, no âmbito administrativo, lançando mão do seu direito ao contraditório e a ampla defesa. A propósito, é entendimento pacífico que, tais garantias só podem ser invocadas neste momento, ou seja, no momento em que configura-se a instauração do contencioso. Antes de aperfeiçoado o lançamento, verifica-se a ocorrência da etapa inquisitiva, na qual o fisco levanta as informações necessárias para a imputação de uma obrigação tributária inadimplida. Ao contribuinte não é garantido o direito de, neste momento, efetivar qualquer medida no intuito de impedir a ação fiscalizatória ou seu resultado, haja vista o disposto pelo art. 14 do Decreto 70.235/72, determinando que a “impugnação da exigência instaura a fase litigiosa do procedimento”.
Em relação ao tema, traz-se ementa produzida a partir de decisão administrativa exarada pela Delegacia da Receita Federal de Julgamento – DRJ de Campo Grande/MS, com grifo nosso, onde discutia-se a necessidade de intimação ao contribuinte para prestação de esclarecimentos, no decurso do procedimento de fiscalização e antes do seu desfecho. A tese vencedora, convencida pelo citado art. 14 do Decreto 70.235/72, foi a de que não é garantido ao contribuinte o exercício do contraditório e da ampla defesa antes de instaurado o litígio e que tais garantias foram respeitadas a partir da oportunidade de apresentação e apreciação da impugnação interposta, junto a qual o contribuinte pôde ofertar as provas que considerasse necessárias.
Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF OMISSÃO DE RENDIMENTOS. DEPENDENTES. Os rendimentos tributáveis recebidos pelos dependentes devem ser somados aos rendimentos do contribuinte para efeitos de tributação na declaração. PROCEDIMENTO FISCAL. PARTICIPAÇÃO DO AUTUADO. O procedimento fiscal possui natureza inquisitiva, sendo prescindível a participação do autuado nessa fase, mormente quando a autoridade fiscal já dispõe de informações necessárias para a caracterização da infração tributária. DIRPF. RETIFICAÇÃO. ESPONTANEIDADE. PROCEDIMENTO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. Após o início do procedimento fiscal, o autuado perde a espontaneidade para retificar a declaração de ajuste anual.
As DRJ, a propósito, constituem-se na primeira instância do contencioso administrativo federal, atualmente regidas pela Portaria MF 341/2011, são formadas por Turmas Ordinárias e Especiais de julgamento, cada uma delas integrada por 5 (cinco) julgadores, podendo funcionar com até 7 (sete) julgadores, titulares ou pro tempore. Todos necessariamente ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil e designados para mandatos com duração de até 36 (trinta e seis) meses, admitidas reconduções. As unidades das Delegacias da Receita Federal de Julgamento são compostas por turmas e a cada uma confere-se competências especificas de julgamento, conforme ato do Ministro da Fazenda.
Apresentada a impugnação ou a manifestação de inconformidade pelo contribuinte interessado em discutir um direito, cabe a estas o julgamento e primeira instância da peça de contestação. Esta impugnação não poderá resultar em um agravamento da exigência original, ou seja, trata-se de um impedimento ao reformatio in pejus.
O julgador, tanto o de primeira quanto o de segunda instância, em respeito ao princípio da oficialidade, tem o poder de comando do processo, podendo determinar de ofício a realização de diligências ou perícias, quando as entender necessárias (art. 18 do Decreto nº 70.235/1972) a formação de sua convicção.
A determinação para realização de diligência ou perícia deve estar devidamente motivada (inciso VII, do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 9.784/99), descrevendo a razão do pedido para que o resultado seja eficaz.
O art. 16 do Decreto 70.235/72 lista os tópicos que não podem deixar de constar na peça contestatória, para que o contribuinte possa exercer seu direito de ampla defesa, como as provas que já possua e que possa comprovar o que afirma, bem como prevê que o mesmo poderá requerer a realização de diligências e perícias com a finalidade de produzi-las.
Há previsão, inclusive, que tais provas sejam apresentadas em momento posterior à apresentação da impugnação, desde que tenham caráter superveniente.
Concluso o julgamento em primeira instância, o órgão cientifica o interessado do acórdão proferido. Caso o lançamento tenha sido mantido total ou parcialmente, o contribuinte poderá apresentar, no prazo de trinta dias da ciência, recurso voluntário total ou parcial, que será submetido à segunda instância administrativa (artigo 33 do Decreto n.º 70.235/72).
O julgamento em segunda instância é feito pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF, órgão colegiado e paritário, composto por conselheiros representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes. O CARF é composto por três Seções e pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). As Seções são especializadas por matéria e constituídas por quatro Câmaras; e tais Câmaras poderão ser divididas em Turmas, nas quais são realizados os julgamentos em segunda instância. A CSRF será objeto de estudo no próximo módulo.
Mesmo se o recurso voluntário for apresentado após o prazo legal, compete ao CARF o seu exame. Portanto este recurso, mesmo protocolado a intempestivamente, será encaminhado ao órgão de segunda instância, que julgará a perempção (artigo 35 do Decreto nº 70.235/72). Compete aos presidentes de câmara negar, de oficio ou por proposta do relator, seguimento ao recurso apresentado intempestivamente, quando não houver o prequestionamento em relação ao prazo de sua interposição.
O recurso voluntário tem efeito suspensivo e, em conseqüência, a eficácia do acórdão de primeira instância fica sobrestada até que se decida este recurso, ou seja, durante o transcurso destas etapas permanece suspensa a exigibilidade do crédito tributário discutido.
A garantia do duplo grau, no entanto, tem exceções. Não cabe recurso, por exemplo, da decisão que cancelar a isenção com fundamento nos incisos I, II e III do artigo 206 do Regulamento da Previdência Social, que trata das pessoas jurídicas de direito privado beneficentes de assistência social (artigo 21, § 3º, da Portaria RFB n° 10.875, de 16 de agosto de 2007), bem como da decisão que denegar incentivos de redução do imposto sobre a renda da pessoa jurídica incidentes sobre o lucro da exploração (artigo 3º, § 4º, do Decreto n.º 4.213, de 26 de abril de 2002).
Contra os acórdãos proferidos pelos colegiados do CARF é cabível o recurso especial contra decisão divergente, cujas normas estão reguladas no Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Anexo II da Portaria MF no 256/2009, arts. 67 a 71), cabe contra as decisões que tenham dado à lei tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outra Câmara, turma de Câmara, turma especial ou a própria Câmara Superior de Recursos Fiscais.
O recurso especial poderá ser interposto tanto pelo sujeito passivo quanto pelo Procurador da Fazenda Nacional. Deverá ser apresentado por escrito, em petição destinada ao Presidente da Câmara à qual esteja vinculada a Turma que houver exarado a decisão recorrida que poderá admiti-lo ou não, conforme se verifiquem os pressupostos de sua admissibilidade.
O despacho que rejeitar, total ou parcialmente, a admissibilidade do recurso especial será submetido à apreciação do Presidente da CSRF. Não cabe recurso especial de decisão que aplique súmula de jurisprudência dos Conselhos de Contribuintes, da Câmara Superior de Recursos Fiscais ou do CARF, ou que, na apreciação de matéria preliminar, decida pela anulação da decisão de primeira instância.
Admitido o recurso, o processo será encaminhado à outra parte, que terá prazo de quinze dias para apresentação de suas contrarrazões. O despacho que rejeitar, total ou parcialmente, a admissibilidade do recurso especial será submetido à apreciação do Presidente da CSRF, que poderá designar conselheiro da CSRF para se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso especial interposto. Na hipótese de o Presidente da CSRF entender presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso especial irá retomar seu curso, sendo então encaminhado à outra parte, que terá prazo de quinze dias para apresentação de suas contrarrazões. Será definitivo o despacho do Presidente da CSRF que negar ou der seguimento ao recurso especial.
Em resumo: o contribuinte inconformado com ato da administração poderá interpor impugnação ao colegiado de primeira instância (DRJ), recorrer voluntariamente das decisões desta em segunda instância (CARF) e, atendidos os requisitos de admissibilidade, contra as decisões deste, interpor recurso especial à Câmara Superior de Recursos Fiscais.
O ingresso na via administrativa é gratuito, dispensa a intervenção de advogado e suspende de imediato a exigibilidade do crédito tributário, conforme CTN, art. 151, III, ao passo que a reclamação no âmbito judicial somente tem este condão nos casos em que haja decisão liminar (CTN, art. 151, IV).
3.2 Da impossibilidade de discussão simultânea nas esferas administrativas e judiciais
A prevalência das decisões judiciais, dado o caráter uno da jurisdição brasileira, determina que o ingresso em contencioso judicial importa, necessariamente a renúncia às instâncias administrativas.
Tal entendimento está expresso no Decreto nº 7.574, de 29 de setembro de 2011, que determina em seu art. 87 que:
“Art.87.A existência ou propositura, pelo sujeito passivo, de ação judicial com o mesmo objeto do lançamento importa em renúncia ou em desistência ao litígio nas instâncias administrativas (Lei no 6.830, de 1980, art. 38, parágrafo único).”
Antes da edição da norma citada, no entanto, já existia súmula publicada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais no tocante ao tema:
“Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo, sendo cabível apenas a apreciação, pelo órgão de julgamento administrativo, de matéria distinta da constante do processo judicial.”
A vedação não pode ser considerada cerceamento de defesa, posto que renúncia somente refere-se aos objetos e argumentos absolutamente idênticos quando em ambas as esferas. Havendo disparidade de objeto ou de argumento, a renúncia poderá ser parcial ou, inclusive, não se configurar.
Esta compreensão decorre, como dito, do fato de prevalecer em definitivo o entendimento exarado pelo judiciário, não fazendo sentido permitir que progrida uma discussão administrativa que poderá ser contrariada eventualmente por decisão que a ela prevalecerá.
Importando observar que o esgotamento da lide administrativa não impede o contribuinte de pleitear seu direito na esfera judicial.
3.3 Da apreciação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
Matéria que recorrentemente é tema de debates e questionamentos acerca de possíveis limitações ao exercício do contraditório e da ampla defesa refere-se a possibilidade da discussão administrativa da inconstitucionalidade de normas aplicadas ao direito tributário.
Contudo é vedado aos membros das turmas de julgamento tanto do CARF quanto das DRJ afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade. Existem exceções, conforme se apreende da leitura do art. 26-A do Decreto 70.235/72, transcrito a seguir:
“Decreto 70.235/72, Art. 26-A. No âmbito do processo administrativo fiscal, fica vedado aos órgãos de julgamento afastar a aplicação ou deixar de observar tratado, acordo internacional, lei ou decreto, sob fundamento de inconstitucionalidade.
§ 6o O disposto no caput deste artigo não se aplica aos casos de tratado, acordo internacional, lei ou ato normativo: (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
I – que já tenha sido declarado inconstitucional por decisão definitiva plenária do Supremo Tribunal Federal; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
II – que fundamente crédito tributário objeto de:
a) dispensa legal de constituição ou de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, na forma dos arts. 18 e 19 da Lei no 10.522, de 19 de julho de 2002; (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
b) súmula da Advocacia-Geral da União, na forma do art. 43 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993; ou (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
c) pareceres do Advogado-Geral da União aprovados pelo Presidente da República, na forma do art. 40 da Lei Complementar no 73, de 10 de fevereiro de 1993.” (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009).
Ainda assim, pode-se observar que tais exceções pressupõem uma determinação anterior emanada por outros órgãos concernentes ao tema. Sobre o assunto, manifesta-se Marcos Vinicius Neder e Maria Tereza Martinez Lopez[6]:
“Observamos ser a questão que envolve interpretações sobre a ilegalidade ou inconstitucionalidade de determinado ato, pelos órgãos administrativos, um dos temas centrais das discussões doutrinárias e jurisprudenciais, sendo disputa travada tanto nas instâncias administrativas quanto nas judiciárias. O acúmulo de processos que versam sobre matéria tributária no Supremo Tribunal Federal tem gerado reflexões, pois se relacionam a questão de massa. Na verdade, as questões tributárias, somadas às previdenciárias, representam a maioria dos casos a serem resolvidos pela Corte Constitucional. O Ministro Gilmar Ferreira Mendes defendeu em diversas oportunidades a importância da criação de mecanismos de prevenção que antecipem a solução dos litígios de massa e evitem a chegada dessas questões a Suprema Corte. Isso tornaria a prestação da tutela do Estado mais célere e eficaz.”
Apesar das discussões, o momento atual ainda é de limitação à possibilidade de afastamento da incidência de normas sob argumento de inconstitucionalidade, conforme sumulado pelo CARF:
“Súmula CARF nº 2: O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária.”
A titulo de ilustração, menciona-se decisão proferida no julgamento do processo administrativo fiscal federal de número 18192.000193/2007-39, no qual o contribuinte protestou contra o valor, a seu ver, exacerbado da multa moratória imposta no lançamento discutido, a qual contrariava os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade, questionamento que teve como resposta a compreensão de que não caberia ao CARF manifestar-se sobre o tema, conforme informa a ementa transcrita:
“Assunto: Processo Administrativo Fiscal Período de apuração: 01/07/2005 a 31/12/2005 INCLUSÃO DOS DÉBITOS EM PARCELAMENTO – DISCUSSÃO JUDICIAL. – JUROS E MULTA – RENÚNCIA A INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA – NÃO CONHECIMENTO. Importa renúncia às instâncias administrativas a propositura pelo sujeito passivo de ação judicial por qualquer modalidade processual, antes ou depois do lançamento de ofício, com o mesmo objeto do processo administrativo. O recorrente na ação declaratória questiona a possibilidade de parcelar, inclusive juros e multa. INCONSTITUCIONALIDADE – ILEGALIDADE DE LEI E CONTRIBUIÇÃO – IMPOSSIBILIDADE DE APRECIAÇÃO NA ESFERA ADMINISTRATIVA A verificação de inconstitucionalidade de ato normativo é inerente ao Poder Judiciário, não podendo ser apreciada pelo órgão do Poder Executivo. O CARF não é competente para se pronunciar sobre a inconstitucionalidade de lei tributária. Recurso Voluntário Negado”[7].
Conclusão
O contraditório e a ampla defesa, como garantias constitucionais, encontram correspondência com diversos aspectos da Administração Tributária. Ao longo deste artigo abordamos algumas delas, com foco na apresentação dos órgãos e ritos que compõem o contencioso administrativo tributário federal.
Tais garantias, no entanto, podem ser associadas aos mecanismos de acesso a informação postos a disposição do cidadão, como os existentes em ambiente virtual ou com o atendimento presencial em Centros de Atendimento ao Contribuinte. Uma vez que a disponibilidade da informação e a tempestividade da sua ciência são necessários e atuam para a proteção das garantias discutidas.
A evolução dos procedimentos e a automatização da emissão dos atos administrativos, como os de lançamento, demandam sobremaneira o aperfeiçoamento dos mecanismos de julgamento e revisão, a fim de evitar-se que demais princípios da Administração Pública sejam menosprezados pela ânsia de eficácia e celeridade.
Este é o contraponto que devemos fazer ao elaborar um sistema de contencioso, seus ritos e limitações. É importante que este sistema seja capaz, no mínimo, de resolver satisfatoriamente as distorções causadas pelo próprio aparelho de Administração Tributária, para que o contribuinte não reste prejudicado em direitos fundamentais, como os relacionados à dignidade da pessoa humana e a livre propriedade.
Assim, caminha-se para uma Administração Tributária que atue para cumprir, em sua plenitude, os objetivos estratégicos aos quais se impôs, com destaque para a construção da justiça fiscal e a manutenção da função social de arrecadação de tributos, dentro dos limites da legalidade, da isonomia e da segurança jurídica.
Informações Sobre o Autor
Igor Rosado do Amaral
Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil julgador administrativo da 5a Turma de Julgamento da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento em Fortaleza