As isenções tributárias concedidas em tratados internacionais

Resumo: O presente artigo trata da possibilidade de concessão de isenções de tributos estaduais e municipais pela União Federal ao celebrar tratados internacionais e se tal possibilidade esbarra na proibição de concessão de isenções heterônomas estabelecida no art. 151, inciso III, da Constituição Federal de 1988.


Palavras-chave: Isenção. Tratados internacionais. Tributos estaduais e municipais.


Abstract: This paper discusses the possibility of granting exemptions from state and local taxes by the federal government to enter into international treaties and if this possibility is blocked by the ban on granting exemptions heteronomous established in the art. 151, section III, of the Constitution of 1988.
 
Keywords: Exemption. International treaties. State and local taxes.


Sumário: Introdução. 1. Conceito de isenção tributária e distinções entre imunidade, não incidência, isenção e alíquota zero 2. A veiculação em tratados internacionais de isenções de tributos estaduais e municipais. Conclusões. Referências.


Introdução


Em regra as isenções são concedidas pelo ente tributante. Assim, apenas pode isentar quem é competente para tributar. É o que os doutrinadores chamam de isenções autonômicas.


Contudo, há casos, inclusive constitucionalmente expressos, de isenções heterônomas, ou seja isenções concedidas por ente estatal diverso da entidade tributante.


A Constituição de 1967, em seu art. 19, § 2º, autorizava a União, mediante lei complementar e atendendo a relevante interesse social ou econômico nacional, a conceder isenções de impostos estaduais e municipais, o que obviamente ía de encontro ao princípio da autonomia dos entes federados.


A Constituição de 1988, ao contrário, expressamente vedou à União a possibilidade de instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios (art. 151, III, CF/88).


As duas únicas exceções à vedação de concessão de isenções heterônomas estão expressamente previstas na Constituição Federal de 1988 nos artigos 155, § 2º, XII, “e” e 156, § 3º, II. A primeira exceção (art. 155, § 2º, XII, CF/88) autoriza o Poder Legislativo da União, por meio de lei complementar, a excluir da incidência do ICMS (tributo da competência estadual e do Distrito Federal) serviços e outros produtos exportados para o exterior. A segunda exceção (art. 156, § 3º, II, CF/88) autoriza a União a editar lei complementar que exclua da incidência do ISS (imposto da competência dos Municípios e do Distrito Federal) as exportações de serviços para o exterior.


E as isenções de tributos estaduais e municipais concedidas em tratados internacionais firmados pela República Federativa do Brasil? Tais isenções seriam consideradas constitucionais? Seriam isenções heterônomas? Sendo, por hipótese, isenções heterônomas, porque não estão expressamente autorizadas na Constituição Federal? A fim de responder esses questionamentos prosseguiremos este estudo abordando os principais aspectos das isenções tributárias concedidas em tratados internacionais.


1. Conceito de isenção tributária e distinções entre imunidade, não incidência, isenção e alíquota zero


Antes de analisar o tema proposto, faz-se necessário conceituar o que é isenção tributária e diferenciá-la da não incidência, da imunidade e da alíquota zero.


Hugo de Brito Machado diferencia imunidade, isenção e não incidência da seguinte forma:


Distingue-se a isenção da não incidência. Isenção é a exclusão, por lei, de parcela da hipótese de incidência, ou suporte fático da norma de tributação, sendo objeto da isenção a parcela que a lei retira dos fatos que realizam a hipótese de incidência da regra de tributação. A não-incidência, diversamente, configura-se em face da própria norma de tributação, sendo objeto da não incidência todos os fatos que não estão abrangidos pela própria definição legal da hipótese de incidência. (…)


Pode ainda ocorrer que a lei de tributação esteja proibida, por dispositivo da Constituição, de incidir sobre certos fatos. Há, neste caso, imunidade. A regra constitucional impede a incidência da regra jurídica de tributação. Caracteriza-se, portanto, a imunidade pelo fato de decorrer de regra jurídica de categoria superior, vale dizer, de regra jurídica residente na Constituição, que impede a incidência da lei ordinária de tributação.


O que distingue, em essência, a isenção da imunidade é a posição desta última em plano hierárquico superior.”[1]


Ricardo Alexandre afirma que três institutos jurídicos podem excepcionar a regra, que é o pagamento do tributo. São eles: a não-incidência (que abrange as imunidades); a isenção e a fixação de alíquota zero: 


“(…) a não incidência refere-se às situações em que um fato não é alcançado pela regra da tributação. Tal fenômeno pode ocorrer basicamente de três formas:


a) o ente tributante, podendo fazê-lo, deixa de definir determinada situação como hipótese de incidência tributária. (…)


b) o ente tributante não dispõe de competência para definir determinada situação como hipótese de incidência do tributo, uma vez que a atribuição constitucional de competência não abrange tal fato. (…)


c) a própria Constituição delimita a competência do ente federativo impedindo-o de definir determinadas situações como hipóteses de incidência de tributos. Neste caso, o próprio desenho das competências tributárias fica redefinido de forma a obstar a própria atividade legislativa da pessoa tributante. Trata-se do instituto da imunidade.(…)


A isenção consiste na dispensa legal do pagamento do tributo. Assim, o ente político tem competência para instituir o tributo e, ao fazê-lo, opta por dispensar o pagamento em determinadas situações.(…)


Nos casos de alíquota zero, o ente tributante tem competência para criar o tributo – tanto que o faz -, e o fato gerador ocorre no mundo concreto, mas a “obrigação tributária” dele decorrente, por uma questão de cálculo é nula.(…)


As imunidades são limitações constitucionais ao poder de tributar consistentes na delimitação da competência tributária constitucionalmente conferida aos entes políticos.


(…) a isenção opera no âmbito do exercício da competência, enquanto a imunidade, como visto, opera no âmbito da própria delimitação de competência”. [2]


Paulo de Barros Carvalho, por sua vez, diferencia imunidade tributária  de isenção da seguinte forma:


“O preceito de imunidade exerce a função de colaborar, de uma forma especial, no desenho das competências impositivas. São normas constitucionais. Não cuidam da problemática da incidência, atuando em instante que antecede, na lógica do sistema, ao momento da percussão tributária. Já a isenção se dá no plano da legislação ordinária. Sua dinâmica pressupõe um encontro normativo, em que ela, regra de isenção opera como expediente redutor do campo de abrangência dos critérios da hipótese ou da consequência da regra-matriz do tributo (…).”[3]


Para Luciano Amaro:


“Se o ordenamento jurídico declara situação não tributável, em preceito constitucional, temos a hipótese de imunidade tributária. Se a lei exclui a situação, subtraindo-a da regra de incidência estabelecida sobre o universo de que ela faz parte, temos a isenção.”[4]


Bem entendido o que é isenção e sua diferença em relação a institutos afins como a imunidade, a não incidência e a alíquota zero, passaremos à análise da possibilidade de concesão de isenção de tributos estaduais e municipais pela República Federativa do Brasil em Tratados internacionais.


2. A veiculação em tratados internacionais de isenções de tributos estaduais e municipais


Os tratados internacionais, à exceção dos tratados de veiculem direitos humanos, que podem apresentar natureza constitucional ou de norma supralegal, uma vez firmados pela República Federativa do Brasil, ingressam no ordenamento jurídico como lei ordinária.


Francisco Resek afirma que “tratado é o acordo formal, concluído entre sujeitos de direito internacional público, e destinado a produzir efeitos jurídicos[5].”


Os tratados, portanto, são firmados por sujeitos de direito internacional público, ou seja por Estados e organismos internacionais.


A União, quando firma um tratado internacional, não está se portando como pessoa jurídica de direito público interno, mas sim como pessoa política de direito internacional representante do Estado brasileiro soberano.


Assim, o Estado brasileiro, representado pela União, estaria autorizado a instituir isenções, no âmbito do direito internacional, de tributos federais (obviamente), estaduais e municipais.


O Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n. 229.096/RS (16/08/07) em que se discutia se seria ou não compatível com a Constituição de 1988 a isenção de ICMS prevista no Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) para importação de mercadorias oriundas dos países signatários quando o similar nacional tem o mesmo benefício, decidiu que “o Estado Federal não deve ser confundido com a ordem parcial do que se denomina União”, já que “é o Estado Federal total (República Federativa) que mantém relações internacionais, e por isso pode estabelecer isenções de tributos não apenas federais mas também estaduais e municipais”, concluindo o STF que “é dado à União, compreendida como Estado Federal total, convencionar no plano internacional isenção de tributos locais”.


Além disso, a possibilidade da União, representando o Estado brasileiro no plano internacional, isentar tributos estaduais e municipais não implica ofensa ao disposto no art. 151, III, da Constituição Federal de 1988, pois uma isenção tributária concedida em tratado internacional decorre de manifestação do Estado brasileiro globalmente considerado, no qual estão incluídos todos os entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). Assim, não se pode falar de ofensa à vedação de concessão de isenções heterônomas prevista no art. 151, III, da Constituição Federal de 1988. A ementa do RE 229.096/RS é expressa neste sentido:


“No direito internacional apenas a República Federativa do Brasil tem competência para firmar tratados (art. 5º, § 2º, da Constituição da República), dela não dispondo a União, os Estados-membros ou os Municípios. O Presidente da República não subscreve tratados como Chefe de Governo, mas como Chefe de Estado, o que descaracteriza a existência de uma isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, inc. III, da Constituição.  (destacado)”


Assim, o art. 151, III, da Constituição Federal de 1988, ao vedar que a União institua isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal e Municípios, ou seja, ao impossibilitar as isenções heterônomas, refere-se ao âmbito das entidades federadas entre si, não tendo por objeto a União quando esta se apresenta na órbita internacional.


Conclusões


A União, ao atuar como representante da República Federativa do Brasil quando celebra tratados internacionais, pode conceder isenção relativa a tributos federais, estaduais e municipais, não se configurando hipótese de isenção heterônoma, vedada pelo art. 151, III, da Constituição Federal de 1988, pois se trata de manifestação do Estado brasileiro globalmente considerado.  


 


Referências

ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. São Paulo: Método. 3 ed. atual. ampl. 2009.

ALEXANDRINO, Marcelo. Direito tributário na Constituição e no STF / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo – 16 ed., rev. e atual. São Paulo: Método. 2011.

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva. .12 ed. rev. e atual. 2006.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva. 17 ed. 2005.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário.27 ed. rev.,atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. 2006.

REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense. 1984.

ROSA JR. Luiz Emygdio F. Da. Manual de direito financeiro & direito tributário. 20 ed. Rio de Janeiro: Renovar. 2007.

 

Notas:

[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27 ed. rev.,atual. e ampl. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 241/242.  

[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário esquematizado. São Paulo: Método. 3 ed. atual. ampl. 2009. p.159/161

[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva. 17 ed. 2005. p. 188.

[4] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva.12 ed. rev. e atual. 2006. p. 282, n. 9.

[5] REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 21.


Informações Sobre o Autor

Rosalliny Pinheiro Dantas

Procuradora Federal; Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará; Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Ceará; Graduada em Direito pela Universidade Federal do Ceará.


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