1. O conceito de liberdade
As liberdades, representantes da 1ª. Geração de Direitos Fundamentais, são entendidas como o direito dos cidadãos a possuir uma esfera jurídica de não intromissão dos Poderes Públicos[1]. Leia-se o inciso II do artigo 5º. da Constituição Federal de 1.988 : “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Trata-se exatamente da consagração dessa versão, ou seja, “facultas ejus, quod facere licet, nisi quid jure prohibet”.
Enquanto podemos traçar como o 1º. Ideólogo desta concepção Thomas Hobbes em seu “Leviatã”, a idéia de “liberdade como esfera ausente de qualquer tipo de coerção” é popularizada por Jeremy Bentham no mundo anglo-saxão e daí no constitucionalismo um todo a partir do século XVIII.
Bentham entabulava essa concepção como uma resposta aos reclamos dos insurgentes americanos de que eram “escravizados” no como colonos ingleses[2]. Defendia o grande jurista inglês que essa era uma reclamação infundada, posto que dispunham de uma ampla margem de ação sem interferência da coroa inglesa. Não obstante tal doutrina não tenha evitado a Independência de 1.776, tal conceito de “liberdade” logo se tornou muito conveniente para o Estado burguês que se avizinhava.
Já dominando os meios de produção, exatamente o que tal classe desejava dos governantes era que não se imiscuíssem em sua esfera de atuação. Assim se desenvolve o chamado “Estado Liberal”, em que os direitos constantes nas constituições consistiam basicamente de “prestações negativas”. E, muito embora o século XX tenha observada, desde a “Constituição de Weimar” o elenco de direitos fundamentais se estender até alcançar prestações positivas de caráter individual, coletivo e inclusive meta-geracional, o rol das liberdades continua a ser presença básica em qualquer constituição democrática.
O caráter defensivo ( de clamar por “ações negativas”) é importante para a definição das liberdades, porém não é suficiente para distingui-los de outros direitos defensivos. Esclarece então o conceito o mestre português José Joaquim Gomes Canotilho que “distinguindo-se entre ‘direitos, liberdades e garantias’, tem de haver algum traço específico, típico das posições subjectivas identificadas como ‘liberdades’. Este traço específico é o da ‘alternatividade de comportamento’, ou seja, a possibilidade de escolha de um comportamento”[3]. Por exemplo o valor “vida” não configura, assim, uma liberdade, posto que não é dado pelo ordenamento a opção entre viver ou morrer (como nos demonstra, por exemplo, o “auxílio ao suicídio” ser criminalizado). Por outro lado, o direito a associação apresenta-se como um evidente exemplo de liberdade, posto que permite a entrada e saída dos cidadãos dos grupamentos formados sem maiores limitações.
As liberdades assim definidas podem ser divididas em quatro grandes grupos, quais sejam : a liberdade da pessoa física (liberdades de locomoção, de circulação); a liberdade de pensamento (opinião, religião, informação, artística, comunicação); liberdade de expressão coletiva (reunião, associação); e liberdade de conteúdo econômico e social (livre iniciativa, autonomia contratual e liberdade de ensino e trabalho).
2. O movimento da “Análise Econômica do Direito” (AED)
Desde a década de 70 vem crescendo, principalmente nos Estados Unidos, uma escola que visa estudar os efeitos econômicos das normatizações. Estes estudos se dividem em dois grandes ramos. Um, que data da época de Adam Smith, se concentra sobre as leis que explicitam regulam a ordem econômica, modernamente reunidas sob a denominação “direito da regulação”.
O outro ramo, popularizado a partir da década de 60, tem como foco os comportamentos humanos que resultam da influência de determinadas leis. Este campo é o que tem mais se expandido, posto que prega que todo o direito positivo pode se tornar mais “eficiente” ao observarmos como este modifica o meio social. Seus principais autores (Becker, Calabresi, Coase, Posner, etc.) se tornam ao mesmo tempo mais conhecidos e mais controvertidos, posto que são acusados, por exemplo, por Ronald Dworkin e Frank Michelman, de por o ideal de maximização das relações custo-benefício em detrimento do caráter de Justiça no Direito. Richard Posner, especificamente, responde a essa questão basicamente afirmando que a sua teoria tem a intenção de descrever o “ser”, sem maiores intenções de impor visões do que é um ideal de “dever ser”. E aí parece certo dizer que um dos maiores interesses do Direito é controlar “externalidades”, em moldar em um determinado sentido a sociedade[4].
É inútil, sob esse ponto de vista, negar que as empresas incluem em suas tábuas de contabilidade os custos da demora da prestação jurisdicional ou da grande proteção que se dá ao consumidor no Brasil, com evidente aumento de custos para toda a sociedade e diminuição da competitividade do produto brasileiro. Ou que a já não tão nova “lei de locações”, ao diminuir alguma proteção que os locatários tinham sob o anterior regramento, provocou uma aumento da oferta no mercado de aluguel. Ou que a lei de bem de família torna a execução um processo de raro resultado positivo para o credor, ensejando o aumento geral dos juros bancários para o tomador. Os exemplos, inclusive mais elaborados como o “quantum” de pena para certos crimes que não seja tão baixo que estimule a delinqüência, mas também não seja tão alto que torne irrelevante a escolha entre a escolha entre crimes de alto ou baixo potencial ofensivo e o próprio comportamento carcerário, são infindáveis.
3. A Liberdade de Expressão e Religiosa sobre o prisma do AED
Em 1987, o próprio Richard Posner, como meio de demonstrar as potencialidades deste ramo da AED em que se especializou, se propôs a enfocar quais são os efeitos das liberdades de expressão e religiosa, na configuração que lhe é dada pela Suprema Corte norte-americana, sobre a sociedade daquele país[5].
Primeiramente se propôs o autor americano a estabelecer como se dá essa leitura da chamada “Primeira Emenda”: ao mesmo tempo que a retórica jurídica consagra a ampla liberdade, a prática jurisprudencial aceita limitações sobre diversos temas, tão díspares como obscenidade, publicidade comercial e programas de rádio e televisão.
No entanto os livros e outros materiais de leitura não sofrem qualquer limitação “ex ante” ( ou seja, censura prévia), somente “ex post” (as penas pecuniárias dos processos de difamação). Note-se o Direito não age sempre dessa forma. Os remédios só recebem aprovação para serem vendidos após anos de baterias de testes pelo FDA (“Food and Drug Administracion”) e aos motoristas é imposto que andem com equipamentos de segurança. Isto só pode ocorrer no caso dos livros porque a possibilidade de ocorrência de dano e a magnitude do dano ocorrido são considerados pequenos em relação ao potencial de dissuasão do castigo com que se ameaça.
A menor proteção da privacidade de figuras públicas em relação a figuras privadas também pode ser economicamente explicado. As informações sobre tais personalidades tem maior possibilidade de atender aos interesses de informação da sociedade e estas tem maiores meios para esclarecer eventuais mal-entendidos propagados sobre si.
As decisões da Suprema Corte sobre o sentido da liberdade religiosa também produzem seus efeitos. Primeiramente é bom definir que tal jurisprudência se apóia em dois grandes pilares : por um lado o Tribunal proíbe que o Estado impulsione determinada religião de qualquer forma (por exemplo, a título de argumentação poderíamos dizer que o ensino de religião nas escolas talvez melhorasse a fraternidade entre os alunos), inclusive tomando si próprio decisões em diversas matérias que privilegiam o ponto de vista laico (vide aborto, anticoncepcionais, etc.), mas por outro lado exige que o corpo social se adapte a certas práticas ( “ninguém poderá ser prejudicado em seus direitos por suas crenças”).
Isto termina, ao contrário do parece ao senso comum, estimulando a religiosidade e não a limitando. Ao promover a diversidade religiosa o Estado o número de “bens” ofertados no mercado de serviços relacionados a fé (ou seja “religiões”), tornando mais provável que o cidadão encontre alguma que lhe seja apraz. Por outro lado, a ausência estatal em impor a sua própria religião, torna possível a existência das instituições privadas religiosas.
A conclusão, para Posner dessa sua análise sociológica do impacto das decisões da Suprema Corte sobre a sociedade norte-americana é evidente : “Sin embargo, el análisis económico sugiere que los líderes religiosos que denuncian el curso de las decisiones de la corte y los líderes laicos que las defiendem podrían estar debatiendo en contra de su propio interés institucional.”[6]
4. Conclusão
A utilização ampla do termo “liberdade” para designar alguns espaços de atuação que nos são permitidos constitucionalmente escondem o fato de que mesmo nessas áreas há limites estatais à nossa atuação.
Nas duas clássicas áreas descritas, os mercados de idéias e da fé, a atuação do Estado, como em qualquer outro mercado, deve ser de utilizar o seu poder para corrigir as variáveis que ameacem a “livre concorrência”. A “análise econômica do Direito” funciona como instrumento para que seja possível a verificação de como cada medida pode aumentar ou diminuir a concentração de recursos nos diversos “mercados” com que convivemos na vida moderna, sem discutir a razão moral que inspirou determinada norma, mas o modo de implementá-la de modo mais eficiente[7].
[1] Ressalte-se antes do século XVIII predominava o sentido positivo de liberdade, chamado por Isaiah Berlin de “liberdade dos antigos”, por ser inspirada no modelo ateniense de democracia (em contraponto ao sentido negativo, “dos modernos”, conforme descrito). Nessa definição é livre quem participa da configuração do poder. Muito embora esta concepção esteja sendo revitalizada pelos autores “republicanos” ressalte-se que de forma nenhuma é a visão dominante e, ademais, é objetivo deste trabalho exatamente mostrar o caráter de melhora na democracia contemporânea que também o exacerbamento da visão tida hoje como mais conservadora pode alcançar.
[2] Pettit, Philip, “Republicanism: A Theory of Freedom and Government”, Oxford, p. 44.
[3] Canotilho, J.J. Gomes, “Direito Constitucional”, Ed. Almedina, p. 539.
[4] Posner, Richard, “Usos y Abusos de la Teoria Económica en el Derecho” in “Derecho y Economía Una Revisión de la literatura”, Andrés Roemer (compilador), Instituto Tecnológico Autônomo de México, p. 74.
[5] Posner, Richard, “El Movimiento del Análisis Económica del Derecho”, in “Derecho y Economía Una Revisión de la Literatura”, Andrés Roener (compilador), Instituto Tecnológico Autônomo de México, págs. 223 a 241.
[6] Posner, Richard, op.cit. (2), p. 239.
[7] A título de curiosidade, o próprio Adam Smith justificava economicamente e não moralmente a liberdade religiosa : dizia ele que quanto mais seitas diversas existam, mais pessoas serão religiosas, e isso melhorará a conduta da sociedade, diminuindo o cometimento de delitos e aumentando as obras de caridade, estimulando assim a distribuição de riquezas pela sociedade.
Informações Sobre o Autor
Carlos Bruno Ferreira da Silva
Defensor Público do Estado do Rio de Janeiro e mestrando em “Direito Constitucional e Teoria Geral do Estado” na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ