As mães no cárcere brasileiro e o habeas corpus coletivo nº 143.641/SP

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Bárbara Lara Garcia – Advogada. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-MG). E-mail: [email protected]

Resumo: O presente trabalho analisa a situação de gestantes, mães e filhos pequenos inseridos nos estabelecimentos penais brasileiros. Descreve assim a precariedade do sistema prisional nacional em consonância com a decisão do STF na ADPF nº 347, que o reconheceu como “estado de coisas inconstitucional”. Alinhado a essa perspectiva, o trabalho desenvolve considerações críticas e jurídicas quanto a adoção em excesso da prisão preventiva no Brasil, em especial à luz da cultura do encarceramento, o que incrementa o problema da superlotação carcerária. Nesse contexto, identifica a vulnerabilidade específica das mulheres presas e de seus filhos, na medida em que os efeitos deletérios da prisão não se restringem às primeiras. Superadas essas premissas, o trabalho aborda a decisão inédita proferida no Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, em que a Corte Suprema do Brasil concedeu a essas mães o direito de substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar, desde que o crime não tenha sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, e não tenha sido cometido contra os próprios filhos. Entretanto, existem precedentes do STJ negando a prisão domiciliar em determinados casos específicos, o que também será objeto de estudo por esse trabalho.

Palavra-chave: cárcere feminino. mães e filhos. Habeas Corpus Coletivo.

 

Abstract: The present work analyzes the situation of pregnant women, mothers and young children inserted in Brazilian penal establishments. It thus describes the precariousness of the national prison system in line with the decision of the STF in ADPF nº 347, which recognized it as an “unconstitutional state of affairs”. Aligned with this perspective, the work develops critical and legal considerations regarding the excessive adoption of pre-trial detention in Brazil, especially in light of the culture of incarceration, which increases the problem of prison overcrowding. In this context, it identifies the specific vulnerability of women prisoners and their children, as the deleterious effects of prison are not restricted to the former. Having overcome these assumptions, the paper addresses the unprecedented decision issued at Collective Habeas Corpus nº 143.641 / SP, in which the Supreme Court of Brazil granted these mothers the right to substitute pre-trial detention for house arrest, provided that the crime was not committed violent or serious threat to the person, and has not been committed against the children themselves. However, there are precedents of the STJ denying house arrest in certain specific cases, which will also be the object of study for this work.

Keywords: female prison. Mothers and sons. Collective Habeas Corpus.

 

Sumário: Introdução. 1.O Sistema Penal e Prisional brasileiro e as mulheres no cárcere. 2. A prisão preventiva à luz da cultura do encarceramento no Brasil. 3. O habeas corpus coletivo nº 143.641/SP. 4. A posição do STJ em casos concretos. 5. Conclusão. 6. Referências.

 

Introdução

O ordenamento jurídico do Brasil assegura o direito de todo e qualquer indivíduo à liberdade. Essa é a regra. Embora o direito à liberdade ambulatorial não seja um direito absoluto, é visível que o constituinte brasileiro de 1988 buscou limitar o exercício do poder punitivo pelo Estado, evitando-se prisões arbitrárias e desproporcionais. A ideia é garantir um processo penal mais justo, efetivo e democrático. Diante desse panorama, as prisões cautelares, em especial a prisão preventiva, que buscam tão somente resguardar o processo, são medidas excepcionais, apenas admitidas quando preenchidos os pressupostos e requisitos legais e quando as medidas cautelares diversas da prisão se mostrarem insuficientes e ineficazes à salvaguarda do processo e de outros direitos igualmente relevantes.

Ocorre que o referencial teórico- legislativo brasileiro que confere excepcionalidade à aplicação da prisão preventiva, permeado por uma série de previsões constitucionais, convencionais e legais garantistas, encontra-se em desacordo com a aplicação prática do instituto. Ao arrepio da legislação, a prisão preventiva é utilizada como regra por muitos juízes e tribunais brasileiros, o que inexoravelmente desvirtua toda a lógica do sistema normativo. Utiliza-se essa medida cautelar como se pena fosse, ainda que não haja nenhuma condenação em detrimento do indivíduo. O princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade do acusado nem sempre é respeitado. As decisões judiciais são fundamentadas em cláusulas genéricas como a garantia da ordem pública e da ordem econômica, ou até mesmo na gravidade em abstrato do delito, sem preocupação com os efeitos deletérios da aplicação desmedida dessa modalidade de prisão. O neopunitivismo contemporâneo se vale de discursos de medo, midiáticos e populistas, buscando conferir certa legitimidade ao sistema de justiça criminal, que, em realidade, é violento, seletivo e ineficaz. Pune-se antecipadamente quem não é culpado, inserindo-o no sistema carcerário brasileiro, falho, desumano e inóspito. Conforme já declarado pelo STF na ADPF nº 347, o sistema carcerário brasileiro representa um “estado de coisas inconstitucional”, fruto de uma violação generalizada e sistêmica de direitos humanos, situação que se agrava com o número excessivo de presos provisórios, incrementando o problema da superlotação carcerária.

A questão traz consequências ainda mais severas quando as destinatárias da prisão pre-ventiva são mulheres gestantes, puérperas, lactantes, mães de crianças de até doze anos de idade ou de pessoas com deficiência. Nesse caso, estamos diante de uma situação que envolve, além de mulheres em condição especial de vulnerabilidade, seus filhos pequenos. A partir dessa realidade brasileira, pretende-se realizar uma análise crítica e jurídica da decisão proferida no Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP julgado pelo STF em fevereiro de 2018. Em apertada síntese, essa decisão concedeu prisão domiciliar em substituição à prisão preventiva para as mulheres que se encontravam nessas situações específicas, ao menos em regra. Por fim, pretende-se analisar algumas decisões proferidas pelo STJ em sentido contrário, em que se nega a prisão domiciliar cautelar a essas pacientes. O estudo das decisões em comento será feito a partir da legislação brasileira, do entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema, considerando os dados oficiais e a realidade carcerária das mulheres presas no Brasil à luz da cultura do encarceramento.

 

1.O Sistema Penal e Prisional brasileiro e as mulheres no cárcere

Antes de se analisar a decisão proferida pelo STF no HC nº 143.641/SP, é imprescindível compreender, ainda que de forma suscinta, o contexto histórico, econômico, cultural e social brasileiro, em especial o processo de criminalização e seletividade do sistema de justiça criminal no país. Para tanto, utilizar-se-á de dados divulgados oficialmente pelo INFOPEN[1] (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) elaborados em junho de 2016. Segundo estes, a população carcerária geral no Brasil é composta por, aproximadamente, 726.712 homens e mulheres. Entretanto, informações disponibilizadas pelo CNJ[2] (Conselho Nacional de Justiça) em julho de 2019 registram uma população carcerária nacional que ultrapassa 800 mil pessoas, sendo que 41,5% são presos provisórios à espera de uma condenação. Esses dados mostram que o Brasil é o terceiro país com o maior número de presos em todo o planeta, atrás somente dos EUA e da China.

Quanto aos números mais recentes relativos à mulher presa, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN Mulheres)[3], a população prisional feminina era de 42.355 no ano de 2016. Contudo, as vagas disponíveis somavam a quantidade de 27.029, compondo uma taxa de ocupação de 156,7% e um déficit global de 15.326 vagas entre as mulheres. Ainda de acordo com o INFOPEN Mulheres, no ano de 2016, 45% das presas não haviam sido julgadas e condenadas, situação que se amolda ao objeto de estudo desse trabalho. A população carcerária feminina é composta por aproximadamente 50 % de jovens (até 29 anos de idade), sendo que 62% delas são negras, e de baixa escolaridade, sendo que 66% delas formou-se até o ensino fundamental.

Em relação a existência de filhos, a disponibilidade de informações ofertadas pelo Departamento Penitenciário Nacional permanece baixa, sendo possível a análise de apenas 7% da população prisional feminina, o que corresponde a 2.689 presas, em que 74% desta pequena amostragem são mães. A partir desses dados do INFOPEN Mulheres, correspondente ao ano de 2016, percebe-se que os tipos penais mais imputados às mulheres são tráfico de drogas, incluindo o internacional, e associação para o tráfico: 62% dos processos. Em regra, são crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa.

A seletividade da justiça criminal brasileira pode ser comprovada também em relação às mulheres, que em geral são presas provisórias, negras, mães, pobres, e de baixa escolaridade, respondendo a processo por tráfico de drogas. A pesquisadora Débora Diniz (2015) confirma tais conclusões em seu livro “Cadeia: Relatos sobre mulheres”, no qual descreve os hábitos, regras e rotinas nas penitenciárias femininas. Senão, vejamos:

 

“Fui pesquisadora antes que escritora sobre o presídio. Entrevistei mulheres, li arquivos, publiquei ciência. Pelos números, soube que uma em cada quatro presas viveu em reformatórios na adolescência, muitas sofreram violência, usaram drogas, roubaram coisas e sobreviveram perambulando pelas ruas. Elas são jovens, negras, pobres e com filhos. Uma multidão de mulheres abandonadas. Chegaram à Penitenciária Feminina do Distrito Federal pelo confuso tipo penal “tráfico de drogas”, e por ali permanecerão alguns anos. Muitas sem sentença, chamadas de provisórias, outras já acostumadas a sair e voltar. Umas poucas ignoram se um dia sairão. Na multidão, estão as grávidas, as doentes, as velhas ou as muito jovens, as estrangeiras, as loucas e as líderes. Passei a buscar as histórias de mulheres no miúdo, as formas de viver e sobreviver entre as grades (grifos nossos).

 

O relato da pesquisadora acima transcrito reforça o que a doutrina especializada chama de criminalização primária e secundária, que atinge todo o sistema criminal brasileiro, inclusive as mulheres no cárcere. Andrade (2003) ensina que o processo de criminalização primário representa a atividade de criação de tipos penais pelo legislador. Este define quais condutas serão consideradas crimes e quais os limites e gradações das penas a estes cominadas.  A seletividade da justiça criminal já pode ser encontrada nessa etapa legislativa, uma vez que a proteção de bens jurídicos relevantes para a classe social abastada é rigorosa, apresentando penas elevadas para crimes que violam o patrimônio, como exemplo. O processo de criminalização primária “…obedece a uma primeira lógica da desigualdade que, mistificada pelo chamado caráter fragmentário do Direito Penal pré-seleciona, até certo ponto, os indivíduos criminalizáveis” (ANDRADE, 2003, p. 278).

Como consequência lógica da criminalização primária, a criminalização secundária representa toda a ação punitiva oficial do Estado exercida pelas chamadas instâncias de controle social formal, como a polícia, o Ministério Público e o Judiciário. Toda a atuação da máquina estatal quanto à persecução penal acaba por recair sobre indivíduos e/ou grupos de indivíduos preferencialmente estigmatizados e vulneráveis dentro da própria sociedade, como pobres, negros, pessoas em situação de rua, moradores de comunidades carentes, mulheres. São eles a clientela especial do processo penal. Assim, a criminalização secundária corresponde “a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas, que acontece quando as agências do Estado detectam pessoas que se supõe tenham praticado certo ato criminalizável primariamente e as submetem ao processo de criminalização”, correspondidos, como já mencionado, pela investigação, prisão, judicialização, condenação e encarceramento (ZAFFARONI, BATISTA & ALAGIA, 2015, p.43).

Sobre os grupos vulneráveis atingidos pelo sistema criminal, Zaffaroni (2015) ressalta que o poder punitivo do Estado trabalha com estereótipos, rotulações, características criminalizantes que influenciarão todo o processo de persecução penal. O autor em apreço explica que a pessoa que se enquadra aos estereótipos próprios da seleção dominante não precisa fazer muito esforço para colocar-se em posição concreta de risco criminalizante, ao contrário, deve esforçar-se muito para evitá-lo. Zaffaroni (2015) ainda acrescenta que a seletividade penal e a estigmatização de grupos vulneráveis são reforçadas por uma mídia policialesca, que converte a criminalidade a um show, um espetáculo de horror, medo e violência, sem nenhuma fundamentação teórica, o que incrementa a separação entre o “cidadão de bem” e o “bandido”. Aos primeiros, todos os direitos e garantias fundamentais, aos últimos, a segregação e o isolamento social. Uma lógica perversa e ineficaz, que não consegue conter os altos índices de criminalidade, seja no Brasil e em vários lugares do mundo.

A mulher encarcerada, enquanto grupo vulnerável ao sistema penal, se encontra em situação extrema de vulnerabilidade, já que os estabelecimentos penais brasileiros não foram construídos ou arquitetados visando atender suas necessidades específicas, muitos menos de seus filhos pequenos ou com deficiência. A destinação de unidades prisionais conforme o gênero é obrigação estatal, devendo ser implementada especialmente nesses espaços. Entretanto, na maior parte das penitenciárias do país, não há espaços apropriados para o aleitamento materno e para a custódia da gestante e de seus filhos. Drauzio Varella (2017) em seu livro “As prisioneiras” conta que as mulheres presas no estado de São Paulo ficam apenas 2 meses amamentando os filhos, hipótese que contraria as disposições do Ministério da Saúde, que indica ao menos 6 meses de amamentação exclusiva.

Essa vulnerabilidade das mulheres no cárcere é ainda mais acentuada se comparada aos homens presos, já que a prisão reforça a discriminação social- histórica vivenciada pelo gênero feminino, e o próprio machismo institucionalizado na sociedade patriarcal brasileira. São as mulheres encarceradas as maiores vítimas de violações de direitos, como direitos sexuais, reprodutivos, direito à saúde, educação e trabalho. A desigualdade de gênero na prisão é muito bem estudada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)[4], que indica diversas consequências nefastas enfrentadas pelas mulheres privadas de liberdade, como a ausência de estabelecimento penais próprios; inadequada infraestrutura penitenciária, considerando sua condição de gênero; a falta de tratamento médico de acordo com a sua condição de gênero; a maior dificuldade para sua reinserção social; a ausência de perspectiva de gênero na compilação de dados relacionadas com a privação de sua liberdade; e a sujeição a formas de violência, como o abuso sexual.

A situação precária e vexatória de mulheres presas e de seus filhos pode ser comprovada com o caso ilustrativo de Jessica Monteiro[5], de 24 anos, noticiado na mídia em 2018.

 

Acusada de tráfico de drogas, Jéssica, à época com 39 semanas de gestação, foi conduzida, no dia 10 de fevereiro de 2018, para a delegacia junto com um homem que vivia na comunidade; chegando ao 8° distrito, dividiu uma cela em situação insalubre onde, para fazer suas necessidades, dispunha apenas de um buraco no chão, onde saíam ratos e baratas; Jéssica teve o flagrante convertido em prisão cautelar em sede de audiência de custódia pois, o Juiz que determinou a prisão entendeu que ela apresentava “acentuada periculosidade”; horas depois desta audiência, começou a sentir as dores do parto e, no dia 11 de fevereiro de 2018, deu à luz ao seu segundo filho, Enrico, em um hospital público de São Paulo. Posteriormente, a mãe passou a dividir uma cela de apenas 2m² com o filho recém-nascido na carceragem do 8° DP, local onde dormia em um colchonete de espuma; a soltura de Jéssica para cumprimento de prisão domiciliar aconteceu apenas no dia 16 de fevereiro, mediante concessão de ordem de Habeas Corpus pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

 

O caso de Jessica não é isolado. O quadro sistêmico e generalizado de violação de direitos humanos no sistema penitenciário no Brasil evidencia a situação insalubre e desumana das prisões, que no caso das mulheres, produz e incrementa uma violência simbólica, real e efetiva contra estas. Na perspectiva sexista e machista de uma sociedade patriarcal, como é o caso do Estado brasileiro, o cometimento de delito por uma mulher é visto como algo que merece maior reprovação das instâncias formais e informais de controle social. A mulher que comete crime, além de infringir a lei penal, viola seus papéis delimitados e definidos pela própria sociedade. Ela é abandonada com maior rigor pelos parentes, familiares, amigos, igreja, colegas de trabalho. A possibilidade de ressocialização da mulher infratora é ainda mais inócua. Vallera (2017) relata muito bem o abandono afetivo sofrido pelas detentas no Estado de São Paulo:

 

De todos os tormentos do cárcere, o abandono é o que mais aflige as detentas. Cumprem suas penas esquecidas pelos familiares, amigos, maridos, namorados e até pelos filhos. A sociedade é capaz de encarar com alguma complacência a prisão de um parente homem, mas a da mulher envergonha a família inteira. Enquanto estiver preso, o homem contará com a visita de uma mulher, seja a mãe, esposa, namorada, prima ou a vizinha, esteja ele num presídio de São Paulo ou a centenas de quilômetros. A mulher é esquecida. Chova, faça frio ou calor, quem passa na frente de um presídio masculino nos fins de semana fica surpreso com o tamanho das filas, formadas basicamente por mulheres, crianças e um mar de sacolas plásticas abarrotadas de alimentos. Já na tarde do dia anterior chegam as que armam barraca de plástico para passar a noite nos primeiros lugares da fila, posição que lhes garantirá prioridade nos boxes de revista e mais tempo para desfrutar da companhia do ente querido (VARELLA, 2017, p. 45). grifos nossos.

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Para Pimentel (2017), a violência simbólica contra a mulher no cárcere também é algo que merece destaque. Para a pesquisadora em questão, o cárcere feminino nada mais é do que nova forma de opressão das mulheres mais fragilizadas pelo sistema, um mecanismo sofisticado de controle de seu tempo e corpo. A reprodução da opressão é exteriorizada pela ausência de estabelecimentos penais capazes de atender a demanda pluralista, específica e diversificada das mulheres. Como exemplo, Pimentel (2017) relata que é comum não haver absorventes higiênicos para os períodos menstruais das presas. A violência simbólica também pode ser analisada sobre outros aspectos. Há também projetos de deterioração das identidades das presas, que, quando encarceradas, devem dispor de todas as suas vaidades. No campo do trabalho, a divisão do trabalho feminino também produz repercussões no cárcere, já que as mulheres presas dificilmente conseguem trabalhos intelectuais, reservando-se aos papeis domésticos relativos à cozinha e faxina.

Essa breve síntese da realidade penitenciária brasileira, reconhecida pelo STF como “estado de coisas inconstitucional”, demonstra a situação específica e frágil das mulheres e de seus filhos nos estabelecimentos penais nacionais, em especial quando se trata de prisões preventivas.

 

  1. A prisão preventiva à luz da cultura do encarceramento no Brasil

A prisão preventiva é uma modalidade de prisão cautelar, que é determinada antes do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória, com a finalidade de resguardar a eficácia da investigação ou do processo penal. O sujeito não foi condenado, é presumidamente inocente, mas permanecerá acautelado para fins de preservação social ou mesmo do processo criminal. É a prisão cautelar mais agressiva ao indivíduo, uma vez que não há prazo determinado, perdurando por vários anos, em regra. Sobre o tema, pontua Renato Brasileiro de Lima (2012, p. 392):

 

A decretação de uma prisão cautelar é a interferência mais agressiva do Estado na vida e na dignidade do indivíduo, pois, além da segregação em si, o cárcere produz intensa estigmatização social e psicológica. Não se pode, pois, banalizar a prisão preventiva, já que seus efeitos criminógenos, mais que ressocializar o agente, causam profunda desagregação dos valores da pessoa, inserindo-a em um contexto capaz de afetar de maneira definitiva qualquer processo de socialização.

 

 

A doutrina especializada no tema, em especial Aury Lopes Jr (2014), ensina que a decretação da prisão preventiva pressupõe a existência do periculum libertatis, na medida em que a liberdade do indivíduo representa um risco concreto à sociedade ou ao processo penal, e o fumus comissi delicti, que representa um lastro probatório mínimo a ensejar sua fixação, tais como prova da materialidade do delito e indícios suficientes de autoria e participação.

Conforme preceitua o artigo 311[6] do Código de Processo Penal brasileiro, alterado recentemente pela lei 13.964/2019, a prisão preventiva pode ser decretada pelo juiz, mediante representação da autoridade policial ou por requerimento do Ministério Público, do querelante ou assistente, em qualquer fase da investigação policial ou durante o processo penal. Importante ressaltar que a lei 13.964/2019 reforçou o sistema penal acusatório instituído pelo texto constitucional brasileiro ao vedar a decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado. Em resumo, mesmo durante a ação penal, o juiz só poderá decretar a segregação cautelar a partir da provocação das partes legitimadas por lei.

A partir de uma leitura constitucional dessa modalidade de prisão cautelar, conclui-se que a prisão preventiva é medida de exceção, devendo ser interpretada de forma restrita, a fim de se compatibilizar o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/88) com a efetiva necessidade de prolação de um decreto prisional cautelar antes da própria sentença. Assim, a fixação de medidas cautelares diversas da prisão são sempre preferenciais, devendo a prisão preventiva ser decretada como ‘ultima ratio’, somente quando preenchidos os requisitos e pressupostos legais, e quando as primeiras se mostrarem insuficientes e ineficazes.

O art. 312 do CPP prevê que “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”. Dentre todos os pressupostos acima transcritos, a garantia da ordem pública é o requisito mais amplo, autorizando boa parte dos decretos cautelares prisionais no país. Tourinho Filho (2003) é crítico ferrenho do uso desvirtuado do pressuposto da ‘garantia da ordem pública’, em especial com base na exposição do acusado na mídia. Para o autor, há nesses casos execuções sumárias, já que os réus são condenados antes de serem efetivamente julgados. Nesse mesmo sentido, Lopes Junior[7] (2017):

 

Resulta imprescindível visualizar o processo desde seu exterior, para constatar que o sistema não tem valor em si mesmo, senão pelos objetivos que é chamado a cumprir (projeto democrático-constitucional). Sem embargo, devemos ter cuidado na definição do alcance de suas metas, pois o processo penal não pode ser transformado em instrumento de “segurança pública”. Nesse contexto, por exemplo, insere-se a crítica ao uso abusivo das medidas cautelares pessoais especialmente a prisão preventiva para “garantia da ordem pública”. Trata-se de buscar um fim alheio ao processo e, portanto, estranho à natureza cautelar da medida. grifos nossos.

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A prisão preventiva fundamentada na garantia da ordem pública exige motivação concreta acerca da real possibilidade do indivíduo continuar praticando crimes, pondo em risco à coletividade. O mero clamor social e midiático, eventual pressão ao Poder Judiciário, ou até mesmo os antecedentes criminais desfavoráveis do réu não autorizam, por si só, a prisão cautelar em debate.

Ocorre que, conforme já demonstrado nesse artigo, a prisão preventiva é quase regra na prática forense brasileira. A despeito da realização de audiências de custódias, o número de presos provisórios no país é elevadíssimo, em especial em detrimento dos grupos vulneráveis. Todo o problema da seletividade da justiça criminal é reforçado nessa etapa do processo, na medida em que há um mero juízo de cognição sumária, com indícios de autoria ou de participação. A presença de características potencialmente “perigosas” pela seleção majoritária como renda, cor da pele, moradia, acaba por incrementar um risco maior quanto a possibilidade de decretação da prisão preventiva. Em 2017, pesquisa realizada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)[8] revela que as audiências de custódia liberam proporcionalmente mais pessoas brancas do que negras. Em quatro cidades em que foi feito o recorte racial, verificou-se que pretos e pardos saem com prisão preventiva decretada em uma frequência maior do que os brancos.

Apesar de assustadores, os números não mentem. Artigo recente da Revista Consultor Jurídico[9], publicado em 8 de dezembro de 2017, traz números ainda mais alarmantes em relação à população carcerária brasileira. A porcentagem de presos provisórios é de cerca de 40% e ainda revela que metade desse contingente carcerário é de jovens de 18 a 29 anos e 64% desses presos são negros. Não há como negar a seletividade da justiça criminal brasileira. Os efeitos deletérios da prisão preventiva em excesso também se estendem às mulheres presas, sendo que, segundo dados do INFOPEN Mulheres, 45% das presas no Brasil em 2016 são presas provisórias, negras, mães, pobres, desempregadas, de baixa escolaridade.

 

  1. O habeas corpus coletivo nº 143.641/SP

O Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, impetrado pelo Coletivo de Advogados em Direitos Humanos (CADHu), teve o polo ativo substituído posteriormente pela Defensoria Pública da União e foi julgado em fevereiro do ano de 2018 pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). O objeto da ação em questão relaciona-se com o pedido de revogação da prisão preventiva, ou, alternativamente, a substituição desta pela prisão domiciliar, em benefício de todas as mulheres presas em território nacional, gestantes, puérperas, lactantes, mães e/ ou responsáveis por crianças (de até 12 anos de idade) ou de pessoas com deficiência.

Foi a primeira vez que o writ constitucional coletivo em defesa da liberdade de locomoção foi admitido e julgado pela Corte Suprema do Brasil, tornando-se uma decisão paradigmática e inovadora no cenário nacional. O cabimento do HC Coletivo[10] foi enfrentado de plano pelo STF, em especial por não haver previsão expressa na constituição ou na legislação infraconstitucional. Para o Supremo, o cabimento da via em debate é patente, já que, a despeito da ausência de previsão explícita, o HC Coletivo tutela de forma efetiva o direito à liberdade de locomoção de grupos de indivíduos, em especial de grupos vulneráveis do ponto de vista econômico-social, como é o caso dessas mulheres no cárcere. O microssistema processual coletivo é regido por princípios próprios, dentre eles, o Princípio da Não Taxatividade ou da Abertura, em que se admite qualquer ação coletiva capaz de, em tese, proteger os direitos coletivos em sentido amplo. O remédio do HC passa a ter importância não apenas no plano individual, mas também na esfera coletiva, garantindo-se o acesso à justiça desses grupos de indivíduos vulneráveis, cuja pretensão individual se mostra deficiente e insatisfatória no caso concreto.

A respeito do cabimento do HC Coletivo, o relator Ministro Lewandowski[11] ensina que:

 

De forma coerente com essa realidade, o Supremo Tribunal Federal tem admitido, com crescente generosidade, os mais diversos institutos que logram lidar mais adequadamente com situações em que os direitos e interesses de determinadas coletividades estão sob risco de sofrer lesões graves. A título de exemplo, vem permitindo a ampla utilização da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), assim como do Mandado de Injunção coletivo. (…) Deve-se autorizar o emprego do presente writ coletivo, dado o fato de que se trata de um instrumento que se presta a salvaguardar um dos bens mais preciosos do homem, que é a liberdade.

 

Entendeu o STF que, quando o direito ameaçado ou violado é o direito à liberdade de locomoção, de ir e vir, o writ cabível é o habeas corpus, seja ele individual ou coletivo, já que  na sociedade contemporânea as lesões a direitos acabam por transcender os aspectos objetivos e subjetivos de um processo, assumindo, pois, um caráter global. Sendo assim, deve-se disponibilizar mecanismos de justiça céleres e efetivos, que possam reestabelecer a ordem e a concessão de direitos para um número variado de pacientes que se encontram na mesma situação fática e jurídica. Em corroboração ao entendimento do próprio STF, Daniel Sarmento[12] explica que:

 

(…) Diante da inexistência ou insuficiência de procedimento idôneo a tutelar determinado direito material, o juiz deve extrair das regras processuais existentes a sua máxima potencialidade, a fim de permitir a proteção mais adequada possível. Assim, para cada tipo de violação ao direito à liberdade ambulatorial, deve corresponder uma tutela jurisdicional adequada. Daí porque se pode afirmar que o instrumento processual do habeas corpus deve ter amplitude correspondente às situações de ofensa ou de ameaça à liberdade de ir e vir sobre as quais pretende incidir. Se a ofensa à liberdade for meramente individual, a impetração de habeas corpus individual será suficiente. No entanto, para ofensas ao direito de locomoção que apresentarem perfil coletivo, o ajuizamento de habeas corpus coletivo é a providência que mais realiza o direito à efetiva tutela jurisdicional. (grifos nossos)

 

No que concerne à competência para o julgamento do HC Coletivo em análise, ficou assentado que a competência seria realmente do Supremo Tribunal Federal, uma vez que as autoridades coatoras seriam todos os juízes de direito das Varas Criminais, inclusive dos Juizados Especiais Criminais, os juízes federais com competência criminal, os Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os Tribunais Regionais Federais, e o próprio STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Superadas as preliminares, chega-se ao mérito da ação. A primeira consideração trazida foi o próprio reconhecimento feito pelo STF na ADPF nº 347 de que o sistema carcerário brasileiro representa um estado de coisas inconstitucional. A violação sistêmica e generalizada dos direitos humanos dos presos é geral, reforçando a discriminação e violência inclusive contra as mulheres presas. Os debates trazidos no HC Coletivo demonstram que a situação de vulnerabilidade das mulheres e de seus filhos no cárcere é extremada se comparada aos homens. Para a Corte, a ausência de estrutura e de estabelecimentos penais próprios para as mulheres presas e seus dependentes fere frontalmente a dignidade desses grupos, colocando-os em uma situação vexatória, violenta e degradante. É inegável que uma presa gestante, puérpera, lactante, mãe de uma criança com até 12 anos de idade necessita de cuidados e tratamentos médicos especiais; cuidados esses que simplesmente inexistem na maior parte das prisões no Brasil. Não há médicos suficientes, as gestantes não fazem exames periódicos ou pré-natal, não há espaço adequado para amamentação, as celas são imundas, aumentando os riscos de contágio de doenças graves, tanto para a mãe quanto para os filhos pequenos. Não são raros partos em cela, nos corredores, ou nos pátios das prisões. Essa é a realidade brasileira, com pouquíssimas exceções. Senão, vejamos:

 

Estruturas hidráulicas, sanitárias e elétricas precárias e celas imundas, sem iluminação e ventilação representam perigo constante e risco à saúde, ante a exposição a agentes causadores de infecções diversas. As áreas de banho e sol dividem o espaço com esgotos abertos, nos quais escorrem urina e fezes. Os presos não têm acesso à água, para banho e hidratação, ou a alimentação de mínima qualidade, que, muitas vezes, chega a eles azeda ou estragada. Em alguns casos, comem com as mãos ou em sacos plásticos. Também não recebem material de higiene básica, como papel higiênico, escova de dentes ou, para as mulheres, absorvente íntimo. (…) Em cadeia pública feminina em São Paulo, as detentas utilizam miolos de pão para a contenção do fluxo menstrual. Além da falta de acesso a trabalho, educação ou qualquer outra forma de ocupação do tempo, os presos convivem com as barbáries promovidas entre si. São constantes os massacres, homicídios, violências sexuais, decapitação, estripação e esquartejamento. Sofrem com a tortura policial, espancamentos, estrangulamentos, choques elétricos, tiros com bala de borracha. (…) Esses casos revelam a ausência de critério de divisão de presos por celas, o que alcança também os relativos a idade, gravidade do delito e natureza temporária ou definitiva da penalidade. O sistema como um todo surge com número insuficiente de agentes penitenciários, que ainda são mal remunerados, não recebem treinamento adequado, nem contam com equipamentos necessários ao desempenho das próprias atribuições. O quadro não é exclusivo desse ou daquele presídio[13]. Grifos nossos.

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A situação acima exposta viola uma série de direitos e garantias dos presos, inclusive das mulheres e de seus filhos, tais como o direito à dignidade, à saúde, à reprodução, à integridade física e psicológica. Esses direitos são tutelados não somente pela Constituição Federal e pelas leis nacionais, mas também por tratados internacionais de direitos humanos incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro, a saber[14]:

 

(…) Há um descumprimento sistemático de regras constitucionais, convencionais e legais referentes aos direitos das presas e de seus filhos. Por isso, não restam dúvidas de que “cabe ao Tribunal exercer função típica de racionalizar a concretização da ordem jurídico-penal de modo a minimizar o quadro” de violações a direitos humanos que vem se evidenciando, na linha do que já se decidiu na ADPF 347, bem assim em respeito aos compromissos assumidos pelo Brasil no plano global relativos à proteção dos direitos humanos e às recomendações que foram feitas ao País. A atuação do Tribunal, nesse ponto, é plenamente condizente com os textos normativos que integram o patrimônio mundial de salvaguarda dos indivíduos colocados sob a custódia do Estado, tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, os Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, a Convenção das Nações Unidas contra Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (Regras de Mandela). Grifos nossos.

.

A partir da constatação da realidade carcerária desse grupo vulnerável, o STF também fundamentou sua decisão a partir dos dados do INFOPEN Mulheres, cujos resultados demonstraram o aumento exponencial e expressivo do número de mulheres presas em razão de prisão provisória (45%), em especial pela prisão preventiva como garantia da ordem pública. É dizer, estar-se-ia, na maior partes dos casos, violando direitos básicos de mulheres em condição especial de vulnerabilidade e de seus filhos, mesmo sem haver condenação ou juízo de certeza para tanto. Além disso, a Corte constatou que grande parte das mulheres estão presas em razão do cometimento do crime de tráfico de drogas e associação para o tráfico, delitos que “não envolvem violência nem grave ameaça a pessoas, e cuja repressão recai, não raro, sobre a parcela mais vulnerável da população, em especial sobre os pequenos traficantes, quase sempre mulheres, vulgarmente denominadas de mulas do tráfico[15]”.

Em consideração a tudo que fora exposto, e em respeito ao princípio da primazia dos direitos da criança e da intranscendência da pena, o STF concedeu a ordem no HC coletivo nº 143.641/SP em favor de todas as mulheres presas gestantes, puérperas, mães de crianças e de pessoas com deficiência, a fim de se determinar a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar nos moldes do art.318, 318-A, 318-B, do Código de Processo Penal. A corte entendeu que se trata de um direito subjetivo dessas mulheres à prisão domiciliar cautelar, desde que não tenham cometido o crime com violência ou grave ameaça à pessoa, e contra seus próprios filhos ou dependentes (hipóteses trazidas pela lei 13.769 de 2018[16]), ou em casos excepcionais, cuja análise depende das particularidades do caso concreto . A decisão também foi estendida às adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa restritiva de liberdade em casos análogos.

 

  1. A posição do STJ em casos concretos

Ao julgar o Habeas Corpus Coletivo nº 143.641/SP, o STF trouxe hipóteses excepcionais em que a prisão preventiva da mulher gestante, mãe de crianças de até 12 anos de idade ou de pessoas com deficiência não poderia ser substituída pela prisão domiciliar. Além das hipóteses que envolvem crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, e das situações em que a vítima do delito é o próprio descendente, a Corte também autorizou a negativa da prisão domiciliar em situações pontuais, verificadas a partir de cada caso concreto pelo Poder Judiciário. Ocorre que estas situações excepcionais, se utilizadas de forma ilimitada, acabam por flexibilizar em demasiado o direito desse grupo vulnerável de mulheres presas, reforçando a chamada cultura do encarceramento no Brasil. Quais situações seriam graves o suficiente para se negar a prisão domiciliar a essas pacientes e seus filhos?

O STJ, mesmo após o julgamento do HC Coletivo nº 143.641/SP pelo STF e da vigência da lei 13.769 de 2018, vem negando a substituição da prisão preventiva pela domiciliar amparado nas chamadas hipóteses excepcionais. O Superior Tribunal de Justiça possui precedentes que fundamentam a não substituição da prisão preventiva pela domiciliar nas hipóteses em que as acusadas praticam o crime dentro de suas próprias residências e na presença de seus filhos menores, como é o caso do crime de tráfico ilícito de entorpecentes. Para o tribunal em comento, essa situação demonstra uma gravidade concreta apta a afastar a benesse legal trazida pela lei 13.769/2018. Senão, vejamos:

 

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Habeas Corpus coletivo n. 143.641, determinou a substituição da prisão preventiva pela domiciliar sem prejuízo da aplicação concomitante das medidas alternativas previstas no art. 319 do CPP de todas as mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e deficientes, excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas. VI – Na presente hipótese, verifica-se situação excepcionalíssima que impede a concessão do benefício, porquanto a paciente foi presa em flagrante realizando a mercancia e armazenamento de drogas ilícitas em sua própria residência, local onde se encontrava seu filho de 1 ano de idade, consoante consignado no v. acórdão vergastado. Precedentes. (STJ, HC 471.503/RJ, j. 13/11/2018- grifos nossos)

 

No mesmo sentido da decisão acima exposta, pode-se citar o RHC 96.737/RJ[17], que indeferiu a prisão domiciliar a uma mãe que estaria praticando tráfico ilícito de entorpecentes em seu domicílio, ainda que seus filhos sejam menores de 12 anos de idade. É perceptível, portanto, que a jurisprudência majoritária do STJ vem defendendo a possibilidade do Judiciário negar a prisão domiciliar a essas mulheres mesmo fora das hipóteses previstas expressamente pela lei 13.769/2018. Esta lei inseriu no Código de Processo Penal brasileiro o art.318-A, que prevê que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas por deficiência será substituída pela prisão domiciliar, salvo se o crime tiver sido cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, ou se cometido contra seu filho ou dependente. A lei em questão traz somente duas situações em que a prisão domiciliar não será concedida, mas o STJ vem ampliando a negativa diante de outros casos.

Seguindo a linha de entendimento majoritário do próprio STJ, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca admite que o art. 318-A do CPP estabelece um poder-dever do juiz, ou seja, reconhece o caráter objetivo e direto da norma, que em regra deve ser aplicada diante de situações que se subsumam às suas disposições. Isto, no entanto, não afasta a possibilidade do Judiciário de negar o direito diante do caso concreto, já que a lei 13.769/2018 possui verdadeira omissão, não sendo capaz de prever toda e qualquer situação em que a prisão domiciliar cautelar não seja adequada.

Em seu voto no HC 426.526/RJ, o Ministro em questão afirma que:

 

…não se trata de um silêncio eloquente da norma, mas apenas como uma omissão legislativa e é assim que deve ser interpretado. De fato – e aqui faço propositadamente uma redução ao absurdo da novidade legal, de forma a demonstrar a inevitabilidade da sua interpretação no sentido de que houve omissão legislativa –, a leitura do disposto em termos literais forçaria a concessão da prisão domiciliar à mãe que nem sequer convive ou criou os filhos, unicamente porque o crime não envolveu violência ou grave ameaça ou dirigiu-se contra a prole. A exceção da concessão do benefício em determinadas situações excepcionalíssimas deve, portanto, ao meu ver, subsistir. Como efeito, por meio desse parâmetro adicional era possível fazer um controle maior de condutas criminosas que, embora não alcançados pelas duas exceções, se revestiam de elevada gravidade, evidenciando um risco concreto de violação dos direitos da criança ou uma ameaça acentuada à ordem pública. (STJ, HC 426.526/RJ, j. 12/02/2019)

 

 

De fato, o Poder Judiciário pode e deve analisar as peculiaridades do caso concreto, fundamentando toda e qualquer decisão judicial, sob pena de nulidade. Em se tratando do direito à prisão domiciliar cautelar para esse grupo específico de mulheres, também se defende a possibilidade de se conceder ou até mesmo negar o benefício diante da situação em concreto. Ocorre que, não se pode olvidar que o tema em análise é complexo, e não envolve exclusivamente a mãe presa, mas principalmente seus filhos, fetos, crianças com até 12 anos de idade ou com deficiência. Na mesma medida, não se pode esquecer que todo o ordenamento jurídico brasileiro garante a concretização dos direitos de crianças e adolescentes em absoluta prioridade. A privação do convívio de mães e crianças é algo extremamente cruel, em especial para esses sujeitos em processo peculiar de desenvolvimento, que em nada contribuíram para o crime, mas são penalizados como se fossem coautores ou partícipes.

Negar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar a essas mulheres para além das hipóteses de crimes violentos ou praticados em detrimento dos próprios filhos só se legitima diante de uma situação extremamente gravosa e de fato excepcional. É preciso levar em consideração todos os efeitos deletérios do encarceramento em massa no Brasil, notadamente o número expressivo de prisões preventivas, que, ao arrepio da lei, deixam de ser exceções e passam a ser a regra. Ainda, não se pode desconsiderar a situação extremamente vulnerável da mulher no cárcere, conforme já demonstrado no decorrer desse artigo.

A despeito da possibilidade do Judiciário de analisar as particularidades dos casos concretos, inclusive mantendo a prisão preventiva de algumas mulheres, é mister reconhecer que outros argumentos precisam ser também enfrentados pelas Tribunais em questão, inclusive a análise da realidade carcerária e da seletividade da justiça criminal. Será que as decisões do STJ que negam a prisão domiciliar cautelar às mães por terem supostamente praticado o crime de tráfico ilícito de entorpecentes em sua residência contemplaram todos os dados e realidades? Será que as situações excepcionais trazidas pelo STJ efetivamente estão de acordo com os fundamentos trazidos pelo HC Coletivo nº 143.641/SP? Ou será que é só mais uma expressão de uma cultura do encarceramento no Brasil?

O fato de uma mãe ter supostamente cometido o crime de tráfico ilícito de drogas em sua residência não necessariamente demonstra uma gravidade concreta e extrema apta a negar a prisão domiciliar. O crime não foi praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, muito menos em detrimento dos próprios filhos. Geralmente, nessas situações, as mães são verdadeiras ‘mulas do tráfico’, praticando o delito por razões de abandono material, de miséria e pobreza. Assim, imagine que a mãe responda por tráfico privilegiado[18] (art.33, §4º, da lei 11343/2006), e computada a pena no mínimo legal, com a causa de diminuição de pena fixada no máximo resulte em uma pena definitiva de aproximadamente 2 anos de reclusão. Nesse exemplo, caberia fixação de regime aberto e substituição por pena restritiva de direitos em caso de eventual condenação ao final do processo. Seria proporcional manter uma prisão preventiva extremamente mais gravosa do que a própria condenação em definitivo? Aury Lopes Jr (2017) entende que não, na medida em que as prisões cautelares devem também ser amparadas pela razoabilidade, proporcionalidade e individualização como o são as prisões definitivas.

Essas questões afetas à realidade não foram consideradas na decisão do STJ, quiçá o fato de ser a prisão preventiva excepcional. A adoção de medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP, além de ser preferencial, poderia perfeitamente ser mais eficaz e menos gravosa que a prisão preventiva. As medidas previstas no art.319 do CPP podem inclusive ser cumuladas com a prisão domiciliar, nos termos do art.318-B do mesmo diploma legal. Além disso, a não substituição da prisão preventiva pela domiciliar de uma mãe gestante, de crianças menores de 12 anos ou com deficiência trará consequências nefastas para as próprias crianças, além de agravar a vulnerabilidade da mulher no cárcere e incrementar a superlotação carcerária.  Todos esses argumentos devem ser enfrentados pelo Judiciário e nem sempre o são, já que boa parte da sociedade brasileira e dos operadores do direito estão inseridos na cultura do encarceramento.

 

Conclusão

O presente artigo teve o objetivo de analisar de forma crítica e jurídica a decisão proferida pelo STF no HC Coletivo 143.641/SP, responsável pela concessão de prisão domiciliar substitutiva de prisão preventiva a todas as mulheres gestantes, puérperas, lactantes, mães de crianças de até 12 anos de idade incompletos ou de pessoas com deficiência, salvo nos casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, praticados em detrimento dos descendentes, e em casos excepcionais, devidamente motivados pela autoridade judiciária. Para tanto, foi necessário analisar, ainda que de forma breve, a situação carcerária dos presos em geral no Brasil, em especial as mulheres. Ficou demonstrado que as mulheres sofrem em demasiado na prisão, sendo um grupo duplamente vulnerável se comparado aos homens presos. Os estabelecimentos prisionais não oferecem nenhuma estrutura para o atendimento das necessidades específicas das mulheres e de seus filhos, não há espaço para o aleitamento materno, não há médicos em número suficiente para acompanhar a gestação das presas. Além disso, são as mulheres as maiores vítimas de violência real, simbólica e sexual nas prisões.

Constatada a realidade carcerária e a situação de extrema vulnerabilidade das mulheres presas e de seus filhos, foi feito um breve estudo sobre a prisão preventiva no Brasil, seu cabimento e pressupostos legais. Em análise dos dados oficiais do Infopen, 41,5% dos presos, inclusive às mulheres, estão presos de forma provisória, o que indubitavelmente incrementa o problema da superlotação carcerária. Há no Brasil uma subversão da lógica normativa na prática, uma vez que a prisão preventiva deixa de ser hipótese excepcional e passa a ser quase a regra no plano fático. A situação de violação sistêmica e generalizada de direitos humanos no sistema carcerário brasileiro cumulada com o excesso de fixação de prisão preventiva e a vulnerabilidade extremada das mulheres e de seus filhos no cárcere deram ensejo ao HC Coletivo no STF, ainda que sem previsão expressa na lei.

A despeito da concessão da ordem pelo STF para a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, hipótese trazida inclusive pela lei 13.769/2018, o STJ vem negando a prisão domiciliar em alguns casos. Para o Superior Tribunal de Justiça, caso a mãe supostamente tenha cometido o crime de tráfico ilícito de drogas dentro de sua residência, estaria configurada a gravidade em concreto apta a negar a prisão domiciliar. Com o devido respeito, nem sempre essa é a melhor solução, já que existem inúmeros direitos que devem ser sopesados em uma questão demasiado complexa como essa. Até que ponto é proporcional manter uma mãe de crianças presa preventivamente durante anos no Brasil, sendo que em regra trata-se de uma mulher negra, pobre, sem escolaridade, agindo como mula do tráfico? É preciso decidir abrindo-se os olhos para a realidade, reconhecendo o quão injusto e seletivo o sistema criminal pode ser à luz da cultura do encarceramento.

 

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[1]BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento nacional de informações penitenciárias. INFOPEN, atualização – junho de 2016. Brasília, DF, 2017, 65 p. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen/relatorio_2016_22-11.pdf>. Acesso em: 14 jul. 2019.

[2]BARBIÉRI, Luiz Felipe. CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não têm condenação. G1, Brasília, 17 de jul. de 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo menos-812-mil-presos-no-pais-415percent-nao-tem-condenacao.ghtml>. Acesso em: 01 ago.2019.

[3]BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento nacional de informações penitenciárias. INFOPEN Mulheres – 2ª edição. Brasília, DF, 2018, 79 p. Disponível em: <http://depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/infopenmulheres_arte_07-03-18.pdf>.Acesso em: 14 jul. 2019.

[4]COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Relatório sobre medidas destinadas a reduzir o uso da prisão preventiva nas Américas. [s. l.], 2017, p. 127/128.

[5]VARELA, Gabriela. Jessica Monteiro: ela dividiu cela com o filho recém-nascido. Revista Época, 23 fev. 2018. Disponível em: <https://epoca.globo.com/brasil/noticia/2018/02/jessica-monteiro-ela-dividiu-cela-comfilho-recem-nascido.html>. Acesso em: 18. jul. 2019.

[6]BRASIL, Código de Processo Penal (1941). Decreto-lei nº 3.689, de 03 de Outubro de 1941. Art. 311: “Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”

[7]LOPES Jr., Aury. Fundamentos do Processo Penal: introdução crítica. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 70.

[8]MELLO, Daniel. Audiências de custódia liberam mais brancos do que negros, indica pesquisa. Agência Brasil, São Paulo. 15 de dez. de 2017. Disponível em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitoshumanos/noticia/2017-12/audiencias-de-custodia-liberam-mais-brancos-do-que-negros-indica>. Acesso em: 01.ago.2019.

[9]Brasil tem a 3ª maior população carcerária do mundo, com 726.712 mil presos. Revista Consultor Jurídico, 8 de dez. de 2017. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2017-dez-08/brasil-maior-populacao-carceraria-mundo-726-mil-presos>. Acesso em: 20 de ago. de 2019.

[10]Valendo-se do direito comparado, é possível mencionar a decisão histórica proferida pela Corte Suprema da Argentina que admitiu o HC Coletivo em favor de detentos que cumpriam penas degradantes em um estabelecimento carcerário em Buenos Aires, a despeito da ausência de previsão expressa na lei.

[11]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. HC 143.641/SP. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF, 20 de fevereiro de 2018. Diário Oficial da União. Brasília, 01 mar. 2018.

[12]SARMENTO, Daniel; BORGES, Ademar; GOMES, Camilla. O cabimento do habeas corpus coletivo na ordem constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Clínica de Direitos Fundamentais da Faculdade de Direito da UERJ, UERJ Direitos, 2015, p.21. Disponível em:<http://uerjdireitos.com.br/wpcontent/uploads/2015/05/uerjdireitos_habeas-corpus-coletivo-e-liberdade-re-8558101.pdf>. Acesso em: 15 jul. 2019.

[13]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 347 MC/DF. Relator: Min. Marco Aurélio. Brasília, DF, 09 de

setembro de 2015. Diário Oficial da União. Brasília, 14 set. 2015.

[14]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. HC 143.641/SP. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF, 20 de fevereiro de 2018. Diário Oficial da União. Brasília, 01 mar. 2018.

[15]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Segunda Turma. HC 143.641/SP. Relator: Min. Ricardo Lewandowski. Brasília, DF, 20 de fevereiro de 2018. Diário Oficial da União. Brasília, 01 mar. 2018

[16]A partir de um viés humanitário, a lei 13.769/2018 também trouxe requisitos diferenciados para a progressão de regime para mulheres presas gestantes, puérperas, mães de crianças (de até 12 anos de idade) ou de pessoas com deficiência. O art. 112, § 3º, da LEP passou a vigorar com a seguinte redação:

  • 3º No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:

I – não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;

II – não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;

III – ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;

IV – ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;

V – não ter integrado organização criminosa.

[17]“O fato de a acusada comercializar entorpecentes em sua própria residência, local onde foi apreendida quantidade relevante de cocaína, já embalada em porções individuais, além de outros petrechos comumente utilizados para o tráfico de drogas, evidencia o prognóstico de que a prisão domiciliar não cessaria a possibilidade de novas condutas delitivas no interior de sua casa, na presença dos filhos menores de 12 anos, circunstância que inviabiliza o acolhimento do pleito” (STJ – RHC 96.737/RJ, j. 19/06/2018).

[18] No Habeas Corpus (HC) 118.533- MS, julgado em junho de 2016, o STF decidiu que o tráfico privilegiado não é considerado crime equiparado a hediondo, tendo sido a súmula 512 do STJ cancelada. Segue a ementa da decisão:

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. APLICAÇÃO DA LEI N. 8.072/90 AO TRÁFICO DE ENTORPECENTES PRIVILEGIADO: INVIABILIDADE. HEDIONDEZ NÃO CARACTERIZADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O tráfico de entorpecentes privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei n. 11.313/2006) não se harmoniza com a hediondez do tráfico de entorpecentes definido no caput e § 1º do art. 33 da Lei de Tóxicos. 2. O tratamento penal dirigido ao delito cometido sob o manto do privilégio apresenta contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa. 3. Há evidente constrangimento ilegal ao se estipular ao tráfico de entorpecentes privilegiado os rigores da Lei n. 8.072/90. 4. Ordem concedida.

(HC 118533, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 23/06/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-199 DIVULG 16-09-2016 PUBLIC 19-09-2016) grifos nossos.