As medidas provisórias e os tributos

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INTRODUÇÃO

É sabido e indiscutível que encontramo-nos vivendo em um Estado Democrático de Direito, a teor da disposição principiológica trazida à baila pelo Preâmbulo de nossa Carta Constitucional.

Estado de Direito esse que está fundado na estrita observância, por todos, inclusive pelo Poder Público, das regras estabelecidas pela Constituição e demais normas infraconstitucionais (princípio da legalidade)_ herança de um passado recente em que suportamos um Estado de Exceção_ as quais, indubitavelmente, possuem seu fundamento de validade na Carta de Outubro.

Outro princípio basilar de nosso ordenamento constitucional e gravado de forte conteúdo axiológico, é a “tripartição” do Poder, ou como preferimos denominar, a divisão dos Órgãos do Poder_ em face da indivisibilidade e unidade do Poder_, sendo este dividido em: Executivo, Legislativo e Judiciário, conforme denotamos pela regra do art. 3º, do Texto Máximo.

Contudo, a repartição dos Poderes, como assim denominaremos por uma questão de facilitação didática, por vezes, recebe exceções constitucionalmente previstas, de modo a assegurar a prestação dos fins do Estado, assim como uma espécie de controle externos entre os mesmos. Assim, em determinadas circunstâncias os Órgãos do Poder tem a faculdade de praticar “ingerência” constitucionalmente prevista na atividade daquele outrem.

Em razão da complexidade que o tema abrange, a tripartição dos Órgãos do Poder e a unidade do mesmo, criada a séculos atrás por Montesquieu, não será objeto para tecermos maiores comentários, visando não distanciarmo-nos do tema a que nos propomos a estudar.

O referido tema tange de forma considerável a matéria, vez que o cerne desse estudo será o cabimento das medidas provisórias em matéria tributária, a qual, como se perceberá a diante, está limitada à esfera da legalidade.

Relevante é a idéia de que em ocasiões de omissão do Legislativo, no que concerne a sua função típica, qual seja, criar leis, não pode o Estado ficar engessado à sua disposição, razão pela qual o Constituinte, estendeu a faculdade do Chefe do Poder Executivo legiferar, por meio das chamadas medidas provisórias.

Tal visão do Constituinte Originário fora, até certo ponto, admirável, visando afastar limitações legislativas nos casos de existência de relevância e urgência, entretanto o instrumento normativo em comento, teve sua finalidade distorcida pelos detentores do Executivo pátrio, os quais passaram a utilizar-se indiscriminadamente do mesmo, causando, a bem da verdade, verdadeira instabilidade jurídica.

Neste diapasão é que entendemos de valia o presente estudo, com o objetivo de debruçarmos sobre as peculiaridades das medidas provisórias e de seu aproveitamento na seara tributária, campo esse regido às duras rédeas do princípio da estrita legalidade, haja vista a forma contundente com que a exação atinge os direitos individuais do contribuinte, como patrimônio, liberdade e renda.

1.  CONSIDERAÇÕES GERAIS ACERCA DA MEDIDA PROVISÓRIA

As medidas provisórias possuem tratamento notório em nosso sistema constitucional nos moldes fixados pelo art. 59, inciso V e art. 62, da Carta da República, o qual submeteu-se a rigorosa modificação após a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 11, de setembro de 2001.

Inicialmente, insta lembrarmos que a utilização de instrumentos legiferantes pelo Executivo brasileiro iniciou-se por meio do denominado decreto-lei, importado da legislação italiana, amparado no decreti-legge, previsto no art. 77, da Constituição daquele país.

O grande ponto diferenciador existente entre a medida provisória e seu antecessor antes mencionado, consiste na idéia de que este, caso não fosse apreciado pelo Legislativo, tornar-se-ia, imediatamente, lei propriamente dita, o que não ocorre na primeira, como mais a frente se explicará. Outro ponto que também serve de distinção entre esses instrumentos é a matéria abrangida por cada qual, conforme art. 55, da Emenda Constitucional nº 01, de 1969.

Observando a regra supra podemos mencionar que a medida provisória é mais negativa em se tratando de segurança jurídica do que o famigerado decreto-lei do militarismo, tendo em vista que deve ser imediatamente aplicada, no entanto se não convertida em lei ou convertida com modificações, gera uma lacuna legislativa a ser regulada pelo Congresso Nacional, o que nem sempre se percebe.

O atual modelo previsto para a utilização das medidas provisórias, conforme já mencionado, sofreu significantes modificações com a vigência da EC nº 32/01, a qual, em seu bojo, trouxe algumas limitações materiais e de reedição do instrumento legislativo estudado, de forma a coibir o seu aproveitamento indiscriminado e distorcido.

A regra do art. 62, da Carta Constitucional, anteriormente vigente previa a adoção de medidas provisórias, pelo Chefe do Poder Executivo, em caso de relevância e urgência, encaminhando-se, a mesma, imediatamente ao Congresso Nacional para apreciação e caso assim no o fosse feito em trinta dias, contados da data de publicação, a mesma perderia sua eficácia.

Ocorre que, no mais das vezes, essas MP´s não eram apreciadas pelo Órgão Legiferante, dando espaço para que o Executivo reeditasse sucessiva e incansavelmente a mesma medida provisória, atribuindo feição não desejada pelo Constituinte a esse instrumento.

Com relação ao tema, a jurisprudência também agiu de modo diverso ao esperado pelos inúmeros doutrinadores que relutavam conta esse vício do Executivo de editar e reeditar, sem maiores restrições, essas medidas provisórias.

Com esse pensar o Prof. Roque Antônio Carrazza, o qual assim leciona:

“O Poder Judiciário, de seu turno, nem sempre correspondeu às expectativas dos cientistas do Direito e, por uma série de motivos_ entre os quais figura o da governabilidade_, acabou aceitando medidas provisórias que, vênia concessa, não se encaixavam nos moldes constitucionais. A questão no plano jurisprudencial foi resolvida em sentido oposto ao preconizado pela doutrina.

Essa postura animou o Governo Federal a vôos mais altos. Com efeito, valendo-se de estratégias políticas que não vêm agora ao caso, pelejou para que o Congresso Nacional ‘convalidasse’, de uma vez por todas, os abusos cometidos. Afinal, o ‘incômodo’ art. 62 da Carta Magna sempre poderia suscitar reviravoltas, inclusive na jurisprudência.”[1]

Ainda, Eduardo Marcial Ferreira Jardim asservera:

“…a reedição implica afronta ao postulado da tripartição dos Poderes da República, pois usurpa prerrogativa ínsita do Congresso Nacional,. a quem comete o mister de legislar. Ademais, fere o primado republicano na proporção em que a representação do povo encontra-se nas mãos dos deputados e senadores, e não apenas na pessoa do Chefe do Executivo, que, mesmo eleito pela vontade popular, não detém com exclusivismo a titularidade da função legislativa. A bem ver, o exercício da função legislativa pelo Governo representa peculiaridade de monarquia absolutista, portanto incompatível, por todas as luzes, com o Estado de Direito Constitucional, sobretudo com as cores plasmadas na organização do Estado brasileiro, nos termos da Carta de 1988.”[2]

Diante da notoriedade do fato, principalmente no período do Governo Fernando Henrique Cardoso, onde estávamos apreciando um aproveitamento incontrolável de medidas provisórias, as quais passaram a “regular” de tudo, sem qualquer discriminação, foi que o Congresso Nacional resolveu emendar pela trigésima segunda vez a Carta Magna e modificando a redação do art. 62, trouxe consideráveis alterações no regime das MP´s.

Desde já salientamos que, muito embora tenha sido pertinente a reforma constitucional suso mencionada, não fora a mesma suficiente para frear a sede do Executivo em legislar, de maneira que ainda nos dias atuais, no dito popular Governo Petista, nos deparamos com notórias abusividades, arbitrariedades e interesse na concentração do Poder, como por exemplo, a edição das medidas provisórias para fechamento das casas de bingo_ rechaçada pelo Senado Federal_ e para criação de status de Ministro de Estado para presidente do Banco Central do Brasil_ objeto de ADIN perante o Supremo Tribunal Federal[3]_. Ora, indaga-se: existe relevância e urgência nessas matérias? Parece-nos ato administrativo de desconsideração da vontade do povo, que elegeu aqueles que gostariam que fosse os responsáveis pelo Legislativo Federal, quais sejam, Deputados Federais e Senadores.

Antes à emenda constitucional inexistia qualquer autorização expressa para a reedição das medidas provisórias, as quais acabavam tratando da mesma matéria, via reedição, por meio de artimanhas políticas. Hoje, após a completa reestruturação desse instrumento, “surgiram acanhadas peias, que, na real, dilargaram, sensilvelmente, o campo de ação destes atos normativos”.[4][5]

Por ser tópico que não consiste o centro de nossas atenções no presente estudo, somente algumas considerações mais notórias serão feitas no que concerne ao processo legislativo das medidas provisórias, com vasta explanação na nova redação do art. 62, do Diploma Maior.

O primeiro ponto a ser destacado é que, em havendo relevância e urgência_ requisitos cumulativos_ poderá o Chefe do Executivo editar medida provisória, a qual restará em vigor durante sessenta dias, prorrogáveis, uma única vez, por igual período, caso não tenha sido votada pelo Congresso Nacional. O referido período de vigência das MP´s fica suspenso durante o período de recesso parlamentar, voltando a correr no primeiro dia findo o recesso.

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A medida provisória será, imediatamente, levada ao Congresso Nacional, iniciando-se na Câmara dos Deputados, onde será apreciada por uma comissão que avaliará que, antes do mérito, avaliará seus aspectos constitucionais (relevância e urgência).

Por maioria simples, a medida provisória analisada e votada em ambas as Casas do Congresso, uma de cada vez, será convertida em lei ordinária, através da publicação da lei de conversão, a qual pode consistir na MP integral ou com restrições criadas pelo Parlamento. Ainda, podem as Casas Legislativas proporem emendas aditivas ou supressivas, contudo, essa possibilidade é alvo de divergência doutrinária, de modo que parte dela entende que o Legislativo está restrito à vontade inicial do Executivo, o que não nos parece o mais acertado, desde que, é lógico, as emendas aditivas não extrapolem a matéria abarcada pela MP, ou seja, não se distancie de seu objeto.

Uma vez rejeitada a medida provisória, por qualquer das Casas, ela não poderá ser reapresentada, sob pena de configuração de crime de responsabilidade (art. 85, III, CF), bem como perderá seus efeitos de forma retroativa, cabendo ao Congresso regular as situações ocorridas no período de vigência da mesma.

Poderá, ainda, ocorrer a denominada rejeição tácita, o que quer dizer, que a medida provisória não fora apreciada no período de sessenta dias, impedindo seu reedição, caso já tenha sido sua segunda publicação.

Ponto que merece abordagem no presente instante diz respeito às vedações materiais trazidas no bojo do artigo 62, do § 1º, da Lex Legum, destacando-se, dentre outras restrições, a que concerne à impossibilidade de fixação dos tipos penais através de MP.

Na seara tributária, as medidas provisórias receberam tratamento no § 2º, do artigo mencionado, contudo, não houve nenhuma restrição material nesse sentido, mas sim, uma restrição temporal, decorrente do princípio da anterioridade tributária (art. 150, inciso III, alíneas a e c), segundo a qual a MP que crie ou institua tributos, ressalvadas as exceções ali previstas, somente entrarão em vigor no exercício financeiro seguinte.

Duas relevantes considerações devem ser feitas no que alude a regra supra:_ a anterioridade qualificada prevista pela EC nº 42/03 e; _ a relevância e urgência das medidas provisórias no âmbito tributário.

O segundo dos pontos supra citados, por ser parte do próprio centro desse estudo, será estudado de forma separada e pouco mais detalhada em tópico particular, passando à análise da primeira problemática suso.

Mas, inicialmente, desde já adiantamos, que se a medida provisória deve aguardar até o início do exercício financeiro seguinte ao da sua edição, cadê a relevância e a urgência? Não poderia a mesma matéria tributária ser ventilada por lei propriamente dita. Parece-nos que aqui estamos diante de uma evidente e lastimável inconstitucionalidade perpetrada pela EC nº 32/01.

Outro problema constitucional que encontra alçada na referida redação acima consiste que após a promulgação da EC nº 32/01, outras tantas vieram, em especial, a EC nº 42/03, que veio no centro da chamada reforma tributária.

Dentre outras assertivas a referida emenda constitucional trouxe o denominado princípio da anterioridade qualificada, encravando a alínea c, no inciso III, do art. 150, da Lei Suprema, segundo o qual, não basta que a lei tributária aguarde o exercício financeiro seguinte ao da sua edição, assim como, o lapso de noventa dias contados de sua publicação para passar a ter exigibilidade.

Com isso, findou-se a atitude infelizmente comum na cultura fiscal brasileira de aprovar-se uma lei majoradora ou instituidora de tributo no último ou penúltimo dia do exercício, passando a exigi-lo dois dias depois, logo, já em outro exercício, consagrando, assim, sua constitucionalidade, contudo, negando-se à segurança jurídica.

Hoje, não basta que a lei tributária aguarde o primeiro dia do exercício financeiro seguinte ao de sua publicação para ser exigível, mas também, os noventa dias determinados pela nova redação do art. 150, inciso III, da CF. Por exemplo, tributo criado em 30 de dezembro, somente será exigido ao final de março e não mais em primeiro de janeiro, como no costume antes vigente.

Ultimando a matéria em comento, acerca de noções básicas sobre as medidas provisórias, indagamos sobre a possibilidade de edição de medidas provisórias por outros Chefes do Executivo que não o Presidente da República, são eles: os Governadores dos Estados-membros e do Distrito Federal e os Prefeitos municipais.

A nossa resposta, embora singela, é centro de acirrada discussão doutrinária, a qual encontra-se dividida quanto a essa possibilidade. Parece-nos que o mais acertado é admitir essa edição pelos demais membros do Executivo do Estado Federativo Brasileiro, desde que expressa previsão e autorização constitucional dos Estados ou da Lei Orgânica do Município exista nesse sentido[6].

Através disso, consagra-se a autonomia e igualdade existente entre todos os entes da federação e não corremos o risco de infringirmos o pacto federativo em que vivemos, consagrando-se a constitucionalidade dessa nossa posição.

Feitas essas considerações somente aclaradoras e introdutórias, passemos a dispender maiores esforços quanto à própria inconstitucionalidade da EC nº 32/01 no que se refere aos aspectos da medida provisória no âmbito tributário, principalmente, por afronta aos princípios constitucionais da anterioridade, aqui já debatido e demonstrado e o da estrita legalidade tributária, centro de estudo em separado[7], abordando-se, também, em apartado as considerações sobre a natureza jurídica do instrumento em tela.

2. O PRINCÍPIO DA ESTRITA LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

A idéia da estrita legalidade decorre do próprio Estado de Direito, segundo máxime vige a recomendação de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei expressa que assim determine.

A lei, como ato normativo dotado de generalidade e abstração, provindo do Poder Legislativo, composto por membros eleitos pelo povo, constitui, ao menos em tese, a forma de externar a vontade deste, de modo a regular a vida em sociedade em vista do alcance ou, pelo menos, a busca do bem comum.

Ademais isso, a lei também serve como parâmetro de atuação do próprio Poder Público, que em um Estado de Direito encontra-se vinculado à estrita observância das disposições legais, as quais, noutra banda, de forma inarredável, devem seguir os ditames norteadores estabelecidos pela Carta Política, aonde encontra o seu fundamento de validade.

Consideração interessante de ser lembrada é que o controle da legalidade, bem como da constitucionalidade dessas mesmas leis, está centrado nos Órgãos Judiciários, a quem é dada a incumbência de “dizer o direito”.

Neste trilhar, ao indivíduo no Estado de Direito brasileiro é dada a força de fazer ou deixar de fazer alguma coisa, tão somente, em virtude de lei, conforme borcardo jurídico cuique facere licet nisi quid iure prohibitur, nos moldes estabelecidos pelo art. 5º, inciso II, da Constituição de 1988. De outro ver, a Administração Pública somente fará algo se a lei assim estabelecer, sendo vedada a esta a atuação sem a expressa previsão legal.

O referido princípio teve necessário reforço no direito tributário pátrio, tratado como estrita legalidade tributária, de acordo com o art. 150, inciso I, da Carta Republicana, em face de se prestar como restrição ao Estado em relação aos direitos fundamentais da propriedade, patrimônio e da liberdade do indivíduo. Regramento direcionado ao próprio Estado (direito de 1ª geração), consistente em deixar de fazer, valendo novamente a menção da assertiva nullum tributum sine lege.

Cumpre lembrarmos também, quando tratamos de estrita legalidade, que não basta que o tributo seja criado ou instituído por lei, mas que todos os aspectos deste esteja presente em diploma legal. Assim, a norma tributária devem estar identificados todos elementos da mesma como hipótese de incidência, fato jurídico tributário imponível, sujeitos ativo e passivo, fatores aritméticos (base de cálculo e alíquota), forma de lançamento e extinção, creditamentos, etc, sob pena de ilegalidade por omissão ou, ainda, a inconstitucionalidade de portarias, resoluções, instruções normativas ou qualquer outro ato administrativo que verse sobre matéria de estrita observância legal, aspectos da norma tributária.

Assim, o tributo deve nascer de lei, que pormenorize todos os aspectos da regra tributária, bem como seja esta lei, decorrente do Órgão Legislativo e que este seja competente para tanto.

Devemos, por fim, salientarmos que existem algumas exceções constitucionais ao princípio da legalidade. São elas: II, IE, IPI, IOF, em face da extrafiscalidade desses impostos e da necessidade de rápida manipulação do mesmo, principalmente, como meio de controle econômico, entretanto, ainda assim, essa atuação é restrita nos moldes de lei anterior que determina certos limites.

Última consideração interessante a ser lembrada nesse tópico encontra guarida na extrema semelhança existente entre o direito tributário e o direito penal, decorrentes da idéia de tipo fechado, é o denominado princípio da tipicidade cerrada.

Corolário do princípio da estrita legalidade, não basta que o ente tributante atue dentro dos ditames da lei, mas também, que o fato jurígeno esteja estritamente subsumido na disposição legal.

A tipicidade cerrada é a necessidade de precisa subsunção entre o fato ocorrido e a expressa determinação legal como sendo aquele fato ser juridicamente hábil a produzir o nascimento de uma obrigação tributária, assim como, mutatis mutantis, ocorre no direito penal.

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O Prof. Geraldo Ataliba nos esclarece mencionando:

“A figura típica penal constitui-se num conceito legal, da mesma forma que a hipótese de incidência. A figura legal do crime é a mera descrição legal, simples conceito legal hipotético, Há crime in concretu, se e quando alguém pratica ao descrio abstratamente na lei.

A h.i. (hipótese de incidência) tributária é a hipótese da lei tributária. É a descrição genérica e abstrata de um fato. É a conceituação (conceito legal) de um fato: mero desenho contido num ato legislativo.”[8]

Lecionando sobre o tema Misabel de Abreu Machado Derzi:

“A legalidade estrita, a segurança jurídica, a uniformidade e a praticidade determinam a tendência conceitual prevalente no Direito Tributário”.

Além desses princípios citados, a repartição constitucional do poder tributário, assentada, sobretudo, na competência privativa tem como pressuposto antes a forma de racionar por conceitos fechados do que por tipos.

Os tributos são objeto de uma enumeração exaustiva de modo que aquilo que não está na lei, inexiste juridicamente.

Não se admitem as ordens de estrutura flexível, graduável e de características renunciáveis que são os tipos. Esses, por sua vez, levariam, à aceitação das formas mistas ou novas, deduzidas e descobertas, implicitamente, no ordenamento ou criadas, no tráfego jurídico, pela prática administrativa, segundo as necessidades do Tesouro, o que se chocaria com os princípios vigorantes no sistema tributário.”[9]

Neste diapasão, a outra conclusão não nos podemos ater, senão a de que, em direito tributário, por haver notória afronta aos direitos individuais do contribuinte, é inafastável a aplicabilidade da estrita legalidade, ao ponto de que ao Fisco nenhuma prerrogativa lhe deve aproveitar, salvo as previstas em lei.

A bem da verdade, poderíamos mencionar aqui que o princípio da legalidade tributária constitui instituto protetor da própria segurança, contudo, sua atuação isolada, sem observância dos demais princípios constitucionais balizadores do direito tributário, não é o bastante para coibir o Fisco de atitudes aterradoras em face do contribuinte, sendo indiscutível que, nos dias em que vivemos, os tributos_ fonte de riqueza e manutenção do Estado e esgotamento dos valores pertencentes aos contribuintes_, legalmente instituídos, são notoriamente inconstitucionais, vez que afrontam gritantemente princípios como o da capacidade contributiva.

3. A MEDIDA PROVISÓRIA EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA

Prevista no art. 59, inciso V, da Lex Legum, o qual versa sobre o processo legislativo, para alguém menos avisado, poderia a medida provisória tratar-se de lei. Porém, essa primeira visão, de plano deve ser desconsiderada, vez que como prevista na Constituição Federal lei não é, e quanto a isto concordam os mais respeitados doutrinadores.

Importante assertiva nesse sentido é traçada pelo Prof. Alexandre de Moraes, o qual, com sabedoria, aduz que “medida provisória não é lei, mas espécie normativa excepcional, transitoriamente investida de ‘força de lei’”[10].

Corroborando com nosso entender a lição de Carrazza:

“Inicialmente, queremos deixar marcado que medidas provisórias não são leis. São, sim, atos administrativos lato sensu, dotados de alguns atributos da lei, que o Presidente da República pode expedir em casos de relevância e urgência.”[11]

Com esse pensar a doutrina pátria não reconhece problemas em estabelecer à medida provisória um caráter de ato administrativo exarado do Chefe do Executivo, contudo com força de lei. Ressalte-se, as MP´s possuem força de lei, mas lei, em seu sentido normativo e material, não o é, o que lhe confere um aspecto sui generis constitucionalmente consagrado.

Pensamento diverso não é o do conspícuo Prof. Marco Aurélio Greco, o qual assim discorreu:

“Em suma, a CF no seu art. 62 autoriza o Presidente da República, a praticar um ato, de natureza administrativa (pois corresponde à aplicação dos princípios maiores que regem o ordenamento constitucional), ao qual ela atribui força de lei, o que não seria possível se não houvesse tal previsão expressa.”[12]

Portanto, resta indubitável que a medida provisória não é lei, mas sim um ato sui generis com força, transitória, de lei, por determinação constitucional. A medida provisória no interregno de sua vigência e antes da apreciação definitiva pelo Congresso não é lei e tão somente assim será se ao final for aprovada. É ato político que permite ao governante em casos extremados e excepcionais, havendo relevância e urgência, movimentar-se no sentido de aquietação do problema até manifestação do Órgão Legislativo.

Depositadas essas primeiras declarações sobre a natureza jurídica das medidas provisórias, passaremos, finalmente, a nos debruçar sobre o seu cabimento em matéria tributária, o que desde já repugnamos e demonstraremos o suporte de nossa convicção nas linhas abaixo.

São dois grandes sustentáculos impeditivos da utilização das medidas provisórias na esfera tributária: _ a existência de relevância e urgência nesse campo do direito e; o princípio da estrita legalidade.

Passemos, pois, a dispensar nossos esforços nos pressuposto da relevância e urgência e até que ponto esses mesmos requisitos impedem a utilização das MP´s no campo do direito tributário.

Ab initio, salientamos que a Carta Maior faz referência aos requisitos de forma cumulativa, de modo que para se editar uma medida provisória far-se-á indispensável a existência concomitante de ambos pressupostos_ afastando-se problemáticas passageiras de governabilidade_, sob pena de inconstitucionalidade a ser declarada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual, infelizmente, nem sempre assim se posiciona, contudo, cabe à doutrina pátria mobilizar-se no sentido de trazer visão e clareza aos Ministros da nossa mais Alta Corte.[13]

A propósito, sabemos que nem sempre o Supremo, Órgão eminentemente político, se manifesta conforme o pacífico entendimento doutrinário e nesse pensar Alexandre de Moraes sobrepõe importante esclarecimento:

“O exercício do controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal e as condições culturais e políticas nacionais mostraram, ao longo do tempo, que o modelo estrutural importado dos Estados Unidos para a composição e investidura dos membros do STF foi insuficiente para concretizar os direitos constitucionais e carecedor de maior legitimidade popular, sendo superado pelas constituições européias, que não só prevêem uma participação mais efetiva dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário na escolha dos membros do Tribunal Constitucional, como também exigem maiores requisitos capacitórios.

Nessa evolução , seria interessante que a estrutura e composição do Supremo Tribunal Federal se afastasse do modelo americano, aproximando-se do modelo europeu de Tribunais Constitucionais, por sofrer menos influências políticas”

Certamente, o poder de nomeação proporciona aos presidentes uma oportunidade para moldar a direção geral da Corte”[14]

Feita a crítica de conscientização indispensável de ser realizada pela doutrina, enfrentaremos o conceito de relevância e urgência, altamente subjetivos, entretanto, tudo dentro dos limites da própria Carta Suprema.

Ao nosso pensar relevante e urgente é tudo o que não pode deixar de ser regulado naquele determinado instante, inexistindo tempo razoável para o aguardo de aprovação da lei ordinária.

Seriamos então perguntados, mas em quanto tempo de aprova uma lei ordinária? Isso poderia levar anos? Equivocam-se aqueles que assim aludem, principalmente em razão da regra do art. 64, § 1º, da Constituição de 1988, a qual fixou o chamado processo legislativo sumário, o qual, a pedido do Presidente da República, atribui a determinada lei um regime de urgência.

Percebe-se que o próprio Presidente_ competente para editar medida provisória_ é que pode solicitar o regime de urgência para a apreciação de dada lei, propriamente dita.

No regime de urgência a lei será submetida à apreciação pela Câmara dos Deputados e, em seguida, pelo Senado Federal, no prazo de quarenta e cinco dias cada Casa, somando-se, noventa dias (§ 2º, art. 64, CF).

Se por ventura as respectivas Casas Legislativas não se manifestarem no prazo alhures, o projeto de lei será incluído na pauta do dia, trancando as demais deliberações, de sorte que o Congresso terá o prazo final de mais dez dias para ultimar a votação do projeto em regime de urgência, solicitado pelo Presidente da República (art. 64, §3º, CF).

Somados todos os prazos retro descritos temos o lapso total de cem dias, período esse em que se torna possível a apreciação e aprovação de uma lei em seu aspecto formal e material.

Por conseguinte, de forma conclusiva, com tranqüilidade mencionamos que relevante e urgente é aquela matéria que não pode aguardar mais de cem dias para tornar-se lei, sendo esta a idéia constitucional a ser aplicada nas MP´s.

Na senda tributária se faz pertinente nos perguntarmos se existe ou não relevância e urgência que autorize o Presidente da República em editar medida provisória instituidora ou majoradora de tributos.

Ao que nos parece, fazendo um paralelo com a idéia de relevância e urgência supra mencionadas, é inconcebível admitir as MP´s em matéria tributária, por jamais atingirem a relevância e urgência, visto que não se mostra urgente exigir mais um tributo. Ou não poderia o Governo aguardar cem dias para criar ou majorar um tributo através de lei formal?

Ademais isso, nos deparamos com o princípio da anterioridade tributária e anterioridade qualificada, de sorte que tendo a “medida provisória tributária” de aguardar os lapsos fixados pelas regras do art. 150, inciso III, alienas a e c, da Carta Maior, porque veicular a matéria pelo MP e não por lei?

Parece-nos pouco razoável admitir a medida provisória (relevante e urgente) se a mesma necessitará, inafastavelmente, de cumprir com as exigências dos princípios retro mencionados e antes já explicados, os quais, de per si, já afastando a idéia de urgência, desconfigurando, pois, o cabimento das medidas provisórias na esfera tributária.

Em que pese o indispensável respeito pela Corte Constitucional pátria, a mesma tem admitido o cabimento de medida provisória para a criação de tributos, desde que respeitado princípio da anterioridade.[15][16]

Ora, uma questão a mim não se acomoda. Como pode haver urgência se imprescindível a observância da anterioridade tributária? Ao meu ver, nesse tópico, cai por terra a possibilidade de utilização das MP´s em tributário, falecendo com esta a decisão do Supremo Tribunal.

Lembre-se, ainda, que a cobrança e majoração de mais tributos em nossa já elevada carga tributária, não pode ser visto como relevante e urgente, de forma que deve ser controlada a utilização acriteriosa e abusiva das MP’s. Ademais, suponha que a MP seja rejeitada; e quem já pagou o tributo? Quanto tempo demorará a União para restituí-lo? Vai ser necessário aguardar o decreto legislativo do Congresso Nacional? Percebemos que a MP torna-se tormentosa na seara tributária, não devendo ser aproveitada para esse fim, por constituir verdadeiro risco ao já massacrado contribuinte, chocando-se, portanto, com a tão almejada segurança jurídica, princípio basilar de um Estado Democrático de Direito.

Não bastasse a total incompatibilidade entre as medidas provisórias e a idéia de relevância e urgência existente em nosso sistema constitucional, o que, por si só já era o bastante para justificar a impossibilidade de utilização das mesmas na seara tributária, devemos salientar a natureza jurídica desse instrumento, a qual afasta, mais uma vez, essa hipótese.

Isso porque, como alhures salientamos, direito tributário nacional é regido pelo princípio da estrita legalidade, esculpida no art. 150, inciso I, do Diploma Máximo, de sorte que não se pode instituir ou aumentar tributos senão por lei, e nenhum outro instrumento normativo, com força de lei, como as MP´s.

Quanto ao IPI, IOF, II e IE, exceções constitucionais previstas no art. 62, da Constituição Federal, a Carta já deu possibilidade do Presidente alterar suas alíquotas por meio de decreto, dentro dos limites da lei, atendendo ao caráter extrafiscal dos mesmos, de sorte que se desejasse estender outras prerrogativas ao Executivo o teria feito expressamente, o que não se percebe no Texto.

No que concerne aos tributos previstos no art. 148, CF, os mesmos somente serão criados mediante lei complementar, sendo cediço que as MP´s, caso aprovadas, serão convertidas em lei ordinária[17], segundo aduz o art. 62, da Carta de Outubro, o que impede a criação desses tributos que exigem norma diferenciada. Também, o artigo supra veda o cabimento de medidas provisórias para matéria reservadas à lei complementar (art. 62, III, CF).

A bem da verdade e afastando-nos do nosso desejo de concretização de um Estado efetivamente de Direito, o que percebemos é uma total liberdade ao Executivo no que tange a criação e majoração de tributos, após a edição da Emenda Constitucional nº 32/01.

Mais um motivo para nos levar ao pensamento de que as famigeradas medidas provisórias constitui agressividade ainda maior ao pacto da tripartição dos órgãos do Poder, quando a comparamos aos decretos-leis, aqueles da ditadura militar, porém, esses sofriam restrições em seu âmbito de cabimento, o que cada vez menos fica perceptível na senda das atuais MP,s, vigentes em pleno Estado Democrático de Direito brasileiro, contudo, mais autoritárias e centralizadoras do que nunca.

Longe de querermos esgotar o tema e sabendo que tantos outros doutrinadores de peso possuem posição antagônica à aqui defendida[18][19], entendemos pelo acima exposto, também ao lado de grandes nomes[20], como forma de consagração dos princípios constitucionais da estrita legalidade, da anterioridade, da segurança jurídica e da justiça fiscal.

Cabe a nós, pensadores do direito, repudiar atitudes unilaterais_ concentradoras do Poder_ e atentadoras à Carta Constitucional, sob pena de deixarmos instalar uma “balburdia jurídica” onde o Executivo, indiscriminadamente, “legisla” sobre toda e qualquer matéria, sem encontrar restrições, o que é temível e abalador do Estado Democrático de Direito do Brasil.

Notas
[1] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 248.
[2] FERREIRA JARDIM, Eduardo Marcial. Manual de direito financeiro e tributário. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 134.
[3] ADIN 3290/DF, Rel .Min. Gilmar Mendes.
[4]CARRAZZA, op. cit., p. 250.
[5] Chega-se, doutrinariamente, a discutir acerca da inconstitucionalidade da EC nº 32/01 no que tange à abordagem dada ao art. 62, da Constituição Federal, sob o argumento de que a mesma violara o princípio da separação dos Poderes, por interferir na autonomia do Legislativo, afrontando cláusula pétrea fixada pelo art. 60, § 4º, inciso III, da Lei das Leis.
[6] As medidas provisórias dos demais Chefes do Executivo, que não o Presidente da República, além de necessitar conter expressa previsão, deverá observar os limites e princípios fixados pela Constituição Federal quando regula as mp´s federais. Nesse sentido entendeu o STF na ADIN nº 4255/TO.
[7] Ver Capítulo 3.
[8] ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 59.
[9] DERZI, Misabel de Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: RT, 1988, p. 248.
[10] MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2004, p. 584.
[11] CARRAZZA, op. cit., p. 247.
[12] GRECO, Marco Aurélio. Medidas provisórias. São Paulo: RT, 1991, p. 16.
[13] ADIn 1.667-9/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 25.09.97.
[14] MORAES, Alexandre de. Direito e política; nos marcos da interdisciplinariedade, Campinas: Edicamp, 2003, p. 23- 26
[15] STF, ADIN nº 1441-2/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, Diário da Justiça, Seção I,. 18.10.1996.
[16] STF, ADIN nº 1135-9/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça, Seção I, 5.12.1997.
[17] GRECO, op. cit., p. 36.
[18] Luciano Amaro e Eduardo Marcial Ferreira Jardim, entre outros.
[19] Há, ainda, aqueles que aceitam as MP´s em matéria tributária quando versar sobre a instituição de impostos extraordinários (de guerra) e empréstimos compulsórios de calamidade pública e guerra externa, como por exemplo, Hugo de Brito Machado e Sacha Calmon Navarro Coelho.
[20] Paulo de Barros Carvalho, Roque Antônio Carrazza, Mizabel Abreu Derzi, entre outros.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

André Murilo Parente Nogueira

 

Advogado, em Botucatu/SP, pós-graduado em Direito Público, pelo Centro de Pós-Graduação da Instituição Toledo de Ensino, Bauru/SP

 


 

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