As mulheres negras no Brasil e as políticas afirmativas

Resumo: Nos últimos anos diversos estudos sobre à igualdade de gênero e raça estão sendo construídos e publicados. Nestes estudos, fica evidente que essas questões influenciam na vida de diversas brasileiras que sofrem diariamente preconceito envolvendo a desigualdade de gênero refletindo em muitos direitos violados tais como falta de acesso ao mercado de trabalho e recebimento de salários abaixo dos valores percebidos pelas mulheres brancas. Neste sentido, o presente artigo busca trazer reflexões em torno das dificuldades que a população negra feminina sofre diariamente. Com base nas questões supracitadas e com apoio em artigos anteriores publicados sobre o tema, podemos compreender que se faz necessário que o Estado amplie as Políticas Públicas Afirmativas destinadas as Mulheres Negras, para que possam inserir-se em melhores postos de trabalho, aumentar a frequência em cursos superiores e por fim reduzir de violação de direitos desta parcela da população brasileira.

Palavras-chave:  Mulheres. Negritude. Políticas Públicas. 

Abstract: In the last years several studies on the equality of gender and race are being constructed and published. In these studies, it is evident that these issues influence the lives of several Brazilians who suffer daily prejudice involving gender inequality, reflecting many rights violated such as lack of access to the labor market and receiving wages below the values ​​perceived by white women. In this sense, the present article seeks to bring reflections around the difficulties that the black female population suffers daily. Based on the aforementioned issues and with support in previous published articles on the subject, we can understand that it is necessary for the State to expand Affirmative Public Policies aimed at Black Women, so that they can be included in better jobs, increase Attending higher education courses and, in the end, reducing the violation of the rights of this part of the Brazilian population

Keywords: Women. Blackness. Public policy.

Sumário: Introdução. 1.1 As políticas afirmativas para as mulheres negras no município de Matinhos/PR. 2. Consideraçoes Finais Referências

INTRODUÇÃO

O presente artigo busca trazer reflexões em torno das dificuldades que a população negra feminina sofre diariamente sobretudo devido a desigualdade de gênero no que tange a mercado de trabalho e acesso a ensino superior no Brasil, ainda faz breve análise sobre políticas afirmativas para inserção social das mulheres negras a fim de superar a desigualdade de gênero e questões de preconceito racial.

No Brasil, o processo de abolição dos escravos foi um processo que durou cerca de 38 anos. Em 1850, foi proibido o tráfico transatlântico de escravos africanos e posteriormente, em 1871, conferiu-se a liberdade aos filhos nascidos de mães escravas, na conhecida Lei do ventre Livre. A Lei do Ventre Livre, também conhecida como “Lei Rio Branco” foi uma lei abolicionista, promulgada em 28 de setembro de 1871 (assinada pela Princesa Isabel). Esta lei considerava livre todos os filhos de mulher escravas nascidos a partir da data da lei, como seus pais continuariam escravos (a abolição total da escravidão só ocorreu em 1888 com a Lei Áurea), a lei estabelecia duas possibilidades para as crianças que nasciam livres: poderiam ficar aos cuidados dos senhores até os 21 anos de idade ou poderiam ser entregues ao governo. O primeiro caso foi o mais comum e beneficiaria os senhores que poderiam usar a mão-de-obra destes “livres” até os 21 anos de idade. A Lei do Ventre Livre tinha por objetivo principal possibilitar a transição, lenta e gradual, no Brasil do sistema de escravidão para o de mão-de-obra livre.

Finalmente em meados de 1885 os escravos idosos deixaram de ser escravos, com a promulgação da famosa Lei Saraiva-Cotegipe também conhecida como a Lei dos Sexagenários que previa liberdade aos sujeitos escravizados que tivessem mais de sessenta anos de idade e estabelecia também normas para libertação gradual dos cativos, mediante indenização. O objetivo, contudo, era conter os abolicionistas mais radicais. Mesmo assim a lei não atinge sua principal proposta e o movimento abolicionista ganha cada vez mais força no final do século XIX.  Em 1888, promulgou-se a Lei Geral de Libertação dos Escravos, conhecida como a Lei Áurea. Com um texto curto, simples e direto, a lei libertava cerca de 700 mil escravos, num país com então 15 milhões de habitantes. O número de escravizados na data não é tão expressivo tendo em vista um grande contingente de libertos já existentes no país.  Entretanto, sabemos que o Estado Brasileiro não planejou este acontecimento, tampouco proveu/criou dispositivos e/ou políticas públicas que amparassem a população negra, simplesmente aboliram a escravidão, não capacitaram estas pessoas para terem autonomia e independência e as deixaram a mercê da própria sorte. O termo mais correto ao invés de libertação dos escravos, seria liberação dos escravos. A Lei Áurea marca um contexto político de pressões para o fim da escravidão e, após quatro séculos o Brasil passou a ser um país sem escravos, fruto da luta política e social. É o que podemos verificar:

“Um ano após a abolição da escravatura, foi proclamada a República no Brasil, em 1889. O novo sistema político, entretanto, não assegurou profícuos ganhos materiais ou simbólicos para a população negra. Ao contrário, esta, foi marginalizada, seja politicamente em decorrência das limitações da República no que se refere ao sufrágio e as outras formas de participação política; seja social e psicologicamente, em face das doutrinas do racismo científico e da “teoria do branqueamento”; seja ainda economicamente, devido às preferências em termos de emprego em favor dos imigrantes europeus…” (GEORGE Reid Andrews, apud DOMINGUES, Petronio,2007, p.102/103)

Tendo em vista este acontecimento, a população  aumentou, e sem expectativas, sem preparo, viu-se segregada, resultando assim no surgimento de duas agremiações, a de mulheres e homens brancos, inseridos em sua maioria no mercado de trabalho e as mulheres e homens negros, à margem da sociedade, com seus direitos de acesso à educação, habitação e renda suprimidos e violados, fato este que obrigou estas pessoas a viverem em locais insalubres, periféricos e marginalizados já que não possuíam saneamento básico,  estando segregados a viverem nas encostas dos morros e rios, onde a periculosidade , insalubridade é gigantesca.

“Com a extinção da escravidão, em 1888, e a proclamação da República, em 1889, a elite brasileira implementou políticas públicas alicerçadas nos postulados do “racismo científico e do darwinismo social e lançou o Brasil numa campanha nacional (…) para substituir a população mestiça brasileira por uma população ‘branqueada’ e ‘fortalecida’ por imigrantes europeus” (George Reid Andrews, 1991, p. 32)

Sabemos que no Brasil a Segregação Racial não ocorreu com a mesma dinâmica como a Estadunidense que apareceu de forma mais violenta e explícita como foi na década de 60 do século passado. No Brasil ela aparece de forma mais velada e maquiada pela população, embora ela também já mostrasse indícios de existência.

Em nosso país o racismo ainda é muito presente no cotidiano da população e nas forças de repressão do Estado, é frequente o movimento negro relatar situações onde a população negra sofre desagravos por conta da tonalidade da pele.

A fim de podermos explanar sobre políticas afirmativas cabe verificar em que consiste o movimento negro:

Movimento negro é a luta dos negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade abrangente, em particular os provenientes dos preconceitos e das discriminações raciais, que os marginalizam no mercado de trabalho, no sistema educacional, político, social e cultural.2 Para o movimento negro, a “raça”,3 e, por conseguinte, a identidade racial, é utilizada não só como elemento de mobilização, mas também de mediação das reivindicações políticas. Em outras palavras, para o movimento negro, a “raça” é o fator determinante de organização dos negros em torno de um projeto comum de ação…” (DOMINGUES, Petrônio, 2007 p.102)

“Para reverter esse quadro de marginalização no alvorecer da República, os libertos, ex-escravos e seus descendentes instituíram os movimentos de mobilização racial negra no Brasil, criando inicialmente dezenas de grupos (grêmios, clubes ou associações) em alguns estados da nação. ” (DOMINGUES, Petrônio, 2007 p.103)

No bojo destes acontecimentos o Estado Brasileiro criou alguns dispositivos que promovem a valorização da história da cultura afro-brasileira, como explicita a Lei nº. 10.639 de 2003, que garante a reserva de 20% das vagas para os Negros que forem prestar concursos públicos, viabilizado pela Lei nº. 12.990 de 09 de junho de 2014, entre outros. Estas políticas afirmativas contribuem para que esta população tenha acesso ao mercado de trabalho, ao curso superior, e as demais políticas públicas vigentes.  Percebeu-se então que é necessário

“[…] adotar, no âmbito da União, e estimular a adoção, pelos estados e municípios, de medidas de caráter compensatório que visem a eliminação da discriminação racial e a promoção da igualdade de oportunidades, tais como: ampliação do acesso dos/as afrodescendentes às universidades públicas, aos cursos profissionalizantes, às áreas de tecnologia de ponta, aos grupos e empregos públicos, inclusive cargos em comissão, de forma proporcional à sua representação no conjunto da sociedade brasileira’’(Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH II) (2002). Ministério da Justiça/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Brasília, p. 16.)

Feito este reconhecimento acerca do que a população negra sofre, faremos um recorte para a população negra do gênero feminino que sofria/sofre em uma sociedade sexista e racista, vindo a sofrer dois tipos de discriminação, uma por serem mulheres e outra por serem negras, enfrentam obstáculos no mercado de trabalho, acesso à educação, saúde e outras políticas públicas. Com base nisto e em consonância com a pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada em seu documento denominado Dossiê Mulheres Negras –  retrata-se as condições de vida das mulheres negras no Brasil que versando sobre casos patentes de discriminação por sexo e raça:

desigualdades de gênero, embora as mulheres apresentem um melhor desempenho educacional (média de anos de estudos mais elevada, maiores taxas de escolarização em todos os níveis de ensino e uma maior proporção de pessoas com nível superior concluído), elas ainda enfrentam desafios no que diz respeito aos retornos esperados pelo investimento educacional: seus rendimentos são inferiores aos dos homens, sua participação nos postos de comando e na condição de proprietárias-empregadoras ainda é restrita. Estas desigualdades também estão relacionadas à condição de gênero, como a média de horas trabalhadas das mulheres ser inferior à dos homens, dada a necessidade de dupla jornada, além de estarem concentradas nos setores de atividade com salários mais baixos, como saúde e educação. ” (MARCONDES, Mariana, PINHEIRO, Luana, QUEIRÓZ Cristina, QUERINO Ana Carolina, VALVERDE Danielle (Organizadores) / Brasília, 2013)

Segundo estatísticas fornecidas pelo Instituto Sindical interamericano pela Igualdade Racial, no ano de 1999 os homens negros da região metropolitana de São Paulo recebiam 50,6% a menos que um homem não negro e no caso das mulheres negras a situação agrava-se mais, elas recebiam na ocasião 33,6% do rendimento médio mensal de um homem branco. Reconhece-se que com a implementação de ações afirmativas, políticas afirmativas, estes índices estão melhorando, uma vez que esta população pode acessar o curso superior e pode aprimorar-se profissionalmente, entretanto ainda se evidencia que as mulheres negras se encontram com baixa inserção nos cursos superiores se comparado com as mulheres brancas. Somente a partir do ano de 2001 que houve uma maior inserção das mulheres negras no ensino, mas isto não ocorreu de forma espontânea e sim por influência dos movimentos sociais que incluíram na agenda pública a discussão de temas como a discriminação e desigualdades enfrentadas pela população negra.

1.1 AS POLÍTICAS AFIRMATIVAS PARA AS MULHERES NEGRAS NO MUNICÍPIO DE MATINHOS/PR.

Após analisarmos o panorama nacional acerca das políticas afirmativas e de inclusão da população negra, realizamos um recorte de gênero, buscando informações sobre a implementação destas políticas destinadas as mulheres, infelizmente constatamos que não ocorre nenhuma ação em nível municipal, entretanto elencaremos neste artigo alguns dados estatísticos apurados em torno da população negra do município de Matinhos/PR.

Em consonância com o Censo de 2010 constatou-se que no que tange ao gênero, do total de extremamente pobres no município, 393 são mulheres (62,0%) e 241 são homens (38,0%), pela verificação de tal dado estatístico percebe-se a necessidade de implementar alguma política em nível regional de combate à pobreza do gênero feminino; no que tange a índices referente a cor ou raça do total da população em extrema pobreza do município, 359 (56,6%) se classificaram como brancos e 249 (39,3%) como negros dentre estes últimos, 20 (3,2%) se declararam pretos e 229 (36,1%) pardos. Outras 25 pessoas (3,9%) se declararam amarelos ou indígenas.

Com base nos dados do Censo 2010, verifica-se que o município de Matinhos/PR possuía 737 jovens de 15 a 17 anos fora do ensino médio. Entre esses jovens, 40,5% são negros, evidenciando-se quase metade dos jovens que estão fora do ensino médio são pertencentes a população negra, verificando-se assim, mais uma vez a necessidade de implementar políticas públicas afirmativas no combate à evasão escolar; em relação ao ensino superior, 2.597 jovens de 18 a 24 anos se encontravam fora do ensino superior, sendo que 35,5% desses jovens são pertencentes a população negra. Infelizmente os dados obtidos não estão classificados por gênero.

Segundo a Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2011, sobre as Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Juventude descobriu-se que o município não possui Conselho de Igualdade Racial nem secretaria para igualdade de Gênero, o município também informou não desenvolver programas ou ações de promoção da igualdade racial. Com base em tais dados da Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2009, o município não possui Conselho Municipal de Direitos da Juventude ou similar. No âmbito da gestão de políticas de Direitos Humanos, o município possui setor subordinado à outra secretaria.

Sobre o Conselho Municipal de Direitos Humanos, o município declarou não possuir o conselho. Com relação à existência de programas ou ações que possam contribuir no esforço de enfrentamento da vulnerabilidade à violência contra a juventude, especialmente negra, o município declarou a existência dos seguintes programas: Combate à discriminação nas escolas e Combate à violência nas escolas.

Desta forma numa breve análise de dados estatísticos do IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais de matinhos / PR  2010 percebe-se a ausência de políticas afirmativas no âmbito municipal de inclusão social da camada negra feminina, no mercado de trabalho e no âmbito educacional.

2 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa bibliográfica realizada neste artigo demonstrou uma breve análise da trajetória histórica da população negra desde os idos da época da escravidão até a implementação da República.

Ao debruçar-se sobre esta temática reconhecemos que o Estado Brasileiro está avançando significativamente no combate ao racismo e na inclusão das pessoas negras nos cargos públicos, universidades, e que também atua de forma que haja a inclusão social da população negra feminina bem como que seja ensinada a trajetória da população negra no Brasil.

Reconhece-se que o Estado Brasileiro possui uma dívida sócio histórica com esta população e que é obrigação do Estado criar dispositivos que integrem esta parcela da população brasileira que tanto contribui (u) para o crescimento deste país.

Entretanto, fica claro que não existem dispositivos que contemplem especificadamente as mulheres negras, tendo em vistas que estas mulheres muitas das vezes são arrimos de família, vítimas de violências físicas, psicológicas, financeiras, patrimoniais e que se encontram em situação de vulnerabilidade social, inseridas numa sociedade discriminatória que afunila as oportunidades para a população negra, que sofre diariamente com os desmontes das políticas públicas, com a repressão do Estado.

Cabe aos representantes do poder legislativo federal, estadual e municipal, atuarem na ampliação das Políticas Públicas Afirmativas para os negros e sobretudo para a população feminina negra.

Ao investigar as políticas afirmativas no cenário municipal, fica evidente que a população negra feminina, não conta com nenhuma representação, sendo então necessária uma articulação entre os segmentos da sociedade civil visando garantir a ampliação ou criação de proteção social básica para essa camada vulnerável da população.

 

Referências
DOMINGUES, Petrônio. MOVIMENTO NEGRO BRASILEIRO – APONTAMENTOS HISTÓRICOS. Disponível em: http://www.scielo.br/ pdf/tem/v12n23/v12n23a07.Acesso em : 23 mar 2017;
GEORGE Reid Andrews, “O protesto político negro em São Paulo (1888-1988)”, Estudos AfroAsiáticos, n. 21, Rio de Janeiro, 1991, p. 32
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO E SOCIAL. Pesquisa de Informações Básicas Municipais 2011.Disponível em : http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi-data/METRO/metro_ds.php?p_id=445. Acesso em 20 set de 2016.
PROGRAMA NACIONAL DE DIREITOS HUMANOS (PNDH II) (2002). Ministério da Justiça/Secretaria de Estado dos Direitos Humanos. Brasília, p. 16. 
QUEIROZ, C., MAZZINI MARCONDES, M., PINHEIRO, L., QUERINO, A. C., & VALVERDE, D. (2013). Dossiê Mulheres Negras retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil. Brasília: IPEA.
SILVA, L. F., & Martins da SILVA, L. F. (22 de novembro de 2010). Disponível em:://www.palmares.gov.br/. Fonte: Palmares Fundação Cultural : http://www.palmares.gov.br/wpcontent/uploads/2010/11/Pol%C3%ADticas-de-a%C3%A7%C3%A3o-afirmativas-para-negros-no-Brasil.pdf Acesso 20 set 2016;
SPINELLI, K. C. (02 de agosto de 2013). CARTA CAPITAL Disponível em:\http://www.cartacapital.com.br/. Acesso em 19 de setembro de 2016, disponível em Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/201co-brasil-e-um-pais-estruturalmente-racista201d-5046.html

Informações Sobre os Autores

Karla Ingrid Pinto Cuellar

Advogada, Doutora em Direito Público, Mestre em Direitos Fundamentais, Especialista em Direito Público, Professora Universitária da UFPR – Setor Litoral

Romulo Augusto Friedrich Sant’Ana

Acadêmico do curso de Serviço Social – Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral

Thais Caroline Rodrigues Pena

Acadêmica do curso de Serviço Social – Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral


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