As pessoas jurídicas de direito privado como agente punível: uma realidade constitucional de (in)compatibilidade lógica

Resumo: O presente artigo, inicialmente, conceituará os entes morais e a responsabilidade penal. Em seguida, trabalhará as previsões constitucionais que aparentemente recepcionam a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, trazendo, inclusive, suas repercussões no ordenamento infraconstitucional, se for o caso. E, por fim, exporá as dificuldades, incompatibilidades e riscos de se conceder capacidade penal aos entes morais. Demonstrará, em síntese, que, embora pareça haver complacência constitucional sobre esta matéria, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas não se compatibiliza com a doutrina penal brasileira. [1]

Palavras-chave: Responsabilidade Penal. Pessoas Jurídicas. Capacidade penal. Incompatibilidade doutrinária.

Abstract: This article will initially conceptualize moral entities and criminal responsibility. It will then address the constitutional predictions that apparently determine the criminal liability of legal entities, even bringing their repercussions to the infra-constitutional order, if appropriate. And finally, it will expose the difficulties, incompatibilities and risks of granting criminal capacity to moral entities. This will show, in summary, that although there seems to be a constitutional complacency on this subject, the criminal responsibility of legal entities is not compatible with Brazilian criminal doctrine.

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Keywords: Criminal responsibility. Entities of private law. Penalty capacity. Doctrinal incompatibility.

Sumário: Introdução. 1. Pessoas jurídicas de direito privado. 2. Conceito analítico do crime. 3. Da responsabilidade penal. 4. Pessoa jurídica como agente punível à luz da constituição federal de 1988. 4.1 Responsabilidade penal dos entes morais nos crimes ambientais. 4.2 Responsabilidade penal dos entes morais em atentados à ordem econômica, financeira e economia popular. 5. A incapacidade penal da pessoa jurídica e o direito penal brasileiro: a mitigação dos elementos do crime. 6. Do despropósito da aplicação da pena aos entes morais. 7 Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Ter elegido “a responsabilidade Penal das pessoas jurídicas de direito privado como agente punível: Uma realidade constitucional de incompatibilidade lógica” como o tema desta dissertação nos conduz ao compromisso de, com pragmatismo, ao construí-la, conceituar, em linhas primeiras, os dois núcleos que o compõe.

As discussões aqui propostas, para atingirem o fim reflexivo e sério de uma obra acadêmica, certamente dependerão de definições maduras sobre o que juridicamente se entende por “pessoas jurídicas” e “responsabilidade penal”.

E assim o é, também, por parecer impraticável iniciar e exaurir aqui qualquer embate sem orbitar ciclicamente nestes dois conceitos.

Neste prumo, dedica-se, como prólogo deste escrito, espaço às pessoas jurídicas de direito privado, expondo, inclusive, as características que aqui importam com mais relevo, assim como à responsabilidade penal que supostamente as rodeia.

Em ato contínuo, busca-se trabalhar as previsões constitucionais que aparentam dotar de capacidade penal os entes morais. Trabalhou-se, em verdade, antes, a previsão do art. 225, §3º da CF/88, que dispõe sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais e seus reflexos, e, em seguida, a obscura previsão do art. 173, §5º da CF/88.

E, por fim, pretende-se demonstrar que, embora emane de previsão constitucional, e, por isto, forçadamente tolerada, a responsabilidade penal dos entes morais colide defronte com toda a estética penal brasileira, que necessariamente espera encontrar em qualquer agente punível certa dose de subjetividade, e, não, sua ausência.

1. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO

O ordenamento jurídico brasileiro, precisamente no art. 40 do Código Civil de 2002, dicotomiza as Pessoas Jurídicas em “de direito público, interno ou externo”, e “de direito privado”.

O art. 44 do Código Civil de 2002 arrola, como entes morais de natureza privada, as: I – Associações; II – sociedades; III – fundações; IV – organizações religiosas; V – partidos políticos; VI – e empresas individuais de responsabilidade limitada.

Pamplona e Stolze definem pessoa jurídica como um conjunto humano, criado nas formalidades da lei, possuidor de personalidade jurídica própria, para a perseguição de fins comuns. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 82)

Roberto Gonçalves igualmente as conceitua como um “conjunto de pessoas ou de bens, dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns”. (GONÇALVES, 2012, p. 208)

Pessoas jurídicas são, portanto, fruto da vontade humana. Sua existência requer, primeiro, a pluralidade de indivíduos. É um grupo de pessoas, e, não, um único agente em sua individualidade e particularidade.

Requer, em seguida, a observância da maneira – ou forma – disciplinada pela lei para constituí-la, assim como que, após sua criação, assuma personalidade jurídica autônoma e própria, inconfundível com as daqueles que a criaram.

E, por fim, é imperioso que resida, no íntimo dos criadores, como motivador para a criação do ente, a perseguição de objetivo(s) que lhes seja comum.

São, portanto, requisitos necessários à criação das Pessoas Jurídicas a vontade humana criadora, a observância de todas as exigências legais em sua formação e, por fim, a licitude de seus objetivos. (PEREIRA, 2017, p.250 e 251).

Entes morais são abstrações embrionadas no querer humano, desprovidas de força volitiva própria. São sujeitos de direito e deveres, é verdade. Esta é a essência da personalidade jurídica que eles sabidamente possuem. Mas possuí-la, por si só, não os faz gozar de desejo, ânimo e capacidades de escolha e auto atuação. Pelo contrário. É de sua natureza perseguir os desígnios, objetivos e anseios de seus condutores.

As pessoas jurídicas, grupos humanos, criados conforme a lei e dotados personalidade jurídica própria, praticam atos. Atos de relevância jurídica, inclusive. Mas não os praticam sós. Inexiste, nos entes morais, força volitiva. Uma inércia natural os acompanha. Ao agir, o fazem por preposição, jamais sozinhos. Jamais “de ofício”. Sempre por intermédio de alguém. Os atos, lícitos ou não, dependerão do homem, tanto para a cogitação quanto para a execução.

Entes morais são, assim, instrumentos de ação nas mãos humanas. Nada além disto.

2. CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

 A qualquer escrito sobre responsabilidade penal impende, ainda que brevemente, tratar sobre o delito. Falar sobre responsabilidade sem, primeiro, resgatar, dos umbrais do Direito Penal, a teoria analítica do crime é pecar por insuficiência, afinal, responsabilidade penal é efeito cujo crime é a causa.

E Fragoso, com eloquência ímpar, eternizou competir à doutrina a elaboração do conceito de crime. (FRAGOSO, 1985, p.146/147)

A descrição acentuada das condutas puníveis, em reverência ao art. 5º, inciso XXXIX da CF/88, repetindo o art. 1º do CP, cabe exclusivamente à lei. A construção genérica do que seria delito, entretanto, pertence à doutrina.

Bem, o Brasil adota o conceito analítico de crime, e as obras de Beling, “Die Lehre vom Verbrechen” (1906), e “Die Lehre vom Tatbestand” (1930), “a teoria do crime” e “a teoria do tipo” respectivamente, são, sem dúvida, suas células embrionárias.

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A conduta, quando considerada delituosa, será, necessariamente, típica, antijurídica e culpável (conceito analítico do crime).

O crime, entretanto, não é divisível. Pelo contrário. É um bloco monolítico, um todo unitário que não pode, a despeito dos elementos que o integram, acontecer de modo sequenciado. Todos os elementos (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), em verdade, se satisfazem num mesmo instante e momento histórico. (MACHADO, 1987, p.79)

Fato típico, primeiro elemento do delito, é a conduta humana, comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa, norteada pelo princípio da intervenção mínima, produtora de resultado(s) que se subsume(m) ao modelo de conduta descrita na norma penal, sendo, seus elementos, a conduta, o nexo causal, o resultado e a tipicidade. (SANCHES, 2015, p. 173)

Tem-se por dolo a vontade do agente de concretizar todos os elementos normativos e objetivos do tipo penal. É, em verdade, um elemento subjetivo implícito à conduta humana, integrante do fato típico. É o ânimo do agente de praticar a conduta típica e fazer exsurgir, da prática, toda a lesividade ao bem jurídico tutelado. (ESTEFAM; GONÇALVES, 2016, p. 340)

Entende-se por culpa a infringência dos deveres objetivos de cuidado que acompanha o homem médio comum. É a lesão a um bem jurídico e, consequentemente, a incidência em uma conduta típica, em razão de negligência, imprudência ou imperícia do agente. (ESTEFAM; GONÇALVES, 2016, p. 344)

Quanto à tipicidade, também elemento do fato típico, a Constituição Federal de 1988, refletindo o art. 1º do Código Penal de 1940, em seu art. 5º, XXXIX, nos fornece a máxima do nullum crimen, nulla poena sine praevia lege.

Nelson Hungria, ao tecer comentários sobre o Código Penal Brasileiro de 1940, leciona, de modo insuperável, ser a norma jurídica a fonte única do direito penal. Não há crime sem lei anterior que o defina nem pena sem prévia cominação legal. (HUNGRIA, 1976, p. 21)

Para, portanto, que uma conduta humana seja típica, é necessário a prévia de disposição legal. A lei tem de, na prática da conduta, já tê-la descrito como um ilícito penal, cominando, inclusive, em abstrato, a pena aplicável.

Certo é que a ausência de qualquer destes elementos – conduta, comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa; dano; nexo causal; e tipicidade – inviabiliza a adjetivação do fato como típico, e deságua, por conseguinte, na inexistência de crime.

 Pois bem, a antijuridicidade, ou ilicitude, também elemento do delito, consiste na contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico.

Um fato típico será, em regra, também ilícito. Segue naturalmente contra legem. O art. 23, CP, entretanto, admite excepcionais situações em que haverá licitude na conduta típica praticada, o que implica em inexistência de crime, portanto.

A ilicitude é, sim, elemento do crime, sobretudo em razão do caput do art. 23 CP, e quando presente uma das taxativas hipóteses de sua exclusão – estado de necessidade; legitima defesa; estrito cumprimento do dever legal; ou exercício regular do direito – não haverá delito.

Parte-se, agora, para análise da culpabilidade, último elemento da conduta punível.

Aliás, na teoria bipartida, a tipicidade e a ilicitude são os únicos elementos do crime. A tripartida, diferentemente, inclui a culpabilidade como elemento do delito.

Pois bem, a culpabilidade, elemento do crime, para Cléber Masson, é definida como “o juízo de reprovabilidade que incide sobre a formação e a exteriorização da vontade do responsável por um fato típico e ilícito, com o propósito de aferir a necessidade de imposição de pena.” (MASSON, 2015, p.539)

Culpabilidade é, assim, a condição do agente de entender o caráter ilícito da conduta praticada. É o que diferencia a conduta do ser humano médio, dotado de consciência do caráter ilícito e reprovável da ação, dos atos dos seres humanos sem discernimento mental completo, assim como dos de seres irracionais, sem consciência do caráter ilícito do praticado.

Neste sentido, a sua ausência, vale dizer, a ausência de consciência do caráter ilícito e reprovável da conduta típica e ilícita, enseja, para a teoria tripartida, a inexistência de crime, enquanto que, para a bipartida, a inexistência de pressuposto para aplicação da pena.

Certo é que a subjetividade anda de junto do ato delituoso. O integra, melhor dizendo. A necessária presença da culpa ou dolo para a tipicidade, assim como a culpabilidade, que requer a consciência do agente quanto ao caráter ilícito da conduta praticada, nos força esta conclusão. Entes morais, entretanto, não portam nem um, nem outro.

3. A RESPONSABILIDADE PENAL

O direito nasce de fatos, já dizia Ihering. Decorre de realidades fenomênicas, naturais ou forjadas pelo homem, que, à sua maneira, carregam relevância jurídica e influenciam, modificam ou conduzem o ciclo da vida. (IHERING, apud CAVALIERI, 2014, pg. 14)

Nos importa, neste escrito, somente atos humanos dotados de relevância jurídica. Precisamente, atos lícitos e ilícitos praticáveis pelo homem.

E atos lícitos são, em síntese, condutas humanas de relevo e visibilidade jurídica permitidas ou não proibidas pelo direito positivo. Atos ilícitos, de modo diverso, consistem na violação ou desrespeito à imposição negativa da norma. Explica-se.

Quanto ao primeiro é dado ao homem a escolha de praticá-lo ou não, sem que disto brote qualquer efeito deletério. Trata-se, pois, de conduta permitida pela ordem jurídica e aceita socialmente. O segundo, noutro viés, carrega a reprovabilidade do ordenamento jurídico e a imposição legal de proibição para o agente. Se o pratica, vale dizer, se o agente pratica ato ilícito, ao fazê-lo terá, por óbvio, desrespeitado a norma, violado um bem jurídico e atentado contra a segurança jurídica das relações sociais tuteladas pelo Direito.

Existe, então, quanto aos atos ilícitos, o dever natural de abstenção do agente. O Direito, ou o ordenamento jurídico, impõe ao homem o encargo de não praticar uma conduta ilícita no propósito evitar lesões a bens legalmente protegidos.

Ao homem nasce, assim, a carga obrigacional de não violar os bens jurídicos protegidos pela norma. Se o faz, pratica um ilícito. Aliás, mora aí, entre ato lícito e ilícito, todo o abismo. No primeiro, o agente pratica se lhe aprouver. E o faz no destemor de efeitos deletérios supervenientes. O direito o autoriza agir e sua postura, caso opte por atuar, não é reprovável, tampouco lesiva. O segundo está à sombra de proibições normativas. Há a vedação da conduta. Há a incidência de um dever legal de abstenção. Se o agente, indiferente à imposição proibitiva, decidir praticá-la, tensionando corrosivamente um bem jurídico e subvertendo a harmoniosa ordem jurídico-social das relações humanas, cometerá um ilícito e será por ele responsabilizado.

Atribuir a alguém as consequências jurídicas indiretas da conduta ilícita praticada é responsabilidade. Em verdade, os efeitos diretos do ilícito recaem sobre a vítima. É a lesão ao bem jurídico. Os efeitos indiretos da conduta incidem naquele que a praticou. É a atribuição de autoria e culpa, acompanhada de todos os seus efeitos legais, nas dimensões da conduta praticada.

 Responsabilidade não é, portanto, causa, ou fonte originária de obrigação. É, na verdade, uma consequência originada na conduta que violar um dever originário de abstenção. (CAVALIERI FILHO, 2014, p.14).

Foi, por nós, dito, em momentos anteriores, que crime é uma conduta típica, ilícita e culpável. É, portanto, o ato penalmente ilícito, de relevância jurídica, praticável pelo homem. É a violação direta à imposição proibitiva da norma. É o atentado a certo bem juridicamente protegido pelo direito. É a causa da responsabilidade.

Responsabilidade penal nada é além do efeito derivado do ilícito penal que recai pessoalmente sobre quem o praticou. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas, por conseguinte, é elevar os entes morais à condição de sujeito ativo de um fato típico, ilícito e culpável, dando-lhes capacidade penal e sujeitando-lhes ao poder sancionador, disciplinatório e punitivo do Estado Juiz.

4. PESSOA JURÍDICA COMO AGENTE PENALMENTE PUNÍVEL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

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A análise da Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas possui razões de ser. Esta modalidade atípica de responsabilidade, altamente incompatível com toda a estética penal brasileira, não seria nem objeto de discussão sem a presença de um motivador poderoso.

Em verdade, sob o Legislador Constituinte, responsável pela Constituição Federal de 88, repousa o crédito e a culpa de todo o embate.

     Isto porque não houve, até a Constituição Federal de 88, recepção desta modalidade de responsabilidade pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Foi a CF/88 quem legitimou, através do disposto nos art. 225, §3º e art. 173, §5º, ambos da CF/88, as discussões sobre responsabilidade penal do ente moral.

Nenhuma das seis Constituições que a antecederam reservou espaço a esta modalidade específica de responsabilidade. (CHERNICCHIARO; COSTA, 1998, p.159)

Passaremos, primeiro, dada clareza redacional, a trabalhar a responsabilidade penal dos entes morais disposta no §3º do art. 225 CF/88 e suas implicações no ordenamento jurídico, para, em seguida, discorrer sobre as indistintas disposições do art. 173, §5º, CF/88. 

4.1. Responsabilidade Penal dos Entes Morais nos Crimes Ambientais

Diz-se irrefutável o disposto no §3 do art. 225, CF/88, porque inequivocamente instituiu, o legislador constituinte, nele, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais ao determinar o seguinte:As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.” (grifo nosso)

Em verdade não fez, o legislador, uso direto do vocábulo “responsabilidade”, e sim, somente da expressão “sanções penais”. Não é esperável, entretanto, que embora preveja a aplicação de sanções penais, a responsabilidade que a ensejará possua natureza diversa da penal.

É evidente que sanções penais não derivarão de responsabilidade civil ou administrativa. Em hipóteses de responsabilidade administrativa, aplicam-se sanções de natureza administrativa. Assim também o é a responsabilidade civil, mesmo que distante da ideia de sanção e sensivelmente próxima da de reparação. É coerente, então, que se utilize a mesma lógica conclusiva para as sanções penais do texto constitucional. Elas necessariamente emanarão de responsabilidade penal.

À luz da redação constitucional, os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, se sujeitarão a sanções de natureza penal e administrativa, de acordo com o tipo de condutas ilícitas praticadas. Sendo, o ilícito, de natureza penal, por força da redação constitucional, independentemente de o agente ser pessoa física ou jurídica, serão aplicadas sanções de natureza penal.

Há omissão no texto constitucional, é verdade. O termo responsabilidade não é utilizado direta e expressamente na redação do §3º do art. 225 da CF. Esta, entretanto, não compromete o parágrafo, ou sequer parte dele. Mesmo não sendo explicita, a responsabilidade está flagrantemente implícita através dos vocábulos “sanções penais e administrativas”, enxerga quem quiser ver.

Pacheco Fiorillo e Pegorari Conte confirmam ser inequívoca a determinação de responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais, inexistindo vícios redacionais no regramento constitucional, senão vejamos:

“Ainda existem argumentos no sentido de que a pessoa jurídica não seria dotada de imputabilidade penal, devendo submeter-se apenas às sanções administrativas. Referido posicionamento não merece guarida, já que a responsabilidade da pessoa jurídica configura expresso e inquestionável mandamento constitucional, ainda que não se enquadre nos institutos clássicos do direito penal”. (FIORILLO; CONTE, 2012, p.33) (grifo nosso)

Pois bem, embora a CF/88 imprima com relevo sua complacência à responsabilidade penal das pessoas jurídicas nos crimes ambientais, a previsão do art. 225, §3º não possui incidência e aplicabilidade automática, nem tampouco é autossuficiente.

Ela certamente reveste os entes morais de capacidade penal, é verdade. Mas não deixa de ser mera abstração jurídica sem a regulamentação infraconstitucional.

Sua eficácia pendeu suspensa até a edição de lei ordinária. Isto por se tratar, a disposição em comento, de norma de eficácia limitada. (SILVA, 1998).

As normas constitucionais de eficácia limitada não produzem efeitos imediatamente. Falta-lhes integralidade e imediatidade em sua produção. Sua eficácia depende de regulamentação infraconstitucional. (LENZA, 2015, p. 261 a 265)

Tanto o é que a Constituição se limita ao uso dos vocábulos “condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente”, confiando ao legislador ordinário a definição de cada uma delas.

A aplicação da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, prevista no art. 225, §3º, permaneceu, então, pendente até a edição da Lei de nº 9.605/1998, que, para Frederico Amado, serviu para revogar quase todos os tipos do código penal, bem como demais legislações, que tutelavam o meio ambiente, passando a prever, de forma primeira, no Brasil, a responsabilidade penal dos entes morais ao lado das pessoas físicas, valendo-se, para tal, do sistema de dupla imputação. (AMADO, 2014, p.569)

O Legislador Ordinário ratificou o entendimento de que as sanções penais ditas no §3º do art. 225 da CF são, também, direcionadas às pessoas jurídicas através da redação do art. 3º da Lei 9.605/1998, que diz:

“Art. 3º – As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.”

Já fora dito que a redação constitucional, neste particular, não tolera dúvidas sobre a Responsabilidade Penal dos entes morais. Mas, ainda que as tivéssemos, o art. 3º da Lei de nº 9.605/98 as lançaria no opróbrio. Seu caput ratifica a complacência constitucional à responsabilidade penal dos entes morais.

Ainda em análise ao art. 3º da Lei de n. 9.605/98, são requisitos da responsabilidade penal das pessoas jurídicas a: a) infração cometida por decisão de seu representante legal; b) convertida em seu interesse ou benefício. Trata-se de requisitos cumulativos e necessários. A inexistência de qualquer deles implica na não responsabilização do ente moral. (SIRVINSKAS, 2011, p.612)

Conclui-se, portanto, por haver, seja por força do §3º, art. 225, CF/88, seja pela regulamentação da lei 9.605/98, a despeito da falta de diálogo com a estética penal brasileira, responsabilidade penal das pessoas jurídicas em crimes ambientais.

4.2. Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas por Atentados a Ordem Econômica, Financeira e Economia Popular

Ficou consignado, nos momentos primeiros deste escrito, que a Constituição Federal, em duas de suas passagens, aparenta recepcionar a Responsabilidade Penal das Pessoas Jurídicas.

Já foi, por nós, trabalhado o §3º do art. 225, da CF/88. Cabe-nos, agora, analisar as disposições do §5º do art. 173, CF/88. Diz, o referido parágrafo:

“Art. 173 – Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.[…]

§ 5º – A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular. “

Pois bem, consoante disposto do art. 173, §3º, CF/88, seriam, as pessoas jurídicas, responsabilizadas por condutas que atentem contra a ordem econômica, a ordem financeira e a economia popular. 

A dificuldade reside em admitir que ao se valer da expressão “estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza”, quis, o legislador, também, atribuir, às pessoas morais, responsabilidade de natureza penal.

Em verdade, o constituinte optou por não indicar quais modalidades de Responsabilidade se referiu com a redação §5º, do art. 173 da CF/88. E a omissão, somada à expressão “punições compatíveis com sua natureza”, seria supostamente suficiente para excluir, de pronto, a atribuição de Responsabilidade Penal às pessoas jurídicas.

Nessa linha, aliás, se posiciona Cezar Bitencourt que, ao enfrentar a disposição do §5º do art. 173 da CF/88, escreve:

“1ª) A responsabilidade penal dos dirigentes não se confunde com a responsabilidade da pessoa jurídica; 2ª) a Constituição não dotou a pessoa jurídica de responsabilidade penal. Ao contrário, condicionou a sua responsabilidade à aplicação de sanções compatíveis com a sua natureza” (BITENCOURT, 2012, p.306).

Com a devida deferência, não nos parece que este ponto específico constitua barreira intransponível – nem sequer barreira – para a responsabilidade penal das pessoas jurídicas.

Responsabilidade e sanção não se confundem. São institutos distintos. Se relacionam, é verdade, mas não há, no primeiro, dependência para com o segundo. O ideal é que seja a sanção condicionada à responsabilidade, e, não, o inverso. Não se delimita a responsabilidade pela sanção, nem é pré-requisito desta a compatibilidade do agente com todas as penas admitidas em direito. Ao contrário, é o tipo de responsabilidade que determinará a natureza da sanção aplicada, respeitando, evidentemente, a necessária compatibilidade do agente com ela.

Em verdade, existem espécies de sanções penais incompatíveis com a natureza da pessoa jurídica, mas isto, por si só, não é capaz de modificar a natureza da responsabilidade que alcançará o ente moral.

Não se pode imaginar, por exemplo, que uma pessoa jurídica, “praticante de um ilícito penal”, se sujeitará a pena privativa de liberdade. Esta modalidade ESPECÍFICA de sanção urra incompatibilidade com a natureza do ente moral. Deve-se, como bem pontuou o legislador, aplicar sanções compatíveis com sua natureza, o que não exclui sua responsabilidade penal.

O próprio Constituinte mostra que a natureza das pessoas morais, sozinha, não é óbice para responsabilização penal. Basta que lembremos do §3º, art. 225 CF/88 e da lei 9.605/98.

Ora, se nos crimes ambientais a natureza do ente moral não detém fôlego para obstruir sua responsabilidade penal, há de se concluir, então, que, seja qual for o tipo penal, não será a natureza das pessoas jurídicas o que inviabilizará sua responsabilidade.

Isto não significa, ressalte-se, que há responsabilidade penal das pessoas jurídicas na redação do §5º, art. 173, CF/88. Pelo contrário. Entendemos não emanar responsabilidade penal do referido dispositivo. Explica-se.

Se de fato houvesse, no legislador, o desejo de encobrir a pessoa jurídica, no particular do §5º do art. 173, com esta modalidade atípica de responsabilidade, o faria de maneira expressa, tal como o fez nos crimes ambientais. Se não se valeu de redação semelhante, vale dizer, de maneira aclarada, foi por não pretender dotar a pessoa jurídica de mais um espécime de responsabilidade além das que ela sabidamente já possui.

Não nos é dado o direito de enxergar numa omissão a presença de exceções. Exceções nunca, em hipótese alguma, sobretudo no direito penal, serão presumidas.

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas é, e isto é indiscutível, uma modalidade atípica de responsabilidade. Enxergá-la dentro da omissão legal seria erro crasso. Se a exceção não está intimamente explícita no texto legal, é forçoso concluir por sua inexistência.

Deste modo, parece-nos coerente concluir que o disposto no art. 173, §5º da CF/88 não reveste os entes morais de capacidade penal, ao menos até que advenha, tal como nos crimes ambientais, legislação infraconstitucional reguladora que nos force conclusão diversa.

5. A INCAPACIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E O DIREITO PENAL BRASILEIRO: A MITIGAÇÃO DOS ELEMENTOS DO CRIME

Demonstrou-se, alhures, que a Constituição admite, de forma excepcional, precisamente no §3º, art. 225, a responsabilidade penal do ente moral.

O Direito penal, a despeito da simpatia constitucional, não o digere facilmente como agente punível, e múltiplas são as razões.

A principal delas é que o homem, como defende Damásio de Jesus (2011, p.207), é o único que detém capacidade delitiva. O delito é uma ação humana, e, por isto, indubitável que seja exclusivamente ele o seu sujeito ativo.

Para Bitencourt (2012, p.304) somente o homem, nascido de mulher, é portador de capacidade penal. A conduta, pedra angular do delito, é obra exclusivamente humana.

Fernando Capez, por fim, defende que os comandos legais do Direito Penal, coibindo ou impondo condutas, só podem ser dirigidos ao homem, isto por ser, ele, o único capaz de executar ações com consciência do fim e seus efeitos. (CAPEZ, 2012.)

E assim o é por ser, o crime, intimamente carregado de subjetividade. Ele requer, pois, a presença do subjetivismo humano tanto para sua composição (elementos) quanto para derivação de seus efeitos (aplicação da pena). Explica-se.

Fora dito, in supra, que o crime, na teoria tripartida, tem por elementos a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade, e que a ausência de qualquer deles implica em sua inexistência.

A antijuridicidade é o único elemento criteriosamente objetivo do crime. Consiste na contradição entre a conduta e o ordenamento jurídico. Os demais dependem intimamente do subjetivismo do agente.

É preciso, por exemplo, na tipicidade, que o potencial agente punível, na prática da conduta, comissiva ou omissiva, o faça com ânimo doloso ou culposo.

O agente punível, ao pessoalmente praticar a conduta, deve, necessariamente, ser movido pelo desejo do resultado – eis o dolo -, ou, ao menos, estar descrente da possibilidade de sua incidência, mantendo-se, por autoconfiança ou qualquer outra razão, imprudente, negligente ou imperito ao praticar a conduta, ensejando, disto, um ilícito penal acompanhado de seus efeitos deletérios – eis a culpa.

Quando, noutro viés, a conduta humana, praticável pelo potencial agente punível, ainda que ilícita e culpável, carecer de dolo ou culpa, vale dizer, carecer de força volitiva, ter-se-á, por consequência natural, a inexistência de crime por atipicidade.

A culpabilidade, elemento do delito, também evidencia com relevo a subjetividade que o rodeia.

O agente, na prática da conduta, tem de ter consciência de seu caráter ilícito e de sua reprovabilidade. Precisa, em verdade, como homem médio comum, ter consciência da gravidade do praticado aos olhos do direito e da sociedade.

Noutra senda, se não tem, o agente, consciência do caráter ilícito e reprovável do ato praticado, ainda que típico e ilícito, não haverá crime algum.

Pois bem, consignou-se que a responsabilidade penal decorre da prática de um ilícito de natureza penal.

Acontece, entretanto, que a responsabilidade penal dos entes morais prevista no art. 225, §3º da CF/88, que necessariamente derivará da suposta prática de um ilícito penal, mesmo sendo um comando constitucional e, por isto, soberano, violenta flagrantemente a doutrina penal.

Entes morais são ficções jurídicas. Não possuem consciência, ânimo ou autossuficiência acional. Praticam atos jurídicos cuja cogitação e execução dependem intimamente do homem. Admiti-los como agente punível, atribuindo a consequente responsabilidade penal nos moldes do texto constitucional já trabalhado é, noutras palavras, ferir de morte o conceito de crime.

Isto por que dotar-lhes de responsabilidade penal implica na satisfação de somente um dos elementos do delito, e na mitigação dos demais. Haverá somente ilicitude nos crimes praticados por entes morais.

A conduta não será típica, uma vez que, embora previamente descrita na norma e possuidora de nexo causal com o dano, ao ente moral faltará ânimo doloso ou culposo ao praticá-la.

Tampouco será culpável, já que não recai, sobre os entes morais, juízo algum sobre a reprovabilidade social e jurídica da conduta praticada. Ficções jurídicas não têm consciência.

Se a conduta, supostamente praticada por um ente moral, não é típica nem culpável, e, sim, somente ilícita, há crime?

A nosso sentir, não, ao menos no que se refere aos entes morais. Não é possível que exista responsabilidade penal de uma conduta atípica e não culpável, ainda que o agente seja uma pessoa jurídica. O que não implica em impunidade ou inexistência de responsabilidade quanto ao preposto e/ou seu dirigente, desde que praticantes diretos da conduta.

Em verdade a doutrina optou, em vã tentativa de falsear a aberração constitucional, por condicionar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas à responsabilidade direta do agente representante.

Certo é que se presentes os três elementos do crime na conduta praticada por preposto ou representante do ente moral, a responsabilidade penal que nele recai se estenderá à pessoa jurídica representada.

Significa, então, dizer que, para que se estenda a responsabilidade ao ente moral, primeiro, é necessário que haja, na conduta antijurídica do representante, ao menos dolo ou culpa, assim como que ostente, ele, consciência do seu caráter ilícito e reprovável. Somente assim, após satisfeitos os elementos do tipo, haverá a extensão da responsabilidade penal ao ente moral.

A doutrina intitula esta modalidade atípica de responsabilidade penal como “responsabilidade por ricochete”. Santos, em comentários a lei dos crimes ambientais tece as seguintes ponderações:

“De forma sábia foi colocada, não há problemas com relação à culpabilidade, na medida em que o artigo já citado (art. 225 da CF) deixa claro que a conduta lesiva foi praticada por decisão do(s) representantes(s) legal(is) da empresa, e em benefício da sua entidade, ou seja, ainda que a pessoa jurídica, de fato, não possua culpabilidade, seus sócios, diretores e gerentes a possuem, de forma que se criou uma espécie de responsabilidade reflexa: inicialmente, verifica-se no nível da pessoa física a culpabilidade, ou seja, se a pessoa física que causou a lesão ao meio ambiente é sócio, gerente ou diretor, etc. de pessoa jurídica, e que esta, ao final, foi beneficiada pela conduta daquele; estabelecida está a responsabilidade penal da pessoa jurídica […]”. (SANTOS, 2007, p. 174)

Ainda sobre a responsabilidade reflexa nos escreve Ivan Luís Marques Silva, conceituando-a da seguinte maneira:

“[…] na atuação da pessoa física que age em nome e no interesse da pessoa jurídica para cometer crimes. […] Trata-se da teoria da dupla imputação: utiliza-se a personalidade e a culpabilidade dos representantes das empresas e dos interesses da pessoa jurídica e, somados, preenchem, de modo satisfatório, todos os elementos do delito. Teremos, na apuração da responsabilização penal, concurso necessário entre pessoa física e jurídica”. (SILVA, 2010, p. 48)

Com todas as vênias, não vislumbramos na responsabilidade por ricochete a solução para a incapacidade penal dos entes morais. Em verdade, ela aparenta mera tentativa doutrinária de cobrir sangria com bandagem. À distância, talvez pareça haver ordem. Aos olhos técnicos do prático, porém, o problema permanece posto, ainda que encoberto.

 A culpabilidade, o ânimo (doloso ou culposo) e a própria responsabilidade penal são individuais e pessoais de cada agente punível. Não é coeso, embora a doutrina assim tolere, compartilhar, de um sujeito de direitos a outro, ainda que pessoa jurídica, cada um deles.

Juarez Cirino, aliás, bem pondera que o princípio da responsabilidade penal pessoal limita a responsabilidade ao homem, de carne e osso, que intimamente praticou a conduta, de forma individualizada e exclusiva. (SANTOS, 2014, p. 31)

É preciso, para que recaia individualmente a pena de um ilícito penal sob mais de um acusado, seja ele pessoa física ou jurídica, que, também individualmente, para cada um deles estejam satisfeitos os requisitos da responsabilidade penal.

Requer-se, primeiro, que o agente tenha, pessoalmente, praticado uma conduta típica – estando aí, reitera-se, o ânimo doloso ou culposo do praticante-, desassistido de qualquer dos permissivos do art. 23 do CP, tornando, assim, a conduta já típica também ilícita, e consciente da reprovabilidade social e jurídica do praticado (culpabilidade).

Ainda que acusados pelo mesmo tipo e conduta, se faltar a um dos potenciais agentes puníveis qualquer dos elementos supramencionados, não haverá crime, tampouco responsabilidade penal.

Por esta razão, mesmo que a doutrina se flexibilize, devaneando com a responsabilidade penal reflexa e supostamente vencendo a incompatibilidade da capacidade penal dos entes morais, diz-se persistir, na previsão constitucional, ainda assim, incongruência técnica insuperável.

Ademais, reitera-se que a admissão da capacidade penal das pessoas jurídicas, mesmo ostentando chancela constitucional, implica na não satisfação de todos os elementos do delito.

A ausência de subjetividade dos entes morais não os permite ter ânimo doloso ou culposo, tampouco visualizar o caráter reprovável da conduta. A responsabilidade por eles suportada, portanto, derivará tão somente de conduta ilícita, sem tipicidade nem culpabilidade. Mas certamente derivará. É o mando constitucional quem diz.

6. DO DESPROPÓSITO DA APLICAÇÃO DA PENA AOS ENTES MORAIS

A capacidade penal das pessoas jurídicas, como já trabalhado, embora brote da Constituição Federal de 1988, colide, desde o berço, com o conceito analítico de crime.

Mas, para além da portentosa incompatibilidade já trabalhada, parece-nos ser despropositada a atribuição constitucional de responsabilidade penal aos entes morais, assim como sua apenação. Explica-se.

A pena, nos ensinamentos de Greco (2015, p. 537), se propõe a reprovar e reprimir prática de ilícitos penais.

O art. 59 do CP dispõe inequivocamente que o Juízo, tendo por consideração, dentre outros fatos, a culpabilidade, a personalidade e os motivos do agente, etc. (estes já incompatíveis com a carência subjetiva dos entes morais, ressalte-se), estabelecerá pena capaz de criar, nele, sentimento de reprovação pelo praticado, além, é claro, de reprimir seu ânimo delinquente, evitando, por conseguinte, a incidência em novos ilícitos penais.

Noutras palavras, quis, o legislador, que a pena assumisse, seja como demonstrativo da reprovação social e jurídica da conduta, seja como terror intimidativo, o propósito conduzir o apenado e semelhantes à não delinquência.

É preciso, portanto, que o acusado, potencial sujeito à pena, formule, sobre ela, juízo de valor e que por ela se intimide, temendo, assim, praticar novos ilícitos.

Acaso, entretanto, falte ao acusado humano a possibilidade de se atemorizar com o poder punitivo do Estado, vale dizer, acaso não seja, as penas admitidas em direito, capazes de intimidá-lo de maneira tal para o alcance da reprovação e prevenção de ilícitos penais, o ideal é que se aplique, em seu lugar, medida de segurança, que em nada se aproxima do conceito de punição. Medida de segurança não é pena.

Pois bem, aos entes morais falta a subjetividade necessária também à intimidação. Ficções jurídicas jamais se intimidarão com o poder punitivo do Estado-Juiz.

E se não são, os entes morais, intimidáveis, o que torna inatingível o propósito da pena nos exatos termos do art. 59 do CP, qual a razão de puní-los?

A nosso sentir, nenhum. Parece-nos perfeitamente coerente que a responsabilidade penal por condutas praticadas contra o meio ambiente recaia exclusivamente sobre o agente humano que diretamente a cogitou, determinou a prática e/ou a praticou e que sensivelmente se intimidará com a apenação.

Ressalte-se, conclusivamente, que a responsabilidade exclusiva do agente humano não obstaria a responsabilidade civil ou administrativa do ente moral por ele representado.

7. CONCLUSÃO

Buscou-se consignar, em síntese, que a responsabilidade penal dos entes morais é, sim, uma realidade para o direito penal brasileiro. O rugir da Constituição Federal, que intimida e amedronta as demais disposições legais, conservando sua supremacia por ocupar, sozinha, o topo do ordenamento jurídico, nos conduz esta conclusão. (KELSEN, 1998)

O art. 225, §3º, CF/88, afinal refutada permanece a suposta responsabilidade penal dos entes morais por atentados à ordem econômica, financeira e economia popular (art. 173, §5º CF/88), reveste as pessoas jurídicas de direito privado de capacidade penal.

Trata-se, entretanto, de realidade incômoda ao direito penal brasileiro. E assim o é por carecerem, os entes morais, sujeitos ativos por mando e ordem constitucional, de necessária subjetividade delitiva.

Fato é que atribuir, aos entes morais, os efeitos indiretos de um ilícito penal consiste, noutras palavras, em responsabilizá-los por conduta atípica (por carência de dolo ou culpa), antijurídica e não culpável (pela falta de consciência do caráter ilícito do fato).

A doutrina, como demonstrado, em pueril tentativa de contornar o escorregão constituinte, idealizou a responsabilidade reflexa, ou por ricochete, que nada é além de estender, ao ente moral, a responsabilidade penal atribuída ao agente direto da conduta punível (seu representante). Satisfeitos os requisitos da responsabilidade penal para um, estende-se, ela, ao outro.

Isto, a grosso modo, violenta a pessoalidade da responsabilidade, da culpabilidade, da conduta e a individualização da pena, majorando a resistência do conservadorismo penal à responsabilidade penal dos entes morais sem de fato liquidar o embate.

Deste modo, por tudo quanto arguído neste escrito, conclui-se que ideal seria a inexistência de responsabilidade penal dos entes morais, seja por sua incoerência manifesta, seja por seu despropósito. Entretanto, diante da complacência constitucional já demonstrada, refletida em legislação infraconstitucional inclusive, o caminho menos danoso nos parece, talvez, admití-la, conscientes de sua excepcional natureza, limitando-a à hipótese estrita e expressamente trazida pela lei.

 

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Notas
[1] Artigo orientado pelo Prof. Caio Mateus Caires Rangel Especialista em Ciências Criminais pelo Juspodivm/BA. Atualmente é advogado criminalista, professor e palestrante.


Informações Sobre o Autor

Samuel Alefe Silva Oliveira

Acadêmico de Direito pela Universidade Católica do Salvador


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