Resumo: Utiliza a obra de doutrinadores processualistas brasileiros e também do direito estrangeiro para conceituar, diferenciar e classificar as questões prejudiciais. Concentra-se o estudo na suspensão processual cível e, diante disso, analisa as questões prejudiciais como forma de suspensão do processo, especificamente no Direito Processual Cível Brasileiro; também, seus efeitos, momento de suspensão e demais características. Além disso, estuda-se a aplicação das questões prejudiciais nas decisões dos Tribunais, relacionando-as à suspensão do processo. Relaciona-se, ainda, embora de maneira rápida, o instituto à coisa julgada, no que concerne aos arts. 469 e 470 do CPC. Por fim, salienta-se a importância de se estudar as questões prejudiciais como forma de suspensão e de ter o legislador as previsto.
Sumário: 1 – Introdução. 2 Suspensão do Processo. 2.1. Conceito. 2.2. Hipóteses. 2.3. Diferenças entre interrupção e suspensão do processo. 3 Questões Prejudiciais. 3.1. Conceito. 3.2. Classificações. 3.2.1. Prejudicialidade Homogênea e Heterogênea. 3.2.2. Prejudicialidade Obrigatória e Facultativa. 3.2.3. Prejudicialidade Externa e Interna. 3.2.4. Outros tipos de classificações. 4 Diferença entre Questões Prejudiciais e Preliminares. 5 As Questões Prejudiciais como forma de Suspensão do Processo no Direito Processual Cível Brasileiro. 6 Jurisprudências Correlatas. 7 Conclusão. 8 Referências.
1 INTRODUÇÃO
A análise profunda e pormenorizada das questões prejudiciais no Direito Processual Civil Brasileiro é incipiente. Por essa razão, é comum que até mesmo insignes doutrinadores encontrem dificuldade em conceituá-las e, mormente, em diferenciá-las com outros institutos similares, como as questões preliminares.
Para que seja compreendido de forma didático-processual, será necessário estudar as hipóteses de suspensão processual, especificamente no que tange ao art. 265, IV, alíneas a e c, do CPC, que trata das questões prejudiciais.
Ora, o próprio termo em si, não é bem conceituado pelo Código. Não bastasse isso, a própria doutrina diverge, misturando conceitos e induzindo a erro os aplicadores do Direito que, naturalmente, confundem as questões prejudiciais com as preliminares.
Dessa forma, em atenção à linguagem jurídica, faz-se necessário o conhecimento, a existência e as formas de invocação das questões prejudiciais, ainda que, algumas vezes, na prática, o resultado alcançado seja o mesmo que o obtido quando se invoca institutos diferentes (v.g., preliminares de mérito). Entretanto, todos, independentemente da denominação jurídica adotada, possuem conteúdo de prejudicialidade. E é esse o cerne da questão apresentada.
Além da evolução histórica do termo, será abordado, rapidamente, o conceito de suspensão processual, bem como sua diferenciação com a interrupção do processo. Após, será conceituado o termo “questões prejudiciais” e definidas suas espécies.
Será enfocado, por último, a importância de ter o legislador previsto como causas da suspensão processual, as questões prejudiciais. Do contrário, lesar-se-iam direitos, ante possíveis decisões contraditórias prolatadas, até mesmo por Juízos distintos.
Sabe-se, pois, que o estudo das questões prejudiciais iniciou-se no Direito Romano. A própria palavra “prejudicial”, formada pelo prefixo prae e por judicare, significa, etimologicamente, julgamento antecipado, aquilo que deve ser julgado antes [1]. Embora, como será visto mais adiante, há questões que devem ser decididas antes da questão principal e que, mesmo assim, não são prejudiciais.
As questões prejudiciais foram estudadas antes mesmo de se conhecer a ação declaratória, tendo em vista que as ações declaratórias, tanto a principal como a incidente, decorrem, no processo histórico, das chamadas actio praeiudicialis do Direito Romano. Assim, o desenvolvimento histórico das questões prejudiciais caminha junto ao nascimento da ação declaratória.
Vale ressaltar que poucos processualistas escreveram unicamente sobre questões prejudiciais. Dentre eles, pode-se citar José Carlos Barbosa Moreira e seu estudo sobre Questões Prejudiciais e Coisa Julgada. Esta obra, na verdade, trata-se de uma Tese de Concurso para a docência livre de Direito Judiciário Civil apresentada à Congregação da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e não propriamente de um livro com ampla (re)edição. Ademais, fora escrito na vigência do CPC de 1939. Além dele, Teresa Arruda Alvim e as obras Questões Prévias e os Limites Objetivos da Coisa Julgada e Nulidades do Processo e da Sentença e na esfera do Direito Processual Penal, Tourinho Filho. Encontram-se, ainda, alguns artigos jurídicos divulgados em revistas do gênero.
Assim, mostra-se que a doutrina é pura e básica quanto ao tema, razão que motiva a busca desse instituto no Direito Comparado, na Jurisprudência e sua análise objetiva no Código de Processo Civil de 1973.
Por fim, faz-se mister ressaltar que uma decisão prolatada sem uma visão antecedente de uma possível questão prejudicial poderá induzir todo o teor do processo e, mais ainda, poderá violar princípios constitucionais, sem contar o (“dogma”) da coisa julgada.
Dessa forma, de grande valia será o presente trabalho no que tange ao instituto das questões prejudiciais, visto que desde o seu nascimento no Direito Romano, pouco embasamento se tem acerca do tema (se comparado a outros temas de processo). E quando o há, tem-se como pioneiro o direito processual penal. Logo, é mais do que importante invocar o tema ante a esfera processual civil brasileira. Eis o que o trabalho tem por escopo.
2 SUSPENSÃO DO PROCESSO
2.1. CONCEITO
O Código de Processo Civil Brasileiro disciplinou o instituto da Suspensão do Processo no Livro I, Título VI, Capítulo II, especificamente em seus arts. 265 e 266.
No art. 265 do referido Código, têm-se as hipóteses de sua incidência. Já no art. 266, o legislador proibiu a prática de determinados atos, enquanto perdurasse a Suspensão Processual a fim de garantir a efetiva prestação jurisdicional.
Após a devida localização no CPC, mister se faz conceituar “suspensão do processo”, não antes, é claro, de se entender o que vem a ser “processo” em sentido amplo.
Uma vez que se aboliu a autodefesa e a solução das lides e conflitos de interesses através da tutela privada, e organizada a função jurisdicional para aplicar as normas jurídicas relativamente às pretensões insatisfeitas ou resistidas, era necessário estabelecer a forma de atuação dos órgãos jurisdicionais, bem como disciplinar a atividade dos titulares dos interesses em conflito, para que o julgamento das pretensões e a resolução das lides fossem realizadas de maneira satisfatória e com inteira justiça. No entanto, durante muito tempo se confundiu processo com procedimento.
Assim, nessa inteligência, José Frederico Marques conceitua processo como “o meio de que se vale o Estado para a resolução de litígios e pretensões” [2].
Ultrapassado o termo “processo”, salutar a citação de PONTES DE MIRANDA, que definiu brilhantemente o que vem a ser “suspensão do processo”:
“É o fenômeno processual consistente na paralisação da marcha processual com a estagnação da prática de atos necessários à prestação jurisdicional em razão da ocorrência de um fato previsto em lei, assim considerado por decisão judicial” [3].
Nos dizeres de MARCELO ABELHA [4], suspensão do processo é a paralisação temporária e determinada do seu andamento (salvo no caso de força maior), ocorrendo por fatores voluntários ou involuntários ao processo [5]. Ou ainda, na terminologia de Arruda Alvim, necessário ou facultativo [6].
Na verdade, a suspensão ocorre quando no decorrer do processo, surgir determinados incidentes que possam suspender o seu curso normal. A relação processual existente não se encerra, apenas deixa de se desenvolver por determinado lapso temporal. Estaciona-se para depois voltar a caminhar normalmente de onde se parou. Da mesma forma que o CPC regulamenta o curso, o rito do processo, também prevê as hipóteses de sua suspensão (a ser analisada, pormenorizadamente em item ulterior).
Vale ressaltar que a suspensão do processo não se confunde com a suspensão do curso dos prazos processuais, (prevista nos arts. 173, 179, 180 e 181, todos do CPC), ainda que tal suspensão também acarrete a dos prazos, inclusive os peremptórios. FÁBIO GOMES exemplifica o “caso de morte do réu, quando esta se verificar no curso do prazo para contestar” [7].
É, ainda, proibida a prática de atos no curso da suspensão processual. A única hipótese cabível é autorizada pelo art. 266 do CPC, que faculta ao juiz determinar a realização de atos urgentes, a fim de se evitar dano irreparável. Na verdade, não se trata de faculdade do magistrado em determinar a realização de determinados atos que “julgar” urgente. É, sim, matéria de Ordem Pública, logo, houve uma atecnia do legislador ao inserir o termo “poderá”, dando idéia de faculdade; quando na verdade, a redação mais apropriada seria: “deverá o juiz, todavia, determinar a realização de atos urgentes, a fim de evitar dano irreparável” para que não haja interpretação dúbia.
Importante, assim, salientar que a matéria tratada nas questões prejudiciais é questão de Ordem Pública. Ou seja, são aquelas em que o interesse protegido é do Estado e da sociedade e, via de regra, referem-se à existência e admissibilidade da ação e do processo. Trata-se de conceito vago, conforme preceitua Tércio Sampaio Ferraz: “é como se o legislador convocasse o aplicador para configuração do sentido adequado” [8].
Logo, nesse rápido entendimento, verifica-se, per si, que a prejudicialidade pode ser decretada de ofício pelo juiz, não só como forma de suspensão processual, mas precipuamente, de prestação e eficácia jurisdicional.
Ainda sobre a questão do lapso temporal, importante invocar que caso haja lapso temporal entre o fato gerador que enseja a suspensão processual e a decisão que lhe reconhece, o efeito da suspensão será ex tunc, ou seja, ainda que a decisão seja proferida posteriormente, os efeitos da suspensão retroagem até a data do fato gerador que ensejou a suspensão. Nesse sentido, defende Luiz Fux: “o fato gerador da suspensão está no evento previsto em lei, e não na decisão suspensiva em si” [9].
Logo, qualquer ato praticado nesse ínterim não gerará qualquer efeito. FUX expõe o seguinte caso, a título exemplificativo: “se a parte perde a sua capacidade processual em razão de interdição noticiada tardiamente nos autos de um processo em que figurava como autora ou ré, os atos praticados após a interdição e antes de suspenso o feito para o ingresso do curador e do Ministério Público são de nenhuma valia, como, por exemplo, o decurso de um prazo para especificar provas ou arrolar testemunhas, que deve, por isso, ser reaberto”. (p. 429).
Vale ainda ressaltar a diferença que PONTES DE MIRANDA faz entre suspensão do processo e a extinção do mesmo. Em princípio, os dois institutos jamais se confundiriam. No entanto para o insigne autor, no procedimento pode ocorrer a paralisação fáctica, isto é, não há suspensão ou extinção do processo. Há apenas a paralisação do rito processual. Entretanto, “além da parálise do rito, que só se passa no mundo fáctico, […], o sistema jurídico conhece a suspensão do processo e a extinção do processo, que pode levar à sanção extrema da perempção do direito de demandar sobre o mesmo objeto (art. 268, p. único do CPC) [10].
Ora, não há como confundir os dois institutos. A extinção do processo encerra a relação jurídica processual. Enquanto que, na suspensão processual, não se encerra a relação jurídica, nem tampouco a processual, esta apenas se paralisa.
Pontes de Miranda assim expõe:
“Suspende-se o processo quando pode começar de novo. O Código, além da suspensão do processo, do fluir da relação jurídica processual, – que não quebra a vida dessa relação e é apenas como o deixar de respirar por alguns momentos, na vida individual, – conhece a suspensão do processo. Com isso, acentuou, com toda razão, a diferença entre relação jurídica processual e processo” [11].
2.2. HIPÓTESES
As hipóteses de suspensão processual estão previstas nos incisos do art. 265 do CPC, que assim diz:
“Art. 265. Suspende-se o processo:
I – pela morte ou perda da capacidade de qualquer das partes, de seu representante legal ou de seu procurador;
II – pela convenção das partes;
III – quando for oposta exceção de incompetência do juízo, da câmara ou do tribunal, bem como de suspeição ou impedimento do juiz;
IV – quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente;
b) não puder ser proferida senão depois de verificado determinado fato, ou de produzida certa prova, requisitada a outro juízo;
c) tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente;
V – por motivo de força maior;
VI – nos demais casos, que este Código regula.
§ 1º. No caso de morte ou perda da capacidade processual de qualquer das partes, ou de seu representante legal, provado o falecimento das partes, ou de seu representante legal, provado o falecimento ou a incapacidade, o juiz suspenderá o processo, salvo se já tiver iniciado a audiência de instrução e julgamento; caso em que:
a) o advogado continuará no processo até o encerramento da audiência;
b) o processo só se suspenderá a partir da publicação da sentença ou do acórdão.
§ 2º. No caso de morte do procurador de qualquer das partes, ainda que iniciada a audiência de instrução e julgamento, o juiz marcará, a fim de que a parte constitua novo mandatário, o prazo de 20 (vinte) dias, findo o qual extinguirá o processo sem julgamento de mérito, se o autor não nomear novo mandatário, ou mandará prosseguir no processo, à revelia do réu, tendo falecido o advogado deste.
§ 3º. A suspensão do processo por convenção das partes, de que trata o nº. II, nunca poderá exceder 6 (seis) meses; findo o prazo, o escrivão fará os autos conclusos ao juiz, que ordenará o prosseguimento do processo.
§ 4º. No caso do nº. III, a exceção, em primeiro grau de jurisdição, será processada na forma do disposto neste Livro, Título VIII, Capítulo II, Seção III; e, no tribunal, consoante lhe estabelecer o regimento interno.
§ 5º. Nos casos enumerados nas letras a, b e c do nº. IV, o período de suspensão nunca poderá exceder 1 (um) ano. Findo este prazo, o juiz mandará prosseguir o processo”.
O professor Arruda Alvim divide a suspensão do processo, prevista no art. 265 do CPC, em necessária e facultativa.
A necessária está prevista nos incisos I, III, IV e V do referido artigo e a facultativa no inciso II.
Na exposição de Arruda Alvim, só é interessante invocar que a questão prejudicial é condição de suspensão do processo necessária, uma vez que está disposta no inc. IV, alíneas a e c do art. 265 do CPC.
Na alínea a, é suspenso o processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente.
Na inteligência do inciso acima, o outro processo a que alude o Código é, obviamente, o processo já em curso, quando tem início aquele que deverá ser suspenso.
A jurisprudência tem admitido a suspensão do processo nos casos de: ação de alimentos julgada procedente, que já se encontra em grau de apelação, diante da existência de investigatória de paternidade ainda em andamento em primeiro grau; embargos do devedor, por estar pendente ação anulatória do título que está sendo executado; ação de anulação de escritura cumulada com reivindicatória, na pendência de possessória; ação de usucapião, na pendência de ação possessória.
Por outro lado, não se admitiu a suspensão nos casos de: execução hipotecária, por estar em andamento ação paralela visando à anulação dos títulos da dívida garantida pela hipoteca; processo de inventário, ante o fato de estar em curso ação de investigação de paternidade cumulada com a de petição de herança; ação de indenização no cível, diante da existência de processo criminal contra o responsável pelo dano; processo em que se pede a retomada de imóvel locado, ante a pendência de ação de referência. No mesmo sentido, não é de se suspender o andamento do processo para se aguardar a conclusão de inquérito policial referente a fatos ligado à demanda” [12].
Na alínea c, quando a sentença de mérito tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido por declaração incidente, trata-se também de causa de suspensão processual. No entanto, não poderão exceder o prazo previsto no art. 265, §5o, qual seja, o de 1 ano. Após esse prazo, o juiz mandará prosseguir o feito, estejam ou não resolvidos os casos que motivaram a paralisação.
Embora essa seja a posição do respeitável jurista ARRUDA ALVIM, não parece que o prazo previsto no §5o do art. 265 do CPC seja totalmente improrrogável, ainda que previsto expressamente em lei (ver item 5).
Ora, se um processo de reparação cível depende da condenação ou não do réu na esfera penal, é mais do que plausível que se aguarde o julgamento TOTAL da ação penal. Ou seja, até o seu trânsito em julgado, ainda que este lapso temporal seja ultrapassado. Do contrário, a intenção do legislador não surtiria efeito, visto que nada auxiliou ao juiz de direito cível tal suspensão se sua decisão for contraditória da do juiz da esfera penal. Razoável também que esse prazo não seja prorrogado ad eternum, senão, estar-se-ia em um caos jurídico-processual. Também por essa razão que o legislador previu que o prazo não pudesse ser prorrogado por 1 ano [13].
Nesse exemplo é que se verifica que o princípio constitucional da razoabilidade é de suma importância, tanto na seara constitucional, quanto no âmbito processual cível. Assim ensina Linares Quintana:
“(La razonabilidad) consiste em la adecuación de los médios utilizados por el legislador a la obtención de los fines que determina la medida, a efectos de que tales médios no aparezcan como infundados o arbitrarios, es decir, no proporcionados a las circunstancias que los motiva y a los fines que se procura alcanzar com ellos. […] Tratase, punes, de uma correspondencia entre los medios propuestos y los fines que a través de ellos deben alcanzarse”[14].
Já a suspensão do processo facultativa (defendida por Arruda Alvim), é a prevista no art. 265, II, do CPC. Isto é, pela convenção das partes. O prazo é de até 6 meses, conforme preceitua o § 3o do referido artigo. O escrivão fará, então, os autos conclusos ao juiz. “O acordo entre as partes é celebrado, para que, durante a suspensão da causa, possam, eventualmente, as partes chegar a outro acordo, desta vez concernente ao mérito da demanda” [15].
Muito embora o CPC liste as hipóteses de suspensão do processo nos incisos do art. 265 do CPC, verifica-se, ainda, que a enumeração desse artigo não é exaustiva (numerus clausus), eis que outras situações jurídico-processuais também apresentam essa eficácia suspensiva, como são os casos de interposição de Embargos de Terceiros que suspende o processo de execução; a superveniência de férias; a convocação do denunciado à lide também susta a marcha processual até que o terceiro intervenha; a hipótese do art. 110 do CPC [16], entre outros. Logo, embora o CPC tenha elaborado um capítulo tratando somente da “suspensão do processo”, ainda dispõe de casos esparsos sobre incidentes geradores da suspensão processual.
Não obstante as hipóteses supracitadas, enfocar-se-á, aqui, neste trabalho, somente o inciso IV, especificamente, as alíneas a e c, vez que o escopo deste é analisar as questões prejudiciais como forma de suspensão do processo no Direito Processual Cível Brasileiro.
2.3. DIFERENÇAS ENTRE SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DO PROCESSO
O direito comparado faz diferença entre suspensão e interrupção do processo mais para fins terminológicos do que para fins práticos. O próprio Código italiano assume que os efeitos dos dois institutos são os mesmos, v.g., a proibição de praticar determinados atos enquanto perdurar a suspensão ou a interrupção.
Se o Código de Processo Brasileiro adotasse totalmente a posição italiana, os incisos I, III e V do art. 265 do CPC constituir-se-iam em hipóteses de interrupção processual, e não de suspensão do processo. Isso porque “a interrupção se dá pelo fato de que, se tal não houvesse, propiciar-se-ia uma vantagem ao outro litigante, recolhendo o seu fundamento na igualdade dos litigantes. Os incs., I, III e V, do art. 265, em sistemas que adotam essa diferenciação, constituir-se-iam em causas de interrupção” [17].
Por outro lado, não obstante a própria lei processual vede a prática de atos processuais durante a suspensão do processo, a doutrina majoritária [18] e preponderante é pacífica ao admitir que essa regra ceda aos atos acautelatórios, uma vez caracterizado o periculum in mora. Assim é que, mesmo estando suspenso o processo por força de questão prejudicial externa, é lícito ao juízo determinar o arrolamento dos bens disputados na ação suspensa, ou a intervenção do Ministério Público ou do curador ad litem quando o ato é urgente e a causa suspensiva decorre da incapacidade superveniente da parte [19].
Nessa inteligência, é importante ressaltar que a suspensão do processo acarreta tão-somente a suspensão dos prazos processuais, e não sua interrupção. Assim, cessada a causa suspensiva, recomeça-se a contar o prazo pelo tempo que faltava para seu implemento quando ocorreu o evento suspensivo [20]; ao contrário da interrupção do prazo que, uma vez cessada a causa interruptiva, conta-se o prazo de novo, ex integro, como se não tivesse transcorrido (art. 180 do CPC[21]).
3 QUESTÕES PREJUDICIAIS
Antes de se abordar o conceito de prejudicialidade e, conseqüentemente, das questões prejudiciais como forma de suspensão processual, importante enfocar como ocorreu a evolução histórica do termo. Somente depois, poderão ser abordadas as espécies e as principais diferenças entre outros institutos, como as questões preliminares.
Pois bem. O estudo da prejudicialidade iniciou-se no período romano, abrangendo o Direito justinianeu. Nesta fase, grande relevância foi a distinção feita por Manzini de iudicium e cognitio.
“Percebeu o gênio romano a existência de questões que são apreciadas de forma incidental, não tendo a decisão a respeito delas o efeito de condicionar julgamentos futuros. À apreciação judicial de tais questões denominou cognitio. O termo iudicium retratava o julgamento da questão principal, de forma definitiva, com o efeito de poder condicionar outros julgamentos. A distinção é posta, segundo Manzini, no Código, no Livro III, t. 8, de ordine iudiciorum, e Livro VII, t. 9, de ordine cognitionum” [22].
Os romanos admitiram fórmulas sem condemnatio, limitando-se à intentio, intituladas como praeiudiciales. “Os praeiudicia, nelas contidos, refletiam inicialmente juízos preparatórios de outros juízos. Mas passaram com o tempo a ser admitidos em processos autônomos, vindo posteriormente a dar origem às aciones praeiudiciales, antecedentes remotos da ação declaratória” [23].
Com isso foram reconhecidos vários tipos de praeiudicia. Chiovenda [24] enumera-os, referindo-se às questões de estado (questão prejudicial de estado incidental numa causa hereditária ou numa causa de alimentos).
Na verdade, o que é importante invocar é que foram os romanos os primeiros a perceberem a existência de uma relação jurídica entre dois juízos. Não souberam como explicar a relação da questão subordinada e a prejudicial, entretanto mostraram como esta pode influenciar no conteúdo decisório daquela [25].
No Direito Romano, portanto, deu-se destaque às questões de estado como sendo passíveis de juízos autônomos e condicionantes de outros julgamentos. “A suspensão do processo em face de uma questão prejudicial ocorrerá preferencialmente quando for ela uma questão de estado” [26].
Em suma, os romanos foram os pioneiros a refletirem sobre a prejudicialidade. No entanto, de forma prática, buscaram soluções sem se abster em conceitos e terminologias, deixando, por outro lado, toda a base para a evolução doutrinária e legislativa da questão. Scarance elenca alguns legados valiosos [27]:
a) A mencionada distinção entre iudicium e cognitio até hoje de grande relevância no estudo da prejudicialidade;
b) Os praeiudicia, origem remota da ação declaratória, através dos quais mostraram existir juízos dependentes de outros juízos;
c) O realce às questões de estado como questões prejudiciais, com larga influência nos futuros sistemas legais; e
d) A admissão da suspensão do processo em face da questão prejudicial.
No período medieval, ampliaram-se as hipóteses de suspensão do processo, relevando-se a prejudicialidade entre jurisdições, ou seja, a prejudicialidade heterogênea. Enfocou-se, ainda, que nem sempre uma questão será prejudicial porque necessariamente leve à suspensão processual.
Da mesma forma, nesse período não houve colocações adequadas acerca da prejudicialidade, “onde foi dado realce ao efeito da suspensão mais do que a ela própria. Decorreu daí uma série e ilações errôneas, que, contudo, exerceram larga influência na doutrina e legislação posteriores, e talvez em face dessa mesma influência tenham os juristas só mais recentemente se desligado do vício de colocar a suspensão como elemento conceitual da questão prejudicial” [28].
Já no período moderno, ainda sentiu-se a influência do período anterior. A grande preocupação continuou sendo o tratamento da prejudicialidade heterogênea, com ocorrência ou não da suspensão.
“Certamente aquela negativa influência, a partir da Idade Média, levou a maioria dos doutrinadores a não se aperceber, até princípios do século XX, da essência da prejudicialidade, como os romanos já haviam intuído: relação de condicionamento entre dois juízos, um sobre a questão prejudicial e outro sobre a questão prejudicada.
Alguns sentiram que a questão prejudicial é antecedente lógico da questão principal, e, por isso, deve ser apreciada antes, de forma necessária. Chegaram vários deles a enunciar as primeiras noções sobre o ponto, a questão e a causa prejudiciais. Já se coloca como requisito para a conceituação da questão prejudicial o fato de ela poder se constituir em objeto principal de processo autônomo” [29].
No entanto, somente em princípios do século XX, MENESTRINA mostrou a importância de se unir o elemento lógico ao jurídico para conceituar o termo prejudicialidade. Sua obra, La Pregiudiciale nel Processo Civile, foi um verdadeiro marco no estudo do tema.
Após o autor italiano, surgiram outros que dissertaram acerca do tema e, hoje, a doutrina já delineou os elementos fundamentais para a conceituação e estudo da prejudicialidade, embora ainda enfrente barreira com a diferenciação entre questões prejudiciais e preliminares.
No Brasil, também houve demora no estudo do tema. Era tratado como espécie de ação ou de exceção, chamada então de ação prejudicial e exceção prejudicial, ao lado de outras espécies [30].
Não há na literatura jurídica mais antiga brasileira estudo específico sobre o tema. Ainda assim, vários autores se preocuparam em distinguir a questão prejudicial da preliminar, não obtiveram, entretanto, muito êxito, subsistindo a confusão terminológica entre os dois institutos distintos.
A partir de 1938 começou a surgir literatura “recente” sobre questão prejudicial. Assim, Cardoso de Mello [31] e Vicente de Azevedo [32] foram os primeiros a elaborar as contribuições mais valiosas. Entretanto, preocuparam-se em enfocar seus trabalhos somente na esfera processual penal. De igual importância também foi Tornaghi [33]. Porém, quem mais se destacou na literatura atual foi José Carlos Barbosa Moreira.
“Importantíssimos os escritos de Barbosa Moreira. Com grande criatividade, traz enunciados precisos para a distinção entre questão prejudicial e questão preliminar, fazendo ainda importantes colocações a respeito do conceito de questão prejudicial com profunda pesquisa doutrinária. Outros trabalhos em artigos, verbetes de enciclopédias, estudos em obras genéricas ou em livros que tratam de temas ligados à prejudicialidade, como coisa julgada, ação declaratória incidental, conexão de causas, vêm completar o que de mais relevante foi feito sobre o tema” [34].
Foi o mesmo autor, José Carlos Barbosa Moreira, conforme poderá se verificar em item ulterior, que melhor distinguiu as questões prejudiciais das questões preliminares.
No direito pátrio, não houve somente evolução doutrinária, mas também legislativa. Por bom tempo, a prejudicial era tida como espécie de ação ou de exceção, conforme visto. No período imperial, não se tinha legislação a respeito. “A base foi então consolidada pela jurisprudência, ficando geralmente a orientação de que o juiz da causa penal era competente para apreciar incidentalmente a questão prejudicial civil; só excepcionalmente admitia-se a suspensão da ação penal para decisão em separado da questão prejudicial civil pelo juiz competente” [35].
Já no Código de Processo Civil, o de 1939, referia-se à questão prejudicial nos arts. 282, 877 e 878, tratando-a de forma deficiente. Conforme alude ARAGÃO:
“O Código de 1939, realmente, pouco ou nada se preocupou com as questões prejudiciais. Dedicou-lhes um dispositivo (art. 282), determinando que o juiz solucionasse a um só tempo a questão prejudicial e o mérito da causa, nenhuma atenção dispensando à eventualidade de isso não ser possível. Voltou ao assunto nos arts. 877 e 878, já agora com essa preocupação, mas sem se ocupar da distinção entre questão prejudicial e preliminar.
Paralelamente, continha uma disposição capaz de reduzir ainda mais a necessidade de se cuidar a fundo das questões prejudiciais: o art. 287, em cujo parágrafo figurava o princípio, haurido no Projeto Mortara, de se consideraram decididas, ficando cobertas pela coisa julgada, as premissas necessárias da conclusão. Se entendido em sentido lato, porém desaconselhável, abrangeria os fundamentos em geral; se interpretado em sentido estrito, como ocorreu, compreendia os fundamentos sem cuja presença a própria coisa julgada não teria razão de ser. Tal poderia ser o caso da questão prejudicial” [36].
Já o atual CPC enfoca a questão prejudicial em relação à ação declaratória incidental (arts. 5º e 325), à suspensão do processo e à formação da coisa julgada (arts. 469, III; 470) [37].
Será agora abordado o conceito empregado pela doutrina acerca da questão prejudicial. E adotada a que melhor se adapta de forma didática aos estudos supervenientes mais aprofundados deste trabalho.
3.1. CONCEITO
Antes de se abordar o conceito de questões prejudiciais, salutar invocar conceitos processuais que compõem o próprio termo, quais sejam, ponto, questão e causa.
Pois bem. Conforme se verifica na doutrina dominante, ponto é o marco essencial para o entendimento de questão.
Dessa forma, Carnelutti conceituou questão da seguinte forma: “questão pode se definir em um ponto duvidoso, de fato ou de direito, e a sua noção é correlata àquela de afirmação” [38].
Após, portanto, a evolução do termo, com as obras deixadas por Carnelutti unidas aos estudos de lide, razão e questão, pôde-se encontrar o conceito de questão nas raízes da razão.
Verificou-se, ainda, que o ponto pode estar relacionado ao mérito, ao processo ou à ação. Ou seja, tudo que pode vir a ser apreciado pelo juiz, poderá conter pontos.
“O ponto é o fundamento de uma afirmação referente ao mérito, ao processo ou à ação. Essa afirmação pode ser feita por qualquer um dos sujeitos da relação processual: juiz, autor e réu” [39].
A partir da definição de ponto, busca-se o conceito de questão. O conceito supracitado por Carnelutti não foi capaz de suprir todas as necessidades do termo questão prejudicial. Neste momento, oportuno invocar que o ponto nem sempre será proveniente de controvérsias, bem como nem sempre ensejará em questão.
Por ora, também é importante ressaltar que essa questão será transformada em causa quando a manifestação concreta da aptidão da questão prejudicial possa ser objeto de processo autônomo [40].
Passadas essas premissas, pode-se entrar no estudo conceitual das questões prejudiciais.
As questões prejudiciais foram estudadas antes mesmo de se ter conhecimento da ação declaratória. Entretanto, foram decorrentes do mesmo período histórico do direito romano.
Conforme visto, a base doutrinária para a elaboração do conceito deste termo, tanto no direito comparado quanto no direito pátrio, iniciou-se no processo penal. Logo, como referência basilar, cita-se, por ora, o conceito elaborado por TOURINHO FILHO, sobre o que vem a ser questão prejudicial:
“A palavra prejudicial, formada de prae e judicare, significa, etimologicamente, julgamento antecipado, aquilo que deve ser julgado antes. Daí dizer-se que questão prejudicial e aquela que reclama uma decisão prévia. Parecerá, prima facie, que toda questão deva ser julgada previamente seja uma questão prejudicial. Parece, mas, em verdade, não o é, pois, há questões que devem ser decididas previamente, isto é, antes da questão principal, e que não são prejudiciais.
[…] Por questão prejudicial entende-se toda questão de valoração jurídica, seja de Direito Penal, seja Extrapenal, que deve ser decidida antes da questão principal, chamada, por isso mesmo, prejudicada” [41].
Tal idéia do significado etimológico é incipiente. Somente traz a idéia de que a prejudicial é resolvida antes da solução da questão prejudicada. Refere-se ao elemento da anterioridade da prejudicial, de forma genérica, e não concisa.
Dessa forma, FUX funde o conceito de prejudicialidade à função estatal do juiz, esclarecendo que a atividade do juiz em julgar, em dizer o direito, não consiste tão-somente em analisar, conhecer e julgar a matéria constante nos autos, mas também suscitar todas e quaisquer questões que envolvem a relação jurídica processual estabelecida entre as partes do processo principal.
“Por vezes, uma relação jurídica diversa daquela que compõe a causa de pedir, não obstante esteja fora da órbita da decisão da causa, precisa ser apreciada como premissa lógica integrante do itinerário do raciocínio do juiz, antecedente necessário ao julgamento. Saltar sobre ela significaria deixar sem justificativa a conclusão sobre o pedido” [42].
Seguindo a linha de raciocínio de FUX e de BARBOSA MOREIRA, MARCELO ABELHA também contribui para o estudo do tema:
“A questão prejudicial é todo ponto controvertido de fato ou de direito que influencie no julgamento da decisão da causa. Tal questão pode ser julgada pela via principal (principaliter) ou incidenter tantum, sendo que, se o for pela via principal, deverá a parte, no prazo e forma legal, fazê-lo por via de ação declaratória incidental (arts. 5º, 325 e 470 do CPC)” [43].
Não obstante os conceitos supra dispostos, a melhor doutrina estabelece como elementos essenciais para o conceito de prejudicialidade a anterioridade lógica; a necessariedade e a autonomia. Os dois primeiros requisitos referem-se à prejudicialidade lógica. O terceiro refere-se à prejudicialidade jurídica [44].
O maior defensor dessa distinção é Barbosa Moreira, acentuando em sua obra que a questão prejudicial não se caracteriza pela sua antecedência temporal, cronológica, mas sim, lógica.
Acerca dos elementos essenciais para a concentração doutrinária, verificar-se-á, primeiramente, a subordinação lógica e necessária da questão prejudicada à questão prejudicial.
A solução da questão prejudicada não se torna possível se a questão prejudicial não for solucionada antes.
Neste aspecto, MENESTRINA entendia que somente poderia verificar a prejudicialidade de uma questão no momento da prolação da sentença. Esse entendimento mostrou-se deficiente, uma vez que a importância de se verificar e de se resolver as questões prejudiciais perderia sentido. Para quê esperar os efeitos da sentença para só, então, admitir-se a suspensão processual? Tal invocação tornaria a questão prejudicial insolúvel e os seus efeitos seriam inócuos [45].
Dessa forma, Barbosa Moreira aduz ser impossível concordar com o doutrinador italiano, no sentido da impossibilidade de existência de caminhos alternativos no iter silogístico. Ainda expõe que só pode haver prejudicial quando existir antecedente lógico necessário. Assim, só será prejudicial a questão necessariamente posta como antecedente lógico da solução de outra [46].
O mesmo autor, referindo-se aos antecedentes lógicos necessários e aos contingentes, exemplifica que “se, para a solução da questão X, o juiz simplesmente pode, mas não precisa, inserir em seu raciocínio a solução da questão Y, esta não merecerá a qualificação de prejudicial, aplicável ao contrário, à questão Z, cuja solução seja por hipótese indispensável à de X” [47].
Necessária ainda porque em face da própria natureza, a relação entre a questão prejudicial e a prejudicada também envolve elementos de natureza elementar. Isto é, uma não pode ser entendida sem a outra.
“Aqui no processo será constatado justamente que, num plano lógico, uma não é explicável sem a outra e, sendo assim, qualquer decisão sobre a questão prejudicada deve suceder à solução da prejudicial. É certo que o juiz deverá inserir no seu raciocínio o exame da prejudicial antes da prejudicada, mas com isso não se está dizendo que só então surge a relação de prejudicialidade” [48].
O exame feito pela doutrina tão-somente da subordinação lógica e necessária para explicar a prejudicialidade era insubsistente, conforme pôde se verificar. Era ainda requisito da questão prejudicial a possibilidade de a mesma tornar um processo autônomo.
No entanto, esse requisito teve como precursor o já citado MENESTRINA que afirmou:
“A prejudicialidade jurídica nasce do acréscimo de um novo elemento à prejudicialidade lógica: e o novo elemento é a igual natureza do juízo prejudicial e do final” [49].
Mesmo assim, a doutrina mais uma vez divergiu. O pensamento de MENESTRINA foi repudiado por FOSCHINI e acolhido pela maioria dos processualistas, quais sejam: BARBOSA MOREIRA, THEREZA ALVIM, ERNESTO HEINITZ, MONTELEONE, CHIOVENDA, GRECCO FILHO, MOACYR AMARAL, entre outros:
“Mostram Barbosa Moreira e Adroaldo Furtado Fabrício que FOSCHINI se esqueceu do elemento lógico, pois só haverá questão prejudicial quando ela influa sobre outra questão, dela dependente. Os dois elementos lógico e jurídico devem estar associados para a caracterização da prejudicial” [50].
Essa inteligência doutrinária deixou o campo de atuação da prejudicialidade muito extenso.
Barbosa Moreira e Thereza Alvim exemplificam de forma a ratificar a extensão da prejudicialidade abarcado por Menestrina. Na época em que Barbosa Moreira escreveu sua obra específica sobre o tema vigia o Código de Processo Civil de 1939 e qualificava como questão prejudicial “a questão suscitada acerca dos valores da causa, em relação à que se levante sobre o recurso cabível da decisão definitiva de primeira instância (apelação ou embargos)” [51]. Da mesma forma o fez Thereza Alvim, ainda que na vigência do atual Código de Processo Civil, o de 1973 [52].
Vê-se claramente a importância deste elemento, quando se amplia o conteúdo da prejudicialidade até a coisa julgada. Muito embora este trabalho não abranja tal tema, mister abordar o entendimento de Barbosa Moreira sobre a importância do estudo da coisa julgada em relação às decisões sobre condições da ação.
“O alvo da pesquisa é saber se à solução da prejudicial se há de atribuir ou não a autoridade da coisa julgada. Logo, convêm excluir do campo da investigação as questões que nunca possam dar ensejo a pronunciamentos dotados dessa autoridade; mas nada além disso. Exigir a idoneidade para ser objeto principal de juízo autônomo é ultrapassar o justo limite: há questões que não satisfazem tal requisito e acerca dos quais, não obstante, se pode e costuma suscitar o problema da coisa julgada. Assim é que se versa em doutrina, amplamente, o tema da imutabilidade dos efeitos das decisões que decretam a carência de ação; ora, a questão pertinente à existência ou inexistência de ‘condições de ação’ nem sempre é dotado de autonomia, no sentido de poder construir, em processo distinto, questão principal, objeto de julgamento per se: não nos parece admissível, v.g., ação em que se pedisse a declaração judicial do interesse de alguém para propor outra ação, ou de impossibilidade jurídica de pedido que noutra ação se pretendesse formular” [53].
Barbosa Moreira, em sua obra, ainda conclui dizendo que as decisões sobre as questões prejudiciais são sempre incidentais, não podendo adquirir autoridade de coisa julgada.
O mesmo autor ainda critica dizendo que “a introdução do elemento da autonomia para caracterizar a questão prejudicial em sentido jurídico leva, afinal, a apagar a distinção entre questão e causa prejudicial. Só seria questão prejudicial aquela que tivesse aptidão para constituir o objeto de uma causa prejudicial. Mas, então, uma de duas: ou a causa surge efetivamente; e nesse caso já se ultrapassou o plano de mera ‘questão’; ou não surge, ficando aquela aptidão em estado puramente potencial, e nesse caso não se vê como a adoção do critério proposto se avantaje, do ponto de vista de relevância prática, a do outro, pois a controvérsia prejudicial, sob a forma de simples ‘questão’, em nada altera a disciplina do procedimento” [54].
“Realmente, o que se deve entender é que há questão prejudicial quando existe possibilidade de ser objeto de processo autônomo. Ora, é óbvio que, se há tal possibilidade, ela pode se concretizar, e, quando isso acontece, surge a causa prejudicial” [55].
Será abordada em subitem ulterior a diferença entre questão prejudicial e preliminar. Por ora, necessário saber que “a questão prejudicial se caracteriza por ser um antecedente lógico e necessário da prejudicada, cuja solução condiciona o teor do julgamento desta, trazendo ainda consigo a possibilidade de se constituir em objeto de processo autônomo” [56].
3.2. CLASSIFICAÇÕES
3.2.1. PREJUDICIALIDADE HOMOGÊNEA E HETEROGÊNEA
Esse é o critério mais simples de classificação das questões prejudiciais. São também chamadas de comuns ou imperfeitas (homogêneas) ou jurisdicionais ou perfeitas (heterogêneas) [57].
De forma concisa significa que questão prejudicial e a prejudicada (do processo principal) sejam ou não regidas pelo mesmo ramo do direito.
Entretanto, como de forma correta Barbosa Moreira se referiu; no direito pátrio, as seções judiciárias não estão divididas do mesmo modo como está dividido o Ordenamento Jurídico. Logo, uma questão penal incidente ao processo civil, v.g., será heterogênea. Porém, se houver questão prejudicial de direito comercial em direito civil, não haverá heterogeneidade, eis que os órgãos da jurisdição civil podem conhecer destas questões com exceções, é claro, das questões que ultrapassem a Justiça Comum e que estejam reservadas aos órgãos especializados [58].
“Na prática, visto que a divisão do aparelho judicial do Estado em seções especializadas nem sempre corresponde exatamente a divisão do ordenamento jurídico em seus vários ramos, a homogeneidade ou heterogeneidade das questões será apurada tendo em vista a inclusão ou não inclusão da prejudicial e da principal na esfera atribuída ao conhecimento da mesma seção especializada, ou, como em geral se diz com menor propriedade, da mesma ‘jurisdição’” [59].
De forma correta aduziu Barbosa Moreira ao dizer “com menor propriedade, da mesma ‘jurisdição’”. O termo jurisdição veio entre aspas porque não é o termo técnico a ser utilizado. Como bem ressaltou Fernandes [60] em sua obra, a divisão da jurisdição não seria correta, eis que a mesma é una e representa o exercício da atividade soberana Estatal. Entretanto, para fins didáticos, é comum ser feita a separação de jurisdição em espécies, para discriminar, por exemplo, a jurisdição penal da civil, ou a jurisdição comum da especial. É com este objetivo didático que se fala em mesma jurisdição, sem esquecer a sua unidade conceitual.
3.2.2. PREJUDICIALIDADE OBRIGATÓRIA E FACULTATIVA
Quanto a esse tipo de classificação, entende-se por obrigatória quando o juiz necessariamente suspende o processo para que o mesmo seja decidido por outro juiz. É facultativo quando o juiz pode [61] suspender o processo para a análise da prejudicial em outro processo.
“Dar-se-ia a prejudicial obrigatória quando o surgimento da questão prejudicial impusesse ao juiz a suspensão do processo. E a segunda quando apenas lhe permitisse tal providência” [62].
Não obstante o conceito formulado pelo autor, ressalva, ainda, que o que pode ser obrigatório ou facultativo é o mero efeito procedimental da prejudicialidade, jamais a própria prejudicialidade. “A sobrevivência da classificação, nos termos em que não raro aparece formulada, é resíduo da fase em que se confundia a figura jurídica da prejudicialidade com as suas manifestações exteriores e conseqüenciais”.[63]
Como Fernandes [64] bem salientou, levando-se em conta a possível suspensão do processo, devido à questão prejudicial heterogênea, foram construídos sistemas de prejudicialidade, que podem ser resumidos em quatro: a) sistema de cognição incidental; b) sistema da prejudicialidade obrigatória; c) sistema da prejudicialidade facultativa; d) sistema da prejudicialidade obrigatória e facultativa.
No primeiro sistema, o juiz resolve incidentalmente a questão prejudicial heterogênea, sem suspensão do processo, tão-somente para que possa, em seguida, solucionar a questão principal. No segundo, o processo será suspenso para que a questão prejudicial heterogênea seja decidida por outro juiz. No terceiro, a suspensão é facultativa, cabendo ao juiz, diante de certos critérios fixados pelo legislador, decidir se suspende ou não o processo, para decisão em separado da prejudicial heterogênea. O último dos sistemas conjuga os dois anteriores. Em face de determinadas questões, a suspensão é obrigatória, para que sejam decididas em separado. Em face de outras questões, a suspensão é facultativa.
3.2.3. PREJUDICIALIDADE EXTERNA E INTERNA
Alguns doutrinadores como Fernandes, Furtado Fabrício e Moniz de Aragão ainda a subdividem a prejudicialidade em externa e interna.
Há prejudicialidade interna quando ela é solucionada no mesmo processo em que a prejudicada é solucionada. Externa quando se resolvem as questões (prejudicial e prejudicada) em processos distintos. [65]
Essa distinção, segundo os doutrinadores, serve somente para evidenciar a possibilidade de uma prejudicial ser decidida ou não nos mesmo autos em que se decidiu a prejudicada.
3.2.4. OUTROS TIPOS DE CLASSIFICAÇÕES
Serão enfocados os outros tipos de classificações doutrinárias das questões prejudiciais. Muitas delas, conforme se verificará, não possuem muita relevância prática ou teórica. Outras, na verdade, acabam englobando as classificações supra mencionadas. Entretanto, importante, ao menos, mencioná-las, em subtópico próprio.
Pois bem. A classificação das prejudiciais em sentido amplo ou estrito encontra-se de forma divergente na doutrina.
Para alguns, como Ada Pelegrini Grinover, é questão prejudicial em sentido amplo aquela que for resolvida antes da decisão da questão principal. Enquanto que a questão prejudicial em sentido estrito seria a questão prejudicial propriamente dita, isto é, um antecedente lógico e necessário da questão prejudicada e com a possibilidade de ser objeto de processo autônomo. Para outros, como Foschini, as questões prejudiciais em sentido amplo são as que são decididas pelo mesmo juiz que for decidir a questão principal e a questão prejudicial em sentido estrito aquela que for apreciada por juiz distinto [66].
Há ainda a classificação das prejudiciais em próprias e impróprias. Seriam próprias as questões de estado que, sendo decididas, tornar-se-iam imutavelmente definidas não só nos limites da causa em que foram apreciadas, mas também em relação a outras pendências; atingiriam aos interessados nas causas em que foram resolvidas, mas também a outras pessoas. Já as impróprias seriam aquelas cujos julgamentos devem proceder a outro, mas que não alcançam outras pessoas e outras causas [67].
Assim como na classificação anterior (em sentido amplo/restrito), essa classificação foi duramente criticada, eis que não demonstrava qualquer resultado prático no cotidiano forense.
Há ainda a divisão das prejudiciais em próxima e remota ou imediata e mediata.
“Haverá prejudicial remota ou mediata quando, apesar de inserida lógica e necessariamente no encadeamento do raciocínio do julgador para atingir a decisão final, não está ligada diretamente à questão principal. Haverá prejudicial próxima ou imediata quando a questão principal a ela está diretamente relacionada” [68].
Fernandes ainda ressalta a importância jurídica de tal classificação. Na jurisprudência italiana, essa classificação foi influente em relação à suspensão do processo, eis que não a ocorre quando se tratar de prejudicial remota [69]. Por outro lado, Furtado Fabrício [70] defende que a declaração incidente só pode ter por objeto a prejudicial imediata.
Ainda divide-se em total ou parcial, quando “da solução que se der à prejudicial dependerá a maneira como há de pronunciar-se o juiz acerca de todo o pedido, ou seja, acerca da questão principal na sua integridade, ao passo em que, em outros, a solução de prejudicial, ao contrário, tão-somente em parte condicionará a da principal” [71]. A relevância, aqui, portanto, é o grau de influência sobre a decisão final.
Ainda que alguns doutrinadores se refiram a outros tipos de classificações, não se verifica muita importância prático-didática em demonstrá-las neste trabalho. Até mesmo porque se forem expostas todas as classificações, perder-se-ia o escopo do trabalho e ainda poderia se pôr em risco a distinção das questões prejudiciais das questões preliminares. Logo, ante qualquer paradoxo jurídico e apenas a título de informação, Hèlie e Fernandes ainda subdividem as prejudiciais em prejudiciais à ação ou à sentença e prejudiciais de rito ou de mérito.
4 DIFERENÇA ENTRE QUESTÕES PREJUDICIAIS E PRELIMINARES
É importante distinguir as questões prejudiciais das questões preliminares, para que não haja erro quanto à utilização de uma ou de outra no processo. Ocorrendo tal inobservância, as conseqüências podem levá-lo a um curso totalmente distinto, v.g., pode-se chegar à declaração incidente, caso não haja a correta verificação se a questão prévia é preliminar ou prejudicial.
Pelo fato de tanto a questão prejudicial quanto a questão preliminar serem julgadas previamente, alguns processualistas, por muito tempo, confundiram os dois institutos. No entanto, as questões preliminares não se revestem da prejudicialidade.
“Dissemos, […], existirem certas questões que devem ser decididas previamente, isto é, antes da decisão definitiva da causa principal, sem, contudo, revestirem-se do caráter de prejudicialidade, tomando-se esta expressão no sentido que a técnica jurídica lhe reservou e consagrou. São as chamadas questões preliminares ou prévias, as questions préalables dos franceses” [72].
Cardoso de Mello representa essa posição doutrinária. Para ele, erroneamente, prejudiciais seriam as questões “que reclamassem uma decisão anterior à de mérito, incluindo-se entre elas as questões preliminares” [73].
Com a evolução do direito processual, verificou-se que nem todas as questões resolvidas previamente eram prejudiciais.
Não fora isso, outros doutrinadores defendiam que a questão prejudicial era sempre de ramo de direito distinto da questão subordinada, enquanto que a questão preliminar era do mesmo ramo da questão condicionada [74].
Contudo, conforme visto no item 3.2.1, essa tese é radicalmente afastada, eis que se trata de tipo de prejudicialidade (homogênea), e não de questão preliminar.
Outra corrente doutrinária intermediária, porém insubsistente, é a de que a questão prejudicial é aquela que influi sobre a decisão de mérito, enquanto que a questão preliminar está ligada à ação ou ao processo [75].
Essa corrente defendida por Tornaghi, Velotti e Stoppato foi duramente criticada por Barbosa Moreira, bem como por Fernandes.
Barbosa Moreira enfatiza que a ocorrência ou não da questão prejudicial não se relaciona ao mérito, ainda que se coloque, como requisito, possibilidade de ela se tornar processo autônomo. A título de exemplificação, Barbosa Moreira destaca a legitimidade para a propositura da ação popular. Somente o cidadão brasileiro a tem. O réu, em contestação, poderia alegar a falta deste requisito, respaldando-se em eventual nulidade do ato de naturalização do autor [76]. Assim, a título de exemplificação, demonstra-se que esse tipo de corrente também não merece ser acolhida.
Ainda, Tornaghi exemplifica questão prejudicial relacionada com questão sobre condição de ação. “P. ex., a questão da validez de um título de propriedade tanto pode se apresentar como prejudicial da questão sobre a legitimidade do autor, em ação reivindicatória, quanto como ação principal em ação declaratória”. Para o mesmo autor, ainda, “a questão prejudicial se refere sempre ao mérito da prejudicada, embora em determinado processo esse possa funcionar como pressuposto processual ou como condição para o exercício regular do direito de ação”. [77]
Os critérios acima expostos não são suficientes para distinguir a questão prejudicial da questão preliminar, ligando a primeira ao mérito e a segunda ao processo e à ação.
De acordo com a moderna doutrina, o critério mais apropriado para distinguir esses dois institutos é aquele baseado na diversidade de subordinação imposta à questão subordinada. “A preliminar impede, impossibilita a decisão sobre a subordinada. A prejudicial condiciona o teor da decisão sobre a subordinada” [78].
Da mesma forma, Tourinho Filho [79], embora seja referência no estudo do tema na esfera processual penal, erra ao elencar algumas distinções entre questões preliminares e questões prejudiciais. Diante disso, necessário se fez que suas distinções fossem adaptadas às correntes aqui mencionadas, enquadrando-se ao referido estudo:
a) As prejudiciais, em sua grande maioria, são de Direito Material, enquanto as preliminares são de questões processuais, de Direito Processual, portanto.
b) As prejudiciais cingem-se, basicamente, ao mérito da principal e as preliminares dizem respeito a alguns pressupostos processuais: juiz competente e não suspeito, capacidade das partes, não litispendência nem coisa julgada. As questões preliminares têm em vista tão-somente a validade do processo
c) As questões prejudiciais gozam de autonomia, isto é, podem existir sem que haja a questão principal, muito embora já não tenha o sainete da prejudicialidade.
d) As questões preliminares ou prévias são sempre e sempre decididas no mesmo juízo[80], enquanto as prejudiciais podem ser solucionadas quer na mesma jurisdição, quer em jurisdição “externa”, conforme sua natureza.
Barbosa Moreira ainda dispõe:
“Com efeito, a solução de certa questão pode influenciar a de outra: (a) tornando dispensável ou impossível a solução dessa outra; ou (b) predeterminando o sentido em que a outra há de ser resolvida” [81]. […] Às vezes, a influencia que a solução da questão subordinante exerce sobre a da subordinada traduz-se no fato de que aquela depende a possibilidade desta, mas não o seu eventual conteúdo”. [82]
Esse é também o entendimento de Furtado Fabrício, Tornaghi e Thereza Alvim. Do exposto, verifica-se mais uma vez a subordinação entre a questão prejudicada e a questão prejudicial, sendo esta um antecedente lógico e necessário daquela.
Por fim, Barbosa Moreira releva o grau de decisividade da questão prejudicial sobre a prejudicada da seguinte forma: “É bem verdade que o grau de predeterminação pode variar. Às vezes, a solução dada à prejudicial em certo sentido não basta para que se possa predizer com segurança o modo como será resolvida a prejudicada. Ter-se-á uma condição necessária, mas não suficiente. Se o juiz acolhe a alegação de nulidade da obrigação principal, ipso facto está adstrito a rejeitar a demanda contra o fiador; mas se não a acolhe, a influência da solução dessa questão não será tão decisiva porque o réu pode ter outras defesas bastantes, por si sós, para infirmar a pretensão do autor” [83].
Assim, a resolução da questão prejudicial, como o próprio nome sugere, prejudica a questão principal. Relaciona-se, desse modo, à questão principal. Já a questão preliminar ou prévia, antecede a matéria de mérito, com a finalidade única de regularizar o processo. A questão preliminar impede o julgamento final por vícios inerentes ao processo, distinguindo-se, ainda, da questão principal que é o núcleo da sentença pretendida na pretensão material da lide.
5 AS QUESTÕES PREJUDICIAIS COMO FORMA DE SUSPENSÃO DO PROCESSO NO DIREITO PROCESSUAL CÍVEL BRASILEIRO
Após estudar as hipóteses de suspensão, o conceito e os tipos de questões prejudiciais, pode-se iniciar o estudo da prejudicialidade como causa da suspensão do processo.
No inciso IV do art. 265 entendeu o legislador ser conveniente vincular a sentença de mérito à prévia solução de outras causas, ao esclarecimento da relação jurídica que seja objeto principal de outro processo, bem como à prévia verificação de fatos ou produção de prova requisitada a outro juízo, considerados indispensáveis à prolação de sentença de mérito no processo em causa, ou ainda o prévio acertamento de questão de estado, requerido como declaração incidente.
Larga doutrina defende que a suspensão do processo por força do disposto na letra a se refere às questões prejudiciais externas, que já estejam propostas. Se ela for interna, a suspensão dependerá e se limitará à alínea c. Diante disso, se a ação não estiver proposta, a suspensão do processo é inadmissível.
Em relação às prejudiciais previstas na alínea a, Moniz de Aragão assim dispõe:
“Essa prejudicial, porém, pode ser de qualquer natureza: basta que a relação condicionante seja objeto de outra causa, para caber na disposição do texto. […] Um tanto redundante, a alínea insiste em que a declaração da existência ou inexistência de uma relação jurídica, objeto de outro processo, também autoriza a suspensão, desde que seja prejudicial. Parece que mesmo a ação tida como meramente declaratória se inclui entre as causas cuja fluência autoriza a suspensão. Acrescenta o dispositivo um detalhe: é necessário que essa declaração constitua o objeto principal de outro processo. Isso não quer dizer que seja o único objeto, pois a questão prejudicial argüida em um processo pode prejudicar também a solução de outro e nem por ter sido alegada como prejudicial desautorizaria a suspensão deste último. Suponha-se o caso de uma sociedade, ao pretender receber contribuições sociais, ver-lhe oposta a questão incidental de sua inexistência; é evidente que em outro processo, de cuja solução a existência da sociedade seja um pressuposto, se fará necessária a suspensão, para aguardar o deslinde da declaratória incidental” [84].
Marcelo Abelha ainda ratifica dizendo que deverá haver a suspensão do processo quando a questão prejudicial for externa ao mesmo, e for, concomitantemente, impossível proceder à conexão de causas. “É o que ocorre quando proposta ação de reintegração de posse de determinado imóvel que se estende sobre duas comarcas, quando, sobre o mesmo, em comarca distinta, venha a ser proposta ação reivindicatória” [85].
Vale ressaltar que a alteração do §1º do art. 585 do CPC, através da Lei 8.953/94, não resultou em um avanço processual. Pelo contrário, ampliou as hipóteses de não suspensividade da execução.
“Pelo texto anterior apenas a execução fiscal ficava imune à suspensão por haver sido proposta anteriormente ação anulatória do respectivo débito. A nova lei alargou a abrangência do preceito, ‘no sentido de dar plena eficácia ao título executivo extrajudicial, dispondo não haver suspensão da execução pelo ajuizamento de qualquer ação relativa ao débito constante do título’. […] No que diz respeito aos títulos extrajudiciais, forte corrente jurisprudencial inclinava-se no sentido da suspensividade da execução e dos embargos na hipótese de haver sido proposta previamente demanda objetivando o reconhecimento da inexigibilidade, inclusive parcial, do título executivo” [86].
De qualquer forma, o entendimento de Fábio Gomes é o mais acertado. É o de reconhecer a conexão entre a ação de conhecimento mercê da qual se questione a validade do título, ou mesmo a sua inexigibilidade parcial, e os embargos que forem opostos à execução, devendo ambos ser reunidos para instrução e julgamento conjuntos, no juízo prevalente [87].
Em relação à suspensão do processo prevista no inciso IV, c, grande parte da doutrina entende ser um caso de questão prejudicial interna: a questão de estado, na forma de ação declaratória incidental. Conforme visto, essa suspensão constitui aplicação dos arts. 5º e 325 do CPC. Trata-se, no caso, de prejudicial interna, eis que a solução não será dada em outro processo, mas naquele que foi suspenso.
Entretanto essa posição foi repudiada por Frederico Marques, pois a seu ver esta hipótese prevista na alínea c abrangeria somente as questões de estado que constituíssem prejudicial externa (declaratória incidental de outro processo).
Ora, tamanha divergência doutrinária deriva dos arts. 197 e 202 do CPC do Vaticano, no qual se encontra a seguinte norma:
“A suspensão do procedimento se verifica nos seguintes casos: […] 4º quando o julgamento da lide dependa, no todo ou em parte, da subsistência ou insubsistência de uma relação jurídica, que constitua objeto de outra lide, pendente diante de juiz eclesiástico ou de autoridade judiciária civil, ou que deva ser estatuída por outra autoridade, ou quando o juiz haja ordenado a suspensão do procedimento principal para o processamento (“trattazione”) em separado de uma declaração incidental”[88].
Ainda, o art. 218, §3º, do mesmo código assim dispõe:
“o juiz pode ordenar o processamento (“trattazione”) em separado para a declaração incidental e pode ordenar a suspensão do procedimento principal”[89].
Não fora isso, Marques foi criticado por Moniz de Aragão que expõe uma visão mais acertada:
“[…] quando quis referir prejudiciais apenas externas, fê-lo a lei com clareza, do que é exemplo a alínea a. Logo, o máximo consentido ao intérprete consistirá em afirmar que na alínea c cabem também prejudiciais externas, apesar de o texto não ser suficientemente claro a respeito”[90].
Conforme visto, as causas de suspensão previstas no inciso IV, a e c, do art. 265 (CPC) referem-se às questões prejudiciais. Da mesma forma, também merece respaldo o apontamento de Greco Filho:
“Mesmo no caso da letra c, que poderia dar a entender tratar-se de declaração incidente de questão de estado requerida no mesmo processo. Em ambos os casos, o que determina a suspensão é a questão prejudicial (principal ou incidente), a ser decidida sempre em outro processo. Isto porque a questão prejudicial, objeto de ação declaratória incidental no mesmo processo, não determina a sua suspensão, mas sim o julgamento conjunto na mesma sentença, como se infere do art. 470. Uma vez que a questão prejudicial é condicionante da decisão principal, não tem sentido a suspensão do processo se requerida em seu bojo para fins de extensão da coisa julgada, porque, neste caso, havendo necessidade de se ampliar a dilação probatória em virtude da prejudicial, é o próprio processo que se amplia, sem suspensão”[91].
Quanto ao momento da suspensão, esta será determinada por decisão do juiz, assim que tiver conhecimento, por denúncia do interessado, ou por outra forma, do fato determinante da suspensão. O momento desta, portanto, será o do conhecimento pelo juiz do fato suspensivo.
Nos casos previstos nas alíneas a e c, do art. 265, IV, o juiz, ao tomar conhecimento da prejudicial, resolverá ou não pela suspensão do processo, podendo, assim, deliberar mesmo de ofício [92].
No que tange ao limite temporal da suspensão, o §5º do art. 265 regula as conseqüências e dispõe duas regras: a de que não poderá a suspensão exceder a um ano; e a de que findo o prazo, o juiz, pelo princípio do impulso oficial, mandará prosseguir o feito, refletindo o que preceitua o art. 262 do mesmo diploma legal.
Salutar invocar o questionamento de Moniz de Aragão:
“No que tange ao disposto nas alíneas a e c, o juiz proferirá o julgamento da causa condicionada, sem esperar pela solução da causa condicionante. Isso é fácil de admitir no que concerne à letra a, por se tratar de dois processos distintos. Mas é mais difícil de compreender na hipótese da letra c, em que a prejudicialidade é matéria de defesa e, portanto, interna ao processo. Como poderia o juiz solucionar o pedido principal sem resolver, também, o de declaração incidente? A transformação da antiga exceção prejudicial em ação declaratória incidental não deve levar a esse resultado”[93].
Entende-se que a proibição de se estender o prazo é aplicada somente nos casos em que a parte for provocadora da demora, por ter interesse em atrasar o desfecho da declaração incidente. Se o motivo decorrer do juízo ou de força maior, prevalece o contido na norma.
“Suponha-se que o juiz titular entre no gozo de licença-prêmio, por seis meses, ficando o substituto (caso não desfrute das garantias constitucionais inerentes aos juízes de direito), impedido de apreciar a questão de estado (art. 92, II). Não só lhe seria impossível prosseguir no processo, como o prazo de sua permanência não pode ser computado”[94].
Ademais, o parágrafo contém mais uma regra implícita. A de que o juiz do processo condicionado tem autoridade para sentenciar sobre o próprio assunto da questão prejudicial, que figurará na sentença como simples fato, sobre que recaiu a análise do juiz, incidentemente.
Em nenhum caso a sua solução alcançará o efeito de coisa julgada, valendo apenas incidentemente (art. 469, III).
Seja quanto à hipótese prevista na letra a, seja quanto à letra c, o pronunciamento que o juiz emitir em aguardar a solução da questão condicionante não impedirá que esta seja objeto de novo processo, no qual poderá merecer solução distinta da que lhe fora dada no processo condicionado [95].
Em relação aos efeitos da suspensão do processo, Pontes de Miranda elenca, de modo geral, os seguintes efeitos [96]: a) é ineficaz qualquer ato processual que se realiza no período de suspensão, salvo o ato judicial de sentenciação, se a suspensão foi após a audiência de instrução e antes do julgamento, e o ato de assunção do procedimento por parte de quem suceda à parte ou procurador; b) interrompem-se todos os prazos, inclusive os peremptórios e os para recurso ou referentes a recurso, salvo, conforme jurisprudência, se a suspensão do processo se baseia em convenção das partes; c) nenhum prazo se inicia.
Por fim, in passant, ressalte-se a importância da previsão das questões prejudiciais como forma de suspensão do processo no âmbito do processo civil, visto que uma decisão prolatada sem uma visão antecedente de uma possível questão prejudicial poderá induzir o restante do processo e, mais ainda, poderá obter-se decisões prolatadas por juízos distintos, acerca da mesma matéria, porém de conteúdo material e processual divergentes.
Não obstante não seja tema deste trabalho, é necessário invocar o instituto da coisa julgada.
Ernani Fidélis, interpretando Liebman dispõe que “a expressão resultado prático e concreto do processo é de importância transcendental para o entendimento da coisa julgada, no sistema brasileiro. A lide ou mérito reflete o pedido do autor. Tal pedido deve ter sua fundamentação de fato e de direito (causa de pedir). Em conseqüência, o juiz, ao julgar o pedido do autor, com base na fundamentação que o mesmo apresenta, é que vai decidir. Mas, em todas as decisões, seja de acolhimento, seja de rejeição do pedido, a eficácia da sentença consiste naquele comando da própria sentença e a coisa julgada terá incidência sobre tal comando, tornando-o imutável, tanto ele, quanto seus efeitos necessários, quer sejam principais, quer sejam secundários”. [97]
Ainda, o art. 469, III, exclui do rol de coisa julgada a questão prejudicial, decidida incidentemente.
“A coisa julgada material abrange também a questão prejudicial incidente, mas sem o extravasamento dos limites da lide, tudo nos termos do art. 468. Daí, querer afirmar a Lei, simplesmente, que a ‘questão prejudicial, decidida incidentemente no processo’, não faz coisa julgada, como se fora decisão autônoma, com efeitos para fora dos limites da lide em que foi apreciada”[98].
Dessa forma, ainda que não seja tema específico deste trabalho, a coisa julgada, pela sua complexidade inerente, merece estudo mais aprofundado. Limitou-se, aqui, dar somente a noção sistemática de que a prejudicialidade não está tão-somente ligada ao instituto da suspensão do processo. É também de grande relevância no estudo da coisa julgada.
Para finalizar, destaca-se a praticidade das questões prejudiciais no dia-a-dia dos tribunais do País. Diante disso, o próximo item encarrega-se de elencar as alíneas a e c já citadas, na forma de jurisprudências, relacionando as questão prejudiciais à suspensão processual, dando ênfase aos acórdãos dos Tribunais de Justiça Estaduais, mormente no âmbito Cível.
6 JURISPRUDÊNCIA CORRELATA
A alínea a do inciso IV do art. 265 do CPC assim dispõe: Suspende-se o processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitua o objeto principal de outro processo pendente[99]. Dessa forma, enfocar-se-á as jurisprudências relativas à supracitada alínea[100].
MEDIDA CAUTELAR. Exibição de documentos em poder de terceiro. Hipótese que não configura questão prejudicial a exigir suspensão do processo principal. Inteligência dos arts. 265, IV, a, 255 a 363 e 381 e 382 do CPC (RT, 610:91).
PROCESSO. Suspensão. Oportunidade apenas na hipótese de se cuidar de outros processos pendentes. Art. 265, letra a, n. IV, do CPC. Confirmação da decisão que indeferiu o pedido de suspensão. Recurso. Decisão que indeferiu pedido de sobrestamento do feito, a fim de se aguardar a solução de outra ação. Cabimento do agravo, por não se cuidar de despacho de mero expediente. Conhecimento do agravo (RJTJESP, 44:238).
PROCESSO. Suspensão. Ação de usucapião, sustada para aguardar o julgamento de reivindicatória entre as mesmas partes e pelo mesmo objeto. Inexistência de conexão que pudesse justificar a reunião das demandas, sendo adequada a suspensão do usucapião diante da possibilidade de conflito entre as duas decisões. CPC, art. 265, IV, a. Decisão mantida (RJTJESP, 42:222).
Se a Justiça Penal reconheceu a legítima defesa, é impossível pleitear na Justiça Civil o ressarcimento do dano decorrente daquele ato (RT, 513:120).
COMPETÊNCIA. Conexão. Ação declaratória e consignação em pagamento. Pretensão da consignatória que só poderá ser apreciada após a decisão definitiva da ação declaratória. Hipótese de suspensão do processo da ação consignatória e não de prevenção do Juízo. Art. 265, inc. IV, a, do CPC. Recurso não provido (RJTJESP, 96:261).
AÇÃO RESCISÓRIA. Competência. Julgamento dependente de outro feito, em andamento no STF. Conexão manifesta. Impossibilidade de aplicação dos arts. 102 e 105 do CPC, porque improrrogável a competência em razão da matéria ou da hierarquia. Litispendência não reconhecida. Suspensão do processo por um ano (art. 265, n. IV, a, do CPC). Voto vencido (RJTJESP, 39:212).
A chamada “prejudicialidade externa”, prevista na letra a do n. IV do art. 265, do CPC, condicionante da decisão de mérito há de referir-se a processo em curso quando surge o processo que deverá ser suspenso. Assim sendo, se posterior à ação das partes, é impertinente a questão prejudicial de mérito, não existindo fundamento para a suspensão, que, ademais, deve ter prazo certo, nos termos do §5º do art. 265 do CPC (RT, 611: 84).
EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. Município de Várzea Paulista (Jundiaí). Pendência de ação indenizatória por apossamento administrativo de grande porção de área tributada, recomendado à suspensão dos embargos de devedor, na execução fiscal. CPC, artigo 265, IV, a. Matéria pendente capaz de afetar a higidez do título executivo. Recurso provido, para anular a sentença de rejeição dos embargos (AASP, 1.774:503).
PROCESSO CIVIL. Prejudicialidade. Suspensão do processo. CPC, artigo 265, IV, a. A relação condicionante, objeto de outra causa, dada a sua natureza prejudicial, determina a suspensão do processo, por força de norma legal que prestigia o princípio da economia processual e a própria lógica do sistema jurídico (AASP, 1.766:417).
A responsabilidade civil é independente da criminal, em regra. Os parâmetros para a procedência da ação civil diferem do mesmo caminho quanto à ação penal; nesta alça-se a culpa ou o dolo; no campo civil, levíssima a culpa, embora, o agente responde. Não importa, mesmo, para o êxito da ação civil a absolvição do réu, “quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato” (fl. 37). Tratando-se, porém, de imputação de tentativa de homicídio, avulta a possibilidade, em tese, de discutir-se sobre o reconhecimento da legítima defesa, que afastaria o escopo civil de acionamento. Entretanto, o conflito apenas se estabeleceria com a prolação de sentença no cível, antecipando-se ao reconhecimento penal e final (AASP, 1.636:103).
Nenhuma lei existe condicionando o processo de emancipação ao julgamento de prestação de contas de inventariante e de ex-procurador, em que o emancipado é interessado, sob o fundamento de que ele não se acha em condições de reger sua pessoa e bens. Cabe ao juiz, em tal caso, antes de conceder a emancipação, proceder com indispensável cautela, exigindo do menor prova completa de sua capacidade (RF, 142:328).
Em relação à alínea c (tiver por pressuposto o julgamento de questão de estado, requerido como declaração incidente), tem-se a seguinte jurisprudência [101]:
CONDOMÍNIO. Despesas condominiais. Alegação de nulidade da sentença por haver ação declaratória incidente sobre a legitimidade do síndico. Artigo 265, IV, c, do Código de Processo Civil. Processo não suspenso pelo simples motivo de o pedido haver sido indeferido. Cobrança procedente (JTACSP, 59:45).
7 CONCLUSÃO
Este trabalho preocupou-se em destacar as formas de suspensão, enfatizando as alíneas a e c do art. 265, IV, do CPC. Do mesmo modo com que conceituou, classificou e diferenciou questões prejudiciais das preliminares.Assim, questão prejudicial é o que deve ser julgado antes, de forma que sua solução influa no teor de outra decisão. É questão jurídica autônoma, que deve ser decidida antes da questão prejudicada, condicionando-lhe de forma imprescindível.
Diferencia da questão preliminar, eis que esta não se reveste de prejudicialidade. Além disso, a preliminar impede, impossibilita a decisão sobre a subordinada. Já a prejudicial condiciona o teor da decisão sobre a subordinada. As classificações mais importantes são as que distinguem prejudiciais homogêneas e heterogêneas, facultativas e obrigatórias, internas e externas.
Após a classificação, viu-se as questões prejudiciais como forma de suspensão do processo, conforme preceitua o art. 265, IV, a e c, do CPC.
Também foram explanados o momento e o limite da suspensão, bem como seus efeitos. Por fim, dedicou-se um capítulo para o estudo da jurisprudência envolvendo questões prejudiciais e suspensão do processo, de forma a mostrar seu lado prático no dia-a-dia forense.
Ainda, de forma passageira, mostrou-se que embora não seja tema específico deste trabalho, a questão prejudicial também está ligada à coisa julgada. Entretanto, limitou-se às noções gerais, merecendo estudo apropriado do tema para maiores elucidações.
Talvez a conclusão mais óbvia e necessária é a de como foi importante a previsão das questões prejudiciais como forma de suspensão do processo no âmbito do processo civil, visto que uma decisão prolatada sem a observação de uma questão prejudicial, poder-se-ia obter decisões prolatadas por juízos distintos, acerca da mesma matéria, porém de conteúdo material e processual divergentes.
Não se pretendeu, aqui, esgotar o estudo das questões prejudiciais, mas sim contribuir para o seu estudo sistemático, tendo em vista que o assunto é cuidado no tratamento de temas a ele correlatos ou em livros genéricos de Direito Processual.
Informações Sobre o Autor
Carolina Siniscalchi
Advogada