Resumo: O presente plano de trabalho tem por objetivo analisar criticamente o instituto da súmula vinculante tendo em vista que esta matéria foi alvo de inúmeras críticas, antes mesmo da sua incorporação no nosso ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Súmula Vinculante. Recepção no ordenamento jurídico brasileiro. Constitucionalidade.
Abstract: This work plan aims to critically examine the institution of stare decisis in order that this matter was the subject of widespread criticis, even before its incorporation in our legal system.
Keywords: Stare decisis. Reception in the Brazilian legal system. Constitutionality.
Sumário: 1. Introdução. 2. Origem da Súmula Vinculante. 3. Influência do modelo civil Law e common Law para criação da súmula vinculante. 4. A súmula vinculante e sua recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro. 4.1. Separação dos poderes. 4.2. Da independência dos juízes. 4.3. Do acesso ao Poder Judiciário. 4.4. Do duplo grau de jurisdição. 4.5. Do engessamento da jurisprudência. 5. Os limites constitucionais da súmula vinculante. 6. A reclamação constitucional para garantir eficácia da súmula vinculante. 7. Conclusão.
1. Introdução
A súmula vinculante, introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, pela emenda constitucional nº 45, no art. 103-A da Constituição Federal, terá o condão de impedir o uso de dispositivos normativos considerados inconstitucionais pelos órgãos da administração publica direta e indireta, nas esferas federais, estaduais e municipais bem como pelos demais órgãos do Poder Judiciário, propiciando meios para o adequado cumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal. Temos que o enunciado de súmula vinculante “somente poderá tratar de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” [1].
Com este estudo, pretendemos demonstrar o importante papel desempenhado pela súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, sendo, portanto, necessário para isto fazer uma profunda análise de todo o instituto.
2. Origem da súmula vinculante
Para que haja um entendimento a respeito da súmula vinculante é necessária à busca a sua origem, através de uma análise histórica e com vistas ao direito comparado, visto que este instituto advém de outra cultura, que é a portuguesa. Faz-se necessário ainda, a análise das semelhanças e diferenças entre os assentos das cortes portuguesas e as súmulas vinculantes.
Como bem define Canotilho, “os assentos eram normas materiais ‘recompostas’ através de uma decisão jurisdicional ditada pelo Supremo Tribunal de Justiça sempre que houvesse contradição de julgados sobre as mesmas questões de direito no domínio da mesma legislação”. [2]
Os assentos portugueses, existentes desde as Ordenações Manuelinas “eram da competência da Casa de Suplicação, e editados com a finalidade precípua de extinguir dúvidas jurídicas suscitadas em causas submetidas a julgamento”. [3] Os assentos funcionavam como a Corte Superior de Portugal, e eram escritos no Livro da Relação possuindo um forte caráter vinculador, no qual os juízes estavam obrigados a seguir as decisões dos conflitos julgados anteriormente, sob pena de suspensão por desobediência às Ordenações Manuelinas.
Estes assentos permaneceram ainda pelas Ordenações Filipinas, e por diversas leis posteriores. Porém em 1822 este instituto foi extinto, mas após a constatação de diversos problemas com a segurança jurídica em virtude de divergentes entendimentos jurisprudenciais, foi novamente estabelecido.
Com o advento do Código Civil de 1966, voltou a vigorar conforme art. 2º, que assim dispunha: “Nos casos declarados na lei, podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com força obrigatória geral”. Sendo assim, restou-se confirmado a amplitude e a obrigatoriedade dos assentos portugueses.
Verifica-se então que os assentos são decisões criadas pelo Superior Tribunal de Justiça, reunidos em pleno (4/5 dos seus juízes), que poderão ser criados, embasados em uma única decisão, quando houver um conflito de competência. Os assentos portugueses não são leis, pois não passam por votação de um parlamento, mas apenas são provindos de uma sentença. Não tem por objetivo retirar toda incerteza referente à determinada lei, e sim possuem como objetivo dirimir o conflito existente em juízo. São esses ainda de observância obrigatória e por mais que sejam, os assentos, criados por um tribunal sua revogação somente se da por lei.
Por ser os assentos de observância obrigatória o dispositivo que o expressava, o art. 2º do Código Civil, foi alvo de grande discussão quanto a sua constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional português que em seu acórdão assim dispôs: “Julgar inconstitucional a norma do art. 2º do Código Civil, na parte em que atribui aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral, por violação do dispositivo no art. 115 da Constituição”. [4]
Sendo assim, não é que os assentos portugueses deixaram de existir e se tornaram inconstitucionais de toda maneira, mas apenas no que diz respeito a sua força obrigatória geral. Então, desde que passe o Tribunal Superior de Justiça a ter competência para rever os seus assentos, não seriam estes eivados de inconstitucionalidade. Sendo assim, para a sua constitucionalidade foi excluída a expressão “doutrina com força obrigatória geral”.
De acordo com Antonio Álvares da Silva, da fundamentação deduz-se que desde que o assento vincule apenas os tribunais submetidos ao tribunal que o emitiu, não se estendendo aos outros tribunais e à comunidade em geral, torna-se plenamente compatível com a Constituição, porque perde automaticamente a natureza legislativa, ou seja, a generalidade. Deduz se ainda que o assento, por não vincular outros tribunais a não ser o tribunal que o emitiu, perde a eficácia geral e passa a ter apenas eficácia de simples “jurisprudência qualificada”, ou seja, de jurisprudência que vale para apenas estes tribunais, e por último conclui-se que por tudo isso, o art. 2º do Código Civil torna-se plenamente compatível com o art. 115 da Constituição. [5]
Então, dizer que os assentos não mais existem no ordenamento jurídico português não é uma afirmação correta, visto que eles existem, mas não com a validade geral anterior.
Interessante observar que os assentos portugueses inspiraram à criação de decisões de efeito vinculante no Brasil desde nossa independência. Isto porque, o Brasil ainda colônia de Portugal, estava submetido às Ordenações Portuguesas. E os assentos permaneceram, em nosso Direito, desde o descobrimento até a proclamação da República.
Observa-se que a partir da Independência, a fase imperial manteve a sua estrutura jurídica anterior, trazendo, entretanto uma inovação, que foi a transferência da competência dos assentos das Casas de Suplicação para o Supremo Tribunal de Justiça. Porém observa-se que na prática este Tribunal não teve grande participação, visto que nesta época os poderes Judiciário, Executivo e Legislativo eram mitigados pelo poder Moderador, que centralizavam na mão do Imperador, quase todas as decisões políticas e legais.
Com a proclamação da República em 1889, e com a promulgação da Constituição de 1891, os assentos foram extintos. Mas nota-se que esse instituto representou um embasamento para a formulação do que conhecemos hoje como súmulas vinculantes.
Após a extinção dos assentos, em 1933 observou-se uma segunda tentativa no governo provisório de Getúlio Vargas, com a edição do Decreto 23.055, de controlar a jurisprudência nacional, como também de controlar a vida política de todo país. Mas, em 1934, este Decreto perdeu sua validade, encerrando a tentativa de controle jurisprudencial.
Em 1964, Alfredo Buzaid propôs a adoção dos assentos, inspirado no modelo português, em sua apresentação do anteprojeto do Código de Processo Civil. Porém, sua proposta foi suprimida e rejeitada pela Comissão Revisora do Congresso Nacional.
Na mesma ótica, no ano de 1963, surgiram as súmulas em nosso ordenamento jurídico, como uma tentativa de “desafogar o judiciário” com inúmeros processos repetitivos que eram encaminhados ao Supremo Tribunal Federal.
Em um primeiro momento verifica-se que as súmulas eram de utilização restrita do Supremo Tribunal Federal, mas com o sucesso na sua efetivação para a celeridade processual, foram inseridas no Código de Processo Civil, nos seus artigos 476 a 479, sob a denominação de incidente de uniformização jurisprudencial. Neste momento todos os Tribunais brasileiros estavam autorizados a criar suas próprias súmulas, advindas de suas jurisprudências.
Observa-se que a inserção do instituto das súmulas no ordenamento jurídico brasileiro não foi suficiente para dar total celeridade aos processos que chegavam aos Tribunais. Por meio deste fato, estudos foram sendo realizados, a fim de que novo mecanismo fosse implantado para que esta celeridade fosse adquirida. Sendo assim, foi implantada pela Reforma do Judiciário a súmula vinculante, que teve por objetivo além de dar rapidez aos processos, dar segurança jurídica, e igualdade no julgamento de todos.
Surge no direito brasileiro a vinculação dos juízes das instâncias inferiores aos enunciados de súmula vinculante editado pelo Supremo Tribunal Federal e, neste aspecto, poderá a súmula vinculante ser comparada aos assentos portugueses. É possível identificarmos algumas semelhanças entre estes dois institutos, como o fato de ambos buscarem uniformizar a jurisprudência, servindo à unidade do ordenamento e à segurança jurídica. Verifica-se que a finalidade é a mesma, por mais que em um primeiro momento os assentos busquem resolver um conflito de competência e as súmulas vinculantes evitarem repetições de idênticas ações no Supremo Tribunal Federal. Outra grande semelhança é o fato de que ambos os institutos são resultados da produção de Tribunais e não de uma produção legislativa, razão pela qual eles ultrapassam o litígio concreto do qual se originam para embasar futuros casos semelhantes.
Porém, é importante salientar que a grande diferença existente entre estes dois institutos se da pelo fato de que a súmula vinculante, como já conceituada anteriormente é uma decisão do Supremo Tribunal Federal e requer reiteradas decisões sobre uma determinada matéria. Ao passo que, os assentos portugueses não são criados pelo Tribunal Constitucional e não exigem reiteradas decisões, bastando um único conflito de competência.
Após este estudo chega-se a conclusão de que as súmulas vinculantes e os assentos portugueses são essenciais para a evolução de todo ordenamento. Portanto, é exagerado e acientífico querer mudar as normas na mesma velocidade dos fatos, pois não se pode destruir a cada momento o ordenamento jurídico, que perderia a capacidade de dar segurança e estabilidade aos fatos sociais. Este papel pertence mais aos tribunais e não ao legislador. [6]
3. Influência do modelo civil law e common law para criação da súmula vinculante
É inegável a contribuição do modelo civil law e common law para a criação da súmula vinculante. Enquanto no modelo civil law, sistema de tradição romanística, a fonte primária de direitos é sempre a lei, o modelo do common law, sistema de tradição anglo-americana possui como maior fonte de direito a jurisprudência.
Conforme Miguel Reale[7], o modelo do civil law “caracteriza-se pelo primado do processo legislativo, com atribuição de valor secundário às demais fontes do direito. A tradição latina ou continental (civil law) acentuou-se especialmente após a Revolução Francesa, quando a lei passou a ser considerada a única expressão autêntica da nação, da vontade geral, tal como verificamos na obra de Jean-Jacques Rousseau, Du contrat social”.
Por sua vez, o common law “é um sistema jurídico elaborado na Inglaterra, em 1605, surgido em oposição ao pulverizado sistema de direito feudal, calcado nos costumes eminentemente locais das múltiplas jurisdições inglesas. Embora tenha retirado algumas regras dos costumes, sua fonte principal é a jurisprudência. É seguido, salvo raras exceções, por todos os países que politicamente estiveram ou estão associados à Inglaterra.” [8].
O modelo common law está fundamentado na predominância do precedente judicial, ou seja, em decisões baseadas em usos e costumes, inseridas na cultura legal anglo-americana. Neste modelo vigora a doutrina do stare decisis que tem por base o fato de que as decisões emanadas da justiça devem obedecer às decisões anteriores em casos semelhantes, não discutindo assim questões que já foram decididas anteriormente.
Deve se ter em mente, porém que a doutrina do stare decisis não implica em transformar o trabalho do magistrado em algo mecânico, e não gera um engessamento do judiciário. Isto porque, não é obrigatória, ao magistrado, a obediência absoluta às decisões anteriores, podendo logicamente rejeitar o que lhe parecer absurdo e errôneo. Observa-se ainda que no modelo common law as decisões judiciais possuem eficácia interna e externa, visto que vinculam a própria corte bem como outras cortes, desde que inferiores.
Nota-se que tanto perante o common law como no sistema romano-germânico, o que se deseja é a constância e a firmeza do ordenamento jurídico em dar respostas nítidas, iguais e justas aos problemas sociais, pois toda lei começa nos parlamentos, mas acaba nos tribunais. [9]
O que percebemos é que não há nada absoluto em nenhum sistema, e o que se verifica é que na prática cada vez mais é notável a aproximação entre os dois modelos. Tanto o modelo civil law tem dado uma maior importância aos precedentes judiciais, quando o modelo common law tem dado uma maior importância à codificação de alguns dos seus atos normativos. Sendo assim verifica-se que tirar o Direito de um país pela sua jurisprudência não é algo errado. É então nesse momento que deve ser compreendido a introdução da súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, visto que por mais que tenha o Brasil adotado o modelo civil law, os precedentes judiciais possuem grande influência.
Entretanto, por mais que possuam as súmulas vinculantes e o modelo common law idéias semelhantes, existem algumas diferenças entre estes institutos fundamentais. De acordo com Afonso Encarnacion Lor[10], “no stare decisis, as decisões é que são vinculantes, inexistindo a figura da súmula (extrato da decisão). Outra diferença é a origem do efeito vinculante que, na common law, faz parte da natureza do sistema e no Direito brasileiro resulta de uma imposição normativa, operada por Emenda à Constituição Federal.”.
Então, mesmo existindo pontos diversos entre o modelo common law e o instituto das súmulas vinculantes é inegável a contribuição desse modelo para a construção de um ordenamento jurídico que tem buscado uma maior compreensão em seus precedentes judiciais.
4. A súmula vinculante e sua recepção pelo ordenamento jurídico brasileiro
Antes mesmo da incorporação da súmula vinculante ao ordenamento jurídico brasileiro, inúmeras criticas foram levantadas contra determinado instituto.
Conforme já acentuado, a súmula vinculante foi introduzida no nosso ordenamento jurídico com o intuito de assegurar a razoável duração do processo e garantir a celeridade de sua tramitação. Elas permitem que a partir da edição de um enunciado de súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal todas as decisões que envolvam idênticas características sejam dirimidas prontamente.
Sendo assim, concordamos com o posicionamento de Encarnacion Alfonso Lor[11] em que “os argumentos contrários à súmula vinculante embora respeitáveis, não se adaptam à nova realidade do Direito, que reclama, como decorrência lógica do sistema, um mínimo de previsibilidade.”.
As principais críticas giram em torno da ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes, afronta ao princípio da independência do juiz natural, impedimento de acesso ao judiciário, violação ao duplo grau de jurisdição, e o engessamento da jurisprudência. Passaremos agora ao estudo detalhado de cada uma destas críticas.
4.1. Separação dos poderes
Sustentam muitos que por ter a súmula vinculante caráter obrigatório, impondo ao magistrado determinado entendimento e projetando os seus efeitos para mais de um caso concreto em que estejam presentes as mesmas condições, estariam estas adquirindo natureza legislativa. Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal, estaria usurpando função que é típica do Poder Legislativo, e por conseqüência ofendendo o princípio da separação dos poderes.
Assim se posiciona Djanira Maria Radámes de Sá, em que: “Aos juízes cabe, então, julgar interpretando as leis, sendo-lhes vedado criá-las. No poder de julgar é que reside a essência do Poder Judiciário, consistindo essa função num dos fundamentos do constitucionalismo democrático” [12].
Isto ocorre porque aqueles que acreditam que a súmula vinculante é fruto de caráter legiferante, não identificam nenhuma diferença entre enunciado de norma e norma jurídica.
Pensamento equivocado, vez que a norma jurídica é resultado de interpretação do enunciado de norma, ou seja, uma interpretação do que o ordenamento jurídico prevê expressamente em lei. Sendo assim, os textos produzidos pelo Poder Legislativo, servem de base à interpretação dada aos juízes à elaboração das normas jurídicas. O fato de as súmulas vinculantes imporem a interpretação futura dos casos semelhantes e possuírem natureza de norma por ser geral e abstrata, não significa que a interpretação jurídica desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal se igualou à produção legislativa das leis. A súmula vinculante é uma função típica do Poder Judiciário, por emanar dos seus próprios julgamentos, não podendo por isto confundir-se com a criação legislativa.
Sendo assim, súmula vinculante não é lei, visto que não obedece aos requisitos necessários para a formação daquela. De acordo com Antônio Álvares da Silva[13] “súmula não é votada no parlamento, nem muito menos é expressão da vontade geral e da soberania. Tem uma pretensão bem mais modesta. Não é invasora das atribuições do Legislativo. Trata-se tão-só de interpretação cristalizada dos tribunais sobre uma lei ou alguns de seus dispositivos que, pela repetição, se tornaram constantes.”.
Dessa forma, a interpretação realizada pelo enunciado de súmula vinculante não pode ir além do que a lei determina, mas sim deverá supô-la. Temos que, quando a dúvida é inerente à própria norma jurídica, ou seja, quando há divergência sobre o seu conteúdo, várias interpretações lhes são dadas, criando diferentes hipóteses de incidência pelos aplicadores do direito. Neste momento, surge uma extrema necessidade em unificar todas estas interpretações divergentes. Daí então, surge à súmula vinculante com o intuito de sanar as incertezas existentes no ordenamento jurídico e garantir a segurança jurídica com a resolução das controvérsias.
Nesta mesma ótica, se existe uma lei clara a respeito de determinada matéria, não deverá lhe ser dada sentido contrário, por meio de súmula vinculante. Conforme os ensinamentos de Antônio Álvares da Silva[14] “A criação jurisprudencial há de ser apenas interpretativa, nunca ab-rogativa da lei. Se o for, será ilegal e não deve ser acatada. Mas se apenas a interpreta, os tribunais estão na sua função legítima e é para isto que existem.”. Sendo assim, se a súmula vinculante cria matéria nova estará usurpando função do Poder Legislativo, mas caso esteja regulamentando questão divergente, a fim de unificar a jurisprudência, estará no exercício legal do seu direito.
4.2. Da independência dos juízes
Daí então surge outra crítica em que, se o dever legal do juiz é o de observar à lei e, por não ser a súmula vinculante enunciado normativo advindo do Poder Legislativo, a obrigatoriedade em sua observância implicaria uma violação ao livre convencimento do juiz que, sendo obrigado a moldar sua conduta não estaria livre para formar o seu convencimento.
Analisando tal crítica, deve-se observar que, aceitar à obediência à lei, como se esta fosse à única fonte de direito é um retrocesso. Isto porque, verificamos que a jurisprudência, atualmente, ostenta um grande valor. E como visto súmula vinculante não se transforma em lei, apenas é dela uma interpretação que o Tribunal houve por bem estabelecer, no seu legítimo e democrático dever de julgar. [15] Ora, sendo o Supremo Tribunal Federal, um órgão criado pela própria Constituição, o guardião desta, violar uma interpretação que lhe é dada consiste em uma desconsideração e desprestígio de sua força normativa.
Em um julgamento de agravo regimental em recurso extraordinário Ministro Gilmar Mendes concluiu:
“Ora, se ao Supremo Tribunal Federal compete, precipuamente, a guarda da Constituição Federal, é certo que a interpretação do texto constitucional por ele fixada deve ser acompanhada pelos demais tribunais, em decorrência do efeito definitivo outorgado à sua decisão. Não se pode diminuir a eficácias das decisões divergentes. Contrariamente, a manutenção de soluções divergentes, em instancias inferiores, sobre o mesmo tema, provocaria, além da desconsideração do próprio conteúdo da decisão da corte, última intérprete do texto constitucional, a fragilização da força normativa da Constituição”.[16]
Deve ser observado que a obediência das instâncias inferiores ao enunciado de súmula vinculante nada mais é do que a obediência a uma jurisprudência constitucional consolidada. Vale ainda ressaltar que a consolidação dessa jurisprudência sobre determinada matéria, é advinda de um processo no qual os juízes externaram suas opiniões de forma a contribuir para o resultado final. Como bem salienta o ex-ministro Sávio de Figueira Teixeira, as súmulas vinculantes são “elaboradas com base na maturidade do trabalho jurisprudencial, fruto de lenta e prolongada atividade técnica dos juízes, de muitas e longas discussões, da observação atenta de casos repetitivos”. Nada mais democrático e aberto, na medida em que para a criação da súmula vinculante houve a opinião das instâncias inferiores, e nos limites da controvérsia, uma corrente, dentre as divergentes, foi escolhida.
Importante observar que esta crítica parte de uma visão equivocada do instituto da súmula vinculante, por considerá-la uma ‘camisa de força’ na qual o magistrado não poderá exercer sua livre interpretação. Esquece-se, porém, que a súmula vinculante possui como já foi visto anteriormente, uma natureza de norma jurídica geral e abstrata. Sendo assim, logicamente o juiz estará exercendo sua interpretação para identificar se a súmula vinculante em questão se encaixa no caso concreto.
Finalmente, vale ressaltar que não poderá o juiz ser dotado de poder absoluto sobre todas as suas decisões. Isto porque “(…) a independência do magistrado não é garantia posta a seu serviço ou favor, mas sim em favor da população que anseia por justiça.” [17] “Trata-se mais uma vez, de sopesar valores: a liberdade de interpretação da lei que goza o juiz não pode sobrepor ao direito de todos a uma interpretação igual, porque neste principio também se assenta um dos postulados do Estado Democrático de Direito”. [18]
4.3. Do acesso ao Poder Judiciário
As súmulas vinculantes recebem ainda como crítica o fato de violarem o princípio da inafastabilidade do controle judicial previsto no art. 5º, XXXV da Constituição Federal em que “A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”.
Deve se atentar ao fato de que o Poder Judiciário não exclui a pretensão de qualquer cidadão a pleitear seus litígios. Razão pela qual sempre analisará as questões podendo julgar o mérito da causa e dar termo ao processo, como também poderá julgar a ação extinta, não julgando, portanto, seu mérito. Nas palavras de Marco Antônio Botto Muscari[19] “Todos os que desejarem um pronunciamento da Justiça irão merecê-lo, inclusive com oportunidade para (i) demonstração de que o quadro fático concreto diverge daquele que originou a súmula e (ii) dedução de argumento novo, ainda não submetido ao Poder Judiciário”. Percebe-se que não há nenhuma vedação ao acesso ao Judiciário. O que não é permitido é que o juiz, sabendo da existência de uma súmula de efeito vinculante, decida de maneira contrária.
Vale ressaltar que apesar do juiz não poder decidir de modo contrário ao enunciado da súmula vinculante, tal situação não se revela como violação à livre convicção do juiz e sua independência para julgar. Temos que a súmula vinculante possui natureza de norma jurídica geral e abstrata, fazendo com que o juiz exerça a atividade jurisdicional com observância a uma regra pré-existente. Então, “definitivamente, acredita-se que a súmula vinculante não limita a atuação do juiz, assim como não o faz a imposição de ter ele de aplicar as regras da Constituição Federal ou as de qualquer outra regra pré-existente” [20].
4.4. Do duplo grau de jurisdição
Outra grande crítica ao instituto da súmula vinculante é a ofensa ao duplo grau de jurisdição por não existir recurso por outro órgão do Poder Judiciário. Como bem ilustra Nelson Nery Jr. [21], o que fundamenta o duplo grau de jurisdição é “a preocupação dos ordenamentos jurídicos em evitar a possibilidade de haver abuso do poder por parte do juiz, o que poderia em tese ocorrer se não tivesse a decisão sujeita à revisão por outro órgão do Poder Judiciário”.
Por isso, é preciso salientar que esse princípio não está consagrado, expressamente, em nenhum diploma legal. No Brasil, ele foi adotado, pois resulta implicitamente da CF. Quando a CF organizou o poder judiciário criou juízos, órgãos de primeiro grau e de segundo grau. Então, a forma como o judiciário foi organizado na CF denota que foi acolhido entre nós o duplo grau de jurisdição, como regra. Contudo, é uma regra que comporta exceções. Existem diversas hipóteses em que não haverá o duplo grau de jurisdição e mesmo assim não haverá inconstitucionalidade.
O enunciado de súmula vinculante é advindo de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, que é o órgão de hierarquia máxima no ordenamento jurídico brasileiro. Então, não estará havendo uma ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição ao expressar seu entendimento, mesmo que previamente, através do instituto da súmula vinculante.
Ressalta-se ainda que a súmula vinculante não tem o objetivo de impedir qualquer provocação ao reexame de sua sentença, por aquele que se sentir lesado, por uma sentença mal aplicada ou aplicada de maneira indevida. Sendo assim, este poderá recorrer desde que prove que o seu processo é distinto daquele que deu origem à súmula vinculante.
4.5. Do engessamento da jurisprudência
Por fim, o instituto da súmula vinculante é criticado por contribuir para o engessamento da justiça. Este entendimento é baseado no fato de que haveria uma mumificação na maneira de solucionar os litígios pelos juízes e uma ausência de esforço intelectual dos julgadores. Entende-se que uma vez sumulada certa questão e estando as instâncias inferiores impedidas de agirem de maneira diversa o Direito se estagnaria, o que causaria um distanciamento entre a realidade e as novas necessidades sociais surgidas em razão das constantes mudanças do cotidiano.
Porém, não é o que se verifica, visto que sua revisão e seu cancelamento são previstos tanto na Constituição Federal quanto em lei específica e, como bem salienta Fernando da Costa Tourinho Neto[22], “não é certo dizer que o efeito vinculante fossiliza a jurisprudência, a ossifica. O efeito vinculante não será instrumento do entorpecimento jurídico. Os estudos não param. Aí estão os doutrinadores, os articulistas, os professores. As matérias são debatidas em congressos, em seminários, em palestras. Podem os juízes, apesar de julgar de acordo com o Supremo, expor entendimento contrário, ressalvando seu ponto de vista.”.
Desta forma, o instituto da súmula vinculante é uma evolução no nosso ordenamento jurídico. Isto porque, “a unificação interna da jurisprudência dos tribunais e, num segundo momento, a vinculação desta jurisprudência, constituem medidas indispensáveis para completude do ordenamento jurídico, a fim de que se transforme em um sistema operativo, coeso e capaz de exercer com segurança sua função pedagógica de orientação da conduta dos cidadãos e dos agentes legais, bem como o poder de decisão sobre os conflitos sociais”. [23]
5. Os limites constitucionais da súmula vinculante
Torna-se imprescindível trazer uma sucinta explanação sobre o que é a súmula no ordenamento jurídico brasileiro. Súmula deriva do latim summula e significa grosso modo resumo, sinopse, síntese. Verifica-se que essa terminologia é utilizada para designar o resumo de uma jurisprudência dominante de determinado tribunal. Sendo assim, não existe somente súmula advinda de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, mas também de todos os outros tribunais brasileiros, como Superior Tribunal de Justiça, Tribunal Superior do Trabalho, entre outros.
Súmula de acordo com Nelson Nery Junior[24] “é o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência dominante no tribunal e vem traduzida em forma de verbetes sintéticos numerados.” Por sua vez, jurisprudência é a reiteração uniforme e constante de certa decisão em um mesmo sentido. Sendo assim, na medida em que a jurisprudência é o conjunto de reiteradas decisões de um mesmo Tribunal acerca de determinada matéria, a súmula é a síntese, o resumo da jurisprudência.
Ressalte-se, que nem todas as decisões dos Tribunais serão objetos de criação de enunciados de súmula, mas somente aquelas que, em virtude de reiteradas decisões sobre a mesma matéria, tornam-se jurisprudência e posteriormente, súmula. Então, súmula nada mais é do que a sinopse da jurisprudência.
A súmula tem por objetivo facilitar o exercício da atividade jurisdicional do tribunal que a editou isto porque, essa nada mais é do que uma jurisprudência consagrada, um entendimento sedimentado, que será um norte a ser seguido ou não pelo magistrado, a depender de sua convicção sobre a pertinência do entendimento sumulado.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o rol de direitos individuais e garantias fundamentais foram significativamente ampliados, garantindo aos cidadãos entre outras coisas, a possibilidade de apreciação de seus litígios pelo Poder Judiciário. Contudo, essa garantia não foi suficiente para proteger o acesso à justiça, visto que apesar de todos possuírem o direito de ter sua pretensão requerida, não havia nenhuma garantia de que o processo seria apreciado em um tempo razoável. Neste contexto, diante à morosidade da Justiça, entre outras questões relevantes, fez-se necessária a Reforma do Poder Judiciário, que foi introduzida em nosso ordenamento jurídico pela emenda constitucional de nº. 45 em 2004, que criou a súmula de efeito vinculante, em seu artigo 103-A, com a seguinte redação:
“103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
§ 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.”
A súmula vinculante é formada pelo Supremo Tribunal Federal e deve atender aos requisitos constitucionais do artigo supracitado. Observa-se ainda que para garantir eficácia plena a esse artigo constitucional, foi elaborada a Lei nº 11.417/2006, apresentada no Anexo B deste trabalho, que disciplinou a edição, revisão e cancelamento da súmula vinculante.
Nessa ótica, as súmulas possuem como objeto “matéria constitucional”. Esta limitação que nos trás o artigo 103-A caput da Constituição Federal, não deve ser analisada de maneira literal, visto que não precisam tratar de um dispositivo da Constituição Federal em específico, “sendo admissível que verse sobre o controle de constitucionalidade das leis e demais atos normativos, a interpretação conforme a Constituição desses atos e outros temas relevantes constitucionalmente” [25]. Então, as súmulas vinculantes poderão ter por objeto a validade, a interpretação e eficácia do que dispõe a Constituição Federal.
As súmulas sintetizam um entendimento já consolidado do Supremo Tribunal Federal em relação a matérias constitucionais. A súmula terá efeito vinculante, fazendo com que os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, direta e indireta, sigam determinado entendimento sob pena de seus atos tornarem-se inválidos e de serem responsabilizados.
Percebe-se que, até então, as súmulas não tinham o condão de impor ao magistrado determinado entendimento. Serviam apenas como mera orientação, ou seja, como uma forma de mostrar o direito posto por aquela corte, sobre determinada matéria, sem, entretanto, vincular o magistrado. Contudo, com o advento da súmula vinculante, introduzida pela Reforma do Judiciário, este quadro foi alterado, visto que agora estas possuem caráter de observância obrigatória, vinculando o entendimento dos demais órgãos do judiciário e da administração, direta e indireta. Então, estes órgãos não poderão agir livremente, visto que não poderão direcionar o seu entendimento com base em suas próprias convicções, e sim estarão vinculados de maneira obrigatória à determinada súmula.
É de se observar que, a súmula vinculante é o resultado de uma longa trajetória e possui algumas características marcantes, quais sejam: ser resultado de um entendimento jurisprudencial de caráter constitucional, logo de reiteradas decisões de um tribunal a cerca de determinada matéria; ser uma decisão advinda exclusivamente do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo de defesa da Constituição Federal; possui a súmula vinculante caráter de obrigatoriedade, formalmente estabelecido, atribuído à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre determinada questão. [26]
6. A reclamação constitucional para garantir eficácia da súmula vinculante
Conforme prevê art. 7º da Lei 11.417/06 “da decisão judicial ou do ato administrativo que contrariar enunciado de súmula vinculante, negar-lhe vigência ou aplicá-lo indevidamente caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação”. Assim também prevê art. 103-A, §3º da Constituição Federal, em que “Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso”.
A reclamação constitucional consiste em um mecanismo para assegurar o fiel cumprimento das decisões proferidas pelos órgãos de cúpula do Poder Judiciário, no caso de descumprimento por autoridade administrativa ou judiciária de enunciado de Súmula Vinculante.
Temos que, “se uma súmula vinculante não puder ser aplicada, por outra impossibilidade que não uma mera desobediência ao Altíssimo Pretório, à solução para o caso não poderá ser outra senão a modificação ou revogação do enunciado. Todavia, poderão existir casos em que as súmulas vinculantes não venham a ser respeitadas: atos administrativos sejam exarados em contradição ao seu entendimento, sentença ou acórdãos publicados em desobediência à sua orientação. Nestes casos caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, sem prejuízo dos recursos ou outros meios admissíveis de impugnação” [27].
Conforme Cândido Rangel Dinamarco, a “reclamação enquadra-se comodamente na categoria dos remédios processuais, que é muito ampla e abriga em si todas as medidas mediante as quais, de algum modo, se afasta a eficácia de um ato judicial viciado, se retifica o ato ou se produz sua adequação aos requisitos de conveniência ou de justiça” [28].
Consoante posicionamento do STF no julgamento da ADI 2.212-1/CE, “a natureza jurídica da reclamação não é a de um recurso, de uma ação e nem de um incidente processual. Situa-se ela no âmbito do direito constitucional de petição previsto no artigo 5º, XXXIV da Constituição Federal”. [29]
Sendo assim, nas palavras de Palhares Moreira Reis, a reclamação “não é uma ação, porque o seu autor não esta pretendendo uma prestação jurisdicional: isto é já foi obtido no acórdão cuja eficácia se procura garantir. Ademais, no seu contraditório, não se discutem as razões das partes relativas ao fundamento do enunciado, porém apenas sobre o incidente de desobediência” [30].
Não pode ser visto também a reclamação como um incidente processual, visto a inexistência de um processo em curso, pois na reclamação comum, a decisão do processo principal já transitou em julgado. Desta forma, a reclamação não é o meio hábil para destituir uma decisão já transitada em julgado. Temos que, “na reclamação relativa à desobediência à súmula vinculante o que se pretende é garantir a eficácia da decisão do Supremo Tribunal Federal atinente ao efeito vinculante do enunciado, e, portanto, é entendido não caber reclamação para desconstituir decisão transitada em julgado”[31].
Resta claro ainda que, conforme posicionamento do relator Ministro Celso de Mello, decidiu a Suprema Corte: “Assiste plena legitimidade ativa, em sede de reclamação, àquele – particular ou não – que venha a ser afetado, em sua esfera jurídica, por decisões de outros magistrados ou Tribunais que se revelem contrarias ai entendimento fixado, em caráter vinculante, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos processos objetivos, de controle normativo abstrato instaurados mediante ajuizamento, que de ação direta de inconstitucionalidade, que de ação declaratória de constitucionalidade”[32].
Verifica-se então que, o legislador conferiu a parte lesada a possibilidade de apresentar reclamação ou utilizar de outros meios admissíveis de impugnação. Desta forma, a adoção de uma medida não exclui a outra, podendo a parte optar pela utilização da reclamação sem prejuízo de concomitantemente interpor um recurso cabível ou ajuizar uma medida judicial para impugnação da decisão judicial. Ressalve-se, entretanto, que a apresentação de reclamação contra ato administrativo somente será autorizado após o termino do processo administrativo.
De acordo com Pedro Lenza “em se tratando de omissão ou ato da administração publica, o uso da reclamação só será admitido após esgotamento das vias administrativas. Trata-se de instituição, por parte da lei, de contencioso administrativo atenuado e sem violar o principio do livre acesso ao Judiciário (art.5º, XXXV), na medida em que o que se veda é somente o ajuizamento de reclamação e não de qualquer outra medida cabível, como a ação ordinária, o mandado de segurança, etc.” [33].
Verifica-se que, “a reclamação será interposta diretamente perante a Corte Excelsa, não se aplicando para este fim os caminhos processuais de recurso, como o de recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal”. E, ainda, “não há prazo para a apresentação da reclamação, desde que o pleito se revista das características próprias prefixadas regimentalmente”. [34]
Por fim, “julgando procedente a reclamação, o STF anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial impugnada, determinando que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso”. [35]
7. Conclusão
Por todo exposto, é possível concluir que a súmula vinculante tem desempenhado um importante papel no ordenamento jurídico brasileiro. Foi introduzida pelo Reforma do Poder Judiciário, com o objetivo de acabar com a morosidade na tramitação dos processos e uniformizar a jurisprudência.
Antes mesmo da sua incorporação, a súmula vinculante foi alvo de inúmeras críticas, todas elas, a nosso ver, insustentáveis. A súmula vinculante não fere o princípio da separação dos poderes visto que não cria matéria nova, mas apenas regulamenta questão divergente, a fim de unificar uma jurisprudência. Não fere também os princípios da independência do juiz, do acesso à justiça e o do duplo grau de jurisdição, isto porque todas essas críticas decorrem de uma visão limitada que desconsidera o efeito vinculante do sistema jurisdicional. Por último, não há de se falar em engessamento da justiça visto que, há qualquer momento poderá ser proposta revisão ou cancelamento de súmula vinculante, conforme previsão constitucional.
Sendo assim, o instituto da súmula vinculante mostra-se totalmente constitucional, pois além de ter como fundamentos constitucionais os princípios da legalidade e da isonomia, somente será editada se presente todos os requisitos básicos para sua formação, qual sejam reiteradas decisões jurisprudenciais sobre mesma matéria, proporcionando maior segurança jurídica aos precedentes vinculantes.
Informações Sobre o Autor
Tharuelssy Resende Henriques
Advogada